30/01/2014


1969 – Um passeio à Tabatinga 

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ

elisio@mercomix.com.br


Aquele passeio até Barra de Tabatinga foi uma verdadeira aventura. Quase três horas, com cinco rapazes dentro de um Fusquinha 66, por uma estrada cheia de buracos e deserta.

Chegamos à Pirangi e paramos no Bar do Pinoca para uma água de coco. Aquela praia, mesmo em 1969, já tinha bastantes veranistas.

Depois da ponte que separa as duas Pirangis (Norte e Sul) a estrada continuava sinuosa e cheia de buracos. Muitas casas de pescadores, jangadas e botes de pesca na orla.

De lá até a Praia de Búzios a “estrada” era praticamente à beira-mar, tendo seu trajeto em alguns pontos no meio dos coqueiros nativos. À medida que a viagem se alongava, a estradinha ia ficando mais deserta e difícil de trafegar.

De um lugar mais alto, logo depois de Pirangi, víamos ao longe as falésias de Búzios e a ladeira íngreme que conduzia à Tabatinga e outras praias.

Após andarmos um pouco em Búzios chegamos a um riozinho, que descia dos morros até a orla marítima. No local, o mar estava muito agitado e a areia branca era jogada pelo vento com força.

Do lado direito, avistavam-se os morros – as dunas prolongavam-se até uma exuberante mata fechada, provavelmente, repleta de lagoas e mata fechada. Aqui e ali a choupana de algum pescador. O céu e mar incrivelmente azuis nos deixaram encantados.

Um pouco mais a frente, avistamos um Jeep Willys parado a beira-mar, com uma barraca armada ao lado. Era um grupo de rapazes que tinha vindo de Natal para uma pescaria de molinete. Deles, me lembro de dois. No meio daquela paz, a paisagem era indescritível.

Aguardamos um pouco a maré baixar para prosseguirmos em nossa incursão a beira-mar. Naquela época, a beira da praia durante a maré seca era muitas vezes utilizada como estrada, pois essas praticamente não existiam por ali.

Aproveitamos para tomar um ligeiro banho de mar, pois o calor estava insuportável. Naquele trecho, as ondas eram enormes, de forma que não nos arriscamos a um mergulho, praticamente tomamos banho de areia.

Depois, continuamos pela beira-mar e nos dirigimos à estradinha de barro, que havia sido construída há pouco tempo – segundo alguns pelo Sr. Pedro Lopes, proprietário de muitos terrenos dali até Camurupim.

Finalmente, chegamos ao pé da “Ladeira de Tabatinga” e aí começaria a parte mais difícil de nossa empreitada. O fusquinha, com seu motorzinho 1.200cc, não tinha força para vencer a areia fofa daquele areal inclinado com todos os seus ocupantes a bordo.

O jeito foi revezarmos – enquanto um ia dentro do veículo dirigindo, os outros empurravam nos trechos mais difíceis para conseguirmos chegar ao fim da ladeira. Finalmente, alcançamos o topo – nosso esforço foi recompensado – a vista do alto era indescritível.

De lá prosseguimos até a pequena vila de pescadores de Tabatinga. Estacionamos em uma mercearia – ninguém é de ferro!

Para chegarmos até a praia tranquila havia um longo caminho a pé. Decidimos ficar na mercearia, onde a cerveja gelada (geladeira de querosene) e o peixe frito no dendê não nos deixaram dúvidas quanto à nossa opção.

Depois de Tabatinga as praias desertas iam se sucedendo – algumas calmas para o banho, outras de ondas altas e bravas, mas deixamos isso para outra oportunidade.

Alguns do grupo queriam prosseguir até “Campo de Santana” e de lá à Nísia Floresta. Felizmente, a maioria rejeitou a ideia.

Na volta, tudo foi mais fácil. De Búzios trouxemos inúmeras conchas coloridas – brancas, azuis, vermelhas, amarelas, azuladas, cinzentas... recolhidas a beira-mar.

Chegamos a Natal no pôr do sol e moídos de cansaço. Nada mais justo que uma parada no Teco-Teco, o bar de Geraldo na estrada de Ponta Negra. Valeu!

 

 

 

 

29/01/2014

A COLUNA PRESTES NO RIO GRANDE DO NORTE - VIII - TOMISLAV R; FEMINIC K



A Coluna Prestes no Rio Grande do Norte - VIII- Tomislav R. Femenick – Membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 O relato do ataque da Coluna Prestes à cidade de São Miguel contado pelo senhor José Guedes – e publicado pelo historiador Luiz Gonzaga Cortez – embora importante, tem várias falhas, contradições e evidenciam alguns preconceitos. Alguns exemplos eu já publiquei em artigo anterior e hoje constato mais alguns. O depoimento procura fazer ver que não houve “nenhum heroísmo da população de São Miguel/RN nos enfrentamentos da Coluna Prestes, em fevereiro de 1926”, porém muda de atitude quando os revoltosos fogem da luta. Essa fuga deu-se quando os elementos da Coluna tomaram conhecimento de “que no Riacho Fundo, a uma légua de São Miguel, estava havendo um grande tiroteio com a polícia”. Então os oficiais da Coluna abandonaram a cidade e “mandaram levantar acampamento e todos rumaram para a estrada”. Pelo depoimento de José Guedes, os civis que estavam defendendo sua cidade e suas famílias eram covardes, mas os militares muito bem armados e com grande experiência de combate apenas queria evitar a perda de seus homens. Outro aspecto do depoimento do senhor José Guedes demonstra o preconceito do próprio Luís Carlos Prestes contra os nordestinos. O texto atribui as seguintes palavras ao líder da Coluna: “essa mundiça não merece a mínima confiança; os sulistas são bons, mas trazemos um pessoal do Maranhão e do Piauí que ninguém tolera”. Rostand Medeiros (2010) nós diz que, após saírem de São Miguel, a Coluna Prestes “seguiu em direção aos atuais territórios dos municípios potiguares de Venha Ver e Luís Gomes, onde o trajeto utilizado aparentemente foi através dos sítios Bananeira, Formoso, Bartolomeu e depois Venha Ver, na época uma fazendola com algumas casas na beira de um açude. Nesta cidade, [...] enquanto o grosso da tropa seguia adiante, alguns membros da Coluna acamparam próximos ao açude, aonde chegaram a permanecer alguns poucos dias na região, inclusive com suas mulheres. Estas utilizavam lenços e panos na cabeça de cor vermelha, mostrando orgulhosamente que faziam parte do grupo rebelado. [...] Após saírem deste lugarejo, a Coluna de Revoltosos seguiu em direção à propriedade Cacos (ou Cactos), e após passarem pela Ladeira dos Miuns, estiveram na região dos sítios Tigre, Imbé, São Bernardo, Feira do Pau e na pequena área urbana da cidade de Luís Gomes”. No dia cinco de fevereiro daquele ano, a Coluna Prestes invadiu a vila de Luís Gomes, que estava praticamente abandonada pelos seus moradores. Segundo narra o escritor Itamar de Souza (1989): “O povoado preparara-se para resistir. Mas, quando os habitantes da vila receberam o aviso de que os rebeldes estavam no Imbé, a debandada foi geral. Repetiram-se as mesmas cenas consignadas na invasão da vila de São Miguel. Primeiro, dominaram a estação telegráfica, em cujas instalações almoçaram alguns Oficiais do Estado Maior. Depois que tentaram notícias sobre a situação das forças legalistas em Pau dos Ferros, eles quebraram o aparelho de transmissão. Enquanto isto, os rebeldes saqueavam e arrombavam casas comerciais como verdadeiros vândalos. De Luís Gomes, eles se dirigiram para o território da Paraíba”. A análise que Rostand Medeiros faz desse evento é taxativa: “Em Luís Gomes se repetiram as ‘ações revolucionárias’, com uma sequência de saques de casa residências e comerciais. Foram provocados incêndios no cartório e na agência dos correios. Já no dia 6 de fevereiro, os revoltosos deixaram Luis Gomes e o Rio Grande do Norte, adentrando na Paraíba”. Uma última palavra deve ser dada em relação ao importante texto de memória do senhor José Guedes do Rego sobre a passagem da Coluna Prestes por São Miguel. Todos os autores de memórias as fazem no intuito de contribuir para a afirmação da verdade. Porém “a formação cultural do indivíduo não lhe permite uma isenção de valores, ao apreciar o fato. Então, o que vai alterar a consecução da narrativa, é o envolvimento maior ou menor do autor com um fato [...]. O autor se revela através de seu texto, seja ele histórico ou não. Fazendo uma análise do passado, ele atinge o presente. Quer confirmando a versão oficial quer apresentando abordagens diferentes, o autor sempre está buscando uma razão para a sua vida atual. Talvez, abandonando a postura de aceitar as coisas apenas como elas nos são passadas, o homem possa, através da volta ao passado, compreender a si mesmo” (Souza, 2005)
O sargento-mor Valentim Tavares de Mello

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG

Pedro Arruda, lá de Fortaleza, pede notícias de Manoel Gonçalves Branco, seu ascendente, através de Francisco de Oliveira Banhos. Diz, também ser descendente de Tomé Lopes Navarro. Em um dos meus artigos, escrevi sobre o “homem do Reino”, Manoel Gonçalves Branco. Ele é ascendente de muitas famílias deste Brasil. Neste artigo, vamos escrever sobre seu filho, Valentim Tavares de Mello, começando pelo batismo.

Em 27 de fevereiro de 1707, nesta Paroquial de Nossa Senhora da Apresentação, batizou, o Padre Coadjutor, a Valentim, filho do capitão Manoel Gonçalves Branco e sua mulher Catharina de Oliveira. Foram padrinhos o Padre Antonio Rodrigues Fontes e Thomás de Brito Ferrás. Tem os santos óleos. Simão Rodrigues de Sá.

Vinte anos depois, encontramos Valentim sentando praça, como soldado raso, nesta Capitania do Rio Grande. É um registro interessante, pois descreve, fisicamente, o assentado.

Valentim Tavares de Mello, morador nesta Capitania, filho legítimo de Manoel Gonçalves Branco, e natural desta Capitania, de idade de vinte anos pouco mais ou menos, de estatura baixa, seco do corpo, e alvarinho do corpo, digo, do rosto, cabelo crespo e castanho, olhos pardos, sobrancelha grossa, cara redonda, senta praça de soldado raso, nesta Companhia do capitão Francisco Ribeiro Garcia, por sua vontade, e mandato do dito capitão, e intervenção do Provedor e Vedor Geral, o capitão Domingos da Silveira, em quatorze de dezembro de mil e setecentos e vinte e sete, vencendo dois mil e quatrocentos reis/mês, e por ano vinte e oito mil e oitocentos réis, a saber: quinze mil e trezentos e sessenta réis em dinheiro, e, em farda, treze mil e quatrocentos e quarenta réis, na forma da ordem de sua Majestade, em que há por bem o acrescentamento dos soldos que se acha registrada nesta Provedoria a folha 142,verso, do livro 1º do Registro. Caetano de Mello e Albuquerque.

Os pais de Catharina de Oliveira e Mello, eram Francisco de Oliveira Banhos e Antonia Tavares de Mello, por isso, o sobrenome de Valentim.

Em 8 de junho de 1733, Valentim  já era capitão, e apareceu como testemunha, junto com o irmão, sargento-mor Gregório de Oliveira e Mello, no casamento de Victoriano da Frota e Maria Gomes de Sá. Nessa data, ambos eram solteiros, e o pai, Manoel Gonçalves Branco, já era defunto. Em 4 de novembro de 1734, passou a sargento-mor da Cavalaria da Ribeira do Assú, do Regimento do coronel Miguel Barbalho Bezerra, por patente do senhor capitão-mor João de Teive Barreto de Menezes.

Em 1735, ele casa pela primeira vez, pois em outros documentos aparece casado com Luzia de Albuquerque. Vejamos o registro do casamento que encontramos.
Aos dezoito de julho de mil setecentos e trinta e cinco anos, nesta Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, da cidade do Rio Grande do Norte, feitas nela as denunciações, e na Igreja de Nossa Senhora do O’ da Missão do Mipibu, perto de onde morou a contraente, e na capela de Nossa Senhora dos Remédios, próxima a qual é o lugar onde mora, apresentando-se um mandado do Reverendíssimo Vigário Geral, o doutor Antonio Pereira de Castro, em que dava (frase ilegível, mas parece uma liberação ) o impedimento ao contraente da promessa feita a Paula das Quintas, e me mandava os Recibos por palavras, sem se descobrir mais algum, sendo presentes por testemunhas, o Reverendo Padre Manoel Pinheiro Teixeira, o sargento-mor Dionísio da Costa Soares, Dona Eugênia de Oliveira e Mello (irmã de Valentim), mulher do dito, e Catharina de Oliveira, dona viúva, pessoas todas conhecidas, e moradores desta cidade, assisti ao matrimonio que entre si contraíram o sargento-mor Valentim Tavares de Mello, filho legítimo do capitão Manoel Gonçalves Branco, já defunto, e de sua mulher Catharina de Oliveira e Mello, e Angélica de Azevedo Leite, filha legítima do coronel Carlos de Azevedo do Vale, e de sua mulher Izabel de Barros, moradores e naturais desta Freguesia, e logo lhes dei as bênçãos, guardando-se em tudo a forma do Sagrado Concilio Tridentino, do que mandei fazer este assento em que por verdade assino. Manoel Gomes Correa.

Dona Angélica deve ter falecido pouco depois e Valentim casou com Luzia de Albuquerque. Maria Manoela, filha de Valentim e Luzia, casou em 20 de maio de 1766, na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, com o viúvo Estevão Cunha de Mendonça. Este último casal gerou um filho que recebeu o nome do avô, Valentim Tavares de Mello, e que casou em 1802, com Thereza Maria de Jesus, filha de Jerônimo da Costa e Anna Maria Pereira. Jerônimo era filho de João da Costa Almeida e Catharina de Oliveira e Melo, sendo esta última filha natural de Gregório de Oliveira e Mello, irmão de Valentim.

Naquela época as pessoas não ficavam viúvas por muito tempo. No dia primeiro de novembro de 1748, o capitão Manoel Gomes da Silveira, viúvo de Florentina de Mello, esta filha de Estevão Velho de Mello e Joanna Ferreira de Melo, casou com Luzia de Albuquerque Melo, viúva do sargento-mor Valentim Tavares de Melo. 
assentamento de praça de Valentim Tavares de Mello

28/01/2014

A Coluna do General Miguel Costa/Prestes  em São Miguel/RN (III)
Luiz Gonzaga Cortez*

Fita do correio provou que o telegrama informava
que bandidos sem munição iriam atacar S. Miguel.

Enquanto o chefete político João Leite e diversos familiares viram os revoltosos passarem no “aceiro” da estrada, na cidade de São Miguel muita gente pensava que a situação estava tranquila por causa da prisão de dois soldados do Exército Rebelde. Mas outros alguns comerciantes, desconfiados da situação, isto é, que não existia segurança nenhuma para seus familiares, providenciaram o transportes de  cargas de alimentos  para a zona rural. Uma delas foi a Vazante do Jacó, a mandado de Manoel Vieira. José Guedes do Rego, que trabalhava com ele, e “Doutor”, um homem negro que veio de Icó/CE para trabalhar com Manoel Vieira. Na Vazante do Jacó, quando deixavam a primeira carga, eles foram surpreendidos por “uma quantidade enorme de gente armada e muitos animais soltos no meio daquele pessoal”.
“A gente que estava preocupada com a chegada de 700 praças prometidos pelo Governador, ficamos animados e achamos que eram os soldados mandados e apressamos os passos, mas aquela gente entrar na cidade, ouvimos vários  tiros que partiam da cidade e dos homens que se aproximavam. Aí ficamos assustados e com a continuação dos tiros, resolvemos voltar, correndo. Apesar de ser muito moço, o velho Salviano, um marchante,  corria mais. O  clima era frio. Os homens voltaram, gritando “demore aí, canalhas, que a gente volta já e daremos o troco a vocês!”  Com o regresso daquela gente,  resolvemos prosseguir a viagem para a cidade, avistamos a estrada da “Aba”, cheia de gente armada e montados, sem animais soltos. Eram centenas e nessa marcha entraram na cidade. Voltamos para a casa onde estávamos arrranchados e contamos a história, ficando todo mundo  assustado. A casa ficava num local alto e de lá dava para ver a estrada com gente aos borbotões entrando na cidade”, relatou José Guedes do Rego.
De frente com Prestes
Em dado momento, avistaram um homem barbudo, vermelho, montado numa burra bonita, armado com um fuzil na perna, com sela gaúcha, que se dirigiu ao grupo, deu bom dia e perguntou se algum chimangue do governo. Nós, que não sabíamos o que era chimangue, ficamos calados, mas Manoel Vieira disse que não passou. Aí ele perguntou quem mandou nos atacar. Manoel Vieira respondeu que foi o chefe daqui, mas baseado num telegrama do governador dizendo que rumava a esse município um grupo de 70 bandidos desmuniciados e para a defesa da cidade seguiam 700 praças, motivo porque o chefe resolveu empiquetar a ladeira do Engenho, isto enquanto chegassem os referidos soldados e até agora nada”. O homem era oficial sulista e interrogou mais Manoel Vieira sobre as principais famílias e, ao final do interrogatório, mandou que todos se dirigissem a cidade.
No  retorno para São Miguel, o oficial do Exército mostrou muitos feridos no chão e perguntou a Manoel Vieira se conhecia aquelas pessoas . “È gente sua, não se interessa por essas pessoas?”, perguntou o oficial. “Não conheço, mas deve ser gente daqui”, respondeu Manoel Vieira, e seguimos para a casa dele, passando por todas as casas fechadas e ruas cheias de revoltosos.
“O oficial parou e perguntou para um que estava em cima do sobradinho, onde funcionava o telégrafo:”Ô Ramão, onde estão os feridos?”. O Ramão respondeu: “estão aí, em frente a uma farmácia”. Era o capitão do Exército Djalma Dutra, que foi para a Farmácia de Eliseu, conhecido por Zezeu, onde  estava Manoel Tenório, deitado na calçada com uma coxa quebrada de bala e  ao nos ver, gritou “Seu Vieira, me acuda se não me matam”.  Manoel Vieira chamou umas pessoas e mandou o ferido para a sua casa e o oficial dizia “adiante tem mais”. Ao passar na frente da casa do velho Doca Couto, agente do correio,  Manoel Vieira foi  levado para ser apresentado ao Estado Maior da Coluna para dar depoimento sobre o ataque aos revoltosos. Não recordo os nomes de todos, pois era um número bem elevado, mas recordo-me do capitão Luis Carlos Prestes e todos o ouviam como superior; tinham também João Alberto, Siqueira Campos e muitos outros. Então Manoel Vieira foi apresentado ao Estado Maior , chamou-os para a sua residência e lá mandou preparar café e serviu a todos do Estado Maior. Instalaram-se na casa de Manoel Vieira como se fosse o seu escritório e começaram a ouvir todas as pessoas que conseguir prender fora da cidade. A primeira pergunta que fizeram a Manoel Vieira foi como ele prova que houve o telegrama do governador do Estado dizendo que  tratava-se de bandidos? Ele respondeu: “Vão ao telégrafo e examinem as fitas”. E assim, eles fizeram, tendo sido  confirmado. (1)Disseram a ele que “se o senhor falar a verdade, está garantido com sua família e tudo quanto lhe pertencer e se nós provarmos qualquer mentira em vossa conversa, não se admire o que lhe acontecer”.  Continuou entrando gente na cidade e começaram a derrubar as portas  das casas comerciais e a utilizarem do que entendiam, juntavam-se 5 r mais homens e faziam carreira de uma só vez, barruando nas portas, que não resistiam. Dado isto, Manoel Vieira pediu ao Prestes que garantisse o estabelecimento dele, e Prestes respondeu: “ponha uma pessoa na frente do estabelecimento e quem procurar arrombar, diga que está garantido pelo Prestes; e assim ele fez, sendo que a pessoa foi eu, e já vi que medo, mas fui me habituando com aquela cena horrível e passei o dia da porta do estabelecimento para a casa de Manoel Vieira. Uma vez eu estava com ele a comentar aquilo e ouvimos uma pancada numa porta do estabelecimento. Era um cabra mal encarado, sem aparência de soldado, com uma mão de pilão que uma pessoa havia trazido para venda no mercado. Manoel Vieira disse que o estabelecimento estava garantido, mas o cabra respondeu que” eu não sei o está garantido e senhor escreva na  porta  onde começa o estabelecimento” Ele marcou o dele e mais estabelecimentos pequenos vizinhos, que eram do sacristão José Pereira José Joaquim da Silva. O cabra disse que “este é que bom prá nós que é grande”. Depois atacaram outro estabelecimento, mas Manoel Vieira disse que era de um irmão dele,e o revoltoso suspendeu, mas virando-se de imediato para  outro estabelecimento, que tinha uma inscrição “Magalhães & Queiroz”, o revoltoso disse não, este tem o nome Queiroz e esse cidadão foi nos atacar e, de imediato, botaram as portas dentro. De todo o comércio da cidade só ficaram 4 estabelecimentos em paz. Vi  o estabelecimento de Elinas Dias da Cunha sendo derrubado e os  revoltosos abrindo sacos de arroz e latas de confeitos e de bolachas,  despejando nas calçadas para os animais comerem. A maioria da população da cidade ficou dentro de casas com portas fechadas, presenciando pelas frestas das portas, como a família de Pedro Pinheiro”.
1 – O Presidente da Província do RN era José Augusto Bezerra de Medeiros.

Luiz Gonzaga Cortez * 

26/01/2014

Remédio amargo nem sempre cura
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia e contador

            A política do Estado mínimo e o laissez-faire criaram as condições para o surgimento dos monopólios e oligopólios, do capitalismo selvagem e do imperialismo político-econômico. Assim, no século XIX, as antigas colônias e os novos protetorados se transformaram em fornecedores de matérias-primas e consumidoras de produtos fabricados na Europa e nos Estados Unidos. Essa situação criou duas contradições, uma externa outro e interna: a) os países centrais desenvolviam suas economias em ritmo nunca visto, enquanto que nas colônias e nos países periféricos esse fenômeno se dava em escala ínfima, quando não negativa, pois recebiam muito pouco pelas matérias-primas; b) nos países polos do desenvolvimento industrial havia os que se beneficiavam do crescimento econômico e os que eram explorados ao extremo para que esse crescimento pudesse haver, pois as relações de trabalho eram de exploração sem controle.
            Esse cenário gerou as condições ideias para o surgimento de teorias que se contrapuseram ao Estado mínimo e o laissez-faire; as teorias socialistas. Seus primeiros formuladores foram os franceses Saint-Simon, Charles Fourier e Louis Blanc e o galês Robert Owen, que propugnavam por um socialismo ideal, sem indicar como alcançá-lo. Por isso suas ideias são chamadas de “socialismo utópico”. Depois, essas teorias foram aprimoradas por Pierre-Joseph Proudhon e Karl Eugen Dühring, que exigem uma igualdade real para todos, porém também sem dizer como consegui-la. No conjunto, o socialismo utópico ia da boa vontade filantrópica ao reformismo do capitalismo.
            A outra corrente que surgiu foi a do “socialista científico”, defendida por Marx e Engels, cujas bases foram suas análises criticas do próprio capitalismo. Marx sempre foi a personagem central e Engels apenas um figurante. A ideia central do pensamento marxista era de que as contradições endógenas, que se originam no interior do modo de produção capitalista fariam com que o sistema desmoronasse (em função da luta de classes) e em seu lugar apareceria o socialismo e logo depois o comunismo. No Manifesto Comunista eles fazem algumas poucas propostas do que seria o socialismo científico: centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, expropriação da propriedade da terra, abolição do direito de herança, confiscação da propriedade de todos os emigrados, centralização nas mãos do Estado do sistema bancário e dos meios de transporte. Foi uma visão antecipada do “Estado máximo”. Heilbroner (1997), diz que Marx, na verdade, escreveu quase nada sobre como a nova sociedade deveria ser [...]. É preciso ter claro que Marx não foi o arquiteto do atual socialismo. Esta gigantesca tarefa caberia a Lênin”, que dirigiu o modelo de centralização do controle econômico, político e social da União Soviética, sob a égide da ditadura do proletariado; amarga, porém seria necessária. Segundo Stalin, “A ditadura do proletariado surge [...] da expropriação dos latifundiários e dos capitalistas, no curso da socialização dos meios e dos instrumentos essenciais de produção”.
            O problema foi que o socialismo científico não se mostrou tão científico assim. A ditadura, que era para ser do proletariado, passou a ser a ditadura da nomenclatura (a elite) do Partido Comunista. Por outro lado, a tarefa de, ao mesmo tempo, legislar, normatizar, planejar, executar e distribuir a produção se mostrou tremendamente ineficiente. A centralização econômica foi a causa do desmoronamento dos países ditos socialistas. Caíram sem um tiro de estilingue.
Tribuna do Norte. Natal, 25 jan 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 23 jan 2014.


22/01/2014


Lampião, místico ou mandingueiro?

Geraldo Duarte*

No cenário das crendices nordestinas o cangaço não poderia estar ausente.
Além daquelas arraigadas nos costumes das populações da caatinga, outras nasceram com o cangaceirismo.

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não somente praticava a mandingaria por ser altamente supersticioso, mas como estratégia de ilusória demonstração de miraculoso diante dos sertanejos e dos policiais incumbidos de sua perseguição. Nessa encenação ardilosa simulava e difundia feitos mirabolantes, assombrosos.
O jornal Correio de Aracaju, edição de 02/08/1938, em matéria sobre a morte de Virgulino, comenta que o povo acreditava ter ele “pacto com o diabo”, o condão de “desviar a direção das balas apontadas para si”, que “mantinha conferências com o chifrudo” e, para fugir das vistas dos perseguidores, “envultava-se”.
Mais fenômenos, absurdamente irreais, eram-lhe creditados e propalados pela cangaceirada. Garantiam-lhe ter o “corpo fechado” e oralisar “rezas fortes” capazes de o tornarem incólume e invencível.
Quando acampado ou acantonado, surgisse uma cobra ou um pássaro cantante, asseverava tratar-se de aviso agourento do sobrenatural. No mais breve tempo, reunia todo o bando e deslocava-se para outras paragens.
Com o objetivo de incutir nas pessoas das áreas invadidas ter o domínio de poderes misteriosos, fingia rituais e utilizava pantomimas várias.
Numa de suas passagens por Novo Amparo, Bahia, decidiu almoçar numa das casas do povoado. Antes da refeição, acendeu velas nos quatro cantos da sala, sussurrou palavras ininteligíveis e gesticulou, tudo sob o olhar de espanto dos presentes.
Durante os tiroteios com soldados, junto com seus capangas e aos gritos, invocava por Deus e pelo diabo. Todos imitavam grunhidos, relinchos, zurros, latidos, berros e produziam sons esquisitos com o fito de aterrorizar os militares.
Impressionados, existiram milicianos crentes de que eles “viravam demônios”.
Onde estivesse, o fictício capitão, ao meio-dia, hora que tinha como má, ajoelhava-se e orava. Por igual, repetia o rito à meia-noite, momento em que dizia estar o diabo pondo a perder as criaturas.
Jamais desrespeitava padre, inclusive, beijava as mãos dos que encontrava pelos caminhos. Os juízes recebiam veneração especial.
Pendurados no pescoço trazia escapulários, amuletos diversos e um crucifixo de ouro maciço. Sobre estes, enlaçado, um vistoso lenço, em cujas pontas viam-se medalhas presenteadas por padre Cícero, quando esteve em Juazeiro do Norte, Ceará.
O major Inocêncio de Lima, fazendeiro no município de Custódia, declarou, em 1936, a jornalista do Diário de Pernambuco, que cangaceiro maior afirmou-lhe jejuar todas as quartas-feiras em respeito ao sacerdote cratense.
As teatralidades do líder da cangaceiragem, para mostrar-se e ao seu bando poderosos e indestrutíveis, muito impressionavam os campesinos.
Cuidadosamente, o grupo apagava os rastros, em determinado trecho da marcha, para simular um “desaparecimento no ar”. Deslocava-se com os integrantes calçados com alpergatas de rabicho ao contrário, conduzindo os perseguidores a inversão do rumo tomado. Estes, constituem-se exemplos das inúmeras enganações praticadas. E, na maioria das vezes, exitosas.

Certa feita, atacados por uma volante policial, provocaram fumaça na mata e, através dela, escaparam em rigoroso silêncio. O ocorrido propalou-se como um sumiço mágico, graças às forças protetoras do além, sendo arguido com o testemunho da própria tropa.
Devoto de São Jorge, Santa Luzia e São Thiago, recorria a esses santos nos momentos difíceis de seu sangrento banditismo.
Ida Ribeiro de Sousa, sobrevivente da refrega de Angicos, em 1938, e mulher de José Ribeiro da Silva, o Zé Sereno, citou as rezas obrigatórias diárias da rotina de Lampião. O Padre Nosso e o Ofício a Nossa Senhora, no amanhecer do dia, ato compartilhado com os seguidores.

Frequentemente, costumava recitar a oração de fechamento de corpo, que teria recebido das mãos do “Padim Ciço”:
"Justo juiz de Nazaré, filho da Virgem Maria, que em Belém fostes nascido entre as idolatrias. Eu vos peço senhor, pelo vosso sexto dia e pelo amor do meu padrinho Padre Cícero que, meu corpo não seja preso, nem ferido, nem morto, nem nas mãos da justiça envolto. Pax tecum, pax tecum, pax tecum.
Cristo assim disse aos seus discípulos: se os seus inimigos vierem para prender-me, terão olhos e não me verão, terão ouvidos e não me ouvirão. Terão bocas e não me falaram. Com as armas de São Jorge serei armado. Com a espada de Abraão serei coberto. Com o leite da Virgem Maria serei borrifado.
Na arca de Noé serei arrecadado. Com a chave de São Pedro serei fechado,
onde não me possam ver, nem ferir, nem matar, nem sangue do meu corpo tirar. Também vos peço senhor, por aqueles três cálices bentos, por aqueles três padres revestidos, por aquelas três hóstias consagradas, que consagrastes ao terceiro dia, desde as portas de Belém até Jerusalém e pelo meu santo Juazeiro, que com prazer e alegria eu seja também guardado
de noite como de dia. Assim como andou Jesus no ventre da virgem Maria,
Deus adiante paz na guia. Deus me dê à companhia, que deu sempre a virgem Maria, desde a casa santa de Belém até Jerusalém. Deus é meu pai. Nossa mãe das dores, minha mãe. Com as armas de São Jorge serei armado. Com a espada de São Thiago serei guardado para sempre, amém.".

Na madrugada de 28 de julho de 1938, na fazenda Angico, fronteiriça à vila Piranhas, Sergipe, estava Lampião morto e derrotado o cangaceirismo. Sem misticismo ou mandingaria.
                                                                            
                                                             *Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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Colaboração do Amigo Jornalista Walter Gomes - Brasília, DF

Júlio Verne – o homem das mil profecias

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Em 1863, Júlio Verne escrevia “Paris no século XX”, uma obra que permaneceu inédita por mais de cem anos, até que fosse descoberta e publicada por seu bisneto em 1989.
Nesse livro, Verne nos surpreende com uma capital francesa repleta de tecnologia muito familiar aos dias de hoje. Entre as suas propostas futuristas está o uso do fax, de uma rede mundial de comunicação, automóveis movidos a gás, trens de alta velocidade e arranha-céus gigantescos.
Como poderia Verne antecipar de forma tão acertada o futuro de uma civilização? Teria algum poder mágico?! Mas, longe de ser um bruxo, com poderes sobrenaturais, o escritor era um homem estudioso, que desenvolveu um sistema próprio de escrita e mantinha amizade com cientistas famosos em diversas áreas de sua época.
Esse seu método incluía largas pesquisas nas bibliotecas, lendo e relendo livros de referência, revistas e periódicos científicos. De posse das informações técnicas, buscou comparar a vanguarda tecnológica do momento e transportá-la a um futuro bem distante, no final do século XIX. Baseado nesses fundamentos da ciência procurou fazer projeções pessoais – e nisso era perito.
No começo de sua carreira, Verne foi bastante incentivado pelas obras de Alexandre Dumas, o famoso autor de “Os Três Mosqueteiros”.
Quando iniciou como escritor, Júlio Verne produzia artigos curtos sobre temas científicos e históricos, e, para executar esse trabalho, fazia-se necessário documentar-se amplamente sobre múltiplos aspectos científicos.
Não demorou muito para formar a ideia de escrever romances com os conhecimentos que havia adquirido.
Ao combinar narrações de ficção de escritores como Edgar Allan Poe com os recentes descobrimentos de sua época, Verne descobriu um inovador gênero literário, que não tardaria a ser denominado de romance científico.
Esse tipo de leitura teve um público muito receptivo na França, existindo na época um florescente movimento positivista que considerava o conhecimento da natureza como algo fundamental.
Em meio a um ambiente cultural regido pela Lei Falloux (15/3/1850), que teria uma influência predominante sobre a educação francesa durante trinta anos, Verne foi muito bem recebido.
Então, Verne escreveu a sua primeira obra de sucesso – “Cinco semanas em um balão” (1863), que serviria de base para suas obras seguintes.
Verne buscou a assessoria de amigos e parentes, em especial o primo Henri Garcet (professor de matemática), Jacques Arago (célebre explorador) e Gaspard-Félix Tournachon, um aventureiro conhecido em toda França pelo apelido de “Nadar”.
Esse último foi que logrou entusiasmar Verne pela aviação e o apresentou a um círculo de engenheiro e cientistas notáveis. Entre esses novos amigos estava Jacques Babinet e Guillaume Joseph Gabriel de La Landelle, um dos pioneiros da aeronáutica.
O desenho de Guillaume de um helicóptero com hélices verticais e horizontais inspirou Verne a criar “Albatros”, um engenho voador que aparece na sua obra “Robur, o conquistador” (1886).
Foi o editor Pierre-Jules Hetzel que colaborou com Verne no início de sua carreira, quando bastante desanimado pensava, inclusive, em desistir. O trabalho de Verne, até então desconhecido, seria publicado vários anos nas revistas “Magasin d’Éducation et de Récréation” e na “Bibliothèque d’Éducation et de Récréation”. Na primeira, suas obras foram publicadas em capítulos, na forma de folhetos; e, na segunda, como romances completos.
Essas duas linhas editoriais dariam lugar a obras de grande sucesso, como: “Viagem ao Centro da Terra” (1864), “Da Terra à Lua” (1865), “Vinte mil léguas submarinas” (1869/70), “A volta ao Mundo em 80 dias” (1873), as mais vendidas de todas.