ARQUIVOS
Valério Mesquita*
01) Rebuscando papéis,
certo dia, fui achar uma carta que remeti ao jornalista e poeta maior Sanderson
Negreiros, datada de 21 de novembro de 1971. Eterno capataz dos mistérios
circundantes, o poeta utilizava os seus “Quadrantes” para captar o humanismo
asmático. Para tanto, tinha profunda e oxigenada “respiração filosófica”. Sou
seu leitor e eleitor de suas emoções. Vez por outra, me empolgava com a cosmologia
dos seus sentimentos e lhe escrevia. Ai vai uma cartinha de 46 anos que o poeta
de “Lances Exatos” recebeu sobre um assunto ainda bem atual:
“Lendo
a sua última crônica sobre os fariseus da maledicência, deduzi, com pesar, que
a grandeza de alma, nesses dias decadentes, não é contagiosa. Aqui,
parafraseando Shakespeare, é o exílio e longe a liberdade.
A
hidrofobia deixou de ser um caso veterinário para se tornar um problema
psiquiátrico de muita gente. E ninguém mais do que você se acha saciado da
expressão claramente perceptível dos homens e das coisas. Por isso, entre agir
e ser imbecil nessa terra, é preferível, permanecer na regra três. O bom é ser
místico. Místico na arte, na vida e na natureza. Buscar nas profundezas da vida
ou nas solenidades da dor, a verdade blindada: crêr no invisível para não se
suicidar no palpável. O visível encerra vícios redibitórios. Viver encarcerado
na vontade hesitante de ao invés de ser herói da própria vida, ser o espectador
do próprio drama.
Resta
assumir aquele compromisso com o imponderável de que você sempre falou. Para
que a maledicências ou o ódio dos homens não puxem o tapete de alguém, o
remédio é não tomar as feições das circunstâncias. Nesses tempos agitados a
intenção deve equilibrar-se a coragem. O importante é repetir e repetir sempre
que “o amor pode ler o que se acha escrito nas mais remotas estrelas”, no dizer
de Wilde.
E
por último a dolorosa constatação: Edmar Letreiro aplaudido pelo povo e Baracho
cultuado como santo. Daí se conclui que nos desencontros do mundo toda
celebridade quando não é célere é celerada”.”
02) Preocupado em preencher os meus ócios com a
matéria meritória de pesquisar o
inusitado, o folclórico e até mesmo o bizarro, deparei-me com
uma preciosidade rara
em matéria associativa. Pela Lei n° 6.469, de 15 de
setembro de 1993, foi reconhecida de Utilidade Pública pela Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Norte a Associação dos Doentes da Coluna e
Reumatismo de Nova Cruz, referendada pelo ex-governador Vivaldo Costa, com toda
certeza, um “colunático” benemérito.
Desejo dizer que nada tenho contra a respeitável e
samaritana entidade. Até porque dela podem fazer parte amigos eméritos e
queridos como os novacruzenses famosos Diógenes da Cunha Lima, Luiz Eduardo
Carneiro Costa, Leonardo e Cassiano Arruda Câmara e tantos outros. Mas, o que
me chamou a atenção foi imaginar que numa cidade do interior existam tantos
doentes da coluna e do reumatismo que ensejem a reunião de todos em uma
colunável corporação.
Daí, eu passei a divagar, caso a moda pegue, no
surgimento de inúmeras associações congêneres em defesa do corpo humano, por
outros municípios afora. A “Associação dos Portadores de Chulé e Pé de Atleta”,
por exemplo, a “Associação dos Carecas e Portadores de Caspa e Seborreia”, a
“Associação dos Deficientes Penianos”, a “Associação dos Loucos de Todo o
Gênero”, enfim, somos um país democrático, reivindicatório e corporativo.
Se os profissionais da medicina se corporatizaram em
Clínicas, Institutos, Hospitais, porque não os doentes, os pacientes, em
revide, não possam se unificar? Afinal, a nossa constituição é a mais
corporativista de todas!
O ex-presidente FHC padecia de terríveis dores de
coluna. Iguais àquelas sofridas por João Batista Figueiredo curado em São Paulo por um fisioterapeuta
japonês. O então deputado federal Carlos Alberto de Souza à época, também
recebeu massagens e mensagens ao lado do ex-presidente, do competente nissei/paulista.
Daí, não censuro os reumáticos, os doentes da
coluna, de lumbago da altiva Nova Cruz e nem de Macaíba. Eles também são filhos
de Deus. E devem servir de exemplo nesses tempos ruins de SUS e de saúde
nacional sucateada.
Doentes de todos os quadrantes, uni-vos!
(*) Escritor