22/01/2014

Júlio Verne – o homem das mil profecias

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Em 1863, Júlio Verne escrevia “Paris no século XX”, uma obra que permaneceu inédita por mais de cem anos, até que fosse descoberta e publicada por seu bisneto em 1989.
Nesse livro, Verne nos surpreende com uma capital francesa repleta de tecnologia muito familiar aos dias de hoje. Entre as suas propostas futuristas está o uso do fax, de uma rede mundial de comunicação, automóveis movidos a gás, trens de alta velocidade e arranha-céus gigantescos.
Como poderia Verne antecipar de forma tão acertada o futuro de uma civilização? Teria algum poder mágico?! Mas, longe de ser um bruxo, com poderes sobrenaturais, o escritor era um homem estudioso, que desenvolveu um sistema próprio de escrita e mantinha amizade com cientistas famosos em diversas áreas de sua época.
Esse seu método incluía largas pesquisas nas bibliotecas, lendo e relendo livros de referência, revistas e periódicos científicos. De posse das informações técnicas, buscou comparar a vanguarda tecnológica do momento e transportá-la a um futuro bem distante, no final do século XIX. Baseado nesses fundamentos da ciência procurou fazer projeções pessoais – e nisso era perito.
No começo de sua carreira, Verne foi bastante incentivado pelas obras de Alexandre Dumas, o famoso autor de “Os Três Mosqueteiros”.
Quando iniciou como escritor, Júlio Verne produzia artigos curtos sobre temas científicos e históricos, e, para executar esse trabalho, fazia-se necessário documentar-se amplamente sobre múltiplos aspectos científicos.
Não demorou muito para formar a ideia de escrever romances com os conhecimentos que havia adquirido.
Ao combinar narrações de ficção de escritores como Edgar Allan Poe com os recentes descobrimentos de sua época, Verne descobriu um inovador gênero literário, que não tardaria a ser denominado de romance científico.
Esse tipo de leitura teve um público muito receptivo na França, existindo na época um florescente movimento positivista que considerava o conhecimento da natureza como algo fundamental.
Em meio a um ambiente cultural regido pela Lei Falloux (15/3/1850), que teria uma influência predominante sobre a educação francesa durante trinta anos, Verne foi muito bem recebido.
Então, Verne escreveu a sua primeira obra de sucesso – “Cinco semanas em um balão” (1863), que serviria de base para suas obras seguintes.
Verne buscou a assessoria de amigos e parentes, em especial o primo Henri Garcet (professor de matemática), Jacques Arago (célebre explorador) e Gaspard-Félix Tournachon, um aventureiro conhecido em toda França pelo apelido de “Nadar”.
Esse último foi que logrou entusiasmar Verne pela aviação e o apresentou a um círculo de engenheiro e cientistas notáveis. Entre esses novos amigos estava Jacques Babinet e Guillaume Joseph Gabriel de La Landelle, um dos pioneiros da aeronáutica.
O desenho de Guillaume de um helicóptero com hélices verticais e horizontais inspirou Verne a criar “Albatros”, um engenho voador que aparece na sua obra “Robur, o conquistador” (1886).
Foi o editor Pierre-Jules Hetzel que colaborou com Verne no início de sua carreira, quando bastante desanimado pensava, inclusive, em desistir. O trabalho de Verne, até então desconhecido, seria publicado vários anos nas revistas “Magasin d’Éducation et de Récréation” e na “Bibliothèque d’Éducation et de Récréation”. Na primeira, suas obras foram publicadas em capítulos, na forma de folhetos; e, na segunda, como romances completos.
Essas duas linhas editoriais dariam lugar a obras de grande sucesso, como: “Viagem ao Centro da Terra” (1864), “Da Terra à Lua” (1865), “Vinte mil léguas submarinas” (1869/70), “A volta ao Mundo em 80 dias” (1873), as mais vendidas de todas.



O CAPITALISMO, O MANIFESTO E A ENCÍCLICA. AUTORIA DE TOMISLAV FEMINICK.





Entre o início da revolução industrial no século XVIII e as primeiras décadas do século XX, a política de “Estado mínimo” – associada à doutrina do laissez-faire - ensejou o aparecimento de oligopólios e monopólios e fez aparecer o lado mais desumano do capitalismo primitivo: o capitalismo selvagem. Sem nenhuma disposição legal estabelecendo normas de relações de trabalho entre proprietários dos meios de produção e produtores diretos, o padrão empresarial se regulava somente por um dispositivo: obter mais lucro. Nessas condições, o trabalho nas fábricas era terrível: longas jornadas, ambientes insalubres, fechados, sem ventilação e iluminação adequadas. Crianças, idosos e adultos, todos com jornada diária que chega a dezesseis horas, sete dias por semana. Por outro lado, as cidades recebiam contingentes de camponeses que abandonavam as zonas rurais em crise. Esses novos habitantes urbanos alimentavam a crescente necessidade de mão de obras das indústrias e iam morar em casebres imundos, sem água, luz e esgoto. As cidade mais inchavam que cresciam. Em Londres, Nova York, Berlim, Rio de Janeiro, na Índia, China, Japão em todo parte, os trabalhadores viviam uma vida abjeta e sem esperanças, enquanto as corporações cresciam e se multiplicavam e o comércio se expandia internamente e entre os países, sob a hegemonia do Império Britânico e de outras potencias; todas impotentes para solucionar os graves problemas enfrentados pelos trabalhadores. As grandes reações ao capitalismo selvagem foram a revolução francesa de julho de 1830, os movimentos de massa que aconteceram na Europa (notadamente na Inglaterra e Alemanha) e, mais tarde, nos Estados Unidos com as manifestações de rua e a greve geral de Chicago, em 1886. Foi nessa época de confrontação que, em fevereiro de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels lançaram o Manifesto Comunista, um contra ponto ao Estado mínimo. Baseado em um projeto de socialismo científico, propuseram uma “fórmula única: abolição da propriedade privada [...], por uma violação despótica dos direitos de propriedade e das relações burguesas de produção [...]. Todavia, nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente ser postas em prática”: abolição do direito de herança, confisco da propriedade de todos os emigrantes, centralização bancária e de todos os meios de transporte nas mãos do Estado, trabalho obrigatório para todos. Haviam outras proposituras. Na mesma linha de reação à desumanidade praticada pelo capitalismo selvagem, em maio de 1891 o Papa Leão XIII publicou a sua célebre encíclica Rerum Novarum, pela qual a Igreja Católica tomou uma posição de confronto com o liberalismo selvagem e com o pensamento dos comunistas. Denunciou a situação de “um pequeno número de ricos e opulentos, que impõem, assim, um jugo quase servil à imensa multidão de proletários”, e se opôs aos socialistas que, “para curar esse mal [...] pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida [...]. Mas, semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusto, por violar o direito legítimo aos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social”. Então, usando a lógica da dialética de Hegel, o capitalismo selvagem (tese) teria sido confrontado por comunistas e catolícos (antítese), o que teria dado origem a uma outra forma de capitalismo (síntese), um capitalismo menos selvagem e mais humano.





 Tribuna do Norte. Natal, 19 jan 2014

Tribuna do Norte. Natal, 19 jan 2014. O Mossoroense. Mossoró, 17 jan 2014.O Mossoroense. Mossoró, 17 jan 2014.

A COLUNA PRESTES NO RIO GRANDE DO NORTE - VII - TOMISLAV R. FEMINICK.

A Coluna Preste no Rio Grande do Norte - VII 
 Tomislav R. Femenick(*)
 – Membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do RN 

 Uma das tarefas mais árduas do historiador ao relatar um acontecimento histórico é manter-se imparcial perante os acontecimentos e para isso há que “separar o joio do trigo”, os fatos das versões e, principalmente, se desviar das ciladas preparadas por fontes cheias de preconceitos, lacunas propositais e interpretações ideológicas. No caso das ocorrências mais recentes, eventos das primeiras décadas do século passado, por exemplo, nem as fontes primárias (depoimentos de pessoas envolvidas, documentos escritos, fotografias etc.) escapam dessa armadilha. É o que se dá quando se escreve sobre episódios da Coluna Prestes. Muitos dos relatos primários estão impregnados de versões adversas à realidade, de ataques injustificados ou com viés de caráter laudatório. O mesmo também acontece com as fontes secundárias, a historiografia baseada nas fontes primárias. É o caso de uma obra de Jorge Amado, um dos maiores escritores do país que, ao escrever sobre a Coluna Prestes, produziu uma versão edulcorada, doce, mansa, suave. “Vida de Luis Carlos Prestes: el caballero da Esperanza”, foi escrita em Buenos Aires em 1942 e publicada em espanhol, pelo Editorial Claridad, depois reeditada no Brasil pelas editoras Martins, Record, Circulo do Livro e mais recentemente pela Cia. das Letras. Segundo Marcelo Bortoloti publicou na revista Época em dezembro passado, a biografia de Prestes escrita pelo escritor baiano é laudatória, sem equilíbrio e com grande dose de parcialidade. Estranhamente o próprio autor (ou a Editora Record) baniu o livro da relação de “Obras de Jorge Amado”, inserida na última página do seu romance “Tieta do Agreste”, publicada em 1977. Talvez tenha sido porque o pensamento político de Jorge tenha mudado quando ele deixou o Partido Comunista, em 1958, e ele já não mais concordava com o que tinha escrito sobre Prestes. Essas palavras – a propósito da necessidade de “exigência crítica” sobre as fontes primárias e secundárias dos relatos históricos – estão sendo aqui inseridas com referência à série de artigos que está sendo publicada pelo historiador Luiz Gonzaga Cortez (meu confrade do Instituto Histórico e Geográfico do Rio do Norte), sobre o mesmo evento aqui abordado: a passagem da Coluna Prestes pelo Rio Grande do Norte, em 1926. Minhas únicas vantagens é que comecei primeiro e falo sobre o Rio Grande do Norte e ele, até agora, tem falado somente sobre São Miguel. No resto estamos juntos na tarefa de reavivar a historia de uma época que poucos conhecem, história presa nas páginas de livros velhos armazenados em estantes empoeiradas ou em papéis amarelecidos pelo tempo. Cortez tem baseado seu trabalho em um depoimento feito por José Guedes do Rêgo, em “cinco páginas datilografadas sobre o que viu e ouviu”. E, com muita sutileza, desde o primeiro artigo tem deixado aflorar fatos contraditórios ou que mostram a parcialidade do depoente. Em primeiro lugar deixou ver que na cidade de São Miguel uma parcela da população – certamente a maior – tomou posição contraria aos revoltosos e outra se dispôs a acolher e dar guarida os membros da Coluna. No primeiro caso estavam os liderados pelo presidente da Intendência Municipal (prefeito), cel. João Pessoa de Albuquerque, também conhecido por João Leite; no outro, estavam os simpatizantes dos revolucionários, os que acompanhavam o comerciante Manoel Vieira de Carvalho que, segundo o historiador Rostand Medeiros (2010), hospedou os líderes dos revoltosos em sua na casa e “buscou receber o grupo da melhor forma possível”, com o que garantiu a segurança de sua família e a integridade de seu patrimônio, enquanto que o cel. João Pessoa e seus familiares tiveram que se refugiar na zona rural. A descrição que José Guedes do Rêgo faz dos fatos – segundo mostra Cortez – é ambígua. Ao mesmo tempo em que indiretamente louva a atitude de seu empregador (sim, em 1926 Zé Guedes era empregado de Manoel Vieira de Carvalho), classifica o cel. João Pessoa, um cidadão com 72 anos de idade, como “fujão” e “chefete” e apresenta seu filho, José Augusto Pessoa, como um covarde “que nunca se envolveu em luta”. Luiz Carlos Prestes esteve ligeiramente na zona urbana de São Miguel, deixando o comando das operações a cargo dos tenentes João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra. O líder da Coluna passou a maior parte do tempo em seu Estado Maior, localizado a pequena distancia da cidade. Porém em determinado momento o comando dos revoltosos, a convite do próprio Manoel Vieira, se instalou na sua residência “como se fosse seu escritório e começaram a ouvir todas as pessoas que conseguiram prender fora da cidade”. Isso está dito no depoimento de José Guedes do Rêgo, que teria presenciado o episódio. Comentando a passagem da Coluna Prestes por nosso Estado, o historiador Geraldo Maia, em artigo de 01.04.2009, sintetizou: “o fato histórico ocorrido aqui na região, mostrando que longe de atingir os seus objetivos, a Coluna dos Revoltosos, como ficou aqui conhecida, deixou um rastro de medo e destruição”. João Pessoa de Albuquerque foi Presidente da Intendência de São Miguel de 1911 a 1913, deputado estadual em 1915 a 1926 e, em 1963 quando o antigo distrito Baixio de Nazaré foi desmembrado de São Miguel e se tornou Município, recebeu o nome de Coronel João Pessoa, em sua homenagem. Depois da Revolução de Trinta, Manoel Vieira de Carvalho foi prefeito nomeado de São Miguel de 1930 a 1932. José Guedes do Rêgo foi eleito vice-prefeito de Pau dos Ferros em 1957.

João Bosco e outras pessoas conhecidas


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Ultimamente tenho feito artigos genealógicos sobre pessoas que são nossas contemporâneas, em busca de elos com os mais antigos. Hoje, continuamos nesse caminho, iniciando com meu amigo João Bosco, que morava, quando o conheci, em frente ao Colégio Maria Auxiliadora. Os nomes serão escritos como aparecem nos registros da Igreja.

Aos vinte e três de março de mil novecentos e quarenta e sete, nesta Catedral, batizei, solenemente,  a João Bosco Barreto Duclerc Pinheiro, nascido em Natal, no Hospital Miguel Couto, a dez de fevereiro de mil novecentos e quarenta e sete, filho legítimo de Francisco Duclerc Pinheiro e D. Marta Barreto Pinheiro, residentes à av. Deodoro, nº 277; neto paterno de Joaquim Anselmo Pinheiro e Paulina Generosa do Amor Divino, e materno de Pio Paes Barreto e Maria Carolina Barreto. Foram padrinhos, Dr. Heitor Pereira Carrilho e D. Virgínia Ribeiro Carrilho, residentes no Rio de Janeiro, representados por Carlos Lamas e D. Berta Barreto Lamas, residentes nesta capital. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor José Alves Ferreira Landim.

Pio Paes Barreto era filho de Juvino Paes Barreto e Ignez Augusta de Albuquerque Maranhão, sendo esta filha de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e Feliciana Maria Silva Pedroza.

Meus sogros moravam em Santa Cruz, mas vieram batizar uma de suas filhas, irmã de Graça, minha esposa, aqui em Natal, pois era aqui que moravam os padrinhos. Segue o batismo: Aos dezesseis de abril de mil novecentos e quarenta e sete, nesta catedral, o Reverendíssimo monsenhor João da Mata Paiva, de minha licença, batizou, solenemente, a Joana D’arc, nascida em Santa Cruz, Rio Grande do Norte, a dezoito de fevereiro de mil novecentos e quarenta e sete, filha legitima de Francisco Umbelino Neto, agricultor, e D. Maria Stela Rodrigues, residentes em Santa Cruz; neta paterna de José Umbelino Gomes e Maria do O’ de Medeiros Gomes; e materna de José Rodrigues de Medeiros e Felismina Rodrigues. Foram padrinhos Dr. Fernando Guilherme, farmacêutico, e D. Elima Guilherme Gomes, residentes à rua (ilegível) nº 76. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor José Alves Ferreira Landim. Joana casou com o cardiologista Nilton Oliveira Mendes Sobrinho, em 1969.

No registro acima, José Umbelino Gomes (de Macedo) era filho de Francisco Umbelino Gomes de Macedo e Felismina Maria de Macedo, enquanto Maria do O’ de Medeiros era filha de Felix Antonio de Medeiros e Thereza Duquesa de Farias. José Rodrigues e Felismina eram filhos: ele de Manoel Rodrigues da Silva e Francisca Mirandalina de Medeiros; ela, de Francisco Rodrigues de Freitas e Salvina Umbelina de Freitas, sendo esta última, irmã de José Umbelino Gomes.

Valdemar, meu irmão, casou com Daisy Lucena, cujo batismo segue: Aos dezoito de março de mil novecentos e quarenta e sete, nesta Catedral, o Reverendíssimo Padre Francisco das Chagas Neves Gurgel, de minha licença, batizou, solenemente, a Daisy Moraes Lucena, nascida em Natal, à av. Rio Branco, nº 682, a quinze de julho de mil novecentos e quarenta e três, filha legítima de José Cordeiro Lucena (Comercial José Lucena) e D. Georgina Moraes Lucena; neta paterna de Tobias Aguiar Lucena e Maria Francelina de Moraes (em outros registros não tem esse Moraes), e materna de Benjamin Moraes e Brasiliana de Moraes. Foram padrinhos José Ribeiro Dantas e D. Helena Vilar Ribeiro Dantas, residentes nesta capital. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor Landim.

Na mesma data acima foi batizada uma irmã de Daisy, de nome Dalvanira Moraes Lucena, nascida, no mesmo local acima, na data de 31 de dezembro de mil novecentos e trinta e nove, tendo como padrinhos Dr. Sebastião Monte, médico, e D. Nadir Correia Monte. Outro irmão de Daisy, Wellington (José) Moraes Lucena, nasceu aos 13 de março de 1933, em Nova Cruz, mas só foi batizado aos 13 de março de 1938, no Santuário, aqui em Natal, pelo Padre José Dantas Adelino, tendo como padrinhos Noé Lucena e sua esposa D. Luzia de Medeiros Lucena; nesse registro o nome completo do avô materno era Benjamim Constant Costa Moraes, simplificado no registro de Daisy; Wellington casou com Vera Lúcia Gentile, em 1966. Encontro  batismos de mais duas irmãs de Daisy: Therezinha, nascida em 25 de outubro de 1935, em Nova Cruz, batizada em oratório particular em 23 de janeiro de 1936, tendo como padrinhos Aurio (é o que parece) Costa e Maria Otília Carneiro; e Dalva, nascida em 15 de julho de 1937, batizada em 12 de agosto do mesmo ano, na capela do Tirol, tendo como padrinhos Eduardo Gurgel Filho e Djanira de Lucena Gurgel.

Os padrinhos de Therezinha eram os pais de Luiz Eduardo Carneiro da Costa.
Graciela, Bosco e eu

Daisy, Valdemar, e nós

Joana, Nilton e nós

19/01/2014

Verdades cruzadas - X
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, Professor aposentado do Curso de Direito da UFRN e Presidente da Comissão da Verdade. Sócio do IHGRN.

Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem. 
Thiago de Mello: Estatuto do homem
Santiago do Chile, abril de 1964.

O Governo atual, da Presidenta Dilma Rousseff, como prefere ser denominada, através da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 criou a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticados no período fixado pela Constituição Federal – art. 8º do ADCT, que compreende o lapso temporal iniciado em 18 de setembro de 1946 – data da promulgação da Constituição de 1946 e do período conhecido como de redemocratização do Brasil até 05 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal vigente, denominada “Constituição Cidadã” pelo eminente Deputado Federal Ulisses Guimarães, tudo no sentido de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Tal providência serviu de base para a criação de outras comissões semelhantes pelos Governos Estaduais e Municipais e Instituições Públicas, cada uma aperfeiçoando as informações pesquisadas em espaço mais próximos dos acontecimentos.
No âmbito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a providência da Reitora Ângela Maria Paiva Cruz surgiu com a edição da Portaria nº 1.809/12-R, de 31 de outubro de 2012 criando a Comissão da Verdade da UFRN, em conformidade com o artigo 39 do Regimento Geral, designando para a sua condução representantes das categorias docente, discente e funcional, congregando professores aposentados e em atividade, o representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE), de representante do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais em Natal, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz, Macaíba, Macau e Nova Cruz (ADURN Sindicato) e do Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação do Ensino Superior (SINTEST)[1].
Na composição inicial foram designados os membros Carlos Roberto de Miranda Gomes, Professor Adjunto aposentado, na condição de Presidente; Ivis Alberto Lourenço Bezerra de Andrade, Professor Adjunto aposentado, na condição de Vice-Presidente; Almir de Carvalho Bueno, Professor Associado; Justina Iva de Araújo Silva, Professora Adjunta aposentada; Diretório Central dos Estudantes (DCE) representado pela aluna do Curso de Pedagogia Danyelle Rosana Guedes; Sindicato dos Docentes das Universidades Federais em Natal, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz, Macaíba, Macau e Nova Cruz (ADURN Sindicato), representado pela Professora Associada Maria Ângela Fernandes Ferreira e o Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação do Ensino Superior (SINTEST), representado pelo funcionário da UFRN, vigilante Moisés Alves de Sousa.
Para secretariar a Comissão foi designada a servidora KadmaLanubia da Silva Maia, conforme a Portaria nº 2.021/12-R, de 18 de dezembro de 2012.
Posteriormente, por motivos superiores, foram designados o aluno André Felipe Bandeira Cavalcante (Portaria nº 574/13-R, de 21 de março de 2013 em substituição a Danyelle Rosana Guedes e o Professor Titular José AntonioSpineliLindoso (Portaria nº 906/13-R, de 30 de abril de 2013) para substituir a Professora Justina Iva de Araújo Silva. Outra alteração foi feita na representação do DCE, com a substituição do estudante André Felipe pelo estudante do Curso de Direito Juan de Assis Almeida (Portaria nº 1.956-R, de 11 de setembro de 2013).
No decorrer dos trabalhos a Comissão sentiu a necessidade de recrutar alunos bolsistas, tendo realizado uma seleção que aprovou os nomes dos estudantes Edilson Pedro Araújo da Silva (Curso de História); Juan de Assis Almeida (Curso de Direito); Kaline Faria de Araújo (Curso de História); Lucila Barbalho Nascimento (Curso de História); MayaneRanice Costa da Rocha (Curso de História); Patrícia Wanessa de Moraes (Curso de História); Thales Gomes de Lima (Curso de direito); Yasmênia Evelyn Monteiro de Barros (Curso de História) e Monique Maia de Lima (Curso de História), que prestaram um serviço relevante, com eficiência e entusiasmo, permitindo êxito às tarefas da Comissão.

  Este trabalho terá complementação com o desenvolvimento de outros capítulos, que serão elaborados pelos demais membros da Comissão da Verdade, conforme se segue:
1.     Arcabouço histórico da Ditadura Militar no RN – Eclosão da ditadura e os reflexos em Natal e na UFRN.
Professor Antônio Spineli e bolsistas Yasmênia, Monique e Edilson.
2.     Estrutura da repressão: ASI/UFRN – DSI – SNI/DOPS. Atuação da ASI. Ligações entre os órgãos de informações. Professor Almir Bueno e bolsistas Monique, Mayane e Edilson.
3.     IPM da UFRN: 1964/RO. IPM do Restaurante Universitário: 1968/7ªRM. Professor Carlos Roberto de Miranda Gomes, membro Juan de Assis e dos bolsistas Lucila e Thales.
4.     A ação estudantil pré-1964 e posterior ao golpes e atuação das entidades estudantis DCE e DA´s no período. Professor Ivis Bezerra e bolsistas André, Kaline, Mayane Patrícia.
5.     Movimento Docente. Criação da ADURN no período de redemocratização. Professora Ângela Ferreira e bolsistas...
6.     Movimentação dos servidores. Caso Alberto Lima, servidores da ASI. Servidor Moisés e bolsistas...
7.     Graves violações aos Direitos Humanos (mortos, desaparecidos e presos políticos). Caso de Luiz Maranhão Filho, José Silton Pinheiro e Emmanoel Bezerra. Bolsistas Lucia, Yasmênia e Edilson.
8.     Conclusões (recomendações). Colegiado da Comissão.



[1] A ideia partiu dos estudantes do Curso de Direito.

15/01/2014

Moacy Cirne: um nome essencialíssimo ao Brasil

(Lívio Oliveira)
   
O meu querido amigo Moacy Cirne, escritor e poeta de elevado renome, que não se situava somente nos limites do nosso Rio Grande do Norte, concluiu sua obra terrena na tarde quente do verão natalense desse último sábado que passou. Acompanhava notícias sobre o seu complexo quadro de saúde já havia um bom tempo. Mas, mesmo assim, fui tomado por um certo impacto, um choque, ao ler a notícia numa das redes ditas sociais. Havia ali uma foto de Moacy e alguns vagos dizeres sobre a sua passagem para um outro plano. Logo após, surgiu em mim uma tristeza calma e reflexiva que compartilhei com a minha esposa.
Intelectual múltiplo, Moacy detinha um olhar circular e atento que poucos possuíam neste país. Não é à toa que o mestre Tarcísio Gurgel costuma dizer que Moacy Cirne era o intelectual mais completo de sua geração. Além de toda a obra que deixou em livros e que também firmou na criação e liderança do histórico e emblemático movimento do Poema-Processo, lecionou com afinco e amor em universidade carioca, foi um dos maiores amantes e estudiosos do cinema e dos quadrinhos e exerceu outras muitas tarefas de cultivo do intelecto no seu envolvimento visceral e apaixonado pelo mundo das realizações artísticas e culturais. Firmou, ainda, dignas posições político-ideológicas avançadas e preocupações sociais que manteve até o final dos seus dias.
Moacy também era um grande fazedor de amizades, sabendo alimentá-las com atenção e generosidade, doando a cada um dos seus próximos um pequeno quinhão de sua sabedoria calma, serena. Seu sorriso suave e doce cativava fortemente quem dispunha das saborosas oportunidades de uma conversa mansa, tranquila, ou mesmo com a paixão e os argumentos sólidos e cortantes e até irreverentes por ele levantados. Um aspecto lhe era intrínseco e se fazia indissociável da figura do grande amigo que partiu: Moacy era um sábio, era um sábio, era um sábio! (lembro que ele gostava de brincar com os famosos versos de Gertrude Stein: “uma rosa é uma rosa é uma rosa”). Bastava ouvi-lo e olhar para ele e perceber isso estampado nos seus olhos perspicazes e nas suas barbas brancas que lembravam as de um profeta bíblico. Por sinal, a Bíblia foi um forte objeto de estudos de Moacy nos últimos anos – salientando-se que era ateu (ou agnóstico), reconhecidamente. O livro póstumo terá, certamente, o nome que Moacy já havia escolhido, segundo me afirmou um dia: “A Bíblia: travessia, travessias”, numa alusão direta a Guimarães Rosa.
Os momentos de desfrute intelectual e da amizade com Moacy foram muitos para mim: Encontros fortuitos por Natal, participação mútua em lançamentos de livros, algumas visitas que lhe fiz em casa (nunca encontrei Moacy no Rio, infelizmente. Seria ótimo ver um Fla-Flu no Maracanã e sentir a vibração de Moacy pelo seu Fluminense, mesmo que eu seja sempre Flamengo), um texto introdutório que ele fez para um dos meus livros, uma entrevista que me concedeu em 2008, debates culturais diversos (inclusive através do seu blog “Balaio Porreta, que manteve por muitos anos), dentre outras boas situações que tive de encontrar Moacy e sua inteligência viva e dinâmica.
Ao grande Moa dedico a minha pequena homenagem e agradecimento. Moacy Cirne se fez e se faz essencial à cultura potiguar e brasileira e a todos os seus amigos saudosos. Todos, certamente, dedicarão parte de suas memórias a Moacy, estando em processo de amadurecimento, inclusive, a ideia de um livro coletivo de depoimentos acerca de suas vida e obra, o que é algo que lhe é devido, mas simples diante de tudo que fez por estas bandas de cá. Moacy Cirne é, sim, um nome que se inscreve como essencialíssimo ao Seridó, ao Rio Grande do Norte e ao Brasil. Sempre será lembrado e deverá ser homenageado fortemente (autoridades potiguares que nos ouçam e, se possível, leiam), por seus grandes méritos e valores. Não custa repetir: Moacy vive e nos orgulha a todos!

erça-feira, 14 de janeiro de 2014

UM MUNDO LOBATEANO, SÓ MEU, REPARTO EM PENSAMENTO COM AS MINHAS AMIGUINHAS DE INFÂNCIA - CHIQUINHA E BILILIU.



MEUS PAES QUE SÓ ME DERAM AMOR


CHIQUINHA E BILILIU

 Lúcia Helena Pereira 

 Eu tinha cerca de três anos, quando iniciei, por exigência de mamãe, aulas de alfabetização com Valdinha (Valdecir Vilar de Queiroz Soares). Que doce e suave presença humana em minha vida! Sua casa cheirava a flores. De longe sentíamos os aromas do seu jardim -um verdadeiro éden- espargindo dos cravos, dálias, jasmins, rosas, bogaris, jasmim-vapor, resedás, margaridas e outros espécimes vegetais que me enchiam de encantamento. Na casa branca havia um terraço adornado com um conjunto de cadeiras de ferro e o balanço; jarros com beijos de várias cores; a cisterna (provocando-me uma sensação indizível) cortejada pela poética sombra de um caramanchão, cuja trepadeira exibia em seus galhos, pequeninas e mimosas rosas. Relembro as árvores do quintal: os pés de carambolas, laranjas da terra, pitangas, maracujás (imiscuindo-se nesse reino e acasalando-se com a exuberante trepadeira). Ouço, como se fosse hoje, a cantiga das cigarras envaidecidas seduzindo aquele cenário! Ao sair da aula, diariamente, lá estavam as minhas companheiras dos meus dias de infância: Chiquinha e Bibiliu (filhas de Inês, a ama-de-leite das crianças da nossa família). Suadas e esbaforidas, com os cabelos arrepiados, logo anunciavam (pareciam anjos com suas trombetas): “Luça, tu nim sabe qui vimo um sapo seco e isturricado. Tava virado de papo pra riba, pertim da arvre da isquina do berro (a esquina da minha casa, onde um carneirinho apartado da cabra, berrava com dilacerante mágoa). O danado do sapo tá é dando siná de coisa rim, vombora logo interrá o bicho nojento, mode num pegá rindade im nós...” Elas deveriam ter cinco e seis anos (pareciam gêmeas). Eram alegres, criativas, sempre satisfeitas, irradiando felicidade (de onde viria a felicidade dessas humildes criaturas, que amanheciam e anoiteciam em nossa casa?). Astuciosas (longe dos olhos de mamãe e de Babá), certa vez apareceram com massa crua de pão e fomos para o quintal da casa. Lá, elas fizeram bonecos e bichinhos, utilizando caroços de frutas para fazerem os olhos. Estavam “com a mão na massa” quando surgiu o dono da padaria (“c´as venta inguá os bueiros do ingenho baforando fumaça”)- segundo Bililiu. “São essas duas espevitadas, senhor Abel e dona Áurea, mal tive tempo de impedir que me levassem boa porção de massa, logo deram no pé. São umas pestes, não deviam deixá-las com a filha de vocês...” (desabafou irritado). E papai, com a sua peculiar bondade, lhe disse: “Ora meu caro, são apenas crianças, pagarei os prejuízos...” Infelismente mamãe proibiu - me de brincar com as meninas durante uns dias, restringindo-me ao lazer com a mana Iara e algumas primas. Depois, pedi - lhe, encarecidamente, que mandasse buscar minhas amiguinhas. No dia seguinte, ao sair da aula, as minhas tristezas foram recompensadas com a chegada barulhenta das diletas companheiras, que, alheias às humilhações sofridas anteriormente, traziam uma euforia contagiante: “Si Luça subesse, conto a gente brincô! Cumemo bolo de fubá na casa de dona Rosinha, a moça véia da Ingreja, que deu retaios mode nóis fazê vistidim pras bunecas. Fizemo de chita, de fustam, de bolinha e preguemos inté butão de ôro. Fumo vê armá o circo qui tinha girafa, lião, trigue, macaco e vimo os povo si pindurando n´aquelas corda cum tárbuas in tempo de cairim” (eram os trapezistas Mascotinha e Mascarenhas ensaiando para se apresentarem no circo). Impregnada das emoções daquelas novidades, essas “cenas” me pereceriam, hoje, ilustrações de um livro, do escritor Louis Carrol, deixando-me penetrar, a cada instante, no reino encantado das maravilhas de alguma Alice. Eu tinha esse mundo em minha cabeça e em meu coração. Vivia-o com intensidade, sempre distante dos rigores de minha sábia mãe e dos olhares de Babá (Regina Dias). Num desses dias de chuva forte (o vale ficava carregado de nuvens choronas), elas chegaram como presenças ensoloradas, sorrindo, pinotando, cantarolando e alegrando o ambiente. Traziam, com orgulho ímpar, um cachinho de flores “fisgado” dos jardins espalhados pelos caminhos. Bililiu, bem mais falante, fez uma leve vênia e disse: “Florinha mode Luça infeitá seu artá” (um oratório que mamãe colocara em meu quarto e de Iara, onde a imagem de Nossa Senhora da Conceição se destacava). Depois, da mochila de pano que sempre traziam com elas, foram tirando papel prateado (que revestia as carteiras de cigarros). Esses papelotes eram colados uns nos outros (cola artesanal, feita em casa). Ao secarem, davam um acabamento nas bordas brancas, com anilina de cores variadas (da caixa de trabalho de mamãe) e estavam prontos os colares. Dias depois, quando as chuvas saíam de férias, ficávamos no calçadão da minha casa, sentadas em tamboretes da cozinha para vendermos os colares. Elas imploravam: “Compre um colá que é do Rio de Janeiro; esse roxim e esse azuzim custa um tustão, o de prata é doistões. Cheque, se avexe, compre ó meno um...” No final da tarde, os colares estavam amassados e desbotados e o humilde comércio, logo falido! Eram brincadeiras inocentes, sem nenhuma malícia. Falando nisso, um dia fomos à casa de dona Amélia Barroca, perto da linha do trem, do outro lado da nossa rua. Dona Amélia vendia as mangas rosas mais belas e perfumadas, enfurnadas num baú de madeira, com folhas de bananeiras. Logo na entrada viam-se vários pés de malícia que Chiquinha e Bililiu cantavam: “Sai malícia, teu nome é priguiça, vai drumi n´outo pasto qui aqui ocê num tem vez!” E dona Amélia abria um sorriso largo e nos abraçava dizendo palavras carinhosas e presenteando-nos suas lindas mangas. Que terna lembrança dessa boa senhora! Creio que Chiquinha e Bililiu continuam brincando, em algum lugar, trepadas em mangueiras, goiabeiras, assobiando como os passarinhos, olhando os circos e fazendo figurinhas com massa crua de pão. Onde estarão? Como reencontrar esses “mitos” da infância? Essas vozes que ouço em meus momentos de contemplação e de poesia? “Arre, Luça, tás pirigando pegá catapora de nóis. Ramo vê cumo vai ficá se coçando, cum a cabeça duendo e os óios pegando fogo cumo brasa. Mai tem que ficá na cama e tumá bain cum fôia de sarsa isquentada, mode muxá as boinhas (bolhinhas)...” (Bililiu) “Eu num digo nadim e só vô alertá uma veiz, pra num dizerim qui sô rim: o tá de Zeca qui mora pertim do cimitero anda vendo arma de tudo que é gente. Ele viu arma inté do finado Suares qui morreu im Sum Paulo. E cumo é qui uma aima doutro canto vem isbarrar pur essas banda? Vumboro usá figa mode afastá essas arma. Tô inté tremendo cumo vara verde e num duvidio qui esse cundenado vem pegá in n´eu hoje de noite!” (Chiquinha). Essas palavras ressoam em meus ouvidos, até hoje, como sinfonias diletas.
A Coluna Preste no Rio Grande do Norte - VI
Tomislav R. FemenickMembro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do RN

            A cidade de São Miguel, situada na região do Alto Oeste potiguar, quase fronteira com o Ceará e relativamente perto da Paraíba, foi, sem sombra de dúvida, a localidade que mais sofreu com os ataques da Coluna Prestes no Rio Grande do Norte, ocorridos em fevereiro de 1926. Esse contingente de revoltosos veio do Ceará, onde tinha atacado as cidades de Ipu, Crateús e Arneiroz.
            Nos dias logo anteriores ao ataque propriamente dito, as noticias davam conta que a Coluna já deixara a região do Jaguaribe e se dirigia ao Rio Grande do Norte pelo caminho conhecido como Ladeira do Engenho. Estimava-se que seu contingente era apenas “70 combatentes”. Para combatê-los, esperava-se um batalhão de Exército que estaria vindo de Fortaleza; que nunca chegou. O reforço da Polícia Militar do Estado foi direcionado para o Seridó, Mossoró e (em menor número) para Pau dos Ferros.
            Pelas péssimas condições de tráfego das estradas de rodagem e mesmo da precariedade das vias de transporte em geral, a população de São Miguel (que na época contava com cerca de mil e trezentos habitantes) teve se organizar para a defesa quase que somente por conta própria. O historiador Rostand Medeiros (2010) diz que a ata da sessão ordinária da Intendência Municipal de São Miguel, com data de 03.05.1926, lista nominalmente vinte “patriotas”, mas informa haver “alguns outros”. Raimundo Nonato (1966) afirma que naquela cidade o “Núcleo de Patriotas” foi composto por 20 cidadãos, quatro praças da polícia militar, além do prefeito de Pereiro-Ce, este acompanhado de mais três homens, o que daria um total de 28 defensores – embora que “a tradição oral dava notícia de que a defesa da vila fora feita por 25 homens”. Itamar de Souza (1989) confirma que a defesa teria contado com 28 homens armados. Por delegação do governo do Estado, à frente da resistência estava o presidente da Intendência Municipal (cargo equivalente ao de prefeito atualmente), João Pessoa de Albuquerque (também conhecido por João Leite e Coronel do Baixio de Nazaré), coronel da Guarda Nacional, deputado estadual e que presidiu a Intendência Municipal de São Miguel por um período de 18 anos, de 1910 a 1928.
            Antes de a cidade cair em poder da Coluna Prestes, houve dois embates entre os revoltosos e os defensores de São Miguel. O primeiro deles deu-se no dia três de fevereiro, no já citado lugar conhecido como “Ladeira do Engenho”, em terras da cidade de Pereiro-CE. De onde estavam entrincheirados, os legalistas avistaram não os esperados “70 combatente”, mas “um verdadeiro exército em marcha”, de uniformes cáquis e lenços vermelhos em volta do pescoço. Mesmo assim, atiraram e conseguiram matar um dos integrantes da Coluna. Os rebeldes fizeram um recuo tático e, logo em seguida, revidaram o ataque utilizando tudo o seu treinamento militar. Então os defensores se entrincheiram em uma casa, quando acontecendo um tiroteio que teria durado cerca de duas horas, até que os defensores fugiram para outro local. Segundo Neill Macaulay (1977), dois dos legalistas foram feridos, sendo que um deles “um jagunço cearense, caiu nas mãos dos rebeldes e foi degolado”.
            O outro confronto entre defensores (um grupo comandados por Manoel Vicente Tenório) e rebeldes aconteceu no dia seguinte, quatro de fevereiro, no “Sítio Crioulas”, localizado perto da cidade de São Miguel. Houve uma rápida troca de tiros, que resultou na prisão de um revoltoso, Policarpo Gomes do Nascimento, e no ferimento a bala do comandante da resistência, que foi atingido na coxa esquerda por dois tiros de fuzil.
            No entanto não havia como menos de trinta homens, embora voluntariosos e destemidos, vencer um verdadeiro exército. Segundo Rostand Medeiros, o “documento elaborado pela municipalidade de São Miguel aponta que a Coluna de Revoltosos era composta de 2.000 homens. Os que se debruçaram sobre o assunto apontam um número mais modesto, entre 450 a 1.000”. Qualquer que tenha sido o contingente dos invasores, a diferença era considerável e apontava para a vitória dos revoltosos.
            Com a perspectiva de uma invasão iminente, pronta a acontecer, e temendo o que poderia ocorrer, inclusive o risco de morte, grande pare da população da cidade se refugiou em sítios, em cidades vizinhas ou simplesmente procurou se esconder na zona rural. 
            No dia quatro de fevereiro São Miguel caiu em poder das lideranças da Coluna Prestes. Dezoito estabelecimentos comerciais foram saqueados. Repartições públicas, o grupo escolar, a agência dos correios e o cartório foram incendiados. Além disso, houve “apreensão de animais, armas, roupa e objetos diversos em diversos sítios”. Calcula-se que o saque aos estabelecimentos comerciais tenha provocado um prejuízo de mais de trezentos e sete contos de reis (SOUZA, 1989), uma fortuna na época.
A passagem da Coluna Prestes pela cidade de São Miguel deixou um verdadeiro rastro de brutalidade, medo, destruição, descalabro e miséria; tudo igual às passagens das hordas de cangaceiros que aconteciam nas primeiras décadas do século passado nos sertões nordestinos. Nenhum idealismo justifica atos de execuções sumárias, saques indiscriminados (inclusive contra sitiantes pobres e carentes de tudo) e a guerra de terror. Somente a inconsequência e a leviandade explicam tais atitudes. Explicam, mas não justificam.

O Jornal de Hoje. Natal, 14 jan. 1914

14/01/2014

Pirangi do Norte, início de 2014


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

No verão, para fugir da rotina e ver novas paisagens, renovando nossas energias, saímos de Natal para Pirangi do Norte, 22 quilômetros de um lugar para outro. Fugimos do trânsito fatigante da capital, onde os sinais estão constantemente sem sincronia, e não funcionam a onda verde e as vias livres, para os engarrafamentos das praias da costa sul do Rio Grande do Norte.

Na chegada, notícia de um assalto, no dia anterior, praticado por cinco indivíduos contra a casa de um agente da Polícia Rodoviária Federal. As autoridades policiais continuam repetindo a mesma ladainha de sempre e tudo continua como antes. Falta inteligência no setor de segurança deste país.

Os sinais de comunicação já não funcionam bem na capital, e nas praias, mesmo as mais próximas, a coisa desanda. Telefones e internet se tornam um martírio para quem quer se comunicar. Mais ainda, os paredões fazem a festa das novas tribos e o inferno dos veranistas e moradores. Músicas da pior qualidade drogam as mentes jovens e atanazam o sono dos mais velhos.  As únicas coisas que se interiorizam, neste país, são o crime organizado, as aulas online de maldades (novelas), as drogas, com predomínio do crack, e as aulas online de mediocridade (os big brother da vida). É a coisa ruim chegando a todos os lugares.

Pirangi, e as praias vizinhas, mesmo com seus moradores habituais, os veranistas e milhares de turistas transitando por ela, não tem todos os serviços necessários para atender as demandas dos usuários. Nenhuma agência bancária, nem as oficiais estão por aqui. É o retrato do atraso, da falta de visão dos governantes.

O Rio Grande do Norte possui uma grande costa em relação ao seu tamanho. Praias de riquezas naturais e históricas não são aproveitadas pelos seus prefeitos e governador. O discurso do turismo continua pobre e sem ação concreta. As praias beneficiadas pelos royalties de petróleo só atraem políticos aventureiros que não levam benefícios para as mesmas. Carnavais são suas grandes realizações. As roubalheiras são as maiores. Mas os ladrões continuam flanando por aí. O que restou dos PRODETUR I e do PRODETUR II?

Na natureza, temos a noite para descansar nosso corpo físico e reiniciar novos programas instalados na nossa mente. As semanas, os meses e as estações do ano quebram as rotinas do dia a dia e são necessárias para que estejamos sempre recomeçando nossas vidas e nossas visões do mundo. Mas não é isso que acontece. Os condicionamentos são mais fortes que a nossa vontade de mudar. Estamos sempre usando a memória psicológica e as imagens do passado para começar o dia, a semana ou o mês. E por isso, nada muda de verdade.


E assim não avançamos como seres humanos. Tudo se repete, monotonamente. As pessoas contam seu tempo a partir dos eventos. Em 2014, por exemplo, vai ser assim: Veraneio, carnaval, semana santa, copa e eleições. Quando terminar o sonho da copa no Brasil, voltamos para realidade do dia a dia. Vamos ter os infames programas eleitorais, onde tudo vai ser prometido com a maior cara de pau. Os candidatos, que serão os de sempre, vão falar, inicialmente, em saúde, educação, segurança, planejamento estratégico, sustentabilidade, governança solidária, choque de gestão e outros termos novos que seus marqueteiros vão inventar. Depois, vão infernizar a vida dos adversários, dando início a sessão escândalos. Vai ser o sujo falando do mal lavado.

Quando tomarem posse, no início de 2015, os novos mandatários vão reclamar dos seus antecessores, se não foram os reeleitos. Segue o papo furado da governabilidade para justificar as composições partidárias e o preenchimento dos cargos comissionados. Contratam consultorias desnecessárias, pois, tudo que elas propõe, já foi proposto anteriormente, pela prata da casa. E, aí, já começa a próxima eleição. Os que saíram do governo, mas não fizeram o prometido, querem retornar. E o gigante pela própria natureza vai continuar deitado eternamente em berço esplêndido. 

A natureza quebra a monotonia da terra com suas catástrofes. Sensibilizamos-nos temporariamente. Os governos prometem tudo, mas em 6 meses tudo é esquecido. E no ano seguinte as mesmas catástrofes se repetem nos mesmos lugares, causando dores, principalmente, para os menos favorecidos, as principais vítimas.

A genealogia nos mostra que somos frutos de centenas de milhares de pessoas. Os indivíduos não se repetem, mas os condicionamentos de milhares de anos não nos deixam seguir um caminho diferente. Nem as religiões, nem os educadores, nem os filósofos e nem os psicólogos têm ajudado muito a humanidade.

Vez por outra aparece um messias na terra. Mas quando ele se vai, os seguidores esquecem os ensinamentos e o transformam num ídolo, deturpando tudo que foi proclamado. Buda disse que não precisávamos percorrer o mesmo caminho que ele. Seus ensinamentos iluminavam o caminho que tínhamos que seguir; Jesus ensinou que quando quiséssemos conversar com Deus, entrássemos em um quatro, fechássemos a porta e orássemos, dando como o exemplo o pai nosso, mas fazemos o contrário; Krishnamurti ensinou que prestássemos atenção na nossa mente, pois é ela quem tem o comando de tudo, mesmo dos que se dizem livres.  Mas, infelizmente não compreendemos o que eles disseram e a humanidade caminha sem muita evolução, comandada pelos expertos e enganadores.
 
Assim, 2014 vai ser, em essência, a repetição do que tem acontecido até agora. A única novidade é o próprio ano.

13/01/2014

Antigos armazéns de tecidos

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Nos antigos armazéns varejistas do Brasil Colonial vendia-se de tudo: gêneros alimentícios; pólvora; ferragens; instrumentos agrícolas; artigos de couro; calçados; fazendas; roupas; pedras de fogo; sabão em pedra; bacias; urinóis; estojos de navalha; canivetes; tesouras e facas; louças chinesas, inglesas ou francesas; caixas para rapé; chapéus; etc.
Nesse artigo iremos abordar apenas os tecidos que eram vendidos nesses estabelecimentos, a grande maioria de procedência europeia ou asiática, vendidos a retalho nos armazéns/ armarinhos:
Azulão: tecido grosso de algodão, na cor azul, fabricação inglesa.
Pano de algodão: tecido grosso de algodão, usado para confecção de roupas brancas, lençóis...
Baeta: variedade grossa de tecido felpudo de lã, artigo bom e caro.
Bretanha: variedade de tecido de linho e de algodão de boa qualidade.
Canequim: fino tecido de algodão, manufaturado na Índia.
Cobertor de Papa: tecido de lã felpuda e de qualidade inferior.
Durante: variedade de tecido de lã grossa, lustroso como o cetim.
Ganga: tecido de algodão, forte e durável, de procedência chinesa.
Ganguineta: certo tipo de tecido de ganga, em tom escuro.
Pano de linho de freira: tecido de linho muito fino, utilizado pelas freiras e monjas para confecção de certas peças do hábito.
Pano patente: tecido de algodão, de boa qualidade, fabricação inglesa.
Parche: pedaço de tecido fino como o tafetá.
Pano riscado: certa variedade de tecido de algodão – existia também o pano riscado de linho.
Pano de linho: tecido de linho, branco ou de cor.
Pano da Holanda: tecido de linho de trama muito fechada. Havia vários tipos.
Morim: uma variedade de tecido de algodão, normalmente na cor branca.
Chita: uma variedade tecido de algodão de qualidade inferior. Muito usada era a chita estampada em cores vivas, berrantes.
Cassa: tecido de algodão ou linho, fino, leve e transparente, de procedência asiática.
Cambrainha: variedade de cambraia – tecido fino e transparente, de boa qualidade, possivelmente fabricado de linho.
Estopa: tecido forte de grossos fios de linho.
Pano amarelo fino: um tecido que poderia ser de linho, lã ou algodão, na cor amarela.
Pano largo: outra variedade de tecido de algodão, linho ou lã, mais largo que os demais.
Fustão: tipo de tecido de algodão, seda, lã ou linho, que apresentava em sua textura cordões justapostos.
Surrete: tecido de algodão provavelmente originário de antiga feitoria portuguesa de Surrete, na Índia.
Droguete: tecido de lã que, quanto mais encorpado, melhor.
Canequim: fino tecido de algodão, fabricado na Índia.

Essas eram as fazendas da moda entre as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX. Muitas dessas denominações persistem para alguns desses tipos de tecidos, enquanto que outras caíram em desuso e são totalmente desconhecidas nos dias de hoje.
Além desses tecidos de algodão, linho, seda e lã, os varejistas negociavam outros artigos relacionados ao vestir - rodaques, rabonas, jalecos, calções, véstias, fraques, vestidos, camisas, capas, ceroulas, meias, calças, chapéus, chinelas, botas, sapatos, lenços, mantas, cobertores, bengalas, dragonas, cabeleiras, guarda-sóis...
Roupas de cama e mesa também eram vendidas nesses locais, como: lençóis e fronhas, toalhas de mesa e guardanapos de tecidos.

E, claro que não poderiam faltar, artigos e aviamentos para costura: agulhas, linhas, botões, fitas, colchetes, alfinetes e retroses, etc.