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06/06/2016
31/05/2016
29/05/2016
6 maio 2016CENAS DO CAMINHO - Violante Pimentel
O CAMELO
Quatro
amigos caminhavam em silêncio por uma
estrada, amargando a dor do
desemprego. Todos tinham
sido mandados embora, por terem contrariado o
soberano a quem, há anos, serviam.
Estavam completamente decepcionados,
sem saber
o rumo que iriam tomar na vida. Aproximou-se deles
um homem
muito aflito, que perguntou:
–
Os senhores viram um camelo, perdido pela estrada?
Esse animal me
pertence, e desapareceu de repente,
sem eu saber o caminho por onde
seguiu.
Um dos desempregados perguntou:
– O camelo que o senhor procura enxerga direito ou é cego de um olho?
– Ele é cego de um olho. – respondeu o dono.
– Ele é manco? É aleijado? – perguntou o segundo desempregado.
– É manco, sim! Vocês o viram?
Ele tem a cauda curta? – perguntou o terceiro.
– Sim, ele tem a cauda curta! Vocês o viram?
– Seu animal sofre do estômago? – perguntou o
quarto desempregado.
O dono do animal respondeu:
– Sim. O meu camelo sofre do estômago! Então, com
toda certeza, os senhores o viram!
– Não! Nós não o vimos! – protestaram os quatro homens.
Em seguida, todos se calaram e continuaram a caminhada.
Irritado, o dono do animal perguntava a si mesmo:
– Como é que esses homens conhecem os defeitos do
meu camelo? Tenho certeza de que eles são ladrões
e o esconderam.
E foi prestar queixa ao delegado que,
imediatamente, mandou prendê-los.
Muito nervosos, os quatro homens foram interrogados,
na frente do dono do animal:
“Este homem acusa vocês de terem roubado o seu camelo.” Disse o delegado.
Os quatro negaram o fato, mostrando-se indignados
com a injusta acusação.
O delegado, então, perguntou:
–
Como é que vocês dizem que nunca viram esse animal
e ao mesmo tempo
sabem que ele é cego de um
olho, manco, tem a cauda curta e é doente do
estômago?
Então, um deles respondeu:
– Como somente as folhas de um lado da estrada
estão comidas, tenho certeza de que o animal é cego
de um olho.
Disse o segundo homem:
– Pelas pegadas na estrada, vi logo que se trata de um animal manco.
Disse o terceiro:
– Como há algumas manchas de sangue na estrada,
entendi que o animal tem a cauda tão curta, que não
pode espantar os mosquitos.
Finalmente, o quarto desempregado falou:
–
Eu vi que as marcas das patas dianteiras do animal são
bem mais fundas
do que as marcas das patas traseiras.
Isso quer dizer que ele anda
inclinado para a frente,
como andam os animais doentes do estômago.
O
delegado ficou impressionado com as respostas
dos interrogados e viu
que estava diante de
homens decentes, cheios de sabedoria. E os quatro
foram liberados.
No
caminho, encontraram um emissário do rei,
que os mandava chamar de
voltar ao reinado, para
que continuassem a lhe dar seus conselhos.
No mesmo dia, o animal perdido foi encontrado pelo
dono.
28/05/2016
O julgamento ampliado
Aproveitando a trilha aberta (e desenvolvida) nos nossos últimos artigos, vamos continuar conversando sobre os institutos/técnicas processuais recentemente introduzidas em nosso direito pelo novo Código de Processo Civil. Hoje, especificamente, trataremos do denominado “julgamento ampliado”, previsto no art. 942 e parágrafos do NCPC.
Antes de mais nada, deve ser registrado que o instituto/técnica do julgamento ampliado veio (ao que parece em boa hora) para substituir o antigo recurso de embargos infringentes, previsto no CPC de 1973. De fato, privilegiando o voto vencido, mas com isso contribuindo para a morosidade do processo, afirmava o CPC revogado em seu art. 530: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”. Trocando em miúdos, desses julgamentos não unânimes, caberia mais um recurso, para o próprio tribunal emitente da decisão recorrida, que seria processado e julgado conforme dispusesse o regimento desse tribunal (art. 533 do CPC/1973), quase sempre por um colegiado ampliado que podia, se assim entendesse, modificar a decisão recorrida”.
A existência dos embargos infringentes sempre causou polêmica. Se por um lado ele fomentava a segurança jurídica (permitindo uma nova e supostamente melhor análise da questão recorrida), por outro ele muito contribuía, sendo mais um de tantos recursos (e para o mesmo tribunal, às vezes para o mesmo colegiado), para a patológica morosidade processual brasileira. Seu cabimento foi sendo sucessivamente restringido com reformas à lei processual civil, culminando com a sua substituição, na sistemática do NCPC, pela técnica do julgamento ampliado.
A técnica/instituto do julgamento ampliado está previsto, como já dito, no art. 942 do NCPC que, em seu caput, dispõe: “Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”.
No mais, segundo § 3º do art. 942 do NCPC, “a técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito”. Já não se aplica o disposto no caput do art. 942, segundo reza o seu § 4º, ao julgamento: “I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas; II - da remessa necessária; III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial”.
O melhor, entretanto, vem agora (como grande vantagem em relação aos embargos infringentes, que, como recurso, tinha toda uma formalidade e gasto de tempo): “Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado” (§ 1º do art. 942). Registre-se ademais que “os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento” (§ 2º).
Para se ter uma noção do quão mais desburocratizada e expedita é a técnica do julgamento ampliado, vou dar um exemplo prático do tribunal em que atuo, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Atuo, para fins de realização de sessões, perante a 3º Turma do TRF5, composta por três desembargadores. Nossas sessões são às quintas-feiras pela manhã. No mesmo dia e horário reúne-se a 1º Turma do tribunal. Se porventura, em razão de decisão não unânime em uma das duas turmas (pode ser que calhe acontecer em ambas), for o caso de se realizar um julgamento ampliado, as turmas se reúnem logo quando encerradas as sessões ordinárias, ali, no mesmo dia, com cinco desembargadores (e presidida pelo presidente da turma de onde se originou o caso), para o julgamento da questão. Ou seja, ao invés de se esperar a interposição de um recurso, toda sua tramitação etc., a coisa é resolvida incontinente, com segurança jurídica (valorizando o voto vencido) e rapidamente.
Um único problema – esse de ordem muitíssimo “prática”: em havendo julgamento ampliado, nossas sessões, que normalmente duram algumas horas, entram tarde adentro. E, sem almoço, haja fome, só mitigada por muito café e água.
Bom, mas esses são os “ossos do ofício” e, sem dúvida, somos pagos para isso.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
27/05/2016
26/05/2016
RELEMBRANDO NADIR
MEIRA GARCIA
Valério Mesquita*
Naquele dia frio e chuvoso de agosto de 2008, a Praça das Flores,
amanhecera mais triste. Havia falecido a mais antiga inquilina do seu jardim:
Nadir Meira Garcia. O casarão na confluência das ruas Dionísio Filgueira e
Joaquim Manoel estava sombrio e silencioso. O frontispício e os interiores da
casa me restituíam o casal: Enock e Nadir, numa doce e suave empatia com o
passado que aproxima as pessoas na distância do tempo e permite magicamente a
confraternização de gerações cronologicamente afastadas. Foi aí, nessa visão,
que estabeleci a simbiose perfeita com o nosso passado em Macaíba, lá no sítio
do dr. Enock, a residência urbana da família na minha meninice, ao lado dos
primos Roosevelt, Franklin, Wallace, Ana e Enoquinho.
A intercorrespondência íntima das duas memórias reveladas, faz-me captar
sinais ainda perceptíveis, rumores audíveis, movimentos distintos, brotados do
fundo da vida social, política e familiar de Macaíba dos anos quarenta e cinquenta
– que apesar de conhecidos e gastos com a morte de Nadir parece sepultar a
última herdeira desse universo desaparecido.
Mesmo aos noventa anos de idade, ela ainda detinha a energia dos
cristais, o senso agudo de observação das coisas ao seu redor. Lembro-me do seu
estilo informal de receber e acolher as pessoas, o brilho intenso dos olhos que
lembrava os da sua mãe Amélia Násia Mesquita Meira, minha tia, símbolo
admirável de fidelidade, caráter e honradez. Dela, a filha herdou a tenacidade
e a autenticidade de ser.
O que impressionava em Nadir era o lado político arrebatado, decidido e
determinado. Quando se envolvia, a política virava paixão avassaladora, pois
não sabia cultivar a neutralidade. Ainda tremulam na fachada daquela casa, como
um milagre de transfiguração, as imensas bandeiras de suas crenças partidárias,
pois não tinha medo de assumir a sua identidade coletiva. A idade avançada não
lhe trouxe melancolia nem o desinteresse pelos problemas da vida e dos filhos.
Buscava sempre o estímulo e o alento para desencadear o movimento da maturidade
de viver os netos e reviver os sonhos encantados que sonhou com o seu Enock.
Por tudo isso, não é demais reconhecer que Nadir desempenhou um papel
importante na educação dos filhos e ao lado do marido no desbravamento dos
caminhos da política, da advocacia, da administração pública e da vida do lar.
Posto-me, novamente, diante da casa da Praça das Flores na certeza de que
o passado não passa. O vento forte e monolítico finge permitir que tudo leva e
lava. Os meus olhos de vidente retrospectivo passeiam nos corredores, revendo
antigas cenas, cristaleiras, porcelanas, armários, lustres e conversas soltas
de antigas vigílias. Ali, ainda vejo Nadir e Enock cercados de filhos e netos,
apascentando o tempo e cultivando as flores.
(*) Escritor
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