Zé Areia pronto pra Guerra
Juarez Chagas/Professor do Centro de Biociências da
UFRN (Juarez@cb.ufrn.br)
Muitos escritores norteriograndenses já escreveram sobre Zé Areia e suas
façanhas, assim como Veríssimo de Melo, Protásio Melo, Celso da Silveira,
dentre outros. Todos foram unânimes quanto às sátiras e humor cortante deste
gozador inveterado que se tornou lenda, mesmo ainda em vida.
Zé Areia era na verdade, José Antônio
Areia Filho (1901-1972), boêmio inveterado que, com sua verve satírica e
respostas imediatas sempre na ponta da língua fulminando a quem tentava
humilhá-lo ou fazê-lo de simplório, era reconhecido e enaltecido desde as mais
simples rodas de boêmios desocupados até os grupos mais eruditos da sociedade
potiguar que se rendiam às suas piadas e sátiras, naturalmente imprevistas.
Zé Areia pode não ter feito parte de
Glamour em Natal durante a 2ª Guerra Mundial, mas, seguramente, com seu humor e
peripécias, muito contribuiu para que o sentimento de perigo, combate e morte
vividos pelos soldados, fossem esquecidos por instantes, quando ele entrava em
cena sem avisar.
Sobre isso é bom lembrar que ele
trabalhou na Base de Parnamirim, como barbeiro dos soldados americanos, muitos
dos quais não foram vítimas apenas de sua navalha, mas também de seu humor que
era mais cortante, ainda.
Os americanos que com ele tiveram
aproximação, ou eram seus amigos ou eram “vítimas” de seu humor sarcástico, o
qual era mais perigoso ainda do que sua própria navalha de barbear, o
consideravam como uma espécie de gozado amigo.
Boêmio como sempre foi com seu humor
fino, cortante, repentista e inigualavelmente contagiante, não seria a 2ª
Guerra e nem os americanos em Natal que iriam mudar Zé Areia. Muito pelo
contrário, esta seria mais uma situação da qual ele tiraria proveito tanto para
sobreviver, como para tornar mais indefensável sua comicidade nata e, se
preparar para uma “verdadeira guerra” contra a fama de espertos
que os americanos tinham por
se acharem filhos do país mais avançado do mundo!
Assim sendo, Zé Areia estava “pronto
pra Guerra”, tendo colocado seus préstimos de barbeiro, navalha na sátira,
humor e participação carnavalesca a serviço dos gringos que se renderam à
graciosidade das moças batalhenses e espírito acolhedor de seu povo.
Mas, para Zé Areia que, não tendo
profissão definida (a mais constante, porém não permanente era a de barbeiro)
era mais conhecido como despretensioso “biscoiteiro” e, para ele que, permeava
com o mesmo trânsito livre por todas as camadas sociais, tanto fazia estar numa
mesa de boteco com seus pares, como cercado em companhia de ilustres
personalidades da sociedade potiguar num fino restaurante, que lhe convidassem
para gozar de sua presença e repentes humorísticos.
Pois bem, no decorrer da 2ª Guerra
Mundial, ocorreram alguns episódios entre Zé Areia e os soldados americanos,
quando ele foi contratado para ser barbeiro na Base de Parnamirim, episódios
estes dignos de registros.
É bom lembrar que nesse período da
vida batalhense, o comércio, assim como outras mudanças ocorridas em função da
presença dos americanos em Natal, sofreu uma transformação brusca, quase que da
noite para o dia, pois as lojas e estabelecimentos comerciais em geral,
passaram a expor seus artigos para marinheiros e soldados americanos que com
seus dólares achavam que tudo podiam comprar e, realmente, compravam quase
tudo.
Mesmo tendo sido narrada por
Veríssimo de Melo em seu livro Sátiras e Epigramas de Zé Areia (3ª
Edição, 1982), foi o próprio Protásio Melo que me contou sobre este momento em
que Zé Areia também tirou proveito comercial em cima dos americanos, uma vez
que passou a vender galinha e outros animais aos gringos, inclusive tendo
vendido urubu como se fosse peru. Ele achava que só cortar cabelo de soldado,
não botava ninguém pra frente, ainda mais que seria só por um período.
Assim sendo, fez propaganda, em sua
barbearia, do sabor da galinha caipira, algo totalmente desconhecido pelos
americanos e quando estes foram lhe procurar, ele superfaturou, vendendo uma
por dez Dollars, muito embora o preço real fosse dez vezes menos. O comprador,
depois de descobrir que havia sido lesado, prontamente reclamou ao Cônsul que,
por sua vez juntamente com o reclamante, procurou Zé Areia para esclarecer o
fato.
- É verdade que o senhor vendeu um
galinha por apenas Dez Dollars? Questionou o Cônsul, com seu sotaque carregado.
- Não senhor. Eu não disse que a
galinha era Dez Dollars. Apenas, perguntei a ele: “Tem dollar?!”
Sendo corte de cabelo de soldado
simples, rápido e não requerer conhecimento de Inglês foi Zé Areia, durante a
Guerra, contratado pra passar uns dias em Dakar, pra ser barbeiro dos
americanos em missão de guerra lá, uma vez que já exercia tal função na Base
Militar de Parnamirim. Estando então lá, isolado e sozinho, certo dia, um dos
soldados do Tio Sam, chegou pra ser atendido, com um copo de bebida na mão e
com uma alegria que contrastava a tristeza do barbeiro solitário, indagou sob o
olhar triste de Zé Areia:
- Do you like to drink?
- É só o que eu laico!...respondeu
ele com olhar comprido para a bebida.
Em relação às aves, não era só
galinha caipira que fazia sucesso entre os americanos, pois papagaios
tornaram-se famosos, especialmente os “falantes” que, por vezes, eram enviados
para os Estados Unidos como pet animals (animais de estimação). Assim, um outro
dia, Zé Areia vendeu um papagaio praticamente cego, a um americano, que
encantado com a fama da ave, pretendia enviar o mesmo para a América, como
presente (Na época Walt Disney havia criado a personagem Zé Carioca, um
estrondoso sucesso no mundo do cinema e dos quadrinhos).
Dia seguinte, examinando melhor o
papagaio, sentiu-se ludibriado e foi reclamar ao cônsul para que o mesmo
tomasse providências.
...Mas, o senhor vendeu este ave
completamente cega! Questionou a Zé Areia.
- Um momento...o senhor quer um
papagaio pra falar ou pra levar pro cinema?
Portanto, era assim Zé Areia e muito
mais, evidentemente. Entretanto, em relação aos americanos e ao período do
tempo de guerra em que viveu, não são muito os registros encontrados, embora
tenha havido muitas outras passagens, especialmente durante o carnaval, quando este
era disputado pelos americanos, embora os mesmos corressem o risco de seu humor
cortante.
Porém, é fato que, com sua verve
humorística e seu jeito despretensioso e alheio de ser, entretanto naturalmente
preparado ao revide verbal fulminante, estava Zé Areia sempre pronto, inclusive
pra guerra, o que provou devidamente na 2ª Guerra Mundial.
(extraído do livro NOS BONS TEMPOS DA
SCBEU-Viagem nas Memórias dos Anos Dourados de Natal, do Autor).