31/07/2018


  
Marcelo Alves

 

Individuais ou coletivas?

“Todas as pessoas, desde os primeiros anos de vida, encontram-se frequentemente em situações nas quais devem tomar uma decisão. Não há dúvida de que a frequência e a importância das decisões a serem tomadas variam enormemente de acordo com a idade e com as responsabilidades de cada pessoa, mas todas invariavelmente são solicitadas a fazerem escolhas com relativa frequência. A escolha poderá ser tão trivial quanto decidir entre pedir um sorvete de chocolate ou um de creme, como poderá envolver o destino e a vida de milhões de seres humanos tal como no caso das grandes decisões políticas”. Eis o que afirma Aroldo Rodrigues, em seu “Psicologia Social” (Editora Vozes, 1972), obra que adquiri dia desses, em bom estado e baratinha, num dos sebos da nossa Cidade Alta. 

Os juízes, claro, tomam decisões todos os dias, a toda hora. E não são escolhas de sorvetes; são decisões que envolvem o destino e a vida das pessoas. 

Como já disse certa vez aqui, essas decisões (judiciais) não são simples operações lógicas neutras, de verificar se os fatos do caso se subsumem numa hipótese legal e, assim, proferir uma sentença/solução (um silogismo em que a premissa maior é a lei/norma, a menor é o fato e o corolário é a sentença). Como lembra Francesco Ferrara (1877-1941) em “Interpretação e aplicação das leis” (tradução de Manuel A. D. de Andrade, Arménio Amado Editor Sucessor, 1963), “na aplicação do direito entram ainda fatores psíquicos e apreciações de interesses, especialmente no determinar o sentido da lei, e o juiz nunca deixa de ser uma personalidade que pensa e tem consciência e vontade, para se degradar num autômato de decisões”. De fato, os juízes decidem baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são conscientes e analíticos. Os reais fundamentos da decisão judicial, que atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos preconceitos e valores do julgador, nos alertam os chamados “realistas jurídicos americanos”. 

É precisamente dentro desse contexto que venho aqui fazer uma defesa das decisões colegiadas dos tribunais (acho que não preciso dizer o mal que algumas decisões judiciais monocráticas, tomadas nos últimos tempos, têm feito à credibilidade da nossa Justiça), desta feita pelo prisma da psicologia social. 

É verdade que tanto as decisões monocráticas (é assim que se chamam, em juridiquês, as decisões tomadas individualmente) como as decisões coletivas podem estar certas ou erradas. Não é simplesmente porque a decisão foi tomada coletivamente que ela estará certa. Já se viu muita unanimidade burra. Isso é fato. 

Mas há, sem dúvida, alguns aspectos bastante favoráveis nas decisões colegiadas, sobretudo nos dias de hoje, quando parte da imprensa e as tais “redes sociais” querem pautar – para não dizer, direcionar – as decisões do Judiciário. 

O primeiro é a “difusão de responsabilidades”. Como registra o já citado Aroldo Rodrigues, baseado em alguns estudos precedentes, grupos tendem a tomar decisões que envolvam maior risco ou responsabilidade que indivíduos isoladamente. Pessoas em grupo sentem-se menos pressionadas ao tomar uma decisão arriscada – leia-se, aqui, impopular –, mas que trará maiores benefícios caso dê certo. A tendência é no sentido de enfrentar a turba em busca da decisão juridicamente correta, dividindo-se a responsabilidade pelo fracasso caso a decisão seja errônea. 

Em segundo lugar, a colegialidade é um mecanismo – pensado, criado e fomentado – que protege o juiz de suas idiossincrasias e daquilo que compõe o seu horizonte interpretativo pessoal. Mecanismo que funciona. Todos nós, e isso inclui os juízes, temos preferências e valores diversos, e nossas decisões, para o bem ou para o mal, são afetadas por essas características herdadas ou adquiridas. As decisões tomadas no exercício da magistratura, reitero, não fogem a esse contexto. Se o comportamento dos juízes, nos tribunais (onde as questões são finalmente decididas), é afetado pelas fraquezas inerentes à dinâmica de pequenos grupos, ele também é afetado – e isso prepondera – pelas virtudes desses grupos. E uma dessas virtudes, talvez a principal delas, é precisamente obrigar os juízes a controlar seus próprios juízos (sempre afetados por características herdadas ou adquiridas) em diálogos com juízos próprios (tomados anteriormente) e, sobretudo, alheios. Nesses diálogos colegiados, o juiz se torna mais independente de si mesmo e de suas próprias arbitrariedades. 

Em terceiro lugar, a colegialidade, em regra, contribui para o aperfeiçoamento do processo decisório. Ela capacita os juízes a instigar o conhecimento de seus pares. Ela é, psicologicamente, um incentivo ao aperfeiçoamento do modo de decidir do juiz, já que os juízes, no debate de ideias, por saberem que suas posições irão ser objeto de escrutínio pelos pares, formulam-nas com maior cuidado e precisão. A colegialidade, assim, enseja um aprimoramento do resultado do trabalho decisório dos juízes e, consequentemente, um fortalecimento institucional do Poder Judiciário. 

Em quarto lugar, há a força em si das decisões colegiadas, sobretudo as tomadas por unanimidade. Quando uma corte decide um caso com base em regras e princípios colegiadamente debatidos, ela está, certamente, criando material precioso e raro, que, forjado na dialética, tende a ser sempre mais respeitado. Até porque as decisões colegiadas, representando não somente a experiência dos juízes, mas também seus diferentes talentos e perícia, refletem a sabedoria do tribunal como uma instituição que transcende o momento. 

Bom, pelo menos eu penso assim. 

Muito embora eu também saiba, até porque já alertava o próprio Aroldo Rodrigues, que o tema (das decisões colegiadas em geral) “merece estudos posteriores, tal a sua relevância. Uma combinação dos ensinamentos das teorias econômicas e matemáticas relativas ao processo de decisão com os conhecimentos psicológicos deste processo deverão conduzir, muito em breve, a um conhecimento seguro em relação a este tópico cuja importância dificilmente poderá ser superestimada”. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

RESSURGIR DAS CINZAS


ODE A FACULDADE DE DIREITO DA RIBEIRA

Carlos Roberto de Miranda Gomes, escritor*
       
       Num tempo, longe, se concretizava o sonho de uma Faculdade de Direito em Natal – esforço de algumas figuras singulares, dentre as quais Onofre Lopes e Otto de Brito Guerra.
        Com o passar dos anos, a Faculdade fez-se respeitada e abrigou projetos e movimentos reconhecidos pela sociedade potiguar.
        Nos anos de chumbo foi referência para as soluções difíceis de um período de trevas, guardando fidelidade aos princípios sagrados do Estado Democrático de Direito.
        Atingida a maioridade, viu-se procurada pela mocidade e foi obrigada a procurar maior espaço, outro chão e o encontrou. Contudo, não esperava que ficasse no esquecimento a velha Casa do Saber.
        Mas foi o que aconteceu. Perdida num bairro em decadência, ficou sozinha e os vândalos destruíram parte do seu corpo, mas não o seu espírito, que agora luta para retornar à vida plena – ressurgir das cinzas.
        Estamos nessa cruzada e conclamamos seus ex-alunos e ex-professores para um somatório de forças. VENCEREMOS!
A LUTA JÁ COMEÇOU:



MINISTÉRIO DA CULTURA
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN
Divisão Técnica do IPHAN-RN
Superintendência do IPHAN no Estado do Rio Grande do Norte!
Relatório Nº 0622307/2018
Assunto: Vistoria na edificação localizada na Praça Augusto Severo, 261, Ribeira, Natal/RN.
Processo: 01421.000206/2018-89

1. Venho informar sobre a vistoria realizada em 30 de julho de 2018 às 9horas, no Grupo Escolar
Augusto Severo (GEAS), solicitada pela reitora da UFRN, Ângela Maria Paiva Cruz em reunião ocorrida em 24 de julho de 2018 às 14horas, para dirimir dúvidas sobre o Auto de Infração A00002.2018.RN sei (0597254) e as possíveis soluções para os problemas apresentados.
2. A vistoria foi acompanhada pelos servidores do IPHAN/RN Randrik Fernandes, Engenheiro Civil e por Ivanildo Soares da Silva, Técnico I- Engenheiro Civil. Representando a UFRN, foram os Arquiteto Sileno Cirne, Chefe da Segurança José de Anchieta de Freitas e o Engenheiro do Setor de Manutenção, Evaldo Cabral. Além destes, compareceram a vistoria, o representante da OAB, Advogado Juan Almeida e o Prof. Carlos Roberto de Miranda Gomes, Assessor da Presidência do IHGRN.
3. A vistoria teve início no horário agendado. Os servidores da UFRN foram acompanhados pela equipe de segurança, que adentrou ao prédio e fez uma vistoria inicial para certificar a não presença de moradores de rua.
4. A equipe da IPHAN/RN iniciou o diálogo, informando que fez um levantamento das solicitações de intervenções da UFRN para aquela edificação e muitos destas não tinham sido executadas, e que estas podem ser utilizados para compor a listagens de serviços emergenciais a serem executados.
Continuou reforçando a existência do Auto de Infração e seus prazos, assim como a possibilidade de formalização do termo de compromisso.
5. A equipe de UFRN explicou sobre a dificuldade gerencial na execução dos serviços já
autorizados pelo IPHAN, informou que iria realizá-las agora e questionou sobre a possibilidade de execução de fechamento do muro com tapume de madeira e instalação de concertina metálica na parte superior.
6. A equipe do IPHAN/RN respondeu que, pelas experiências vividas em centros históricos, todo e qualquer serviço de fechamento que seja implementado no prédio não terá eficiência sem a implantação de um sistema de segurança, principalmente com presença de vigilantes e que neste caso poderia ser utilizado infraestruturas provisórias como containers ou guaritas móveis para servir de base para os vigilantes.
7. O representante do IHGRN ressaltou sobre a importância da edificação para a história da cidade e da necessidade de acelerar o processo de licitação dos projetos e da obra e que a UFRN intervenha urgentemente na edificação visando diminuir seu processo de degradação e o estado de abandono.
8. A equipe da UFRN informou que irá planejar a melhor forma de prover uma infraestrutura mínima para os vigilantes e que irá realizar a limpeza interna e externa da edificação.
9. Quanto a cobertura, a UFRN informou que não tinha condições no momento de executá-la mesmo sendo provisória, a não ser que fizesse através de licitação, o que demoraria mais tempo para executá-la.
10. Foi esclarecido entre a UFRN e IPHAN/RN que as lajes desta edificação encontram muito degradadas e que necessitam de urgente escoramento de madeira.
11. Por fim, foi reforçado pelos representantes do IPHAN/RN, que a UFRN tem a possibilidade de solicitar a formalização do termo de compromisso e que todas as informações necessárias constam no Auto de Infração.

Atenciosamente,
(assinado automaticamente por)
RANDRIK FERNANDES DE SOUZA
Engenheiro Civil - SIAPE 2995909
Fiscal do IPHAN/RN


29/07/2018



O CUNHADO DE LILIU – Berilo de Castro

O CUNHADO DE LILIU –
Adail  Loiola Barata (Liliu) figura folclórica, muito conhecida  que marcou época em Natal das décadas de 1950 e 60. Homem de média estatura, de boa conversa, sempre alegre, óculos caídos no nariz,  verve privilegiada e um tanto relaxado com suas vestimentas.
Nunca levou a sério a responsabilidade com o trabalho   formal. Mesmo assim, sempre se deu muito bem com  a vida que levava, devido aos bons dotes e a sorte que possuía como um grande e inveterado apostador.
Apostava e ganhava em tudo que era jogo. Apostava e ganhava  até em jogo de biloca. Presença  contumaz nos Estádios de futebol, salões de sinuca, rinhas de gala de raça e de canários brigadores. Fino e esperto jogador de sinuca. Exímio gozador.
Gostava ( talvez tenha sido o  primeiro ) de a usar  a palavra “maracatu”, empregada  para aquelas  pessoas relegadas, que só   merecem  desprezo; sem importância, sem nenhuma expressão e  valor.
Guardo a sua lembrança na memória, nos jogos no Estádio Juvenal Lamartine, quando faturou muito dinheiro apostando  no time do Alecrim FC, nas conquistas dos títulos de 1963/64.
Nunca dividiu com ninguém os seus ganhos. Era sovina, um verdadeiro mão de vaca.
Essas figuras nem sempre conseguem levar para sempre os seus planos e viver perenemente como desejam. “Como tudo na vida acontece”, — já dizia o cancioneiro popular –, a vida sempre lhes apresentam surpresas, algumas não muito boas.
E assim aconteceu com o nosso grande e sortudo apostador. Entrou em sua vida, a figura de um cunhado. No começo, tudo as mil maravilhas: bem empregado, boa moradia, ganhando bem, sempre perguntando  se o cunhado estava precisando de alguma coisa, pois  estava pronto para ajudar.
Gabava-se Liliu, com um largo e infindável sorriso, que a sua irmã tinha acertado na milhar. Fora premiada com o cartão da sorte. Benza  Deus!
O tempo foi passando, e o golpe do cunhado foi se manifestando: deixou o emprego, se achando muito cansado. Dizia que sentia muita dor nas costas e que  o trabalho estava acabando a sua coluna, já se pronunciando, quem sabe, uma bela hérnia de disco lombar, dizia ele.
Abandonou o emprego. A casa começou a cair: o dinheiro desapareceu, o aluguel ficou atrasado ( e muito atrasado ). Perdeu a moradia. Saída  imediata.  Morar com quem? Lógico, com o cunhado querido. O que que não agradou em nada o avarento apostador. Mas, cunhado é cunhado!
O novo morador, hóspede familiar, tinha hábitos que fugia muito da rotina do cunhado. Passava o dia todo em casa de ventilador ligado; dormia  tarde vendo televisão e, ainda por cima,  não desligava o aparelho, o  qual passava a noite toda ligado. A conta de energia começou a subir. Acordava tarde, já na hora que o cunhado vinha chegando, suado e cansado na busca de provimentos para o lar.
O cunhado bocejando, ainda com cara se sono, não dava nem um bom dia e  perguntava:
— Seu Liliu, trouxe o jornal?  De cara fechada, respondia Liliu: Touxe! Qual? A República! Não gosto, só leio a Tribuna.
Na hora do almoço era o primeiro a sentar à mesa, sem camisa, e na cabeceira, lugar por respeito reservado somente para o dono da casa.  Muito exigente, comia muito e rápido. Era também o primeiro a pedir a sobremesa:
— Tem doce seu Liliu? Tem! Respondia Liliu. Qual? Bananada Potiguar! Não gosto, só como goiabada cascão Cica. Enquanto isso, ficava palitando e chupando os dentes. Liliu suava frio e os óculos já não se  sustentavam sobre o nariz.
Às 3 horas da tarde, depois da sesta profunda e demorada, sentava à mesa, já perguntando  pelo lanche:
—  Tem abacatada com uma torradinha  quentinha com queijo de Minas?
 Não,  só tem mariola. Não conheço, não me cheira bem, não faz parte do meu cardápio. Embrulha o meu estômago.
No jantar, era novamente o primeiro a chegar a mesa:  tem  uma sopinha de  legumes  com frango desfiado e uma torradinha com manteiga Itacolomy? Não, só pão com mortadela e manteiga de lata grande, misturada com banha de porco.
— Não como nada disso, me dá azia. Puxa! Meu cunhado tá ganhando pouco. Não era essa a impressão que eu tinha do meu meu querido paizão.
Moral da história: Liliu  enfezado e p. da vida, explodiu! Disse não! Mandou o mala, o folgado e o exigente cunhado, pentear macaco, procurar e juntar batata podre na feira, uma lavagem de roupa, passar o tempo se divertindo enxugando  barras de gelo com a língua e, ainda ir olhar se ele (Liliu)  estava na esquina.
E num grito de liberdade, com os  óculos espedaçados no chão, esbravejou: desapareça da minha vida e da minha casa, já!  Não volte mais nunca seu  MARACATU PALOMBETA!!!
Berilo de CastroEscritor
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

27/07/2018

HOMENAGEM



NADIR MEIRA GARCIA

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Naquele dia frio e chuvoso de agosto de 2008, a Praça das Flores, amanhecera mais triste. Havia falecido a mais antiga inquilina do seu jardim: Nadir Meira Garcia. O casarão na confluência das ruas Dionísio Filgueira e Joaquim Manoel estava sombrio e silencioso. O frontispício e os interiores da casa me restituíam o casal: Enock e Nadir, numa doce e suave empatia com o passado que aproxima as pessoas na distância do tempo e permite magicamente a confraternização de gerações cronologicamente afastadas. Foi aí, nessa visão, que estabeleci a simbiose perfeita com o nosso passado em Macaíba, lá no sítio do dr. Enock, a residência urbana da família na minha meninice, ao lado dos primos Roosevelt, Franklin, Wallace, Ana e Enoquinho.
A intercorrespondência íntima das duas memórias reveladas, faz-me captar sinais ainda perceptíveis, rumores audíveis, movimentos distintos, brotados do fundo da vida social, política e familiar de Macaíba dos anos quarenta e cinquenta – que apesar de conhecidos e gastos com a morte de Nadir parece sepultar a última herdeira desse universo desaparecido.
Mesmo aos noventa anos de idade, ela ainda detinha a energia dos cristais, o senso agudo de observação das coisas ao seu redor. Lembro-me do seu estilo informal de receber e acolher as pessoas, o brilho intenso dos olhos que lembrava os da sua mãe Amélia Násia Mesquita Meira, minha tia, símbolo admirável de fidelidade, caráter e honradez. Dela, a filha herdou a tenacidade e a autenticidade de ser.
O que impressionava em Nadir era o lado político arrebatado, decidido e determinado. Quando se envolvia, a política virava paixão avassaladora, pois não sabia cultivar a neutralidade. Ainda tremulam na fachada daquela casa, como um milagre de transfiguração, as imensas bandeiras de suas crenças partidárias, pois não tinha medo de assumir a sua identidade coletiva. A idade avançada não lhe trouxe melancolia nem o desinteresse pelos problemas da vida e dos filhos. Buscava sempre o estímulo e o alento para desencadear o movimento da maturidade de viver os netos e reviver os sonhos encantados que sonhou com o seu Enock.
Por tudo isso, não é demais reconhecer que Nadir desempenhou um papel importante na educação dos filhos e ao lado do marido no desbravamento dos caminhos da política, da advocacia, da administração pública e da vida do lar.
Posto-me, novamente, diante da casa da Praça das Flores na certeza de que o passado não passa. O vento forte e monolítico finge permitir que tudo leva e lava. Os meus olhos de vidente retrospectivo passeiam nos corredores, revendo antigas cenas, cristaleiras, porcelanas, armários, lustres e conversas soltas de antigas vigílias. Ali, ainda vejo Nadir e Enock cercados de filhos e netos, apascentando o tempo e cultivando as flores.

(*) Escritor


23/07/2018

Para dormir, cama de lona


Para dormir, cama de lona


Texto Gustavo Sobral e ilustração de Arthur Seabra




A família numerosa e a multidão de imigrantes europeus que chegaram às cidades brasileiras no tempo do ontem foram salvos pela tal cama de lona. Talvez inventada junto a praticidade, era o quebra-galho na casa das avós e tias quando havia mais um para dormir e cama não havia.

Bastava alguém dizer tragam lá aquela pinoia, e alguém ia arranjar nos guardados a cama de lona para alguém dormir. Bastava armá-la abrindo-lhe as bandas em que se fechava e estava pronta para nela deitarem. Podia ser abrigada assim na sala, no vão do corredor, no canto de algum dos quartos, e manhã cedo, quando a casa acordava, bastava desarma-la e por de volta no lugar. Escondida após missão cumprida.
Como toda cama que preste feita de cabeceira e peseira no entanto indistintas, pois cama de lona não é artigo de luxo, nem é preciso destas demarcações para dormidas furtivas e eventuais. Quem dera fosse somente utilizada para o proposito que se fez.
Deixou de ser temporária para muitos que desceram no porto de Santos e subindo pela estrada de ferro foram bater na casa do imigrante onde eram recepcionados até ganhar destino e a vida no Brasil, nelas dormindo como único abrigo, e assim, sendo cama foi casa.
Sua inspiração é a simplicidade de ser para todos, no ascético mobiliário que nasceu da carência das guerras, portanto, sem adorno, enfeite ou fausto, e assim veio pela utilidade e praticidade instalando o uso, virou peça necessária para camping, padiola para socorrer feridos, maca para os enfermos, e tomou outros designativos pela própria matéria que a constitui a armação em que se estrutura a lona, por isso também cama dobrável, de armar, elástica, de campanha e tantas quantas forem também as formas dela se nomear.


 
Marcelo Alves

 

O papel de cada um

Benjamin N. Cardozo, em sua clássica obra “The nature of judicial process” (originalmente publicada em 1921, mas que aqui cito em edição fac-símile da Yale University Press de 1991), reconhece “a criação do direito pelo juiz como uma das realidades existentes da vida”. O famoso juiz e jurista americano pergunta: “Onde o juiz encontra o direito que incorpora em seu julgamento?”. E responde: “Há momentos em que a fonte é óbvia. A regra que se enquadra no caso deve ser fornecida pela Constituição ou por lei”. Entretanto, mais adiante ele completa: “É verdade que códigos e leis não tornam o juiz supérfluo nem seu trabalho perfunctório ou mecânico. Há lacunas a serem preenchidas. Há dúvidas e ambiguidades a serem esclarecidas. Há dificuldades e erros a serem mitigados, se não evitados”. 

Sempre estive com Cardozo, reconhecendo também que o poder de proclamar o direito, dado a todos os juízes, traz consigo o poder – e mesmo o dever – de criar o direito, quando o direito é incerto ou não existe direito algum. Como sabemos, o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e a proibição do “non liquet” compõem o nosso direito. E a interpretação e a integração do direito estão aí para atender a essas duas exigências do nosso sistema jurídico. 

Mas isso não dá poderes ilimitados aos juízes. A criação judicial do direito é, no Brasil e em qualquer nação minimamente civilizada, supletiva (em relação ao Legislativo). E deve sempre ser. Afinal, como afirmou o juiz Brett Kavanaugh, recentemente indicado para a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, fundamentalmente, “um juiz deve interpretar a lei, e não escrevê-la”. 

Essa diretriz – de proclamar e apenas supletivamente criar o direito – vale tanto para os juízes de primeiro grau como para os tribunais de apelação, para os tribunais superiores e mesmo para a Suprema Corte, com os seus respectivos desembargadores e ministros agindo juntos ou monocraticamente. 

Há, claro, algumas peculiaridades nessa missão dos órgãos jurisdicionais de proclamar e, supletivamente, criar o direito. 

Os juízes de primeiro grau e os dos tribunais de apelação (chamados desembargadores) exercem, entre nós, um papel fundamental na proclamação desse direito. Antes de qualquer coisa, eles têm um contato maior (quase exclusivo) com as partes, os fatos e as provas do caso. Ademais, acredito que, sopesados, de um lado, valores como estabilidade e previsibilidade e, de outro, o desenvolvimento do direito (e aqui fica implícito um certo grau de criatividade), nas decisões do juízes de primeiro grau e dos tribunais de apelação aqueles dois primeiros valores devem preponderar. Em grande parte, a consistência e a certeza do direito dependem da mentalidade e do comportamento desses juízes e tribunais. Eles são muitos e espalhados pelo país afora. Se exercerem a criatividade num grau exagerado, o direito nacional ficará bastante errático (mais do que já é). 

Parece-me ser um pouco diferente o papel a ser exercido pelos tribunais superiores (agindo como tribunais de última instância em matéria não constitucional) e, com mais razão, pela nossa Suprema Corte. Numa corte suprema ou de última instância, esse equilíbrio entre, de um lado, a imprescindível estabilidade e previsibilidade do direito (que resulta do seguimento de decisões tomadas anteriormente) e, de outro, o desenvolvimento próprio do direito, pode – em alguns casos, deve – pender para este último lado. 

Nesse ponto, na quase sempre ponderada Inglaterra, há uma decisão famosa da sua antiga House of Lords (que foi, durante séculos, a mais alta corte do Reino Unido), no caso Davis v Johnson [1978] 2 WLR 553, em que o Lord Diplock afirma: “Assim, [em uma corte recursal intermediária] o equilíbrio não repousa no mesmo lugar em que repousa no caso de uma corte de última instância”. 

Ademais, acredito que mesmo uma corte suprema não pode ser completamente “livre” na sua missão de “desenvolver o direito”. Ao decidir “desenvolver” qualquer ponto do direito, ela deve sempre seriamente ponderar, sob pena de infringir unilateralmente o equilíbrio constitucional entre os poderes – no caso, aqui, sobretudo entre o Legislativo e o Judiciário –, se essa não seria preferivelmente uma matéria a ser deliberada pelo Parlamento. Cuida-se do princípio ou argumento do “leave it to the Parliament”, frequentemente usado no mundo anglo-saxão. 

E para ilustrar o que digo agora, vou novamente fazer uso de uma decisão da House of Lords inglesa, em R v Clegg [1995] 1 ALL ER 334, nas palavras do Lord Lloyd: “Eu não sou contrário a que juízes desenvolvam o direito, ou mesmo criem novo direito, no caso de eles poderem ver seu caminho claramente, mesmo quando questões de política social estejam envolvidas. (…). Mas, no caso presente, eu não tenho dúvida de que Vossas Excelências devem abster-se de criar direito. A mudança do que deveria ser, de outro modo, homicídio para homicídio culposo, numa classe particular de casos, parece a mim essencialmente uma questão para decisão do Legislativo, e não para esta House em sua função judicial. Até porque o ponto em discussão é, na verdade, parte de uma discussão mais ampla: se a prisão perpétua obrigatória por assassinato deve ainda ser mantida. Essa questão mais ampla somente pode ser decidida pelo Parlamento. Eu diria o mesmo para o ponto em discussão neste caso. Dessa maneira, eu responderia à questão de direito como se segue: nos fatos estabelecidos e assumindo que nenhuma outra defesa está disponível, o soldado ou policial será culpado de homicídio doloso, e não de homicídio culposo. Disso resulta que a apelação deve ser improvida”. 

Por fim, registro que toco nesse tema porque estou muito preocupado com o ativismo de certos operadores do nosso sistema judicial (e aqui ponho no mesmo balaio membros do Ministério Público e juízes, cada qual nos seus respectivos papéis), proativamente interferindo, constante e significativamente (leia-se, assim, indevidamente), nas opções políticas dos outros dois poderes do Estado. Aqui, mais especificamente, no que foi deliberado pelo Legislativo. E juiz não é legislador, insisto. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

22/07/2018

O IHGRN É UMA FESTA PERMANENTE


O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO 
DO RIO GRANDE DO NORTE CONTINUA 
DE PORTAS ABERTAS PARA VISITAÇÃO
TURISTAS E ESCOLAS SEMPRE PROCURAM A
CASA DA MEMÓRIA


TURISTAS VISITAM O IHGRN


REGISTRAM SUAS PRESENÇAS

ADMIRAM NOSSAS RELÍQUIAS

SAEM ADMIRADOS
 ELOGIAM NOSSO ACERVO