24/07/2014




Eduardo Alexandre Garcia
Eduardo Alexandre Garcia  
Real Erário: A Vaca Amarela
Daliana Cascudo

Esse edifício “foi construído nas últimas décadas do século XVIII”, para nele funcionar os serviços administrativos da Fazenda Real, passando logo a ser chamado pelo povo Real Erário e a partir do século XIX, Provedoria da Real Fazenda. Está localizado na Praça André de Albuquerque, ao lado direito da antiga Catedral da Apresentação de Natal.

Diz Câmara Cascudo, em História da Cidade do Natal, que José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, em Memória Histórica do Rio de Janeiro, VI, conta em 1822 quatro sobrados na cidade do Natal: Casa de Câmara, com a cadeia em baixo (hoje inexistente), Residência dos Governadores (demolido em 1630), Fazenda Pública (demolido em 1865 e substituído pelo atual Palácio do Governo) e outro mais que estava por acabar nas suas obras, e que se acabou e é o número 601 da Rua da Conceição, apelidado a Noiva ou Sobradinho.

E o sobrado do Real Erário? (...)

Mais: História da Cidade do Natal
24 de Julho, 09 horas
Memorial Câmara Cascudo
Praça André de Albuquerque, Cidade Alta

23/07/2014



Tecnologias


Dalton Mello de Andrade

            Há poucos dias um dos meus netos, que me vê constantemente no computador, ao piano, lendo, vendo TV, me perguntou como usava meu tempo quando era menino, adolescente. Quando não haviam todas essas tecnologias que me apaixonam. E sempre me apaixonaram; há 56 anos sou radioamador. E há mais de vinte uso computador.
            Por falar em tecnologias, um comentário. Há poucos dias, li em algum lugar que os novos instrumentos de comunicação unem pessoas que estão longe e distanciam as que estão perto. Um dos meus netos chegou aqui em casa, beijou a avó e a mim, sentou-se, pegou o celular e não deu mais uma palavra. Não tive dúvida. Liguei para ele e assustou-se quando atendeu. Vô, estou aqui ao seu lado. Minha resposta, não parece. Para falar com você, só ao telefone.
            Mas, voltando ao assunto. Tentei explicar-lhe. Depois das aulas, quando chegava em casa, das primeiras coisas que fazia, junto com os colegas da rua, era jogar futebol. Depois, surgiu o vôlei, muito depois o tênis. E isso tomava uma boa parte do dia.
            Como estávamos em plena guerra, e  morava na Rua Açu, pertinho da Hermes da Fonseca, também ficava um bocado de tempo vendo o movimento intenso, inclusive a construção da pista que ligou Natal à Parnamirim. Muitas vezes, ia com meu pai, cuja empresa fez a maioria dos quartéis do Exército e alojamentos na base americana, para ver essas construções. No PX (Post Exchange, espécie de  supermercado) da base americana, tomei minha primeira Coca-Cola e comi meu primeiro hambúrguer. E comprava livros e revistas em inglês, pois começava a aprender a língua.
            Outro passatempo que adorava era ler. Ficava horas agarrado com um livro – de qualquer assunto. As revistas em quadrinhos também me atraiam. A revista X-9, histórias de detetives, que comprava na loja de Luís Romão, na Tavares de Lira. Dick Tracy, O Fantasma, Capitão Marvel, Homem Submarino, Homem Tocha, Superman, Flash Gordon, e outros, enchiam parte do meu tempo. Como a família era grande, me escondia em algum lugar da casa, que também era grande, para não ser incomodado. Também gostava de ler “Tesouros da Juventude”, uma espécie de enciclopédia, e “Viagens pelo Brasil” (acho que o autor era Viriato Correia), que talvez nem sejam mais encontrados.
            Na nossa casa tínhamos um potente rádio de ondas curtas, que permitia a gente escutar o mundo inteiro. Para minha sorte, depois de ouvir o noticiário da Rádio Nacional, meu pai desligava o rádio, ia ler os jornais, ou outra coisa qualquer. E aí o rádio ficava só para mim. E eu passeava pelo mundo inteiro – BBC, Voz da America, que começava a aparecer, a Rádio de Berlim, com as suas mentiras sobre a guerra, contrastando com a BBC de Aimberê, e as estações brasileiras, especialmente a Rádio Nacional – com “O Sombra, O Justiceiro, Edifício Balança mas não cai”, em que Paulo Gracindo fazia o Primo Rico e Brandão Filho o Primo Pobre. Foi de tanto ouvir rádio que surgiu o meu interesse pelo radioamadorismo.
            Das nacionais, a mais fácil de escutar era a PRA-8, de Recife. Tinham alguns programas interessantes. Ainda me lembro de uma propaganda que ficou na memória. Uns versinhos que diziam: “Todo magro quer engordar, todo gordo quer emagrecer; para o gordo não tem que fazer, para o magro biscoito Pilar”. Biscoitos que ainda existem, e devem agora ser “light”, já que ninguém quer engordar.
            Depois de toda essa conversa fiada, convidei-o a assistir um concerto no “YouTube”, por intermédio do “Apple TV”. Para explicar-lhe e mostrar as diferenças entre o meu tempo e o dele, frisando: no meu tempo era muito bom, mas hoje, com todas essas novas possibilidades, é muito melhor. Como eu não imaginei, lhe disse, você também não imagina o que tem pela frente.


  

DIA 23 DE JULHO

H  O  J  E

 
 
 





22/07/2014


A calça Lee

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Na década de 1960, começaram todas as revoluções jovens nos Estados Unidos: Guerra do Vietnã, liberação sexual, liberação feminina, black power, minissaia e o jeans. Isso influenciaria o mundo todo.
Naquele tempo, as calças de índigo blue começaram a se popularizar em Natal – era a onda do rock’n’roll e do movimento hippie. 
A juventude da época dava preferência à marca Lee, com seu tom desbotado, embora já existissem similares nos Estados Unidos há décadas, como a Levi’s e a Wrangler.
Talvez a razão dessa preferência fosse o fato de a Lee ter sido a pioneira no uso do zíper, bem mais aceito pelos jovens que os botões metálicos difíceis de abrir.
A calça Lee virou uma febre. Todos nós, garotos da época, sonhávamos em ter nossa calça Lee importada, o que não era fácil. Importada e sobretaxada custava muito caro. Mas, esse não era o principal problema. Como ela era produzida nos moldes americanos tinha que ser reformulada (recortada) para cair bem no nosso corpo.
Vocês devem lembrar de Chiquinho Alfaiate, que funcionou inicialmente na Rua General Osório, e depois mudou-se para cima da Casa Rio. Vivia lotado!
Muitos cantores usavam o tema em suas músicas. Wilson Simonal gravou em 1965 Garota Moderna: “Tão bonita que ela é; cabelos lindos como eu nunca vi; camisa esporte e calça Lee”.
Roberto Carlos lançou em 1971 I love you: “Uma calça Lee agora vou comprar; vou ficar moderninho  para chuchu”.  
Chico Buarque gravou em 1979: “No Tocantins, o chefe dos Parintintis vidrou na minha calça Lee”.  
Surgiram então vários acessórios Lee – do cinturão largo, estilo “caubói americano”, aos blusões feitos do mesmo material – sarja de algodão cru, tingido de índigo, corante natural de azul intenso, extraído da raiz de uma planta indiana (índigo).
Até o início da década de 1970 para nós o bom era a calça Lee, embora no Brasil já houvessem alguns modelos lançados que não foram bem aceitos. Uma das razões principais era que não desbotavam como a Lee.
Muitos ainda traziam suas calças Lee diretamente dos EUA – por intermédio de algum amigo ou parente que viajasse para lá ou fizesse intercâmbio cultural, uma prática já bastante comum naquela época.
Da marca norte-americana, o “blue jeans” se tornou uma preferência nacional e muitas marcas brasileiras se distinguiam na produção dessas peças.
O jeans era um estilo de ser, um estilo de vida.
Na década de 1980, os produtos confeccionados em denim índigo blue tinham uma aceitação e consumo tão grande que dominavam o mercado de roupas prontas no Brasil.
Até os dias atuais, a geração que adotou o jeans nunca deixou de usá-lo.


21/07/2014




Os donos do poder e o poder da Lei
Tomislav R. Femenick – Da Academia Brasileira de Ciências Contábeis.
Waldir Luiz Bulgarelli – Contabilista, jurista, perito e auditor contábil. 

O ser humano sempre manifesta seus interesses unilateralmente, acreditando que somente a sua verdade é a que deve prevalecer. Se retrocedermos a épocas passadas, verificamos que os donos do poder simplesmente conquistavam espaço e tomavam para si a posse e o direito que não lhes pertenciam.

Todavia, com a evolução da sociedade e a influência das igrejas os conceitos foram se transformando e os anseios individuais foram submetidos ao crivo de instancias mais poderosas; os senhores feudais, o rei ou até mesmo as igrejas.

A evolução política alterou essa “compreensão”, instante em que foram criadas regras e leis, objetivando o convívio harmônico dos interesses dos indivíduos. Nesse momento se estabeleceu o direito material, o direito objetivo, que chega com o intuito de estabelecer a substância, a matéria da norma do agente, fonte geradora e asseguradora de todo o direito individual das pessoas. Nasceu então, o Estado Jurídico, com regras estipuladas, com diferentes patamares para resolver as disputas de interesses, sejam elas na essência humana ou em direitos materiais. O Estado passou a ser o aplicador do direito – e não mais pessoas; o rei, os senhores feudais –, o detentor dos mecanismos e da operacionalidade da aplicação do direito. O poder da Lei se sobrepôs ao poder dos poderosos. Daí em diante, o processo jurídico sucedeu aos ditames dos poderosos. Nele, no processo jurídico, a busca da verdade tem que ser atingida processualmente, sem ofender as garantias e direitos das partes. O juiz não é o dono do litígio, para arbitrariamente dirigir o procedimento. São ação objetiva impor o império da verdade real, a verdade das provas.

Dentro dessa linha do senso de provas é que o Código de Processo Civil define que, quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, que deverá ser escolhido entre profissionais de nível universitário, comprovando sua especificação técnica, com o intuito de apresentar laudo sobre a matéria discutida, para que haja o pleno convencimento do magistrado.

Por sua própria consistência, a prova pericial tem uma natureza jurídica toda especial extravasando a condição de simples meio probatório, atingindo uma posição intermediária entre a prova e a sentença.

Temos como diferença básica que a prova tem como objetos os fatos, a perícia uma manifestação técnico cientifica e a sentença uma declaração de direito. Sendo assim, o objeto da perícia situa-se numa posição intermediária entre os fatos e a decisão. Pode-se, então, considerar, duas posições básicas: a) a função do perito não se esgota com a reprodução do que foi constatado com os seus conhecimentos especializados, caminhando além de uma simples transmissão de um fato; b) O perito emite um juízo de valor e fornece os elementos para o Juízo, base esta quase sempre da decisão judicial; c) a perícia faz sempre ver adiante, enquanto que as provas se voltam para o passado.

No caso específico da Perícia Contábil, esta abrange exames, análises e diligências em atos e registros contábeis e fiscais, documentos societários e gerenciais, cálculos trabalhistas, cálculos bancários, sistema financeiro, entre outros. O profissional nesta área deve ter conhecimentos que vão além daquelas adquiridas nos bancos escolares, devendo ter conhecimento da prática e do direito comercial, familiar, civil, trabalhista, tributário e criminal.  Em suma, a figura do perito contador em processos judiciais, quando necessário, é determinante para o julgamento do juízo nas lides que envolvem tal especialização, sempre com ênfase na área contábil, gerencial e de cálculos; principalmente quando envolve patrimônio e valor.

Tribuna do Norte. Natal, 20 jul. 2014.

INTERESSANTE...



EXPRESSÕES CURIOSAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

JURAR DE PÉS JUNTOS:
A expressão surgiu através das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para dizer nada além da verdade. Até hoje o termo é usado para expressar a veracidade de algo que uma pessoa diz. 

TIRAR O CAVALO DA CHUVA: 

No século XIX, quando uma visita iria ser breve, ela deixava o cavalo ao relento em frente à casa do anfitrião e se fosse demorar, colocava o cavalo nos fundos da casa, num lugar protegido da chuva e do sol. Contudo, o convidado só
poderia pôr o animal protegido da chuva se o anfitrião percebesse que a visita estava boa e dissesse: "pode tirar o cavalo da chuva". Depois disso, a expressão passou a significar a desistência de alguma coisa. 

DAR COM OS BURROS N'ÁGUA:

A expressão surgiu no período do Brasil colonial, onde os tropeiros que escoavam a produção de ouro, cacau e café, precisavam ir da região Sul à Sudeste sobre burros e mulas. O facto era que muitas vezes esses burros, devido à falta de estradas adequadas, passavam por caminhos muito difíceis e regiões alagadas, onde os burros morriam afogados. Daí em diante o termo passou a ser usado para se referir a alguém que faz um grande esforço para conseguir algum feito e não consegue ter sucesso naquilo. 

GUARDAR A SETE CHAVES: 

No século XIII, os reis de Portugal adoptavam um sistema de arquivamento de jóias e documentos importantes da corte através de um baú que possuía quatro fechaduras, sendo que cada chave era distribuída a um alto funcionário do reino. Portanto eram apenas quatro chaves. O número sete passou a ser utilizado devido ao valor místico atribuído a ele, desde a época das religiões primitivas. A partir daí começou-se a utilizar o termo "guardar a sete chaves" para designar algo muito bem guardado... 

OK: 

A expressão inglesa "OK", que é mundialmente conhecida para significar algo que está tudo bem, teve sua origem na Guerra da Secessão, nos EUA. Durante a guerra, quando os soldados voltavam para as bases sem nenhuma morte entre a
tropa, escreviam numa placa "0 killed" (nenhum morto), expressando sua grande satisfação, daí surgiu o termo "OK". 

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS: 

Existe uma história não comprovada, de que após trair Jesus, Judas enforcou-se numa árvore sem nada nos pés, já que havia posto o dinheiro que ganhou por entregar Jesus dentro de suas botas. Quando os soldados viram que Judas estava sem as botas, saíram em busca delas e do dinheiro da traição. Nunca  ninguém ficou sabendo se acharam as botas de Judas. A partir daí surgiu a expressão, usada para designar um lugar distante, desconhecido e inacessível. 

PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA: 

A história mais aceitável para explicar a origem do termo é proveniente das tradições hebraicas, onde os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados. Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ele ficou se lamentando e pensando na morte da bezerra. Após alguns meses o garoto morreu. 

PARA INGLÊS VER: 

A expressão surgiu por volta de 1830, quando a Inglaterra exigiu que o Brasil aprovasse leis que impedissem o tráfico de escravos. No entanto, todos sabiam que essas leis não seriam cumpridas, e assim, essas leis eram criadas apenas
"para inglês ver". Daí surgiu o termo. 

RASGAR SEDA: 

A expressão que é utilizada quando alguém elogia grandemente outra pessoa, surgiu através da peça de teatro do teatrólogo Luís Carlos Martins Pena. Na peça, um vendedor de tecidos usa o pretexto de sua profissão para cortejar uma moça e começa a elogiar exageradamente a sua beleza, até que a moça percebe a intenção do rapaz e diz: "Não rasgue a seda, que se esfiapa." 

O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER: 

Em 1647, em Nîmes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D`Argent fez o primeiro transplante de córnea num aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a
enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imaginava era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse os  seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para história como o cego que não quis ver. 

ANDA À TOA: 

Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está à toa é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca vai. 

QUEM NÃO TEM CÃO, CAÇA COM GATO: 

Na verdade, a expressão, com o passar dos anos, adulterou-se. Inicialmente dizia-se quem não tem cão caça COMO gato, ou seja, esgueirando-se, astutamente, traiçoeiramente, como fazem os gatos.  

VAI TOMAR BANHO: 

Em "Casa Grande & Senzala", Gilberto Freyre analisa os hábitos de higiene dos índios versus os do colonizador português. Depois das Cruzadas, como corolário
dos contactos comerciais, o europeu se contagiou de sífilis e de outras doenças transmissíveis e desenvolveu medo ao banho e horror à nudez, o que muito agradou à Igreja. Ora, o índio não conhecia a sífilis e se lavava da cabeça aos
pés nos banhos de rio, além de usar folhas de árvore para limpar os bebes e lavar no rio as redes nas quais dormiam. Ora, o cheiro exalado pelo corpo dos portugueses, abafado em roupas que não eram trocadas com frequência e raramente lavadas, aliado à falta de banho, causava repugnância aos índios. Então os índios, quando estavam fartos de receber ordens dos portugueses, mandavam que fossem "tomar banho".
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Colaboração do leitor, escritor IVONCISIO MEIRA DE MEDEIROS, sócio do IHGRN.

20/07/2014

OBS




OS PÁSSAROS VOLTARAM
Por: Ormuz Barbalho Simonetti

Na minha infância, na cidade de Natal, recordo que gostava de admirar, nas manhãs ensolaradas, uma grande diversidade de pássaros que cantavam nos pés de ficus benjamina que adornavam e arborizavam a Av. Deodoro da Fonseca, onde residia com minha família na casa de número 622. Cantavam e nidificavam naquelas árvores, entretanto, eram bem mais “ariscos” dos que os de hoje. Naquela época, os garotos se divertiam puxando “carrinhos” feitos com latas de leite vazias que eram cheias com areia, ou com carros feitos de madeira que eram confeccionados por nós mesmos. A madeira era obtida no antigo Armazém Natal que ficava na esquina da Av. Rio Branco com a Rua Ulisses Caldas. Esse tipo de trabalho de fazer os próprios brinquedos ajudava a desenvolver a criatividade e a habilidade com as primeiras ferramentas, além do apego e amor aquele brinquedo. Os carros ou caminhões mais sofisticados tinham as rodas cobertas com tiras de borracha e os feixes de molas eram feitos com aspas de ferro, muito utilizadas na época, nas embalagens que chegavam ao comércio. Recordo de Alzir, um garoto mais velho que nós, morador da Rua Coronel Cascudo, que se tornara exímio artesão, confeccionando belos jeeps e caminhões de duas “boleias”. Também brincávamos de bolinhas do gude (bolinha à vera!); com rodas de ferro, que eram empurradas e equilibradas com um arame de ponta envergada etc., porém, o brinquedo mais utilizado eram as temidas baladeiras.

                Estilingue ou baladeira compunha-se de um gancho de madeira em forma de Y que eram retirados de árvores como o fícus Benjamina e das goiabeiras, considerados os melhores. Nas extremidades superiores amarravam-se duas tiras de borracha com média de 20 cm de comprimento por 1,5 cm de largura, retiradas de velhas câmaras de ar ou compradas no antigo mercado municipal na Av. Rio Branco, onde hoje funciona o Banco do Brasil. Na outra extremidade as tiras eram presas a um pedaço de couro ou sola, que conseguíamos com um antigo sapateiro que tinha sua oficina na Rua Princesa Isabel.  A baladeira era um brinquedo possuído e desejado pela maioria dos garotos daquela época. Tinha lugar de destaque nas perigosas guerras que fazíamos contra meninos de outras ruas. Por exemplo: Av. Deodoro versus Rua Felipe Camarão. Av. Deodoro contra a Travessa Camboim, do temido “Canteiro”, famoso personagem que metia medo nos garotos da época, por ser muito brigão, e diziam que sempre andava armado com um canivete.

Nesses combates utilizávamos seixos (pedra rolada) que considerávamos “munição real”. Quando a disputa era apenas diversão entre meninos da Av. Deodoro, utilizávamos apenas munição de “festim” que era os frutos ainda verdes da mamona – carrapateira -, muito abundantes nos terrenos baldios e que nunca machucavam, pois só podiam ser atiradas a distâncias consideradas seguras. Mas, aqui confesso envergonhado “mea culpa”, pois, também a utilizei em diversas ocasiões, contra as indefesas aves, pois, o único pecado que elas cometiam era cantar. E ao fazê-lo, eram facilmente localizadas entre as folhagens das árvores e abatidas com as certeiras pedras que atirávamos pelo simples fato de testar a pontaria, nas inconsequentes brincadeiras de criança.    

Naquela época as residências costumavam ter em seus quintais, além dos galinheiros onde as “penosas” eram cevadas para os dias de festa, daquela visita inesperada ou ainda durante os 30 dias de resguardo das mulheres parideiras, muitas árvores frutíferas. Pitombeiras, abacateiros, sapotizeiros, mangueiras, mamoeiros, goiabeiras, só para citar as mais comuns. Devido à grande quantidade dessas árvores, esses quintais eram freqüentados por pássaros que, na amanhecência do dia, nos despertava com seus gorjeios melodiosos.

Na década de 70, por volta dos anos de 1973/74, nossa fauna local sofreria uma grande mudança. Nessas mesmas árvores já podiam ser vistos os famigerados pardais. Inicialmente em casais, e pouco tempo depois em enormes bandos. Fui apresentado a esses pequenos predadores, quando ainda morava no Rio de Janeiro, onde iniciei minha vida profissional, no Banco do Brasil.

A chegada desses pássaros em nossa cidade, a exemplo do que aconteceu em outras cidades do nosso país, constituiu-se num verdadeiro desastre para nossa fauna alada de pequeno porte. Infelizmente, na época, ainda não havia esse apelo ecológico em defesa da natureza, sua fauna e flora. Porém, tenho minhas dúvidas que se o fato tivesse ocorrido em nossos dias, algo fosse feito para evitar o desastre diante de todas as agressões sofridas pela natureza, que diariamente presenciamos por esse Brasil a fora.

Predadores destemidos, obstinados, oportunista e territorialistas, os pardais não demoraram a expulsar de nossas árvores, a grande maioria dos pássaros de seu porte, e até mesmo os de porte mais avantajado, como os anuns.

Esse predador da espécime (Passer domesticus) que tem origem européia foi trazido para o  Brasil no início do século XX, e teve como porta de entrada a cidade do Rio de Janeiro. A sua introdução tinha como objetivo de reduzir a proliferação de moscas e mosquitos que infestavam a cidade. Apesar de também serem predadores de insetos, a base de sua alimentação se constitui de grãos, o que resultou na pouca eficiência no controle da população desses invertebrados. Essa decisão precipitada e irresponsável que introduziu em nosso território, uma espécie endêmica do continente europeu, sem as devidas avaliações do impacto que causaria, constituiu-se num verdadeiro desastre para nossa fauna.

Na luta por territórios, os pardais utilizam várias técnicas para expulsar seus concorrentes. Uma delas se constitui no ataque em bandos, deixando suas vítimas em desvantagem numérica e obrigando-os, consequentemente, a fuga. Praticam, também, a invasão de ninhos e destruição dos ovos não eclodidos ou simplesmente a matança dos filhotes recém-nascidos. Como os pardais são aves com hábitos urbanos, e convive bem com a presença do homem, é bem possível que nossos pássaros, que não pereceram diante dos invasores, tenham encontrado refúgio seguro nas matas que cobrem as dunas que circundam parte de nossa cidade. 

Entretanto, como a natureza é sábia e quase sempre resolve os problemas causados pela bestialidade dos homens, ao longo dos anos nossos pássaros foram se adaptando a presença do invasor e aprendendo a se defender com maior eficiência, e assim conseguiram conviver com os invasores.

Há algum tempo, todas as manhãs, caminho com um grupo de amigos pela Av. Rodrigues Alves. Sinto-me feliz em observar que há alguns anos os pássaros estão voltando para nossas árvores. Ao contrário da década de 70, é bem inferior o número de pardais encontrados. Durante as caminhadas vemos muitas rolinhas andarem em nossa frente à cata de pedrinhas e migalhas, sem temer os transeuntes. Ficaram tão mansinhas que às vezes precisamos desviar o caminho para não pisá-las. Em frente à capela de São Judas Tadeu, no final da Av. Rodrigues Alves, as inúmeras rolinhas empoleiradas nos fios da rede elétrica, lembram as linhas de uma partitura musical com todas as notas de um brasileiríssimo chorinho, quem sabe, o Tico-Tico no Fubá.

Os Bem-ti-vis, sanhaços, anuns, sibites, rouxinóis, colibris e até os bico-de-lacre, este último endêmico do continente africano, mas que não tem causado nenhum dano a nossa delicada fauna alada, desfilam por entre as árvores de nossa cidade cantando animadamente, para o deleite dos que cedo madrugam.

 A mansidão e a excelente proliferação dessas aves devem-se, principalmente, a consciência ecológica despertada “ainda que tardia”, e atualmente muito valorizada. Infelizmente em nome dessa bandeira, alguns fanáticos têm cometidos excessos o que terminam por prejudicar toda a comunidade. Mas essa mesma tranqüilidade, também se deve ao desaparecimento dos tais meninos munidos com suas terríveis baladeiras.

Um dia resolvi trazer um pedacinho dessa natureza livre, pra dentro da minha morada. Comprei um alimentador de beija-flor, enchi-o com uma mistura de água com açúcar, coloquei na sacada do meu apartamento, e pacientemente esperei. Ao fim do quinto dia tive a alegria de receber o primeiro visitante. Era um beija-flor de cor negra, chamado popularmente de tesourão, pois, tem suas penas da calda em forma de tesoura aberta. A partir desse dia, a todo instante, recebo a visita de várias espécimes, de tamanho e plumagens variadas. É uma delícia para os olhos e a mente. Depois de algum tempo de observação, já posso identificar cada um dos visitantes e até mesmo nominá-los.

 Hoje, sempre que entro em casa logo me sento na varanda para observa esses pequenos seres que, além de desempenhar importante papel na polinização das plantas, se constitui numa das mais belas criação da natureza.