23/03/2021

Marcelo Alves Desnego! Pouquíssima gente conhece um tal François-Marie Arouet (1694-1778). Mas muitos já ouviram falar de Voltaire. Eles são a mesma pessoa. O historiador e filósofo iluminista que impulsionou as Revoluções Francesa e Americana. O aristocrata liberal, conselheiro de reis, mas também preso e exilado de seu país. O polemista refinado que atacou o Cristianismo (em especial a Igreja Católica) e seus dogmas, que bradou contra a intolerância reinante e que defendeu a separação entre a Igreja e o Estado e a liberdade de crença e de expressão. O homem a quem foi atribuída a frase: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. O escritor prolífico, mestre em todos os estilos: teatro, poesia, romances, cartas, panfletos e ensaios variados. Muitos títulos nos vêm à cabeça, como os ensaios “Lettres philosophiques” (1734), “Dictionnaire philosophique” (1752) e “Traité sur la tolérance” (1763), os romances/contos filosóficos “Micromégas” (1752), “Zadig, ou La Destinée” (1748) e “Candide, ou l'Optimisme” (1759) e as peças “Mahomet” (1741) e “Tancrède” (1760). Foi best-seller internacional. Viveu na Suíça, na minúscula Ferney. Já idoso, voltou a Paris. Morreu em glória e se acha sepultado no Panteão dos franceses. Da imensa obra de Voltaire, um título, em especial, hoje me interessa: “Cândido, ou O Otimismo”. Trata-se da saga de um jovem, o tal Cândido, que, em princípio, vive protegido dos males do mundo num castelo idílico. Cândido é doutrinado pelo seu professor Pangloss, por sua vez um seguidor do “otimismo” do filósofo e polímata Leibniz (1646-1716). “O nosso universo é o melhor dos mundos possíveis que Deus poderia ter criado”, dizia o grande pensador alemão. Tudo muda quando Cândido é descoberto em “enxerimentos” com a filha do senhor da casa, a amada Cunégonde. E começa sua jornada errática pelos sofrimentos da terra redonda. Naufrágios, terremotos (o de Lisboa, de 1755), guerras (a dos 7 anos), fanatismo e escravidão, correndo mundo afora, indo bater até no nosso Paraguai. Não vou contar o final, claro. Mas registro que, embora em tom picaresco, “Cândido” é aquilo que os alemães consagraram como romance de formação, o “Bildungsroman”. É a obra-prima de Voltaire, diz-se. Como lembra Jean-Claude Berton, em “50 romans clés de la littérature française” (Hatier, 1993), “Cândido” é uma viagem filosófica através de uma porção de temas: o problema do mal, a injustiça, a piedade, o papel da religião, a moralidade em si. Mas o que se destaca nessa obra, a meu ver, é a ironia. Voltaire ridiculariza quase tudo: os governos e os seus exércitos, a religião e os seus teólogos, filosofias e os seus filósofos, até o grande Leibniz. Afinal, “tudo vai bem, porque tudo poderia ser pior”. “Cândido” desgostou muitos. Como registram Danièle Nony e Alain André, em “Littérature française: histoire et anthologie” (Hatier, 1987), “editada em Genebra sob um nome falso, a obra foi distribuída clandestinamente até ser descoberta, condenada e queimada”. A ironia é um troço danado. Destrói mitos. Diz muitas verdades. E, como li outro dia, não devemos achar que as pessoas vão gostar da gente pelas nossas opiniões, quando mais mordazes. Hoje, vivemos algo que tangencia o otimismo de “Cândido”. Só que mais perigoso. É o “negacionismo”. Que se dá por medo ou por cretinice mesmo. Nega-se a pandemia da Covid-19. Nega-se a existência do vírus. Nega-se sua transmissão por contato entre pessoas. Negam-se as vacinas. Negam-se as máscaras. Negam-se os números. Nega-se a Ciência. Nega-se até a morte. Bom, embora não seja um Voltaire, eu faço minha parte. Todas as semanas, todos os dias, todas as horas, séria ou ironicamente, eu desnego! Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Postado por MIRANDA GOMES às 09:48 Nenhum comentário: MÚSICA POTIGUAR BRASILEIRA Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Não é pretensão, arrogância ou entusiasmo pueril. Não é uma constatação baseada em suposto direito. Antes de tudo é uma conquista. Existe, sim, hoje, uma música potiguar brasileira formada por expressões que nada ficam a dever aos compositores e intérpretes do Ceará e Pernambuco. Nesses estados o poder público, a iniciativa privada e a mídia atuam financeiramente e divulgam os seus artistas. No Rio Grande do Norte o apoio é tímido e, até parece, que não acreditam no potencial do talento do musicista, na sua criatividade e na beleza de sua poesia. A característica hereditária da cultura musical potiguar vem de um Otoniel Menezes, Eduardo Medeiros, Tonheca Dantas, Felinto Lúcio, das modinhas de Auta de Souza, da inspiração de K-Ximbinho e Hianto de Almeida, um dos precursores da bossa nova. O tempo e o vento, o sol e as águas do Potengi esculpiram uma nova constelação musical no Rio Grande do Norte que me entusiasma e me induz a aplaudir a todos quantos prestigiam os compositores e intérpretes – alguns deles - somente comecei a ouvi-los através dos programas da Rádio FM Universitária. Ao ouvir “O Poema Nordestino”, “Forró pra valer” de Galvão Filho e Chico Morais cheguei ao CD e ao autor, que é filho do saudoso Severino Galvão. Trata-se de uma “família musical”, a começar de D. Elvira Galvão, no seu reinado da Avenida 10, ensinou aos filhos a “arte milenar do rabequeiro e do sanfoneiro”: Erinalda, Erineide, Eri, João Galvão e o grande Babal. O CD contém treze composições da mais fina poética nordestina, sem o lugar-comum dos apeladores do erotismo e da imoralidade que corrompem o sentimento da alma sertaneja. “Não, na minha rede”, “A energia dos Cristais”, “Tem dez no forró”, “Saudade D’ocê”, são versos que relembram Gonzagão, Humberto Teixeira e tantos outros reis do baião e da arte popular. O Rio Grande do Norte tem a sua música popular genuína nascida das raízes, da gente e do folclore. Esse plantel notável inclui Elino Julião, Enoch Domingos, Chico Morais, Cezar e Zé Fontes, Almir Padilha, Dozinho, Tarcísio Flor, Lane Cardoso, Marina Elali, Carlinhos Zens, Glorinha Oliveira, Rejane Luna, Zé Dias (animador cultural), Lucinha Lira, Regional Sonoroso, Paulo Tito, Liz Nôga, em nome de quem saúdo os grandes cantores da música seresteira do Rio Grande do Norte. Não cabem aqui nestas linhas mencionar todos. Mas, uma coisa se torna importante: a conscientização de que temos uma música potiguar brasileira e que precisa ser valorizada o quanto antes. (*) Escritor

21/03/2021

A escravidão negra no RN Tomislav R. Femenick – Do IHGRN Reli recentemente alguns textos de novos historiadores sobre o fenômeno da escravidão em Mossoró. Notei que em uns poucos deles desponta se não uma tendência, porém uma presunção, de dessacralização do movimento abolicionista que teve a sua eclosão naquela memorável reunião de trinta de setembro de 1883 e na mensagem mandada ao senhor imperador, dizendo que “nesta terra todos são livres mesmo contra sua vontade” – poderiam ter poeticamente completado, “como é livre o vento sussurrante nas palmas dos carnaubais”. Esses novéis contadores de história devem ter lido apressadamente alguns trechos de livros sobre teorias marxistas e se empolgaram com os conceitos mais divulgados – e por isso mais fáceis de compreender – sobre os conceitos de modo de produção e do etapismo leninista-stalinista. Do primeiro pinçaram a noção de que “todo modo de produção possui em si mesmo as contradições que levarão à sua substituição por um processo mais avançado”. Do etapismo aceitaram a versão de que os modos de produção evoluem de forma ordenada do comunismo primitivo ao comunismo científico (seja lá o que isso for), coisa que Marx nunca disse em parte alguma. Estes estudiosos geralmente fazem “releituras” sobre assuntos particulares que, via de regra, nada mais são que tentativas de desvalorizar fatos maiores em troca do destaque de outros assuntos que, se algumas vezes também importantes, não têm fôlego para sobrepujar o âmago da questão. Um forte argumento dessa nova história é que as atividades econômicas desenvolvidas na Mossoró da segunda metade do século XIX prescindiam da mão de obra escrava, pois a cidade seria um “empório comercial”. De fato, o modo de produção econômica de nossa região não estava centrado na mão de obra escrava, que era periférica ou senhorial, caseira, de prestação de serviço à casa dos senhores. Isso não quer dizer que não houvesse escravos nas plantações de algodão, nas salinas e nas fazendas de criação de gado. Havia sim, porem eram em pequeno número. O mesmo aconteceu em nosso Estado. Segundo Paulo Pereira dos Santos, em 1600, quando a primeira Sesmaria foi concedida, seu beneficiário João Rodrigues Colaço usou “escravos vindo de Guiné”, cuja “presença foi constante no processo produtivo” da província, porém em outras regiões que não o Oeste. No entanto, os portos de desembarque desses trabalhadores eram Mossoró, Areia Branca e Macau. Essa carga humana era procedente da África (em menor número), do Maranhão e de Pernambuco. Desses pontos, os africanos e seus descendentes eram levados para o agreste e o Seridó. Porém as condições geográficas desses lugares propiciavam que houvesse muitas fugas de cativos. Por outro lado, o Rio Grande do Norte não dependia totalmente da força de trabalho escrava para o seu desenvolvimento. Em 1811 a Província possuía uma população de 49.250 habitantes, dos quais 8.072 eram negros; poucos alforriados. Em 1835, o numero de negros subiu para 12.363, porém já com 6.247 libertos; a metade. O mesmo fenômeno aconteceu com Mossoró, que nunca foi uma sociedade predominantemente escravocrata do ponto de vista econômico; somente o aspecto social da escravidão aqui houve em destaque. Em 1862 havia no Município 2.493 habitantes, dos quais somente 153 eram escravos, cerca de 6% das pessoas. A cidade não era produtora de cana de açúcar e não possuía engenhos, as lavouras de algodão (diferentes de outras regiões) não usavam grande número de escravos e a pecuária exigia pouca mão de obra. Em junho de 1883, ano da abolição, havia 126 escravos em nossa terra; 40 foram alforriados em 13 junho e 86 em setembro, do mesmo ano. Mesmo pouca a mão de obra escrava não deixava de ser fonte de lucros. Segundo Camara Cascudo, “em Mossoró diversas casas comerciais tornaram-se compradoras de escravos, destacando-se entre elas a Mossoró & Cia, do Barão de Ibiapava”, pertencente ao ex-presidente da província do Ceará. Tribuna do Norte. Natal, 21 mar. 2021
Minhas Cartas de Cotovelo – verão de 2021-20 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes SOLIDARIEDADE EM TODOS OS SENTIDOS Nestes tempos sombrios e tristes da pandemia do covid19, uma luz clareou os destinos da humanidade, como dádiva do Criador que podemos chamar de SOLIDARIEDADE. Homens e Mulheres se irmanam, cérebro (médicos e todos os integrantes do batalhão de salvação hospitalar) e coração (religiosos de todos os Credos), unidos trabalhando pela salvação dos filhos de Deus atingidos pela “peste”, sem medir esforços, com o risco das suas próprias vidas, ajudados por uma gama de pessoas de boa vontade – servidores públicos, civis e militares, imprensa – e cidadãos/cidadãs, que tomam atitudes humanitárias elogiáveis, como aconteceu com a doação de cilindros de oxigênio no desespero do Estado do Amazonas. De lamentar, alguns insensíveis que põem o seu prazer acima o seu próximo e continuam a desafiar o inimigo comum até que eles próprios são atingidos pelo terrível mal e, grande parte perdendo a batalha, fazendo com que, paulatinamente, esses infringentes da lei natural adiram ao clamor geral. Mas nesse palco de luta não podemos esquecer o papel importante dos que labutam no campo da espiritualidade, independentemente de qual religião estejam filiados, dando conforto e coragem para a luta permanente - fisicamente com ajudas materiais e espiritualmente com suas preces e orações, através de visitas e pela via cibernética hoje elevada a uma condição de maior assimilação para os acomodados. A realização de palestras, lives, conselhos, celebrações confortam os cristãos e também os que adotam outro Ente transcendental. Particularmente, agradeço àqueles com os quais tenho assistido diariamente, como a Tv. Divino Pai Eterno, Padre Nunes, e os meus amigos Monsenhor Lucas, Padre Francisco Motta e do Padre João Medeiros Filho, com seus artigos reconfortantes e enérgicos. Roguemos para que a Páscoa de 2021 seja não apenas a ressurreição de Cristo, mas, igualmente, das vítimas da tragédia e da esperança por um novo tempo.

19/03/2021

Dia de São José
O Dia de São José é comemorado anualmente em 19 de março. Esta é uma data religiosa que celebra a figura do "pai terreno" de Jesus Cristo e esposo de Maria, mãe de Cristo: São José, é um dos santos mais venerados pela Igreja Católica em todo o mundo. São José é conhecido também José de Nazaré, José, o Carpinteiro e como São José Operário, porque o santo era conhecido pela sua profissão, informação que podemos obter na Bíblia. Por esse motivo, no feriado do Dia do Trabalho - 1º de maio, é celebrado o Dia de São José Operário. São José é considerado o padroeiro dos trabalhadores e das famílias. Em Portugal, o Dia dos Pais é celebrado no dia de São José. História de São José De acordo com a Bíblia, José era noivo de Maria, e por ser um homem justo foi escolhido para ser o pai terreno de Jesus. Para tanto, um anjo apareceu em sonhos para que ele não rejeitasse Maria, uma vez que ela apareceria grávida apesar de não ter tido relações com José. O filho de Maria era Jesus, o Filho de Deus. Quando Jesus estava perto de nascer, José e Maria tiveram que viajar para Belém a fim de fazerem o recenseamento, conforme tinha sido obrigado pelo governo romano. Os locais para dormir estavam cheios e José teve que passar a noite numa gruta com Maria, onde nasceu Jesus. Ainda de acordo com a Bíblia, José esteve presente na criação de Jesus e sustentou sua família com o seu trabalho de carpinteiro. Oração de São José "A vós, São José, recorremos na nossa tribulação, cheios de confiança solicitamos a vossa proteção no dia de hoje para todos os pais de família. Vós fostes o pai adotivo de Jesus, soubestes amá-Lo, respeitá-Lo e educá-Lo com amor e dedicação, como vosso próprio filho. Olhai todos os pais do mundo e especialmente os da nossa comunidade, para que, com amor e dedicação, eduquem os seus filhos na fé cristã e para a vida. Protegei todos os pais doentes que sofrem por não poderem dar saúde, educação e casa decente para seus filhos. Protegei todos os pais que trabalham arduamente no dia a dia para não faltar nada aos seus filhos. Protegei todos os pais que se dedicam de corpo e alma à sua família. Iluminai todos os pais que não querem assumir sua paternidade. Iluminai todos os pais que desprezam seus filhos e esposas. Enfim, olhai por todos os pais, para que assumam e vivam com alegria sua vocação paterna. Ámen". São José, rogai por nós! Oração de São José para Causas Impossíveis “Ó glorioso São José, a quem foi dado o poder de tornar possível as coisas humanamente impossíveis, vinde em nosso auxílio nas dificuldades em que nos achamos. Tomai sob vossa proteção a causa importante que vos confiamos, para que tenha uma solução favorável. Ó Pai muito amado, em vós depositamos toda a nossa confiança. Que ninguém possa jamais dizer que vos invocamos em vão. Já que tudo podeis junto a Jesus e Maria, mostrai-nos que vossa bondade é igual ao vosso poder. São José, a quem Deus confiou o cuidado da mais santa família que jamais houve, sede, nós vos pedimos, o pai e protetor da nossa, e impetrai-nos a graça de vivermos e morrermos no amor de Jesus e Maria. São José, rogai por nós que recorremos a vós.”

17/03/2021

Para chamarmos de nosso; 3 exemplos Tomislav R. Femenick – Jornalista Uma das coisas que sempre me intrigou foi o fato de não termos um Prêmio Nobel para chamarmos de nosso. Dois brasileiros foram indicados: Carlos Chagas, em 1921, para Medicina, e Dom Helder Câmara, em 1971, para o Prêmio da Paz. Mas não levaram. Na América Latina oito países foram laureados: Argentina, com cinco; México, com três; Chile e Guatemala, com dois cada um, e Colômbia, Costa Rica e Venezuela, com um cada. Quer dizer que, no pedestal dos sábios, não há nenhuma figura para chamarmos de nossa; pelo menos no Panteão do reconhecimento. A pandemia da Covid 19 evidenciou um outro aspecto em desfavor do Brasil. Quase todos os países em desenvolvimento produziram vacinas contra o coronavírus. O Brasil é dependente da importação de imunizantes desses países. E por quê? Porque preferimos importar a fazer aqui. Voltemos à vacina para entendermos melhor: ao importarmos a dita-cuja pronta ou a tecnologia de como fazer aquele determinado imunizante (desenvolvido em outro país), ficamos presos “ao que se faz lá fora”. Isso é ruim? Sim, se for a única opção. No caso das vacinas e da indústria farmacêutica em geral, uma parte importante dos seus componentes é produzida pela indústria de “química fina”, atividade industrial voltada para obtenção de produtos de altíssimo valor agregado (diferença entre o valor de custo e valor de venda das mercadorias e serviços). Quanto maior a diferença, maior o valor agregado. Aqui o problema se divide em dois. Primeiro temos a fase de produção das substâncias ativas dos medicamentos (vacinas, incluídas). Nesse estágio a margem de lucro (preço de venda menos custo) é menor. Na fase seguinte, quando se produz o medicamento propriamente dito, o valor agregado é maior, mais compensador. Resultado: o Brasil importa aproximadamente 90% dos insumos ativos do setor farmacêutico, isso porque o produto importado é mais barato que o produto nacional, em função da alta incidência de impostos que se repetem em toda a cadeia produtiva nacional. Resultado: Rússia, Índia e China saem na frente e nós não temos uma vacina para chamarmos de nossa. Pelos dados disponíveis, contatamos que, em 2019, o Brasil era o sexto maior produtor de automóveis do mundo, subindo duas posições desde 2010. No ano passado, não sei em que posição ficou, pois os números são contraditórios e alguns deles ainda estão sendo levantados e/ou corrigidos. As maiores montadoras do mundo têm fábricas por aqui. As marcas europeias, asiáticas e norte-americanas veem em nosso país um grande mercado. Produzem aqui, porque aqui existe um enorme mercado consumidor. O ponto fora da curva foi a Ford que, depois de um século presente em nosso território, abandonou tudo e foi embora. No entanto, o problema da Ford não é coisa do Brasil. Retirou-se também da Austrália e enxuga suas linhas de produção em quase todas as suas fábricas. Alguns empresários brasileiros se lançaram nesse mercado tão competitivo. Além das marcas Puma e Miura, famosas, porém nanicas, tivemos a Gurgel. Foi um sonho amador do engenheiro João Amaral Gurgel. Veículos feios, sem adoção de inovações já existentes nos seus competidores e, principalmente, sem visão empresarial, “os carros do seu Gurgel” deram chabu quase que ainda na linha de largada, após tentar montar sua unidade produtora no Ceará. Pena, pois poderia ter sido uma iniciativa vencedora. Caso à parte foi o exótico Romi-Isetta, o primeiro carro fabricado em série no Brasil, fruto de uma parceria entre a empresa italiana Iso com a brasileira Romi. Só tintam dois lugares e a porta se abria para a frente do veículo. Seu apelo não visava atender às necessidades de conforto, segurança e praticidade. Deu no que deu. E nós brasileiros continuamos sem ter uma montadora, uma marca automotiva, para chamarmos de nossa. A síntese da história é essa. Temos sonhadores e aventureiros, mas falta-nos quem queira fazer deste um país do presente. Para coroar tudo isso, sobram-nos governos erráticos, que corrompem ou desconsideram as universidades e preferem o caminho mais fácil: comprar em vez de produzir. Tribuna do Norte. Natal, 17 mar. 2021
PRAIEIRA (99 ANOS) Valério Mesquita Mesquita.valerio@gmail.com Muitos já cantaram e falaram sobre “Serenata do Pescador”, composição imortal de Othoniel Menezes e musicada por Eduardo Medeiros que atravessou o tempo e o vento com a mesma beleza sonora e poética. A pesquisadora Leide Câmara reuniu a melhor geração de intérpretes norte-riograndenses que gravaram a composição, uma estrofe cada um, pela primeira vez em estúdio. Se os estilos de cantar de cada um são distintos, pelo timbre de voz, a inflexão, a entonação dos versos, é inegável a intensidade e a paixão de todos na interpretação, como se estivessem vivendo a fascinação do pescador ante o permanente e o efêmero da aventura marítima. Esse poema musicado de 1922, alcançou a força de uma obra prima e se tornou hoje a canção tradicional de Natal pelo paladar do povo. Nem precisaria a eficácia de um decreto oficial. Lembro a noite de lançamento que se realizou no Palácio da Cultura (80 anos), onde a confrade Leide Câmara, fiel porta-estandarte da música potiguar, reuniu centenas de natalenses de boa vontade que não deixam cair a bandeira, a riqueza e a beleza do talento dos nossos músicos e intérpretes. O disco teve a capa do imortal Dorian Gray e a apresentação de vários expoentes da nossa cultura. Fui presente e me senti feliz por prestigiar o evento, passageiro do batel naquela noite de navegação e delicadeza aquática. Tratou-se de um acontecimento que fala a alma e o coração de Natal e precisava repercutir por que não é fugaz e frívolo como o carnatal. Vivemos numa cidade que lança livros que não se lêem, línguas que não se aprendem (exceção para aquelas ferinas), amor que não se dá, a não ser aqueles movidos à álcool e as drogas, próprios da folia doidivana onde tudo depois é esquecido. Província que desfila vaidade nas crônicas e só veste abadás nas passarelas. Natal precisa saber quem é e a que veio. Carnatal não é cultura. Mas, sim dinheiro, ganância, transitoriedade e consumo de carne. Por que não prestigiar o autor, o músico, a música e o cantor norte-rio-grandense? Só pensam em lucro fácil e fáctil. Todo folião que se despedaça no carnatal não retorna mais inteiro. Perdem a identidade assim como Natal perde, a cada ano, a sua cara e a própria identidade cultural. Por isso cultuo o “pão cotidiano” das coisas nossas sem deixar de me preocupar com o poente apagado do Potengi amado, outrora tão aceso e contemplado por Câmara Cascudo que sempre valorizou os temas, as criações, os autores e o patrimônio da cultura do Rio Grande do Norte. O mundo ainda não acabou por causa de dez por cento de cristãos de fé e penitência de todas as religiões do planeta. E a música potiguar brasileira não se exauriu ainda por que existem figuras como Leide Câmara e todos os doze intérpretes de Praieira, além dos seis músicos, somados às dezenas de outros profissionais espalhados pelo Rio Grande do Norte que vivificam o labor diário de compor e cantar a música genuína de nossas origens e vertentes. Ouçamos Fernando Pessoa: “a vida é breve, a arte é longa”. (*) Escritor

15/03/2021

Marcelo Alves Carta ou missiva? Sempre me interessei pelo Big Brother. E não me refiro ao livro “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (“Nineteen Eighty-Four”, 1949), de George Orwell (1903-1950), embora seja fã da obra do escritor indo-britânico. Falo mesmo do BBB (Big Brother Brasil), que, nestes tempos de pandemia, é uma ótima opção para descansarmos da nossa triste realidade. Indico! Por estes dias, uma das polêmicas do BBB21 foi o vocabulário, digamos difícil, da sister Lumena. Psicóloga de formação, ela nos brindou com coisas como: “ressignificar”, “fenotipicamente triste”, “deslegitimação”, “itinerário” e por aí vai. Muitas “jornadas”. E, embora muitas vezes eu entendesse quase nada, dada a ausência de contexto das palavras na realidade da Casa, eu achava era engraçado. Foi daí que eu me lembrei do vocabulário dos juristas (ou pretensos juristas, sei lá): um tal “juridiquês”. Na verdade, é natural o direito ter um vocabulário próprio, dito técnico. Isso se dá – e deve ser assim – com qualquer ciência. Na medida certa, ele ajuda a evitar desentendimentos. O problema é o seu uso exagerado ou descontextualizado. Palavras enormes, verborragia ou o uso desmedido de expressões em latim são exemplos disso. Obviamente, fica complicado para os leigos (e aqui me refiro àqueles sem formação jurídica) entender esse palavreado empolado. E é também complicado para nós, supostos juristas. Bom, nada pior que um suposto douto que fala muito e diz nada. Um dos grandes desafios do jurista contemporâneo (e falo aqui do jurista de verdade) é trabalhar melhor a linguagem. Como disse certa vez, direito e linguagem estão muito mais relacionados do que imaginamos. Esta é o veículo daquele. E se vocabulário jurídico é um campo ideal para desentendimentos, agora acrescento: é também um campo fértil para platitudes. Mas o que fazer para corrigir ou melhorar isso? Se eu morasse na França, talvez fizesse uma carta, digamos um apelo desesperado, à famosa Académie Française, aquela fundada pelo Cardeal Richelieu (1582-1642), em 1635, no reinado de Luís XIII (1601-1643), hoje parte do não menos famoso Institut de France (que engloba ainda outras quatro academias de artes e ciências). Entre as funções da Académie Française, essencialmente relacionadas às letras e à cultura, está a de disciplinar o uso da língua francesa. Sua gramática, seu vocabulário e por aí vai. A Académie, por exemplo, publica um dicionário, o “Dictionnaire de l'Académie française”, que já está na nona edição. Pediria uma diretriz, talvez do tipo: “Juristas, falem e escrevam fácil”. Mas vivo no Brasil, precisamente entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco. Não posso apelar para a Academia Brasileira de Letras. Muito menos para as Academias norte-rio-grandense e pernambucana. Acho que elas não teriam nem atribuição nem força para baixar uma ordem de “falar fácil”. Ademais, os nossos supostos juristas são teimosos e tinhosos. Inventariam logo uma “fórmula legal”, obscura por si só, para fugir à “obrigação” de serem claros. Resta-me advertir por aqui. Não basta vestir um terno para dizer coisas importantes. Não adianta falar difícil se você não sabe dizer o fundamental em português fácil. Soa vazio e até engraçado (num contexto despretensioso como o do BBB). Teremos apenas mais uma daquelas ignorâncias bem-vestidas. Um Conselheiro Acácio do “Primo Basílio” (1878) de Eça de Queiroz (1845-1900). A representação da mediocridade empolada. Seja da psicologia, seja do direito. Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL