10/05/2015

A família Aquilar Bezerra




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Matemático, sócio do IHGRN e do INRG
 
Minha tia-bisavó, Maria da Conceição da Costa Bezerra, filha de Alexandre Avelino da Costa Martins e Anna Francisca Bezerra, casou, no Sítio Carapebas, em 1882, com Antonio Machado Alves Bezerra, filho legítimo de Vicente Machado de Aquilar Bezerra e Ignácia Maria Xavier Bezerra, com dispensa de consanguinidade. Nos registros da Igreja não encontrei, até agora, outra qualquer família com esse sobrenome Aquilar, aqui no Rio Grande do Norte. Esse Alves, que aparece como sobrenome de Antonio, também, não descobri a origem. No batismo de Antonio e Francisca, a seguir,  verificamos como de registro para registro há variação no nome das pessoas, o que em alguns casos dificulta a pesquisa genealógica.
Francisca Rita Xavier de Maria, que nasceu em Macau, era filha de Vicente Machado de Aquilar Bezerra e Ignácia Francisca Xavier Bezerra, e casou com o viúvo Francisco Xavier de Oliveira Bello, filho de meu tio-trisavô,  Gonçalo José Barbosa, e Marianna Rosa da Silva.
Vejamos o registro de outro de Vicente e Ignácia: Antonio, branco, filho legítimo de Vicente Machado de Aquilar e Ignácia Francisca Bezerra, meus fregueses, nasceu a 22 de setembro de 1851, e foi por mim solenemente batizado no Sítio Curral dos Padres a 29 de novembro do dito ano, sendo padrinhos Alexandre Francisco da Costa Bezerra e Maria Catharina de Sena. Felis Alves de Souza.
Um dos filhos do casal Antonio Machado e Maria da Conceição foi Claudiana, que era avó dos escritores Paulo de Tarso e Bartola. No dia 13 de abril batizei solenemente no Sítio Curral dos Padres, nesta Freguesia, a Claudiana, natural desta mesma Freguesia, sendo padrinhos Vicente Machado de Aquilar Beserra, e Anna Francisca Bezerra, por sua procuradora Joaquina Francisca Xavier Bezerra, nascida aos 25 de Fevereiro do dito ano, e filha legítima de Antonio Machado Alves Bezerra, e Maria da Conceição da Costa Bezerra, livres, brasileiros, e moradores nesta Freguesia, sendo as profissões, do pai = criador, e da mãe = ocupação doméstica. O Vigário Felis Alves de Sousa.
Dessa família Aquilar Bezerra, o registro mais antigo que encontrei foi de Vicência Francisca de Aquilar Bezera, que casou com meu tio-tetravô José Alexandre Solino da Costa: Aos treze de agosto de mil oitocentos, e trinta e quatro, pelas doze horas do dia, depois de obtida a dispensa do impedimento de segundo grau duplicado de sanguinidade e, atingente ao primeiro, e tendo precedido as canônicas denunciações, sem impedimento, confissão, exame de doutrina cristã, ajuntei em matrimônio e dei as bênçãos nupciais aos meus paroquianos José Alexandre Solino, e Vicência Francisca, naturais, e moradores nesta Freguesia, ele filho legítimo de Antonio Barbosa, já falecido e sua mulher Claudiana Francisca Beserra, sendo testemunhas João Evangelista, e Agostinho Barbosa, casados, que comigo assinaram o assento, que fiz na Fazenda Carapebas, desta Freguesia. Luiz Teixeira da Fonseca. Vigário Interino.
Infelizmente, no registro acima, não aparecem os nomes dos pais da nubente, mas pelo grau de consanguinidade, José Alexandre era primo ou tio de Vicência, ou vice-versa. Como ela faleceu em 1879, com 70 anos, deve ter nascido por volta de 1809. Não pude encontra a relação de Vicência com Vicente Machado. Os nomes completos dos nubentes encontramos no batismo a seguir: Francisca, filha de José Alexandre Solino da Costa e Vicência Francisca de Aquilar Bezerra nasceu aos 26 de agosto de 1848 e foi batizada aos oito de dezembro do mesmo ano, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré, tendo como padrinhos Rufino Álvares da Costa e Joanna Martins de Miranda.
Uma filha de José Alexandre e de Vicência tinha o mesmo nome da avó paterna, Claudiana Francisca Bezerra. Ela foi casada com meu tio-bisavô, o cadete José Avelino Martins Bezerra.
Acredito que Vicente Ferreira de Aquilar Bezerra era filho de Vicente Machado. Ele e uma irmã de nome Joana Maria Xavier Bezerra foram padrinhos de batismo em 1873, na capela do Rosário. Em 1905, casava um Vicente Ferreira de Aquilar Bezerra com Luiza Bezerra Grilo, em Carapebas.
Em 17 de dezembro de 1891 falecia Joanna Francisca de Aquilar Bezerra, com 38 anos de idade, casada que era com Leocádio Francisco da Costa Bezerra.
Nos livros de dispensas matrimoniais, encontrei a dispensa de 4º grau de consanguinidade para o Francisco Machado  Alves Bezerra e Francisca das Chagas Xavier da Silva. Não encontrei o casamento deles. Tenho recebido algumas informações desencontradas sobre descendentes deles. Oportunamente, com mais precisão falarei sobre esse casal. Acredito que esse Francisco era filho de Antonio Machado Alves Bezerra e Maria da Conceição.

Bartholomeu em Afonso Bezerra, ao lado do busto do cadete José Avelino


09/05/2015



Discurso de posse na Academia Cearamirinense de Letras e Artes Pedro Simões neto, proferido no dia 05 de maio de 2015, na Estação Cultural “Prefeito Roberto pereira Varella”, em Ceará-Mirim/RN, por GERINALDO MOURA DA SILVA, ocupante da cadeira 21, que tem como patrona a poetisa Ana Augusta da Fonseca Cabral (Anete Varela).


Senhora Presidenta Joventina Simões, na pessoa de quem saúdo toda a mesa e os demais acadêmicos;

Senhor Renato Martins, amigo e presidente da Câmara Municipal, na pessoa de quem saúdo as demais autoridades presentes;

Minha esposa Ana Vilma e minha filha Anne Myldred; Minhas senhoras e meus senhores.

Agradeço primeiramente a Deus, e também aos agora meus confrades da Academia Cearamirinense de letras e Artes Pedro Simões Neto, pela escolha de meu nome para ocupar uma de suas cadeiras e com esse ato eu possa ajudar a essa Instituição no trabalho de perpetuar a cultura local inserindo-a e fortalecendo-a cada vez nos cenários estadual e nacional, como em épocas não muito distantes.

Quis o destino que ao ser eleito e agora empossado, eu ocupasse a cadeira de número 21, que tem como patrona a Poetisa Ana Augusta da Fonseca Cabral, conhecida de todos os cearamirinenses, pelo seu pseudônimo “Anete Varela”.

Dona Anete, era filha do senhor Manoel Varela Buriti e de dona Elvira da Fonseca e Silva Buriti. Passou toda a sua infância no Antigo Engenho Diamante, que pertencia ao Senador Dr. Augusto Meira. De suas lembranças no Diamante, Anete Varela nos brinda com um soneto, em que mistura a labuta diária no velho engenho com seus sentimentos de poeta, dizendo assim:


DIAMANTE

I

Carro de boi, açúcar, rapadura,

Fazem lembrar o Engenho Diamante;

Hoje a saudade dentro em mim perdura,

De minha infância que já vai distante!

II

Nunca existiu em mim, dor, amargura,

Quando eu era criança - e, bem galante,

Ia correndo cheio de ventura, 

Pelo capim, macio e verdejante.

III

Na casa- grande, em cada canto eu via

Um rosto amado cheio de ternura,

A me fitar com risos de alegria.

IV

Já vai longe aquele tempo amigo!

Só me resta, de tudo, a noite escura

Desta saudade que ficou comigo!


Anete Varela trabalhou na antiga maternidade de Ceará-Mirim, tendo por muitos anos como companheiro de trabalho, o médico Dr. Murilo Barros, por quem nutria grande admiração.


Como poeta, participou de várias publicações, dentre as quais, o 3ª Volume de Trovadores do Brasil, em 1970; IV Festival Brasileiro de Trovadores na cidade de Maringá-Paraná; Participou ainda de festivais de poesia em Maringá/PR em 1977 e Natal/RN 1978, pela fundação José Augusto. 

Conheci dona Anete Varela quando a mesma trabalhava na Biblioteca Pública Municipal Dr. José Pacheco Dantas. Figura amável, falava educadamente sem levantar a voz. Ficava na recepção, recebendo a todos os que procuravam aquela casa de cultura, sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra de carinho.

Depois, dona Anete foi trabalhar na Escola Municipal Dr. Júlio Gomes de Senna, na COHAB, mais próximo à sua residência, enquanto aguardava a aposentadoria. Por várias vezes, visitei-a em sua residência na Rua Massaraça e nessas ocasiões, sempre falava sobre seus poemas que um dia ela queria vê-los publicados. E era nesses momentos que desabrochava nela sua sensibilidade poética tal qual descreveu em poema abaixo, 


CORAÇÃO DE POETA

I

Por que não cantas mais, meu coração?

Deixaste assim fugir toda a alegria

Dos lindos sonhos da minha ilusão

Que em meu peito eu abriguei um dia!

II

Também se canta sem ter mocidade

Também amar-se nos apetece.

Pois para o amor jamais existe idade,

Porque o coração não envelhece.

III

Fenece a carne, embacia o olhar,

Aos poucos vão fugindo as ilusões, 

Fica o passado para recordar...

IV

E quando recordamos, revivemos...

E surgem, dentro em nós, inspirações,

De tudo que gozamos ou sofremos.


Esse seu sonho tornou-se realidade quando em 1992, o então prefeito de Ceará-Mirim, Jorge Fernandes Câmara, através do Dr. Murilo Barros, realiza o lançamento do seu único livro “RETALHOS DE SONHOS”. E foi nessa noite de autógrafos, que vi brilhar em seus olhos a alegria de ver o sonho realizado. Sonho esse que era nada mais nada menos que pura felicidade, assim como ela mesma descreveu:

I

Felicidade, onde moras,

E onde estás escondida?

Desejo tanto encontrar-te

Pra ser feliz nesta vida!

II

Será que só no teu nome

Exista felicidade

Até hoje te procuro...

E só encontro saudade...

III

De momentos passageiros

Que eternos devem ser, 

Ondes estás felicidade, 

Que não consigo te ver?


Anete Varela também recebeu homenagem em vida, do poder público municipal de Ceará-Mirim. Foi durante a administração da Prefeita Therezinha Mello que dona Anete teve seu nome imortalizado na Biblioteca Infantil, instalada no prédio em anexo à Biblioteca Pública Municipal. Através do decreto número 709/93, a então prefeita Therezinha Mello criava a sala de Literatura Infantil “Poetisa Ana Augusta da Fonseca Cabral”, inaugurada em 24 de setembro de 1993, sob as bênçãos do padre Francisco de Assis Barbosa, em um ambiente alegre e acolhedor, que era o pátio interno da biblioteca pública municipal, totalmente tomada pelas crianças e adolescentes, professores e convidados. A tudo isso, somava-se a brilhante apresentação da Banda de Música Municipal “Tenente Djalma Ribeiro da Silva”, que executava seus dobrados homenageando a pessoa simples, humilde e amante dessa cidade e desse vale verde: Anete Varela.

Para demonstrar seu amor ao Ceará-Mirim, terra que a acolheu desde o seu nascimento até sua morte, Anete Varela eterniza o seu amor ao verde vale e à sua Padroeira Nossa Senhora da Conceição, em seu poema CEARÁ-MIRIM:

I

Ceará-Mirim tem um vale

Tão grande e verde sem fim,

As pracinhas são bonitas

E bem cuidadas, enfim.

II

A igreja majestosa

Contempla o vale infinito,

Os jardins cheios de rosas

Nem sei qual o mais bonito.

III

Terra de grandes usinas

E de engenhos banguês,

Ah se o passado voltasse

A ser presente outra vez.

IV

Amo tanto a minha terra

Mas, nela não tive sorte...

Minha terra é a mais bonita

Do Rio Grande do Norte,

V

Ceará-mirim minha terra,

Por que não gostas de mim?

Se sempre fui boa filha 

Não é justo que sofra assim.

VI

Senhora da Conceição

Nossa excelsa padroeira,

Lembrai também que sou filha 

Desta terra brasileira.


Muito Obrigado.
 

08/05/2015

Convite Haroldo Pinheiro

Vamos prestigiar



Discurso de posse na Academia Cearamirinense de Letras e Artes Pedro Simões Neto - ACLA, pronunciado em 05 de maio de 2015, na Estação das Artes, Ceará-Mirim/RN, por JOSÉ EDUARDO VILAR CUNHA, ocupante da Cadeira 6, que tem como Patrono José Augusto Meira Dantas.

Inicialmente quero agradecer aos acadêmicos fundadores desta instituição, o Poeta Ciro José Tavares e a Poetisa Lucia Helena Pereira, a 
generosidade do irrecusável convite que recebi para preenchimento da vaga da Cadeira Nº 6 e, em seguida, pelo acolhimento com que minha candidatura foi referendada, em votação, pelos seus membros.
Senhores acadêmicos:
Vós me concedestes o privilégio de pertencer a esta academia e nela conviver com grandes nomes das letras e das artes.
Senhora Presidenta, Senhores Acadêmicos, amigos e amigas, antes, porém, de fazer alusão ao patrono da cadeira nº 6, o Dr. José Augusto Meira Dantas, gostaria de relembrar a minha primeira viagem que fiz de trem com meu pai, ainda menino, para Ceará Mirim. O trem partiu da antiga Estação Ferroviária na Ribeira, em direção ao bairro das Quintas e com baixa velocidade transpôs a Ponte de Ferro sobre o Rio Potengi, a emoção que tive durante a travessia foi radiante. A viagem continuou na direção a Ceará Mirim e, lembro-me bem da parada em Extremoz, para a compra do grude, tão famoso daquela época e da paisagem verde do vale. Descemos do trem e fomos para Timbó visitar Mucio Villar Ribeiro Dantas e sua família, éramos parentes. Fui muitas outras vezes com os primos para Timbó, andávamos de cavalo por todo aquele Vale Verde. 
Para relembrar a família Villar de um passado recente, a primeira pessoa que menciono neste momento é o de José da Costa Villar, Tenente Coronel da Guarda Nacional, pai, de Heráclio de Araújo Villar que foi Magistrado, Politico e Senhor de Engenho. Minha mãe, Maria Álvares Villar nasceu em Ceará Mirim, justamente com seus sete irmãos, era neta de Heráclio, por conseguinte, sendo filho de Maria Villar, sou bisneto de Heráclio. 
A cadeira nº 6 tem como Patrono José Augusto Meira Dantas que, nasceu em Ceará Mirim em 11 de dezembro de 1873 as margens do Rio Ceará-Mirim no Engenho Diamante e que há mais de duzentos anos pertencia a sua família. Descendia de duas grandes famílias rurais nordestinas: os Meira de Vasconcelos da Paraíba, pelo lado paterno; e os Ribeiro Dantas, do Rio Grande do Norte, pelo lado materno. 
Augusto Meira como era mais conhecido fez o curso primário no Engenho Jericó sob orientação de seu pai e, posteriormente, formou-se na Faculdade de Direito em Recife em 1899, tendo sido laureado pela mesma escola.
Augusto Meira era professor, Jornalista, escritor e Advogado, exerceu inúmeros Cargos Públicos, como Delegado de Polícia e Promotor Público, além de vários mandatos de deputado Estadual, Deputado Federal e Senador da República.
Augusto Meira publicou muitas obras literárias entre as quais podemos destacar: Alciones; Falenas e Nenúfares; Secreto Esplendor; Caminho da Glória; Brasileis, epopéia nacional brasileira; Príncipe de Miller; Amazonas versus Pará; Ruy Barbosa e Rio Branco; Direito e Arbítrio; Selva Amazonas; No Centenário Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco e Meira e muitas outras.
Augusto Meira era membro das Academias de Letras do Pará e do Rio Grande do Norte e do Instituto Histórico de São Paulo. Ele acompanhara todas as mudanças, todas as transformações, políticas sociais, filosóficas de sua época. Sua palavra ainda se fazia ler e ouvir através de jornais ou de tribunais.
Um livro de Augusto Meira que se tornou celebre foi Brasileis, epopéia nacional brasileira, cuja primeira edição data de 1927.
Leio neste momento fragmentos das primeiras estrofes do canto 1, conservando a ortografia original.
1
As armas cantarei, trophéos e heróes
Que, em rude esforço, e arrojo sobrehumano,
Dilataram, á luz de tantos soes,
Toda a gloria do génio lusitano!
Direi a guerra, o sol, os arrebóes,
As vastidões da selva e do oceano,
Direi na lyra de ouro, sobranceira,
Toda a vida da gente brasileira
2
Direi do sonho que se fez, um dia,
Realidade excelsa e vencedora,
Todo o vigor que de emphase, irradia,
Espadanando em luz deslumbradora,
Desta terra distante que escondia '
A tréva e o céo, e a vaga aterradora,
Direi, da Pátria, os feitos e esplendores
Mais alto que Camões e os seus lavores
3
Excelsa cruz de estrellas, scintillante,
Que enches o céo de meu Brasil e, alçado,
Outróra, foste o guia, ao navegante,
Que, primeiro em suas praias foi lançado,
Sê, também, o meu guia flammejante,
Neste empenho de amor em que hei sonhado,
Cruz de estrellas, refugio redemptor,
Verte em minh'alma, teu feliz fulgor
4
Só teu aceno, ovante, me levara,
Nesta empresa tão rude e arrebatada,
Só tua luz alviçareira e clara
Me daria vigor para a avançada!
Salve, idylio de Deus que só, me ampara,
Em meio ás emoções desta jornada,
Derrama no meu canto, almo Cruseiro,
Todo o esplendor do génio brasileiro
5
E vós. Auras formosas, que vogaes,
Do Meio-Norte, á margem deleitosa,
Lembrae-vos que sou vosso, inda que mais
Feliz eu fora, em plaga mais ditosa;
Dae-me o vig-or das lanças, dos metaes,
Candentes, na cadencia numerosa,
Dae-me o austero candor de Miguelinho,
Filhos, que somos, desse mesmo ninho.

Senhora Presidenta, Senhores Acadêmicos, amigos e amigas, me encontro extremamente feliz com a presença de todos vocês, mas, destaco com carinho a do meu filho Eduardo, da minha irmã Tania, Dal Santos e do meu sobrinho Mario.

Muito Obrigado

07/05/2015


Discurso de posse na Academia Cearamirinense de Letras e Artes Pedro Simões Neto - ACLA, pronunciado em 05 de maio de 2015, na Estação das Artes, Ceará-Mirim/RN, por GUSTAVO LEITE SOBRAL, ocupante da Cadeira 20, Patrono Francisco de Sales Meira e Sá



ACERCA DA TERRA DOS MEUS

Machado de Assis, doce de coco; Pedro II, doce de figo; Rui Barbosa, doce de batata; Raquel de Queiroz, cocada; Graciliano 
Ramos, doce de laranja cristalizado; e Guimarães Rosa, doce de laranja da terra, e com uma ressalva, caseiro – eis a lista de preferência dos doces, levantada por Gilberto Freyre, que declara em Açúcar , o açúcar preferência nacional. É ainda Gilberto Freyre quem aponta que, vinda da ilha da Madeira, começa a tão antiga história da cana-de-açúcar no Brasil. Cascudo anota que no Rio Grande do Norte tudo partiu de Porto Mirim e Muriú, chegando primeiro ao vale do rio Ceará-Mirim a criação de gado e a notícia que ali se poderia fazer engenhos de açúcar. “Foi na embocadura do Baquipe, ou rio Pequeno (depois Ceará-Mirim), escreve Gilberto Osório, que os filhos de João de Barros [donatário da Capitania Hereditária do Rio Grande], vindos do Maranhão após a morte do parceiro do pai, Aires da Cunha [também donatário da mesma capitania], encontraram os franceses mancomunados com a indiada no comércio clandestino de pau-brasil. Isso aconteceu ai por 1535 ou 1536: antes, portanto de fundar-se a cidade do Natal” . 

Mas não se fizeram os engenhos. O rio Ceará-Mirim, irregular, não chegava a constituir correnteza necessária para mover os engenhos d´água. E assim dormiu o vale até 1845, quando implantam a primeira moenda movida à força animal, e nasceu então o primeiro engenho. Desperta a briosa vila do Ceará-Mirim, e começa a história de seus engenhos, seus bueiros e seus senhores. Vale em que, escreve Nilo Pereira, “surgiu com o ciclo da cana de açúcar a família única dos senhores de engenho – única pelos sentimentos, pela afeição à terra, pela grandeza do trabalho, pelas raízes morais e emocionais” . Um mundo. E neste mundo cabe, como nos versos do poeta Paulo de Tarso Correia Melo ,

Neste mundo cabe
passado, futuro
e fantasia
sonho, memória
e profecia
neste mundo
cabe a vida e a morte
o ser, o devir
e o poderia

Foi quando chegou o tempo. E aquele homem de barba branca previu em sonho, que morto seria conduzido pelos trabalhadores do seu engenho, e de outra maneira não teria sido. O cortejo seguiu pelo vale até o cemitério de Ceará-Mirim, onde está sepultado. Olhos azuis, leitor de A Republica, membro do partido popular, filho de um português imigrante. Terno, bengala, mancava de uma perna e possuía um cavalo baixeiro em que ainda montava. O trole reservava para longas viagens. Uma delas foi para comprar as ferragens de seu engenho. Já a mulher, era filha do bacharel Manoel Hemetério Raposo de Melo, homem importante, sisudo, dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, cujas filhas casaram-se com os senhores de engenho do vale do Ceará-Mirim. No vale viviam estes bisavôs e toda esta família.

A primeira mulher, então falecida, a irmã dela veio ajudar aquele homem a criar os filhos órfãos, e se casaram, formaram e educaram toda uma família, incontáveis gerações. Chamava-se João Xavier, o Joca, o bisavô; e Maria Umbelina, a Iaiá, a bisavó, e viviam no engenho Espirito Santo e Laranjeiras, de sua propriedade. Casa grande, plana, comprida, ao engenho se irmanava. O engenho era a fábrica de se produzir açúcar, os torrões transportados em lombo de animal até Igapó e ali de canoa pelo Potengi até os armazéns da Ribeira Em Natal. Aquele engenho era movido a besta na almajarra, nele conduziam a lida, tirador de cana, cambiteiro, mestre do açúcar, os trabalhadores do engenho. A cana plantada no solo de massapê, fértil, rico, fecundo, que bebia no rio Ceará-Mirim.

Engenho em um único edifício abrigava todas as funções para o fabricação do açúcar, moenda, caldeira, casa de purgar e lá no alto o bueiro. Ainda havia a pastagem dos animais, o sítio de fruteiras, as mais diversas, e um roçado. A manga bacuri de Laranjeiras era o sabor inesquecível daquele tempo e luzia feito gemas nos caçuas de cipô, escreveu sinhazinha Magdalena Antunes , ainda menina vendo a feira. O caldo que escorria da moenda seguia para o paiol e do paiol para os tachos aquecidos pelo fogo da fornalha onde começava o cozimento e as chamas subiam o bueiro e ganhavam todo o vale. Formava-se o mel de engenho que seguia para bater e depois para a casa de purgar onde era despejado nas formas, assim o melaço terminava de cristalizar e virava o mais doce açúcar. E assim viviam.

A mesa de refeições tinha para mais de vinte metros, numa cabeceira seu Joca, noutra dona Iaiá, o banho tomavam no banheiro novo de alvenaria que fizeram lá por trás da balança, no rio Azul, onde nadavam e picavam piabas. Alvoroço foi quando mataram uma jararaca. À noite, acendiam os candeeiros. Serafina, Adelaide e Isabel aprumaram discos no gramofone, bastava dar a corda para funcionar, e todos dançaram. Manoel tocava sanfona, Paulo fazia retratos e foi estudar medicina no Recife. Paulo ao mudar-se para faculdade da Bahia, deixou firme o noivado com a prima Abigail do Recife. Casaram-se, subiram a Serra do Martins e depois vieram parar em Ceará-Mirim. Avós meus, neles nasceram em mim o Ceará-Mirim que existia, e os bisavôs tomaram sentido e vida nos retratos, e a família, e o bueiro fumegando, e os tios Joaquim, João, José e os outros, e os primos. Francisco, um tio-avô, morava em Minas Gerais, e escrevia ao pai, Joca:

Papai, 
Há muitos meses que não tenho notícias diretas suas, apenas o Paulo, ultimamente, me tem escrito, falando-me a seu respeito. Não sei se V.Mcê recebeu uns livros que mandei escritos por mim quando estava no Rio. Tenho muito que contar e estou agora em Alto do Rio Doce, que tem melhor clima e o povo goza de muita saúde. V.Mcê deve ter conhecido a Serra do Martins. Pois nem o frio de lá no inverno se compara com o calor de cá. Quando me lembro que o povo ai morre de sede enquanto a água aqui cascateia por todos os lados das montanhas mineiras, movendo engenhos de cana, moinhos de triturar milho e usinas de luz e força elétrica, tenho a impressão que Deus esqueceu do Nordeste. Como vai V.Mcê? Todos ai vão bem? O Manuel já casou? Paulo comunicou-me do noivado dele ficando eu satisfeito porque a moça é nossa prima do Recife, em 1925, era a mais bonita da capital. Não sei se algum dia voltarei ai. Dalila está sofrendo de uma aneurisma no coração, proibida de qualquer viagem por terra ou por mar. Além disso, os meus interesses aqui não me deixariam ir a não ser a passeio. Espero em Deus que a minha sorte se forme de uma vez e que eu possa algum dia ser útil ao nosso país e àqueles que precisam de mim. Recomende-me a Iaiá e aos de casa. Abençoe-nos a todos, Francisco, Alto do Rio Doce, 4-5-1932.

Assim o álbum de família começou a ser recolhido na composição inacabada da genealogia da família que terminei por não terminar. Tudo começou a se escrever para contar a história desses bisavós e avós, todos. Nascia em mim o Ceara-Mirim que existia no caminho de passagem pelos engenhos, nas conversas sobre as coisas antigas com os tios-avôs José, João, das lembranças de menina de Lourdinha, nas risadas do mestre Tião Oleiro que contava, nos poemas de Adelle Sobral de Oliveira, na história da mordida da raposa, no acidente que houve certa vez na caldeira, no traço de luz em óleo nas telas de Thomé Filgueira. O Ceará-Mirim estava em todo o lugar, e tudo tocou a se transformar em história, no rastro de todo este acervo de memória que se contará no livro que há de nascer um dia.

OBRAS CONSULTADAS
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
CASCUDO, Luis da Câmara. História do Rio Grande do Norte. Ministério da Educação e Cultura, s/d
ANDRADE, Gilberto Osório. Os rios do açúcar do Nordeste Oriental: o rio Ceará-Mirim. Ministério da Educação e Cultura. Publicações do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Imprensa Oficial, Recife, 1957, p.30
PEREIRA, Nilo. Apud ANTUNES, Magdalena. Oiteiro: memórias de uma sinhá-moça. 2ed. Natal: A.S. Editores, 2003,p.248-249
CORREIA, Paulo de Tarso. Sabença. In: CORREIA, Paulo de Tarso. Talhe Rupestre: poesia reunida e inéditos. Organização, introdução e notas Carlos Newton Júnior. Natal/RN: Edufrn, 2008, p.360
ANTUNES, Magdalena. Oiteiro: memórias de uma sinhá-moça. 2ed. Natal: A.S. Editores, 2003,p.201

06/05/2015


NERUDA: “Quem Morre”?

Valério Mesquita*

Recebi da advogada conterrânea Euda Fernandes, com escritório no Rio de Janeiro, um belo texto de Pablo Neruda que me fez refletir, mais do que já faço, sobre a vida. Diz o grande poeta chileno que “morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música ou quem não encontra graça em si mesmo”.  E prossegue: “morre lentamente quem evita uma paixão, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos ou quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos”. Neruda é sábio no aconselhamento. São famosas e universais  as suas cartas e as perguntas que um dia, aqui na Província, outro poeta, Diógenes da Cunha Lima, ousou responder em livro com cem respostas às cem indagações do mestre de “Conto Geral” e “Odes Elementares”.
Poeta do social e revolucionário, Neruda sempre instigou quem o lê a interpretá-lo ou recriar as suas vibrações líricas e reflexões existenciais, sem jamais perder a atualidade sentimental de um mundo que se renova e se transforma. Daí, poder dizer com o poeta sem qualquer despautério a sua criação intelectual, que também morre lentamente quem deixa a vida pra depois ou ingressa em holocausto na carbonizada política partidária do Rio Grande do Norte; morre lentamente o funcionário que desde a instituição do plano real não recebe aumento de salários; morre lentamente quem vive do salário mínimo ou depende do SUS ou da rede pública hospitalar para viver; morre lentamente quem é correntista da rede bancária brasileira, submetido aos cheques e traumas das CPMF’s, taxas e juros extorsivos; morre lentamente quem adotou como profissão a atividade de produtor rural nesse país, sem crédito, sem proteção e sem nenhum incentivo oficial; morre lentamente quem se julga beneficiado pela enganosa qualidade do ensino universitário hoje praticada no Brasil; morre lentamente quem acreditar na eficiência da segurança pública, caso já não tenha sido ceifado de vez; morre lentamente quem acreditar que o Brasil não é um país das maiorias corruptas, praticante da lei da vantagem; morre lentamente quem crê na recuperação do real perante o dólar estratosférico e inflacionário; morre lentamente quem acredita que o bolsa família não é moeda eleitoral e na transposição das águas do Rio São Francisco. E, por fim, com o perdão do poeta Pablo Neruda, morre lentamente, daqui pra frente quem acreditar nos eleitos que gastaram e que fizeram muito barulho para nada; dos que sonharam ou se iludiram com a mais difícil e cada vez mais enganosa atividade pública: a política. Com a sua permissão poeta, eu concluo, à maneira romana: saúdo aqueles que vão morrer por acreditarem que a corrupção vai acabar e os culpados serão punidos.


 (*) Escritor.