27/07/2014

Praia




MARACAJAÚ


Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura





A praia de Maracajaú derrama suas águas no sentido nor­te da Grande Natal, depois das bandas do Ceará-Mirim. é uma praia aconchegante, até agora em estado selvagem e de beleza natural, onde se ouve, ainda, o doce gorjeio dos pássaros, por se achar distanciada das ondas gasosas e sonoras da poluição.

Magníficos panoramas descortinam o seu firmamento que deslumbra os espíritos mais sensíveis.

À sua entrada, através do aldeamento dos pescadores, o visitante é recepcionado pelo murmúrio suave de sua brisa, balouçando as folhagens dos seus altos coqueiros, qual bosque encantado onde as aves de plumagem colorida cantam a sua feli­cidade.

Olhando o mar de frente, o viandante se depara com o seu Farol plantado dentro do oceano, que, além de despertar curiosi­dade turística, ilumina a vasta escuridão noturna, orientando quem nas águas navega, lembrando, também, gigantesco vaga-lume a atrair, com sua luz intermitente, as aladas falenas de asas brilhantes, para a dança esvoaçante da noite marinha.

Maracajaú se alonga por muitos quilômetros de areia alvinitente e começa a ser conhecida e visitada devido à sua solidão repousante, à sua natural beleza e por sua abundante pesca da lagosta e camarão, os deliciosos crustáceos da nossa costa pes­queira.

Dizem que no Verão passado repetiu-se, ali, a pesca mila­grosa, quando Pedro, o Pescador, lançou a rede do outro lado, puxando 153 peixes saltitantes, que o barco voltou à beira-mar inclinado de tanto peso.

Numa saliência da praia se avista gracioso espaço ocupado por  farfalhante  coqueiral e que se alonga por linda enseada, chamado Ponta dos Anéis.

Nascida numa concha de pérola, uma sereia encantada, de pele bronzeada e de cabelos de matiz aureovioláceo, imagino, foi trazida pela brisa perfumada até a pitoresca Ponta dos Anéis, de Maracajaú, como as ondas levaram Vênus à ilha de Chipre.

Tinha ela a ardência do Sol e a suavidade da Lua. Pela manhã, mergulhava no mar e ficava na linha d'água onde que­bram as ondas, para usufruir do banho refrescante e oxigenado das espumas. À tarde, sentava-se na pedra das caravelas lilases, semisubmersa, contemplando a vibração da ressaca das vagas, beijando os arrecifes de coral. E, à noite, com os olhos cinti­lantes de Minerva, costumava contar as estrelas do Céu, apon­tando para elas, chegando a criar uma verruga na ponta do dedo, confirmando a fábula.

No terceiro dia de lua cheia, as pedrinhas da praia que sua mão tocava se transformavam em colares de búzios para cobri­rem os ombros nus, nas noites de festa. E, numa manhã primaveril, essa sereia encantada metamorfoseou-se no cisne de Leda e deslizou, com o seu porte elegante e altivo, pelo grande lago azul salgado.

Soube-se, um dia, que um pescador daquela praia ficou vesgo e com os olhos de peixe morto, de tanto olhar para ela.

Uma canção de amor, entoada pela harpa do vento, embala os sonhos da bela sereia, nas noites quentes de Verão.

26/07/2014

JF

Escravos, depoimento de Manoel da Rocha Bezerra

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Auto de perguntas a Manoel da Rocha Bezerra, em continuação do interrogatório feito na Vila de Macau, a cerca da questão dos africanos.
Aos 3 dias do mês de agosto do ano do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta, nesta cidade do Assú, comarca do mesmo nome da província do Rio Grande do Norte, em casa de residência do delegado de polícia em exercício do termo do Assú, capitão Luiz José Soares de Macedo, comigo escrivão interino de seu cargo abaixo nomeado, aí, perante o cidadão Manoel da Rocha Bezerra, pelo dito delegado lhe foram feitas as seguintes perguntas. 
Perguntado qual o seu nome, idade, estado, filiação, naturalidade, e profissão? Respondeu chamar-se Manoel da Rocha Bezerra, de setenta e sete anos, casado, filho legítimo de Balthazar da Rocha Bezerra, já falecido, natural desta Freguesia, e empregado na mesa das rendas provinciais da Vila de Macau.
Perguntado pelo delegado se conhece em Macau José Joaquim de Moura e Silva, e se sabe que ele vendera clandestinamente uma mulher livre como escrava pela quantia de oitocentos mil réis, quando e a quem? Respondeu que conhece José Joaquim de Moura e Silva, e sabe que ele vendeu a seu próprio pai Balthazar de Moura e Silva uma escrava de nome Benedicta, crioula, e que ouviu dizer que a venda se efetuara por oitocentos mil réis. Perguntando, ele delegado, se ele respondente sabe em que se funda o correspondente de Macau, para dizer em uma correspondência inserida no “Liberal do Norte”, de onze de junho deste ano, e datada de quatro do mesmo junho, que ali fora vendida por José Joaquim de Moura e Silva uma mulher livre? Respondeu que não sabia, mas que ouviu dizer que esta correspondência fora feita por pessoas desafetas ao mesmo José Joaquim de Moura e Silva, e a Joaquim Rodrigues Ferreira. Perguntado mais pelo delegado, se ele respondente sabia que em poder de Joaquim Rodrigues Ferreira, existem como escravos três pessoas livres, como também, além destes, outras pessoas livres em poder de alguém como escravo, segundo diz o mesmo correspondente? Respondeu que sabe que Joaquim Rodrigues Ferreira possui de oito a dez escravos entre os quais Antonia e duas filhinhas, cujo nome não se recorda; e que por ser a mesma Antonia filha de negra de Angola presume-se que nasceu de ventre livre; e quanto aos outros a que alude a correspondência, ele respondente não sabe.
Perguntado mais pelo delegado, se sabe de quem é filha a dita escrava Antonia? Respondeu que é filha de uma escrava de nome Josefa pertencente ao pai de Joaquim Rodrigues Ferreira. Perguntado mais pelo delegado se sabe de quem o pai de Joaquim Rodrigues Ferreira houve a dita escrava Josefa? Respondeu que não sabia.
Perguntado mais pelo delegado se sabia que no lugar Camoropim estiveram uns africanos que desembarcaram na Ilha de Manoel Gonçalves, vindos em uma escuna que ali aportou no ano de mil oitocentos e trinta e cinco; e se sabe que alguns desses africanos ou filhos dos mesmos são por alguém conservados em cativeiro, como diz o capitão Francisco Trajano Xavier da Cunha, em sua carta de vinte e oito de julho próximo passado, dirigida a esta delegacia por ocasião de ter sido chamado para dizer o que sabia a cerca daquela correspondência? Respondeu que é voz publica na Vila de Macau, que, na Ilha de Manoel Gonçalves aportou um barco no qual vinham africanos, e que dali seguira o mesmo barco para o Ceará, onde ouviu dizer que foram tomados os mesmos africanos pela justiça, em consequência de serem contrabandos; mas que do tempo em que isso se deu não recorda: tendo-lhe dito o mesmo Francisco Trajano Xavier da Cunha, que o finado D. Manoel de Assis Mascarenhas, quando presidente desta província, mandara sindicar desse fato por intermédio das autoridades daquela Ilha de Manoel Gonçalves, onde era então Juiz de Paz, Joaquim Álvares da Costa, mas que não sabe, ele respondente, se ali ficaram africanos vindos no mesmo barco.
Perguntado mais pelo delegado, se sabia de quem era filha Benedita, vendida por José Joaquim de Moura e Silva? Respondeu que era filha de Joaquina, escrava que foi de Balthazar de Moura e Silva. Perguntado mais pelo delegado se ainda existe Joaquina, e de que nação é, e se escrava, ou livre? Respondeu que ainda existe na Vila de Macau, é de nação angola, e hoje liberta pelo dito Balthazar de Moura e Silva; em consequência dos bons serviços a ele prestados. Perguntado mais pelo delegado se sabe donde houve Balthazar de Moura e Silva, a dita escrava Joaquina? Respondeu que por herança do sogro Antonio Joaquim de Sousa. Perguntado mais pelo delegado se sabe de quem a houve Antonio Joaquim de Sousa? Respondeu que não sabia.
Aqui encerrou o auto de perguntas que foi escrito por Luiz da Circuncisão Ferreira Cabeça e assinado em 23 de setembro de 1870.
Este documento foi extraído do jornal “O Assuense”, de 6 de outubro de 1870, digitalizado pela Hemeroteca Nacional.
Manoel da Rocha Bezerra, casou na Ilha de Manoel Gonçalves em 1829, com Josefa Jacinta de Vasconcelos. Era tio-avô do jornalista Pedro Avelino; Francisco Trajano Xavier da Cunha, viúvo, em 1826, de Maria Ignácia Fernandes Pimenta, casou em 1829, nas Oficinas, com Senhorinha Clara dos Anjos, irmã de Josefa Jacinta de Vasconcelos.
O português Antonio Joaquim de Sousa era casado com Thomázia Martins Ferreira, filha do capitão João Martins Ferreira. A filha deles, Josefa Martins de Sousa, casou com o português Balthazar de Moura e Silva, e daí nasceu José Joaquim de Moura e Silva. Este último casou, em 1871, com Antonia Leopoldina de Sousa, filha de Pedro Virgulino de Sousa e Maria Rodrigues Ferreira, esta última, irmã de Joaquim Rodrigues Ferreira, ambos filhos do português Manoel Rodrigues Ferreira e Izabel Martins Ferreira.


EU NÃO TROCO MEU OXENTE
Ariano Suassuna
Esse tal de rocambole
Esfirra, nissin, miojo
Quer-me ver cuspi com nojo
Ofereça-me um rizole
Prefiro uma fruta mole
Beliscada do vem-vem
Feijão de corda xerem
Canjica com leite quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
Tomar wiski importado
Na taça pra ser bacana
Sou mais um gole de cana
Num caneco enferrujado
Não sou muito refinado
Nem tenho inveja também
Druris conhaque almadem
Prefiro minha aguardente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
Esses verbetes do inglês
Que usam no dia a dia
Não me trazem simpatia
Estragam meu português
Vou ser sincero a vocês
Sou muito mais meu quinem
Adonde, prumode, eim?
Acho mais inteligente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
Eu não falo REDBUL
Prefiro touro vermelho
MIRROR pra mim é espelho
BLUE BIRD pássaro azul
Bonito e não BEAUTIFU
Falo dez em vez de TEN
BABY pra mim é neném
E HOT pra mim é quente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém
Não gosto de pancadão
Nem de RAP improvisado
HIP HOP  pé quebrado
Sem métrica e sem oração
Sou muito mais gonzagão
No forro do xem nhem, nhem
Gosto de aboio e também
De um baião de repente
Eu não troco meu oxente
Pelo ok de ninguém