Algumas ocorrências
recentes provocaram em mim sentimentos daquilo que antigamente se costuma
chamar de “emoção existencialista”. Explico. Essa atitude se caracteriza pela
mistura do conceito do mundo real com especulações
sobre a busca da racionalidade, por meio de um conceito abstrato da existência. Não, não é nada
filosófico e chato. No meu dia-a-dia “pão-pão, queijo-queijo” não há espaço
para Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Espinosa, Descartes e Leibniz. Isso eu deixo para os momentos de ócio absoluto,
quando os pensamentos voam livres, desapegados da vida.
Foi assim que descobri algo que muitos outros já devem ter descoberto
antes de mim: quando nascemos tem inicio um período em que pessoas, fatos e
lembranças vão se agregando à nossa existência em uma velocidade e quantidade
imensas. Pai, mãe, parentes, vizinhos, as brincadeira da infância, colegas da
escola e do trabalho, as namoradas, as farras, as viagens, o que aprendemos nos
estudos e pelo simples fato de viver. Alguns desses elementos permanecem vivos
em nossa consciência, outros parecem desaparecer para inesperadamente
reviverem, despertados por um incidente inesperado qualquer.
Em certa etapa da vida tem inicio um processo reverso. Começamos a
perder lembranças de acontecimentos que no passado foram importante pera nós,
nos distanciamos dos antigos vizinhos e colegas da escola e do trabalho e, o
mais duro, começamos a perder para sempre parentes e amigos, ceifados pela
inexorabilidade da morte.
Os últimos anos foram pródigos nessas perdas. Lá se foram minha mãe e
minha tia Albinha, os últimos viventes de uma prole de vinte e um nascidos do
casal José Rodrigues e de Dona Mariquinha, meus avós maternos. Da família de
meu pai croata, nunca tive notícia a não ser de um primo, isso há quase
sessenta anos. Perdi também vários amigos, entre eles Dorian Gray Caldas.
E agora recebo a notícia do falecimento de Assis Amorim. Esse um amigo
especial. Tornamo-nos próximos nos encontros casuais havidos no coreto da Praça
Antonio Joaquim, lá em Mossoró, quando discutíamos tudo, até o que não sabíamos
nada de nada. Lá estava Assis e pontificar, com um vocabulário esmerado –
depois descobrimos que ele se preparava para esses encontros e encaminhava a
discussão para ai distribuir conhecimento. Pequenos pecados da juventude, mas
que serviram para espalhar saberes.
Francisco de Assis Freitas Amorim (FAFA para os íntimos) era um ser com
características variadas e peculiares. Idealizador e planejador de prédios sem
ser arquiteto, construtor sem ser engenheiro, bancário do Banco do Nordeste –
ocasião em que trabalhamos junto –, vereador, deputado estadual, economista,
advogado e juiz. Acima de tudo era um ser de uma inteligência rara que só
aqueles que desfrutaram de seu convívio podem aquilatar.
Lembro-me de uma série de conversa que uma vez tivemos. Nós, dois jovens
inquietos intelectualmente, resolvemos entender a tal lei da relatividade de
Einstein. Sempre empacávamos nos fatores “tempo” e “espaço”, os quais entendíamos como inseparáveis.
Até que um dia resolvemos, por conta própria, separa-los e os projeta-los no
curto e longo prazo. Isso sem ajuda de ninguém, nem do Padre Sátiro – nosso eterno professor e diretor –, pois éramos
jovens e, como tal, autossuficientes. Trazendo nossa especulação para nosso
terreno, resolvemos que “tempo” era uma questão de escolha pessoal e que o
espaço era coisa de Deus. Simples assim. Como era bom ser jovens e
descompromissados; compromisso só com nós mesmo.
Lamento bastante não ter me encontrado com Assis mais vezes nos últimos
anos. Mesmo recentemente quando fui a Mossoró proferir palestra na UFERSA, na
Universidade Estadual ou na Maçonaria não tive tempo de visita-lo. Agora me
penitencio e vejo que desperdicei o meu tempo ao não encontra mais vezes o meu
amigo e com ele jogar conversa fora.