04/07/2021
01/07/2021
O ATHENEU
LEMBRANÇA QUE O TEMPO NÃO DESFEZ
Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com
Naquele tempo, o nosso mundo começava no Atheneu, um nome bonito, sonoro, poético. Era o tempo da felicidade na sua forma mais simples; dos primeiros alumbramentos; dos gestos inaugurais dos amores clandestinos. Falar sobre o Atheneu dos idos 50 e 60, é caminhar numa procissão de relembranças. "Seu Babau, quantas declinações existem no Latim". "Sei não, professor". "Sente, zero. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo." Era o Cônego Luiz Wanderley arguindo o saudoso Raimundo Torquato, apelidado de Babu, mas o padre já declinava no acusativo: "Babau". Vascaíno fanático, só havia um jeito da turma se livrar da terrível chamada oral de latim da segunda-feira: elogiar o Vasco e comentar a sua vitória. No caso de derrota: delenda est Babau! Sem nenhum demérito aos atuais mestres do Atheneu norte-rio-grandense de hoje, mas será que o tempo poderia restituir essa seleção de ouro? Floriano Cavalcante (que ensinava história proferindo discurso); Protásio Melo (que nos influenciou o interesse pelos autores ingleses e americanos); Esmeraldo Siqueira professor de francês (com o seu indefectível charuto, cuja fumaça desenhava no ar os perfis de Hugo, de Daudet, de Vigny, de Balzac, de Gide, etc); Álvaro Tavares (modesto, simples, erudito); Cônego Luiz Wanderley (grande orador sacro e latinista), só para citar aqueles que nos ensinavam diretamente. Nesse universo perdido havia outras figuras inesquecíveis que não travaram contato conosco mas povoaram a mesma amorável galáxia que vai ficar na memória e na moldura do século.
Mensurar o quanto a intelectualidade do Rio Grande do Norte deve ao Atheneu é uma tarefa impossível. Desde o tempo do inexcedível professor Celestino Pimentel, de Alvamar Furtado (o Clark Gable dessa Hollywood Potiguar), Câmara Cascudo (o mais sedutor dos mestres), e toda uma plêiade de professores quase todos absorvidos mais tarde pela Universidade Federal, nos faz deduzir que o Atheneu não foi, apenas, uma usina preparatória e
educadora de gerações mas também de mestres que ajudaram a erigir o edifício de um novo tempo: uma instituição de ensino superior.
O Atheneu de Petrópolis tem o dom da dimensão entre o efêmero e o eterno. Nele há algo mais para se sentir do que para se dizer. O Atheneu é a história de uma fé que se fez realidade. Concebido pelo arrojo arquitetônico extra época, insignes diretores deram vida e estabilidade definitivas ao idealismo renovador do ex-governador Sylvio Piza Pedroza. "Ver bem não é ver tudo, é ver os que os outros não vêem". Nessa frase perfeita de José Américo, Sylvio Pedroza, quem sabe não estaria enxergando longe o embrião
da futura Universidade? Só sei que o tempo respeitou o que nele construiu para depois os próprios mestres, ao longo do tempo, se encarregarem da materialização do seu sonho. Isso porque, é na própria criação que o homem faz descobertas. O mestre Protásio Melo que teve uma vida inteira consagrada ao ensino de gerações, hoje nada "tendo nas mãos que foram pródigas", não viu a hora do silêncio e nem se calou. Abriu as asas de sua pesquisa sobre a História do Atheneu, a história de todos nós. E já entardecia para que se pudesse resgatar esse acervo rico de humanismo e tradição. Só Protásio mesmo, que cresceu nas ervas de Walt Whytm para ainda hoje, nos respingar da água benta de uma aurora, onde foi um dos protagonistas dos mistérios circundantes.
(*) Escritor
30/06/2021
Minhas Cartas de Cotovelo – versão de 2021-32
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
Ao iniciar o dia 29 de junho, logo cedo, passei a ler mensagens e acessar os sites que informam a história de pessoas, santos e comemorações e vi que hoje São Pedro e São Paulo são os Santos do Dia, as verdadeiras ROCHAS da Igreja, o primeiro, como o seu primeiro mandatário (Primeiro Papa) e o segundo o Consolidador da Doutrina da Igreja.
A origem desta celebração é muito antiga e, supostamente, ocorre em 29 de junho, pois teria sido a data do aniversário de morte e do translado das relíquias de ambos os santos.
Essas festas dão continuidade ao período conhecido como junino, inspiradas nos rituais de comemoração da fertilidade da terra, no período pré-gregoriano durante o solstício de verão na Europa.
Adotadas pela Igreja Católica, então, para homenagear os santos do mês. No Brasil, os registros históricos apontam que desde o século XVII as festas juninas eram comemoradas.
A indicação desta data visam imortalizar São Pedro e São Paulo e, por isso, são celebrados no mesmo dia, pois estavam unidos no mesmo propósito.
Por consequência, é considerado, também, o Dia do Papa, pois São Pedro, segundo a doutrina católica, foi o primeiro Papa da Igreja, além de ter sido o que permaneceu por mais tempo com esse título (37 anos).
Para rememorar, Pedro era um pescador no Mar da Galileia e largou sua vida para seguir Jesus, sendo apontado como seu sucessor, entre os doze apóstolos, com a missão de construir uma igreja que continuasse a obra do Messias: “Tu és pedra, e sobre essa pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16:18), apesar do acontecimento ter sido vaticinado pelos profetas - Pedro apóstolo negou Jesus três vezes quando o seu Senhor foi preso, sendo tomado pelo arrependimento em seguida. Tudo isso fazendo parte da profecia para servir de exemplo para o mundo.
Em outra circunstância, Paulo de Tarso, perseguidor ferrenho dos cristãos, teve o milagre de sua conversão quando estava em direção a Damasco, conforme os registros de Atos 9:3-5: “Durante a viagem, estando já em Damasco, subitamente o cercou uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’. Saulo então diz: ‘Quem és, Senhor?’. Respondeu Ele: ‘Eu sou Jesus, a quem tu persegues.”
Paulo não foi discípulo que seguiu Jesus mais de perto, pois a sua conversão ocorreu após a morte de Cristo. No entanto, tornou-se um dos grandes evangelizadores da igreja primitiva, tornando-se o maior responsável pela sua expansão.
Pedro e Paulo tiveram destino semelhante, morreram martirizados. São Pedro foi crucificado, mas pediu para que a cruz ficasse de cabeça para baixo, pois não se sentia digno de ter a mesma morte que seu mestre. Já São Paulo foi degolado em Roma.
São pequenos traços em que pretendo homenagear esses Santos da Igreja Católica, registrando a magnífica festa comemorativa realizada na Igreja Matriz de São Pedro Apóstolo, aqui em Natal, sob a liderança do incansável Padre Francisco Motta, com a presença do Arcebispo D. Jaime e dos mandatários do Estado (Professora. Fátima Bezerra) e do Município de Natal (Doutor Álvaro Dias), registrando-se um emocional pronunciamento do médico Pedro Cavalcanti.
23/06/2021
A festa de São João Batista
Padre João Medeiros Filho
Com exceção de Cristo e da Virgem Maria, João Batista é o único personagem, cujo natalício é celebrado na liturgia da Igreja Católica. Segundo as palavras de Jesus, “ele é o maior, dentre os nascidos de mulher.” (Mt 11, 11). Um anjo anunciou a Zacarias o nascimento da criança (Lc 1, 5-25). Pelo que se infere dos relatos neotestamentários, João era seis meses mais velho que o Messias. “O menino foi crescendo e se fortificando em espírito.” (Lc 1, 80). Viveu no deserto até o dia em que se apresentou em Israel. Iniciou a sua catequese, à beira do Rio Jordão. Proclamou, de forma contundente, a necessidade de mudança pessoal e social, alertando para a vinda iminente do Salvador. A conversão é a única forma de escapar da ira divina. Símbolo de sua pregação é o batismo no Rio Jordão, resultando daí o epíteto de Batista. Entretanto, apesar de batizar o próprio Redentor, declara que Ele “batizará com o Espírito Santo.” (Mt 3, 11).
Estudiosos acreditam que João pertencia à seita dos essênios, monges austeros, que viviam às margens do Mar Morto, entregues à oração e à penitência. Esta afirmativa advém do estilo de suas prédicas e vida despojada. Os evangelhos narram que ele se vestia rudemente, usando peles de camelo e alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre. Quanto a pertencer à comunidade esseniana, não há comprovação histórica. Porém, pela leitura dos Documentos do Mar Morto, deduz-se pela verossimilhança do unigênito de Isabel com aqueles religiosos.
João Batista, cuja devoção se espalhou pelos sertões do Brasil, tem uma importância especial no cristianismo. Denunciou a corrupção do seu tempo. O poder de Herodes, contaminado por erros e abusos, cortou a sua cabeça, mas não apagou seus ensinamentos e exemplo. Denunciou a mentira e a hipocrisia de seus contemporâneos. Importava-lhe Jesus: “Caminho, Verdade e Vida.” (Jo 14, 16). Apontou Cristo presente entre os homens, mostrando igualmente qual deve ser a nossa missão: indicar onde está o Filho de Deus. Com ele, encerrou-se o reino do pecado, inaugurando-se a era da graça e do perdão. Profeta da fidelidade e justiça, ensinou a coerência e a humildade. Centrou sua atenção em Cristo, de quem não se sentia digno de desatar as correias de suas sandálias. Apresentou Jesus ao povo: “Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira os pecados do mundo” (Mt 3, 11). Batizou muitos, mergulhando-os nas águas de Deus e nos seus valores. Pregou que a verdadeira religião não está no formalismo, mas na autenticidade e no interior. Antecipou-se ao Messias, quando Este se dirigiu aos hipócritas e fariseus: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para chegar?” (Mt 3, 7).
João Batista, na tradição e na metáfora das fogueiras, convida-nos a acender também em nós o clarão de nossa fé e caridade para que “todos vejam as boas obras e glorifiquem o nosso Pai, que está nos céus.” (Mt 5, 15). Seu culto é bastante difundido no Brasil. Doze dioceses lhe são dedicadas. É titular de centenas de templos espalhados pelo país e padroeiro de dez paróquias no Rio Grande do Norte. No período colonial, era muito venerado pelos jesuítas. Câmara Cascudo registra esse fato e explica a devoção ao santo precursor em localidades potiguares. Segundo o nosso pesquisador, aqueles missionários catequisaram Arês e disso resulta o orago joanino naquela comunidade. A freguesia de Assú – a segunda a ser criada na Província – tem o Filho de Zacarias como patrono. Em Apodi, erigiu-se um templo dedicado ao Precursor e a Nossa Senhora da Conceição. A esta veneração dos discípulos de Santo Inácio de Loyola acrescente-se a devoção pessoal de Dom João VI. “Muita gente alegrar-se-á com o nascimento do menino.” (Lc 1, 4). De acordo com alguns folcloristas, eis a origem dos folguedos e festejos juninos. No ensejo desta data, convém lembrar o aniversário de um dos padres mais queridos de Natal, Monsenhor Lucas Batista Neto. Há mais cinquenta anos, como São João Batista, o preclaro sacerdote prepara os caminhos do Senhor nesta arquidiocese!
13/06/2021
Napoleão Bonaparte e o Brasil (2)
Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN
Napoleão Bonaparte levou os valores da Revolução Francesa ao longo
do extenso caminho de muitas conquistas. Assim, contribuiu para a
expansão do sentido moderno da política, próprio do século das Luzes. Por
outro lado, em algumas áreas, foi retrógrado, haja vista seu apoio à
escravidão. Em 1798, Ludwig van Beethoven, adepto das ideias da
Revolução Francesa, dedicou ao general francês a sua terceira sinfonia. Em
1804, ao saber da cena da autocoroação, Beethoven rasgou a dedicatória, e
a sua criação musical passou a se chamar sinfonia Heroica. Fobias e filias
continuam nas produções que detratam ou endeusam o mito Napoleão
Bonaparte.
Na crônica passada, com igual título, concluí que a vinda da família real
para o Brasil foi um fator importante para se preservar a unidade territorial do
país, bem assim para o progresso das ideias e das ações civilizatórias da
nação. O historiador Manuel de Oliveira Lima, que veio a Natal, em 1919, a
fim de paraninfar a primeira turma concluinte da Escola Doméstica, é citado
no livro 1808, do escritor Laurentino Gomes: “O Brasil nada mais era do que
uma unidade geográfica formada por províncias no fundo estranhas umas às
outras”. A população, no início do século XIX, girava em torno de três
milhões de pessoas, das quais um milhão eram escravos vindos da África.
Tudo leva a crer que havia uma decisão do governo português de manter o
Brasil atrasado, a fim de conservá-lo apenas como uma joia extrativista.
Mesmo assim, até 1.800, um total de 527 brasileiros se formou em Coimbra,
a maioria em Direito. Entre esses bacharéis estava José Bonifácio de
Andrade e Silva, o futuro Patriarca da Independência.
Com a vinda da família real, o Brasil passou da condição de colônia
para ser a sede de um reinado. A unidade territorial e política do país foi
mantida, pois o Brasil poderia ter se fragmentado em três ou mais países
distintos. Basta recordar que somente na região Nordeste, em menos de
trinta anos, três insurreições ocorreram: a Revolta dos Alfaiates, de 1798, a
Revolução Pernambucana, de 1817, e a Confederação do Equador, de 1824.
Para o historiador Oliveira Lima, o monarca D. João VI foi o verdadeiro
fundador da nacionalidade brasileira. As portas fechadas da colônia, durante
trezentos anos, de repente se abriram para o mundo. Surgiram escolas,
faculdades, criou-se uma moeda, bibliotecas, as artes acharam um lugar
seguro, jornal, editora, enfim, floresceu a base para o processo civilizatório
da nação. Um fato histórico vincula diretamente a vida de Napoleão
Bonaparte ao Brasil. No bojo da Revolução de 1817, houve um plano de
resgatar Bonaparte da ilha de Santa Helena, onde estava preso, e trazê-lo
para o Nordeste do Brasil, com apoio norte-americano, no intuito de
transformá-lo em líder da sedição. Esse plano ficou só no plano. Mas há um
vínculo concreto: Maria Luísa, segunda esposa de Napoleão, era irmã da
imperatriz Leopoldina, casada com D. Pedro I.
Texto publicado na Tribuna do Norte em 10/06/2021
08/06/2021
Marcelo Alves
Sempre mascarado
O poetinha Vinícius de Moraes (1913-1980) certa vez disse: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Acho que nunca houve tanto desencontro na vida como tem havido durante esta pandemia. Desencontro com a verdade em forma de fake news. Desencontro negacionista com a ciência. Desencontro com as vacinas. Desencontro/discórdia entre as pessoas. Desencontro/distância entre amigos e familiares, sobretudo os mais idosos. Desencontro com a vida, com tantas pessoas queridas nos deixando. Tristes tempos.
De toda sorte, aqui e acolá, surgem uns causos curiosos, quiçá engraçados. Aconteceu com um amigo nosso. Não vou contar o nome do santo, porque é pessoa conhecida na paróquia, e a revelação dos envolvidos (há uma envolvida, já ia me esquecendo) pode me causar mais problemas do que simpatia. Boca não diz nomes ou apelidos.
O fato – e tenho por verdadeiro, já que atestado parte de ciência própria e o restante por ouvir dizer – é que este amigo passou por várias fases na pandemia. Começou assustado, fazendo serões de home office, saindo pouquíssimo de casa e tomando banhos de álcool gel. Mas a sua obsessão mesmo era/é a máscara: usava até para dormir, acompanhado ou sozinho, acreditem. E ele aguentou tudo isso bravamente uns bons meses. Quem não aguentou foi a sua ex-companheira, que foi viver com um primo querido (como é bom a gente ver as famílias “unidas” novamente). Até essa circunstância nosso amigo aguentou resilientemente. Segundo ele, estar sozinho diminuiria o risco de exposição ao vírus (o que tem lógica, ao menos na terra redonda). Foi um Cândido, a orgulhar o professor Pangloss e confirmar Voltaire (1694-1778).
Com o abandono (que ele via positivamente, pelo lado sanitário, frise-se), naturalmente começou a paquerar pela Internet. Visitava tudo o que é rede social. E nem para isso tirava a máscara (e aqui eu não entendo a razão, uma vez que ele estava sozinho no seu apartamento que beirava a esterilização). A princípio, disse que cumpria protocolos, sozinho ou não. Não era hipócrita (Oi?). Mas, depois, me confessou a verdadeira razão: “desabonitado”, segundo suas próprias palavras, ele viu que tinha mais sucesso nas paqueras virtuais quando se apresentava com a sua N95. Virava “japonês”, concorria em igualdade de condições. Ainda admiro essa tendência dele de ver o lado bom de tudo. E, reconheçamos, aqui ele tem certa razão. Na noite, ao vivo ou no Facebook, a gente concorre com as armas que tem.
Conheceu algumas moças (e outras não tão moças assim), mascaradas ou não. Meninas do Brasil e até de além-mar. Mas uma mascarada da terrinha (é sempre melhor casar com a filha do vizinho) tocou o seu coração em especial. Gente conhecida também, que ainda me escuso a revelar o nome. E essa paixão, que antigamente se dizia “platônica”, mas hoje é melhor dizer “virtual”, durou semanas. Embora não se vendo pessoalmente (segurança sanitária acima de tudo), diziam ter compromisso. Coisa “firme”. Seja lá o que esse termo hoje signifique.
Mas, dia desses, vacinado com a primeira dose da Pfizer (e essa marca ele resolveu usar como arma de conquista), atendeu à ideia de um amigo de caírem na noite. Uma festinha, meio clandestina, mas que cumpriria protocolos (eu não sei como isso é possível). De amigos, quer bons, quer maus, é necessário se defender, já alertava Rudyard Kipling (1865-1936).
E a vida prega peças. Sua “namorada firme” tinha tido a mesma ideia. Mesma “festa estranha, com gente esquisita”. E mesma N95, com a qual tentavam impressionar. Eles bateram os santos, ou as máscaras. Quem da Legião “um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?”. E, como à noite todos os gatos são pardos, imaginem se mascarados, só se identificaram um ao outro quando, aconchegados, o sinal já avançado, trocaram WhatsApp e Facebook. Aí foi um furdunço, dizem, entre tapas e sem beijos.
Até hoje não sei se eles tiveram um encontro ou um desencontro. Se um traiu o outro ou se se traíram mutuamente. Os mais chegados tentaram fazer piadas. Mas o nosso amigo não deixou cair a fantasia. Disse: “Estávamos de máscaras. Podia ser pior”. Voltaire é tudo. E segurança sanitária ainda mais.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
03/06/2021
A solenidade de “Corpus Christi”
Padre João Medeiros Filho
A festividade de “Corpus Christi” (Corpo de Cristo) é celebrada sessenta dias após o domingo da Páscoa. Foi instituída pelo Papa Urbano IV, por meio da Bula “Transiturus”, em 8 de setembro de 1264. Na época, o Sumo Pontífice tomou conhecimento de que a freira belga Juliana Mont de Cornillon, da diocese de Liège, tinha visões de Jesus pedindo-lhe uma festa litúrgica anual em honra do Santíssimo Sacramento. Outro motivo influenciou a decisão de Sua Santidade. De acordo com relatos eclesiásticos, Padre Pedro (da diocese de Praga) tinha, em alguns momentos, dúvidas sobre a presença de Cristo na Hóstia Consagrada. Voltando de Roma para a Tchecoslováquia, o aludido sacerdote foi celebrar na cripta de Santa Cristina, em Bolsena (Itália). Ali, aconteceu algo miraculoso. Durante a elevação, começaram a cair gotas de sangue sobre o altar e o corporal. Este foi levado para a Catedral de Orvieto, onde é conservado até hoje.
A Eucaristia é a prova permanente da doação plena de Deus, ternura do Pai, abraço divino que nos é reservado, beijo do Eterno, que no silêncio do Pão da Vida mostra-nos seu amor e perdão. Eis o “Tão Sublime Sacramento”, segundo o poema de Santo Tomás de Aquino, continuidade da presença celestial temporalizada na Encarnação. Cristo quis se unir à humanidade. E esta, a partir de então, passa a ter um valor transcendente. O ser humano torna-se sacrário de Cristo! A fragilidade assumida pelo Verbo Encarnado é elevada no Sacramento Eucarístico. Os contemporâneos de Jesus, ao ouvirem do Mestre que haveriam de comer a sua carne e beber o seu sangue, consideraram duras demais as suas palavras (cf. Jo 6, 53-60). E, não querendo aceitá-las, foram se retirando. Cristo questiona, então, os apóstolos: “Não quereis também vós partir?” Pedro respondeu-lhe: “A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6, 68-69). A Encarnação é, sem dúvida, um gesto inefável do amor de Cristo. Mas, Ele quis ir além, culminando com a Eucaristia. Graças à fé, podemos sentir essa teofania de Jesus, concedida por Deus a seus filhos diletos.
O Pão Eucarístico perpetua também os ensinamentos do Divino Mestre. Primeiramente, dá-nos a lição de humildade e serviço. “Com efeito, o que entre vós for o menor, esse é o maior.” (Lc 9, 48). Na Hóstia, o Filho de Deus faz-se pequeno para caber em nosso coração. Nesse mistério sacramental, o Senhor deixa-nos o legado da verdadeira fraternidade. Torna-se alimento igual para todos: pobres e ricos, santos e pecadores. Ele ajuda-nos a compreender o perdão. É difícil perdoar, pois ultrapassa o entendimento e a lógica humana. No Pão Sagrado, o Redentor nos ensina a ser simples, desarmados e de braços estendidos. Deu-nos o exemplo, quando pendeu da Cruz, precedido pelo ato de sua generosidade na Última Ceia. No Altar, Jesus continua seus milagres de misericórdia e compaixão. Durante sua existência terrena, curou doentes e ressuscitou mortos. Hoje, pela Comunhão revitaliza os irmãos amortecidos pela dor, angústia, ausência de Deus e tibieza na fé.
Quem sente falta do Divino, vai buscá-Lo na grandeza dessa presença silenciosa. Ele deixa que sua Palavra repercuta no íntimo de quem se achega para mitigar todo tipo de fome e sede. “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte, prometeu o Senhor. Na Eucaristia contamos com a companhia divina, antecipação da eternidade, onde gozaremos o definitivo de nossa história. A Eucaristia é Deus em Cristo, amainando em nós as saudades do Infinito.
Cristo é nossa fortaleza e nos ajuda a caminhar. Quanto mais O temos presente, mais O buscamos, pois Ele é Mistério, ou seja, o Inesgotável. Vivemos a preparação e o aprendizado do nosso encontro definitivo com Ele. Ao participarmos da Santa Comunhão, já não ficaremos sozinhos, Jesus estará conosco. “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.” (Gl 2, 20). Cônego Luiz Gonzaga Monte, um sábio e santo que morou entre nós, expressou seu sentimento místico e teológico: “Sem a Eucaristia somos pequenos demais para o Céu, com ela grandes para a terra.”
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