A chegada do
primeiro automóvel
Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)
O grande
acontecimento agitava, desde cedo, a pacata cidadezinha do sertão do Rio Grande
do Norte, naquele início do século XX. O primeiro automóvel, procedente da
Capital, iria chegar dentro em pouco.
Toda a população
estava agitada. Os homens confabulavam nas esquinas e as mulheres se demoravam,
em longas conversas, nas janelas. As crianças foram proibidas de ficar nas
ruas, pois poderiam ser arrastadas para a morte.
Ninguém conhecia
o tal veículo, diziam que andava só, como um trem, mas, não se parecia com ele.
– É uma coisa
doida, diziam, ainda mais sem bicho para puxar!
Os mais velhos
achavam até que isso era um sinal do fim dos tempos, que o mundo deveria estar
prestes a se acabar.
– Como é que
param uma carroça sem cavalos, sem chicotes e rédeas?... E se desembestar?!
Os poucos
moradores que já tinham vindo a Natal sorriam e explicavam que, em todas as
Capitais, já havia daqueles carros, e que o automóvel seria o meio de
transporte do futuro.
– O tempo das
carroças já passou! Só aqui se vê isso!
Embora afirmasse
isso, eles também estavam um pouco apreensivos, pois, tinham que tomar cuidado
com as crianças, elas poderiam se assustar e correr na frente do automóvel. Aí,
seria um desastre.
Como as ruas da
cidadezinha eram estreitas, e os freios dos automóveis ainda eram ineficientes,
sempre existia o risco de o carro atropelar alguém. Outro receio era o de que o
barulho que o veículo fazia assustasse os idosos.
Quando,
finalmente, o veículo apontou na entrada da rua, com aquelas rodas altas, pneus
finos, o assento lá em cima, pilotado por um homem de guarda-pó e óculos,
produzindo explosões que pareciam tiros, a confusão se instalou.
Corria gente
para todo lado, as mães alarmadas, as empregadas recolhendo as crianças. As
ruas ficaram vazias.
– Cuidado para
não serem arrastadas..., gritava um senhor, agarrado a um poste de madeira.
Diziam, na
época, que o vento, produzido pelos 20 quilômetros por
hora do automóvel, puxava as pessoas de cima das calçadas, jogando-as sob suas
rodas.
As explosões do
motor pareciam tiros de fuzil.
Como,
coincidentemente, era dia de feira, a cidade estava cheia de gente dos sítios
próximos, homens e mulheres que, alucinados, corriam assustados, sem rumo,
tropeçando e caindo, em meio à gritaria geral.
Uns, mais
rápidos, subiam em árvores, outros se jogavam no chão, porém, a maioria
procurava abrigo nas casas mais próximas, de parentes ou amigos, que, por
sorte, ainda estivessem de portas abertas.
– Corram! Fujam
todos! Gritavam alguns, das janelas e portas das casas.
Os soldados do
destacamento foram chamados e postaram-se, por trás do edifício da Prefeitura,
de fuzil na mão, arriscando um olhar furtivo, de vez em quando.
Alguns meninos
corriam desassisados, de um lado para o outro. Os idosos berravam,
desesperados, nas janelas. O caos era total!
Alguns, que
ainda estavam nas ruas, precisavam atravessar a rua para encontrar a segurança
do lar. As beatas se benziam e corriam para a igreja. O automóvel se
aproximando, mesmo à distância, não os encorajavam a atravessar a rua.
– É uma
temeridade, diziam alguns.
De um lado da
rua, uns gritavam: Corra, que dá tempo! Mas, os outros, do lado oposto,
desencorajavam: Não! Não atravessem agora! Não vai dar tempo!
O carro
avançava, explodindo e resfolegando, com raiva, pela ruazinha central da
Cidade, em meio a uma nuvem de poeira e fumaça.
– Cuidado com o
vento do carro! Alguém lembrou. Não se debrucem nas janelas, gritava, feito um
louco, o dono da padaria, que, prudentemente, fechara as portas do seu
estabelecimento desde cedo.
De repente, um
rapazinho, que já se encontrava dentro de uma mercearia, apavorou-se com os
estrondos, sentindo-se desprotegido e inseguro ali, e no desespero de chegar à
sua casa, onde achava que seria mais seguro, precipitou-se porta afora,
cruzando a rua a poucos metros do automóvel.
Houve pânico na
população – gritos de horror se ouviram – mas, felizmente, o rapaz chegou são e
salvo à sua casa, tremendo e muito pálido, no entanto, vivo. Foi necessária
apenas uma garapa de açúcar bruto, seguida de um bom banho e de roupas limpas,
pois aquelas...
Depois do
ocorrido, o comentário geral na Cidade foi: Ele nasceu de novo!