01/03/2014


ADERBAL DE FIGUEIREDO 

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido em Aquidaban, município do Estado de Sergipe, formado pela então Fa­culdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1922. Ainda cursando as últimas disciplinas, foi interno do Hospital de São João Batista, e da Assistência Pública de Niterói. Depois, da Assistência Pública do então Distrito Federal e, em seguida, do Hospital Central da Marinha. Neste último concurso obteve a primeira colocação dentre inúmeros concor­rentes. Posteriormente, foi Monitor do Hospital da Santa Casa de Misericórdia.

Já diplomado, foi exercer o seu primeiro cargo na condição de médico, como Inspetor Sanitário Rural do Saneamento e Profilaxia Rural de Sergipe, vindo, então, para o Rio Grande do Norte onde se fixou no município de Caicó.

Na antiga Vila do Príncipe, instalou, com sucesso, o Posto de Profilaxia Rural e saneamento. Desse seu trabalho resultou uma medida de higiene pioneira naquela cida­de: conscientizou aquela então atrasada comunidade a instalar o sistema de fossas sanitárias.

Entretanto, o maior feito do grande médico beneficente, foi a construção do Hospi­tal de Caicó, a primeira unidade desse tipo na região do Seridó e talvez em todo hiterland do Rio Grande do Norte. Esta Casa de Saúde foi inaugurada com a presença do Presi­dente da República, Washington Luiz, quando visitou o nosso Estado, no Governo José Augusto.

Transferiu-se, Aderbal de Figueiredo para Natal, onde fixou residência, casando-se com a prendada senhorita Dulce Meira e Sá, filha do Desembargador Francisco Meira e Sá.

Na Capital potiguar trabalhou como profissional no então Departamento de Saúde Pública e foi Diretor do Gabinete Médico Legal. Nesse mesmo calendário, assumiria função no Hospital Juvino Barreto, então sob a direção criteriosa de Januário Cicco, sendo dirigente da Clínica de Urologia.

A fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos e a técnica operatória, viajou para a Capital Francesa onde cursou ginecologia cirúrgica com o famoso professor Jean Louis Faure. Na própria Paris especializou-se, também, em cirurgia geral, sob a direção magisterial do médico renomado, em toda Europa, professor Gosset; sendo discípulo, também, dos doutores Maurice Chevassu e Marion, enaltecidos mestres da medicina da época.

Retornando a Natal, seria o novo Chefe da Clínica Cirúrgica do seu melhor Hospi­tal, o "Miguel Couto".

Em plena atividade profissional, adoecera do coração, cedendo o lugar ao então jovem médico Onofre Lopes, seu Assistente.

Falecia pouco tempo depois. Era o ano de 1944.

Aderbal de Figueiredo não tinha somente como atividade exclusiva a profissão de médico. Dotado de espírito social, frequentava os círculos mais importantes da socieda­de natalense, participando de clubes e entidades culturais.

Vivendo em plena ditadura Vargas e advogando a liberdade de pensar livremente, jamais deixou de externar a sua repulsa aos atos atentatórios à boa política. Por tal atitude corajosa, teve de enfrentar prisão no Quartel do 29º B.C., durante cerca de um mês, por se manifestar adesista à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Politicamente pertenceu às fileiras do Partido Popular, legenda sob a chefia, na época, de José Augusto, vencedora do pleito em 1935.

Possuía Aderbal de Figueiredo, conforme escritos da sua viúva d. Dulce, de Luís da Câmara Cascudo, de Onofre Lopes e Clóvis Travassos Sarinho possuía Aderbal, do que pude deduzir da sua personalidade, uma auréola de simpatia contagiante. As aren­gas existentes entre colegas natural em todas profissões, nele teve o conciliador. Na sociedade natalense, todas as classes, por seus representantes mais autênticos, o admiravam, não somente pela competência na área médica, mas, sobretudo, pela lha­neza de trato.

Dele, disse Câmara Cascudo, seu amigo confidente:

“Aderbal conhecia História, arqueologia, numismática, como um técnico. Ultima­mente estava lendo Folclore. Lia em vários idiomas que aprendera. Era original em dizer, opinar, propor. Autodidata, estudava sempre, com uma sorridente curiosidade pela cultura humanística. Podia falar, como um mestre, sobre os assuntos mais distantes, prataria francesa, Dantzig, história do Corredor polonês, cirurgia, processos novos de narcose, a Clínica dos irmãos Mayo, corantes, vitaminas, moléstias profissionais, no­ mes de cientistas longínquos, suas figuras, ações, originalidades dos métodos, modifi­cações”.    

           
 A palavra de d. Dulce Meira e Sá de Figueiredo:
 
"Aderbal deve ter sido o primeiro médico que em Natal fez os primeiros embalsamamentos. Pacientes, os franceses Barrier, em 5 de setembro de 1935 e Lievre Pierre, em 27 de maio de 1936. Também foi o primeiro a fazer uma operação cesariana em Natal, tendo a nascida tomado o nome de Cesarina".

Travassos Sarinho e Januário Cicco também depuseram em relação a tão nobilitante figura humana. Disse este, no seu sepultamento: "Em Caicó, vencendo mu­ralhas de sacrifício com a caridade do seu coração e com a força do seu espírito, fundou o seu Hospital, hoje é uma instalação de grande proveito, de grandes alcances e de piedade humanas. E aquele: "- Não sendo, embora, filho do Rio G. do Norte, pelo que fez na terra potiguar, o seu nome não poderia ficar esquecido quando se pretende pôr em destaque a ação dos mais ilustres médicos do Estado".

Sobre o sítio do Tirol, d. Dulce atendeu o desejo do marido, doando-o a Ordem das Freiras Salesianas, onde hoje funciona o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.

Grande benemérito foi Aderbal de Figueiredo! A sua lembrança ficará perpetuada na classe médica que serviu com amor e dedicação humanitárias; e, também, perpetuada ficará a caridade da sua alma sensível devotada aos menos afortunados.

28/02/2014



RETALHOS DE HISTÓRIA DA VELHA RIBEIRA
Briga em um cabaré da Ribeira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Não sabemos ao certo como começou aquela confusão. Num minuto, estava formado o maior quebra-pau dentro do cabaré.
Os dois antagonistas engalfinhavam-se, trocando socos e rolando pelo chão. De repente um dos rapazes levou um pontapé na barriga – levantou-se e saiu distribuindo socos a torto e a direito... pegasse em quem fosse. Aí a coisa complicou.
As prostitutas gritavam apavoradas, corriam e se refugiavam debaixo das mesas do salão. Os três garçons largaram as bandejas e se esconderam atrás do balcão do bar.
A luz vermelha do salão foi apagada e luzes normais acesas. No entanto, a essa altura, a confusão já estava formada. Um homem puxou um punhal, mas foi desarmado pelos seguranças da casa. Garrafas, copos e cadeiras eram arremessados de todos os lados.
O chão logo se encheu de perigosos estilhaços de vidro. Os dois rapazes que deram origem a confusão engalfinhavam-se, rolavam e trocavam socos no chão.
Correrias, gritos pavorosos e urros chegam até a Rua 15 de Novembro. Os guardas-noturnos das ruas próximas apitavam sem parar.
As mulheres gritavam apavoradas. Logo a rua estava cheia de curiosos que queriam ver o que acontecia lá dentro do cabaré.
As inquilinas da casa corriam desesperadas de um lado para outro. Algumas seminuas não sabiam o que fazer diante de tamanha confusão.
Os dois “leões de chácara” do cabaré não tinham o que fazer – era gente demais envolvida na briga. Ninguém sabia ao certo como tinha começado aquele bafafá. A briga já durava mais de dez minutos. O prejuízo era enorme.
Quando finalmente a polícia chegou, o salão estava todo quebrado – mesas, cadeiras em pandarecos – até a radiola de fichas não fora poupada. Havia gente de cabeça quebrada, dente fraturado, equimoses pelo corpo...
O grupo de rapazes a quem atribuíram a origem da confusão tinha se “escafedido” do local.
Naquela noite o cabaré fechou bem cedo. Um dos seguranças da casa, um negro de quase dois metros, tinha um olho roxo e um corte no lábio inferior.
- Iam lhe arrancando um olho, disse um dos garçons ao vê-lo. Será que não ofendeu a vista?
Na porta dos fundos, um cidadão gritava, dizendo que tinha perdido cinco mil réis durante a confusão. Quem vai me pagar? Quem vai me pagar? Perguntava preocupado.
Alguns dos envolvidos na briga foram detidos e levados até a delegacia de plantão, que, por sinal, não era muito distante do local. Funcionava ali mesmo, no bairro da Ribeira.
Na delegacia um dos detidos, metido à valente, contava “goga”, a respeito de sua atuação na briga. Ao ser interrogado pelo delegado de plantão, respondeu às perguntas que lhe foram feitas com ar de deboche. Pelo visto, queria dar uma de arrochado. O delegado não contou conversa e mandou meter o insolente no xilindró.
- Você que é disposto chegou na hora certa. Disse, enquanto o soldado conduzia-lhe até uma das celas.
Depois de colocado atrás das grades, o soldado informou-lhe: “Você vai fazer a faxina”. E lá foi o “brabo” de vassoura e balde fazer a faxina completa do local. Os outros presos e soldados olhavam a cena – alguns até riam disfarçadamente.


27/02/2014

Ascendentes do capitão J. da Penha



João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)


Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Muito se tem falado sobre o capitão J. da Penha, mas poucos conhecem seus ascendentes, sua família, sua origem. Vez por outra um equívoco nos nomes dos seus pais e dos seus familiares. Cuidemos, pois, de melhorar essas informações, muito embora as fontes, incluindo as primárias, podem conter erros.

Seus pais, José Francisco Alves de Sousa e Maria Ignácia Teixeira do Carmo casaram-se aos seis de junho de 1864, em Angicos, em oratório particular, sendo testemunhas Miguel Pinheiro de Vasconcelos Costa e José Irineu da Costa Pinheiro. Ele, natural da Freguesia da cidade de Sousa, da província da Paraíba, filho legítimo de José Alexandre Pereira de Souza, e de Maria Leopoldina Josefa Carolina (mesmo nome da esposa de D. Pedro I), falecida; ela de Vicente Ferreira Xavier da Cruz, e de Maria Ignácia Rosalinda Brasileira. O celebrante foi o tio do noivo, Padre Felis Alves de Souza. 

Os pais de José Alexandre e Padre Felix eram José Joaquim Pereira de Souza e Anna do Sacramento. Padre Felix nasceu em 27 de agosto de 1820, em Rio do Peixe, depois Antenor Navarro.

José Francisco e Maria Ignácia tiveram muitos filhos, mas somente seis chegaram a vida adulta, sendo quatro Josés e duas Marias: José da Penha, José Anselmo, José Francisco, José Felix, Maria das Neves e Maria Pureza. Mas, esse que tinha o mesmo nome do pai, pouco depois de receber o diploma de cirurgião-dentista, no Rio, foi visitar a família em Angicos, e morreu, após uma queda de cavalo, no ano de 1912; José Anselmo morreu envenenado, em 1952, e era casado com Marfisa Pinheiro, filha de José Rufino, e neta de Miguel Pinheiro, que foi testemunha no casamento acima; Maria das Neves casou com o jornalista Pedro Avelino e são pais do senador Georgino Avelino; Maria Pureza, morreu solteira; José Felix casou com Cynira, uma filha de Cirineu Vasconcelos, um dos apoiadores de J. da Penha, em 1913.

 José da Penha nasceu aos treze de maio de 1875, e foi batizado, pelo tio-avô, Padre Felix, na matriz de São José de Angicos, no primeiro de junho do dito ano, sendo padrinhos Cassiano Maria da Costa Ferreira, e Francisca Rita Xavier de Souza, por sua procuradora Izabel Maria da Costa Ferreira (esposa de Cassiano, e prima legítima de Maria Ignácia).

A professora Maria Ignácia, mãe do capitão, que em alguns registros, pós-casamento aparece como Maria Ignácia Alves de Souza ou Alves da Silva, era filha de Vicente Ferreira Xavier da Cruz e Maria Ignácia Rosalinda Brasileira, nasceu em 28 de fevereiro de 1846, e foi batizada, também, pelo Padre Felix, no Sítio São Romão (herdado por minha avó, Maria Josefina), aos 17 de Junho do mesmo ano. Foram padrinhos o próprio Padre, por procuração que deu a José Thomas Pereira, e Rita Teixeira da Conceição.  

Subindo na ascendência do capitão, vejamos o casamento dos pais de Maria Ignácia: Vicente Ferreira Xavier da Cruz, viúvo por falecimento de sua esposa Maria Francisca Duarte (possivelmente, sua parente), casou aos treze do mês de janeiro de 1840, no sítio denominado São José, da Freguesia de Santa Ana do Matos, do Assú, com Maria Ignácia Rosalinda Brasileira. Ele, filho de Francisco Xavier da Cruz e Lourença Dias da Rosa (esses dados não constam no registro); ela, filha de Cosme Teixeira de Carvalho, falecido, na época, e de sua mulher Maria Ignácia de Carvalho. Vicente era natural da Vila de Angicos, e Maria Ignácia, natural de Santana do Matos. Foram testemunhas José Thomas Pereira e Luiz da Rocha Pitta. Esse José Thomaz, que, também, foi procurador do Padre Felis, no batismo da mãe de J. da Penha,  era filho de Antonio Thomas, um irmão de Cosme Teixeira de Carvalho. 

Cosme Teixeira de Carvalho, bisavô de José da Penha, era natural da Freguesia de Caicó, filho de João Pereira da Silva. Ele foi casado anteriormente, com Aldonsa da Fonseca Pitta. Rita, madrinha da mãe de J. da Penha, era filha de Cosme e Aldonsa, e foi casada com seu primo, José Thomas, citado acima. Quanto à segunda esposa, Maria Ignácia de Carvalho, não descobri seus ascendentes, mas acredito que sejam das famílias dos Fernandes, Silvas e Carvalhos, de Santana do Matos. Absalão Fernandes da Silva Bacilon, avô de Aluízio Alves e Aristófanes Fernandes, era afilhado de Maria Ignácia Rosalinda Brasileira. Além disso, Aluízio se dizia parente de Georgino, sobrinho de J. da Penha, e José Anselmo tratava Aristófanes como parente.

Os pais de Vicente Ferreira Xavier da Cruz, portanto, bisavós de J. da Penha, alferes Francisco Xavier da Cruz e Lourença Dias da Rosa, casaram em 17 de novembro de 1774, aqui na Vila de Extremoz, sendo filhos: ele, de João Barbosa da Costa e de Damásia Soares, moradores no Assú; ela de Antonio Dias Machado e Francisca Lopes Xavier. Uma das testemunhas desse casamento foi o tenente Antonio Lopes Viegas, considerado fundador de Angicos, cunhado do noivo.

Não consegui informações sobre os pais de João Barbosa da Costa e de Damásia Soares, que eram sogros, segundo Aluízio Alves, de Antonio Lopes Viegas. 

Antonio Dias Machado e Francisca Lopes Xavier, primos legítimos, trisavós do capitão José da Penha, casaram em 3 de julho 1757, aqui na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, ele filho legítimo de João Machado de Miranda e Leonor Duarte de Azevedo, na época defuntos; ela viúva de Nicácio Duarte, e filha de Luiz Duarte de Azevedo e Lourença Lopes Xavier, moradores no lugar chamado Potigi.

Nos registros de batismos mais antigos, da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, aparece, como madrinha, Lourença Lopes, filha de um Antonio Lopes Viegas. Talvez, ela fosse a esposa de Luiz Duarte de Azevedo, irmão de Leonor Duarte, tetravó de J. da Penha. Vários descendentes de tenente Antonio Lopes Viegas tinham Duarte ou Azevedo no sobrenome. É possível que o fundador de Angicos e o próprio J. da Penha descendam desse velho Antonio Lopes Viegas.

É o que pude apurar, até agora, com o que restou dos livros mais antigos. E quem é que está cuidando da preservação e digitalização dos velhos documentos?
Casa da Fazenda São Romão

Maria Ignácia, mãe de J. da Penha





MARIA: A PRIMEIRA MULHER BRANCA NO BRASIL
Por: Gileno Guanabara, advogado.

O registro da primeira mulher branca que pisou no solo do Brasil tem a ver com as notícias das primeiras viagens de colonizadores portugueses e das expedições corsárias aportadas aqui. Considerado o hiato inicial da colonização que vai de 1500 até o ano de 1530, alega-se que Martim Afonso de Souza deixara muitos casais na Capitania de São Vicente. Entretanto, as expedições marítimas vindas de Portugal ou não, praticavam o escambo, faziam o reconhecimento do litoral, ou combatiam a pirataria, em especial a dos franceses.
A feitoria de Pernambuco fora destruída pelos corsários franceses, quando em 1531 o navegador Martim Afonso partiu e chegou no Brasil em janeiro do ano de 1532. Havia já as feitorias de Porto Seguro, de Cabo Frio, e a de Cananeia. Vencida a frota francesa, Martim Afonso seguiu em reconhecimento pelo litoral. Chegou à Feitoria de São Vicente, seguindo até o Rio da Prata, onde naufragou.
Dado o descaso da Metrópole para com a ocupação da fazenda, ocorriam pelo litoral incursões frequentes de franceses e ingleses. Daí a recomendação do Rei João III a Martim Afonso para fundar a Capitania de São Vicente, antes feitoria conhecida por Porto dos Escravos. Pelo resultado econômico obtido da escravatura vermelha, o navegador a ela também se dedicou, o que já era praticado pelos colonos que habitavam a região e exploravam madeiras de lei e incursionavam pelo sertão, aprisionando e comerciando milhares de indígenas, para outras colônias, até para a Europa. 
São várias as indicações que negam a versão de que os primeiros casais e mulheres teriam chegado a bordo das caravelas daquele navegador e distribuídos ao longo do litoral. O Diário da Expedição de Martim Afonso de Souza, encaminhado ao Rei de Portugal, D. João III, escrito pelo seu irmão, Pero Lopes, não faz referência à presença de mulheres ou de casais a bordo da expedição. Na época, em Portugal, o nome brasil era sinônimo de castigo, de pena: homicida, brasil nele; ladrão, Brasil nele; falsificador de moeda, Brasil nele. Os milhares de criminosos trazidos para o Brasil revelam o caráter punitivo das expedições compostas na maioria de condenados arrebanhados nas prisões. Diante da onda de crimes hediondos praticados pela escória que aqui chegou , Duarte Coelho, Donatário de Pernambuco, a chamava de peçonha. Havia a previsão de combates iminentes e a costa marítima era infestada de perigos.  A par dos párias que Portugal remeteu para a Colônia, os desorelhados, se achavam aqui náufragos, homiziados e cristãos-novos sobreviventes da Inquisição, que mantiveram relações com as gentias, fundando os primeiros núcleos de povoamento.
O cosmógrafo espanhol Afonso de Santa Cruz integrante da esquadra de Sebastião Caboto, no ano de 1530, no relato do reconhecimento que fez (Islário) até a Feitoria de Cananeia, descreveu o povoamento de São Vicente, segundo ele, composto de dez ou doze casas de pedras, com esteiras servindo de portas e folhas largas de palmeira por cobertura. Detalhou o escambo de indígenas que ali era praticado. São Vicente se tornou a primeira vila e cidade (1534), haja vista a criação da sua Câmara Municipal.
Outra fonte, a carta de D. João III, rei de Portugal, dirigida ao fidalgo Martim Afonso de Souza, publicada em 1748, por Luis Lobo (Nobiliário, Tomo I) e Antônio Caetano de Sousa (História Genealógica - Provas vol. VI), é um verdadeiro registro da criação da Capitania de São Vicente. Na missiva real datada de setembro de 1532 se encontram as informações segundo as quais as terras de São Vicente seriam a melhor porção da colônia. Orientava o seu povoamento e ordenava a divisão da terra em lotes de cinquenta léguas, desde Piratininga até o Rio da Prata. Noticiou El Rei a ordem dada ao conde de Castanheira, a fim de apartar e doar cento e cinquenta léguas de terra nos melhores limites dessa costa do Brasil, em favor do comandante da esquadra e do seu irmão Pero Lopes.
Em referência à expedição de Martim Afonso, existe ainda a missiva do marinheiro inglês, Thomas Crasley, integrante da esquadra, dirigida a um mercador de Londres, parte da documentação quinhentista, publicada em 1890 pelo editor Goldsmith, de Edimburgo. A carta foi objeto de referência de Oliveira Lima, em conferência que proferiu em Londres, na Real Sociedade de Geografia, no ano de 1911. Revelou aquela correspondência um episódio importante. Durante a passagem pela ilha da Madeira, cristãos-novos pediram ao comandante, Martim Afonso, para embarcar e vir para a Colônia, com suas mulheres e filhos menores, o que não lhes foi permitido, haja vista a alegação de não haver mulheres nem crianças na tripulação, dados os objetivos da expedição.
Portanto, a conclusão que se obtém é que, até o tempo da passagem de Martim Afonso pela Feitoria que lhe outorgou El Rei, depois Capitania de São Vicente, a primeira em terras do Brasil, o pavor do novo mundo desautorizava a vinda de mulheres para cá, o que somente veio a ocorrer anos depois, trazidas do reino e das ilhas da Madeira e dos Açores, conforme noticiam os registros das sesmarias. Inclusive, se facilitou para que colonos aqui já localizados trouxessem suas mulheres e filhos.
Essa informação se agasalha nas informações do livro Memórias da Capitania de S. Vicente (1707), do beneditino Gaspar da Madre de Deus. O padre se refere ao despacho lavrado no mês de julho de 1538, no pedido feito pelo meirinho João Gonçalves, morador da Vila de S. Vicente, dirigido ao padre Gonçalo Monteiro, que era o lugar-tenente da Capitania e vigário da Vila recém-fundada. João Gonçalves pedia uma sesmaria em Iripiranga, com o propósito de plantar, alegando ser casado, com mulher e filho, morador em toda a dita terra, passa de um ano... Teria sido o primeiro homem que veio povoar, estabelecido com mulher e filho, por mais de ano anterior à data daquele despacho, conforme os registros respectivos.
Em face das primeiras notícias relativas ao Brasil, até a chegada de Martim Afonso; da fundação da Capitania de São Vicente e a vinda posterior de casais e de mulheres para a colônia; e das anotações de Gaspar da Madre de Deus, dissiparam-se as dúvidas. A primeira mulher branca que se tem notícia na colônia, no ano de 1536, se chamou Maria da Silva. Era esposa, dera um filho e fora referência do colono João Gonçalves.