10/06/2017

AINDA AS HOMENAGENS DO IHGRN



07/06/2017 17:13:23: Ormuz Barbalho Simonetti e Armando Roberto Holanda Leite entregam os Títulos de SÓCIO BENEMÉRITO do IHGRN ao Diretor Geral da INTERTV CABUGI, Senhor Dirceu Simabucuru e a Diretora Comercial Priscilla Simonetti, parceiros de nossa Instituição.


PARABÉNS.

09/06/2017

UMA NOITE DE ALEGRIA




Foi indiscutivelmente uma noite de alegria - O Instituto Histórico e Geográfico reabre as suas portas para os seus associados e para o público.



Contando com as bençãos da Igreja, através do associado e amigo, Padre Bianor Júnior, tem início a solenidade oficial comandada pelo Presidente Ormuz Barbalho Simonetti


Discurso do Presidente Ormuz Simonetti para uma platéia atenta.



Várias autoridades prestigiaram o Evento - Juiz Federal Ivan Lira de Carvalho, representando o Poder Judiciário, Deputado Hermano Morais, representando o Poder Legislativo Estadual, Iaperi Araújo, Presidente do Conselho de Cultura, os Eminentes Presidentes Honorários Jurandyr Navarro da Costa e Valério Alfredo Mesquita, Lúcio Teixeira dos Santos, Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte, Vereadoras Eleika Bezerra, Júlia Arruda e Nina Souza. Também compareceram os integrantes da Diretoria.


Após a execução do Hino Nacional Brasileiro, pela Banda de Música da Gloriosa Polícia Militar do Estrado, o Presidente Ormuz fez o discurso oficial da solenidade e, em seguida, registrou a outorga de títulos de Sócios Beneméritos aos jornalistas  Dirceu Simabucuru e Priscilla Simonetti, entregues na Intertv e os títulos de Amigo do IHGRN ao Deputado Hermano Morais, Vereadoras Eleika Bezerra, Júlia Arruda e Nina Souza.


Inaugurada a Exposição "Presença Viva de Dorian Gray Caldas", com o descerramento de faixa pelo Presidente Ormuz e o Presidente do Conselho de Cultura Iaperi Araújo, na ocasião também representando Dione Caldas, filha e curadora da exposição do acervo do imortal artista. Na sequência convidou os presentes para constatarem as melhorias realizadas no prédio.

                          



Terminada a solenidade, os presentes se dirigiram ao Largo Vicente de Lemos para uma confraternização e audição de artistas locais.



 PARABÉNS.
Fotos: Lívio Oliveira
Cerimonial: Carlos de Miranda Gomes

08/06/2017

H O J E


ALDO DA FONSECA TINOCO

Valério Mesquita

Relembro a figura desse sãogonçalense/macaibense nascido em julho de 1926. Falecido em abril passado, Aldo viveu as descobertas sucessivas das terras em que viveu, nas paisagens do tempo e no mistério das claridades e sombras exteriores. Prestativo e atencioso, agia assim para viver mais intensamente, como se sonhar fosse o único bem que a gente obtém gratuitamente.  Era dentista, advogado, professor da UFRN e titular da USP, onde fez mestrado em planejamento e prática de saúde, além de doutorado e pós-doutorado. E nos voos de longo curso, obteve o brevê de aviação. Como político não cortejou a popularidade. Elegeu-se vice-prefeito de Macaíba em 1953, na chapa com o médico José Jorge Maciel e chegou a titularidade  quando Maciel foi ser secretário de saúde do então governo de Dinarte Mariz, após 1956.
Nesse ofício, Aldo gostava de se portar com firmeza e idealismo. Participou da vida pública sem dela nunca haver tirado proveito próprio ou se conspurcado. Era autêntico e personalíssimo. Não corrompeu  ninguém e nem se deixou corromper pela lisonja ou pela erosiva ação de adjetivos laudatórios.  Conheci-o lá em Macaíba quando instalou o seu consultório odontológico na rua João Pessoa, perto da ponte. Fui seu cliente e por ele “torturado” pelo “mortozinho” removedor de cáries e de obturações. E como sofri, apesar dele ser amigo pessoal e político de seu Mesquita.
Aldo da Fonseca Tinoco foi um homem plural. Além de haver exercido os mandatos de deputado estadual e federal, posteriormente, destacou-se como líder atuante nas hostes do Partido Social Progressista presidido por João Café Filho e depois militou no PTB, ao lado de Clóvis Mota, João Goulart e Leonel Brizola. Nos idos de março (1964), Aldo foi perseguido e detido pelos agentes da revolução, sem jamais haver abjurado as suas crenças políticas. Com a redemocratização do país, em meados da década de 1980, ingressou no Partido Democrático Trabalhista (PDT), sendo candidato ao governo do Rio Grande do Norte, disputando o cargo com Geraldo Melo (PMDB) e João Faustino pelo PFL.
Aldo esteve preso por quatro meses em Natal durante o movimento de 64. Foi transferido, juntamente com o ex-deputado Floriano Bezerra, Djalma Maranhão e Luis Maranhão Filho, para Fernando de Noronha, mesmo com um harbeas-corpus já concedido pela justiça militar. Na ilha ficou detido por mais de trinta dias. Todavia, tratado com respeito. Saiu da prisão de Fernando de Noronha, com a chegada do general Ernesto Geisel, então chefe da Casa Civil da presidência da República, que fora verificar a situação dos presos políticos. Aldo e o governador de Pernambuco Miguel Arraes seguiram viagem, posteriormente, para Recife no mesmo avião com o general.
Posto em liberdade, em vez de retornar a Natal seguiu para o Rio de Janeiro e depois São Paulo, onde as portas da USP se abriram e lhe permitiram levar a esposa e os filhos, que tiveram toda a sua formação instrucional em escolas e universidades paulistas.
A fazenda “Milharada” em São Gonçalo do Amarante era  o seu paraíso. Nesse eldorado além de criar gado e caprinos, produziu coco, cana de açúcar, caju e graviola. Mas não fica aí, a sua visão e criatividade. Introduziu a fabricação de mel de abelha, rapadura, mel de engenho, farinha de milho e cajuína. Reflete-se nesse elenco de atividades a sua dimensão humana, simples, voltada ao cultivo da terra, como exemplo significativo de autêntica nordestinidade. Do casamento com dona Martha Bezerra de Melo Tinoco, nasceram Eleonora, Rômulo, Aldo Filho, Petrônio, Marcelo e Leonardo. Aldo deixou netos e bisnetos. Nesse espaço em que se relembra o seu exemplo, constato que morreu em paz. Teve existência longeva entre nós e como paradigma legou a sua vida de possibilidades e descobertas.

(*) Escritor.

07/06/2017

Homenagem de Carlos de Miranda Gomes ao irmão MOACYR



Era uma vez, num tempo de pardais no verde dos quintas, quando aqueles dois jovens se conheceram – José e Maria[1].
Ela, recém saída da adolescência no esplendor dos seus 14 anos e ele, um jovem bacharel em Direito de 23 anos, formado na Universidade do Rio de Janeiro em 1925, que retornava ao solo potiguar em busca do seu primeiro amor, pois se conheceram ainda muito novos.
No cenário bucólico do Seridó, o novo bacharel assume o cargo de Adjunto de Promotor de Justiça, em Caicó e, de pronto, reinicia um namoro interrompido e contrai núpcias com sua amada em 04 de setembro de 1926, quando esta tinha apenas 15 anos, com a presença do Patriarca da família “Gomes”, o Coronel João Gomes da Costa, proprietário da Fazenda Pitombeira (Taipu-RN) e líder político na região[2].
Dessa união, que assistiu íntegro o passar de meio século, nasceram nove filhos – o primogênito foi Moacyr[3], parido de uma gravidez de alto risco, agravada pela pouca idade da mãe – apenas 15 anos, o que levou “Mãe Quininha”[4] a comentar com o amigo comum Dinarte Mariz [5], sobre o perigo que corria Lígia de Zé Gomes, cujo nascitura estava em posição inverna à natural e que não teria habilidade para resolver o problema. O amigo, político influente na região, mandou motorista em seu automóvel até Currais Novos para trazer o renomado médico Mariano Coelho [6].
Pelos dotes competentes do médico e pelas mãos santas da parteira Mãe Quininha, nasce de parto laborioso Moacyr Gomes da Costa.
O menino Moacyr teve uma infância normal, mas sem fartura, cercado do carinho e do desvelo dos muitos familiares do lado dos Miranda e dos Gomes da Costa.
Por circunstâncias profissionais, seus pais vieram para Natal e aqui se desenhou a sua mocidade, entre as dunas das cercanias de Natal e o rio Potengi, enriquecida pelos amigos e pelos devaneios e sonhos bem sonhados, de criar asas e buscar o seu lugar ao sol.
No ano de 1934, com sete anos de idade, morou na Avenida Deodoro, em uma das casas de propriedade dos “Palatinic”, no quarteirão entre a Ulisses Caldas e a João Pessoa. A avenida tinha apenas pequeno trecho calçado e no centro passavam os trilhos do bonde elétrico que chegava até o alto da ladeira do sol. Natal deveria ter em torno de 30 mil habitantes. Em 1935 foi para a Av. Duque de Caxias, bairro da Ribeira e centro comercial da cidade.
Já datava desse tempo o pendor pelo esporte, pois papai o levava aos jogos no “Stadium” Juvenal Lamartine inaugurado em 1928, a maior novidade em matéria de lazer da cidade. Esse proceder ele repetiu com todos os filhos homens, sempre incentivando a torcer pelo América Futebol Clube, o que somente não logrou êxito com o caçula, José Gomes Filho, que se tornou inexplicavelmente “abecedista”. Mas a democracia sempre prevaleceu em nossa família, onde já residira o nosso avô Xavier Miranda (em frente à atual Associação Comercial, vizinha ao Grande Hotel), que se tornou tempo depois comerciante naquele bairro, com a sorveteria Eldorado, em parceria com Jessé Pinto Freire, seu genro, compadre do Interventor Rafael Fernandes, era o Chefe da Mesa de Rendas do Estado, sendo protagonista de um gesto histórico: abrigou o Interventor em sua casa, quando eclodiu a “insurreição comunista” de novembro de 1935. Moacyr presenciou o episódio, pois estava na casa de “Paié”, quando começou um tiroteio. 
No dia seguinte, pela manhã, veio um grupo de insurretos em nossa casa, levando papai para abrir as portas da firma em que trabalhava, de lá retirando pertences. Soubemos que papai não foi sacrificado pela interferência de João Galvão[7], que era primo do nosso avô Xavier Miranda.
    Da Ribeira a família foi residir em uma casinha acanhada no baldo, última casa da 13 de Maio, nº 890 (hoje Princesa Izabel), por curto período, pois a casa não cabia todos os seus integrantes.
De lá houve a mudança para a Av. Rio Branco, 710, onde nasceu o autor destas memórias, quase vizinho ao prédio onde hoje funciona o Banco Santander, pertinho do Cinema Rex.
Nessa época havia como hábito de lazer alugar bicicletas conhecidas como contrapedal, importadas da Europa, última novidade tecnológica no assunto, causando a admiração das prendadas senhorinhas que se postavam ao longo dos muros altos em relação ao calçadão da Av. Rio Branco, desde a esquina em frente à Escola de Artífices, até o fim da ladeira do baldo, passando pela casa de seu Jorge Câmara, dos Motas até Abel Viana, formando uma seleta platéia para ver a moçada pegar morcego na traseira do bonde na porta do Cinema Rex, e quando o bonde chegava a 9 pontos, soltavam-se dos estribos e faziam o acrobático “cavalo-de-pau” para receber os aplausos da plateia feminina e carão dos mais velhos.
Flertes na “sessão das moças” nas tardes das quartas-feiras no cinema Rex. Por isso ainda há casais daquele tempo que já comemoram bodas de diamante. Os heróis residiam na cidade alta, como seu irmão Fernando, Edgard Mãozinha e a rapaziada da Rua Santo Antonio e Santa Cruz da Bica e até alguns primos que moravam no bairro aristocrático do Tirol. 
Peladas no meio da rua em frente ao Seminário de São Pedro, na Av. Campos Sales e ali nas proximidades da Igreja de Santa Terezinha também sem calçamento, e vários outros terrenos baldios do Tirol e Petrópolis eram os pontos principais dos vários “craques”, que posteriormente cresceram na vida, tanto no futebol, como em outras atividades, por exemplo, no futebol profissional, Renato Magalhães, Antonio Viana, que foi dentista na Bahia e consagrado profissional de futebol, Demóstenes, (Botafogo do Rio, Seleção Carioca e Milionários de Bogotá, onde jogou com Heleno de Freitas, tendo como rival o consagrado Di Stefano), Natanael, e, Ivanildo “Deus”,[8] Armando e Aníbal Cavalcanti (filhos do Tem. Júlio Gomes), Aldo Viana e o próprio Moacyr que não foram além daquele time de amadores que chamavam de “Aspirantes”, que enchiam o tempo para segurar a paciência dos torcedores enquanto aguardavam o jogo principal do velho Juvenal Lamartine. Aqueles meninos eram de modo geral dirigidos por “técnicos amadores” como Euclides Lira, Djalma Maranhão e outros apaixonados pelos esportes, ao que dedicavam o maior esforço possível, fora suas atividades de sobrevivência. Cabe lembrar os saudosos Santa Cruz de Euclides Lira e Evaldo Reis e do Atlético de João Machado.
Assim, aquela geração produziu muitos valores diferentes em várias atividades, desde profissionais liberais, até comerciantes, funcionários públicos, enfim, todos que deram sua participação importante na vida da sociedade, chegando a registrar-se com especial destaque, para nosso orgulho, a ascensão de um dos nossos mais assíduos “peladeiros”do Tirol,  à Academia Brasileira de Letras, Murilo Melo Filho, “Murilinho” entre tantos valores que dignificam nosso pequeno Estado. No futebol profissional, tivemos um Dequinha, um Jorginho, Alberi e Marinho Chagas, como expoentes máximos.
Tudo isso representou o paraíso daquela belle époque de Natal, aliando-se a prática dos banhos e travessias em pequenos botes de aluguel do Rio Potengi, os pegas dos botes da Redinha com nome dos poetas Segundo Wanderley e Palmira Wanderley, com o campeoníssimo Ferrinho, o mesmo condutor dos veranistas da Redinha e paralelamente da elegância dos remadores Alvamar Furtado, Humberto Nesi, Marito Lira, Armandinho de Góis, Jaú, Pedro Mamoeiro e muitos mais, e seus competentes timoneiros, valia a pena apreciar as braçadas vigorosas e elegantes dos grandes estilistas do nado livre olímpico de Johnny Weismuller (o Tarzan), o nado “crawl” de  José Guará, Amaury Moura, Jahyr Navarro, Gilvan de Sá Leitão, tendo como ponto principal o Cais Tavares de Lira, lugar preferido para o footing da Dr. Barata, dando uma esticadinha até o cais para apreciar e aplaudir aqueles guapos atletas dos esportes fluviais, que juntamente com o futebol, eram as principais opções de lazer da província além dos bailes do Aero Clube.
Moacyr estudava no Colégio Pedro II, do saudoso Professor Severino Bezerra, na Ribeira, ao lado do Teatro, depois para o curso ginasial do Atheneu da Avenida Junqueira Aires, em 1939.
Com carinho e emoção o mano comenta a Copa do Mundo de 1938, na França, a qual era transmitida precariamente num velho rádio Philips holandês, cheio de estática e de transmissão quase imperceptível do locutor Gagliano Neto cujo slogan era “A.E.I.O.URCA” (patrocínio do Cassino da Urca) e românticos da cidade como Raimundo do Cartório, Ney Marinho, Dr. Grácio Barbalho, Luis Tavares[9] e o próprio Xixico, um dos donos do Rex. 
Em 1939 eclode a 2ª Grande Guerra em 1939, Moá com 12 anos, época em que eu nasci na Av. Rio Branco. Em 1941 tivemos a chegada dos primeiros americanos a Natal para implantar a Base Aérea de Parnamirim (Parnamirim Field), ou ‘Trampolim da Vitoria’ iniciando grandes transformações nos costumes da cidade, que começava a assimilar posturas cosmopolitas, com um aumento populacional partindo dos 55.000 habitantes recenseados, de cerca de mais 10.000 pessoas, período onde recebemos na velha Ribeira de guerra figuras notórias como Tyrone Power, Joe Brown (Boca Larga), Nelson Eddy e Janet Mc Donald na Rua Dr. Barata.
Paralelamente, começava a tertúlia pela prática de basquete e vôlei no avião da Praça Pedro Velho, pequeno bar de apoio entre uma quadra de vôlei de um lado e uma de basquete do outro, com destaque para os talentos de Alberto e seu irmão Biliu, Professor Serrano, Humberto Nesi, Chico Lamas, Demóstenes, Irineu e seus irmãos do time da Escola de Artífices, alguns rapazes da Aeronáutica, servindo na base de Parnamirim, jogadores dos times do Rio, São Paulo e outros estados do sul e alguns militares americanos, jogadores das ligas profissionais ou universitárias dos Estados Unidos. Entre os juvenis aspirantes, jogavam Moacyr e seus contemporâneos, Leyde Morais, Altanir, Aurino, Armando, Paulo e Sinésio Dias e outros não identificados pelo retrovisor embaçado, e depois iam lavar o suor nos tanques das tartarugas. O local dessas quadras era exatamente onde hoje está o Palácio de Esportes Djalma Maranhão.
Às tardes dos domingos, no coreto central assistia-se o espetáculo da Banda da Polícia Militar, da Base aérea ou do ATC, cercados por lindas moças circulando de braços dados fotografados pelas lentes de Jaecy Emerenciano, depois um vesperal de filmes românticos no cinema Rex, e um sorvete na Sorveteria Polar. Meia hora de flerte e as meninas sumiam de repente enquanto os rapazes iam para onde existiam os serviços de alto falantes de Luiz Romão, para ouvir a BBC de Londres, com Luis Jatobá e fundo musical de Orlando Silva, depois um lanche no Dia e Noite e outras estrepolias dos jovens de então ...
A partir de 1942 o futebol juvenil em Natal passou a contar com um grande esportista na pessoa do jovem adolescente Paulo Fernandes Dantas, que criou um campeonato juvenil que empolgou a rapaziada. Paulinho era filho do General Fernandes Dantas, então Interventor Federal no Rio Grande do Norte, torcedor apaixonado do CR Flamengo do Rio de Janeiro, e teve permissão do pai para fazer uma reforma no imenso quintal da Vila Cincinato na Praça Pedro Velho, então residência oficial do governador do estado, com fundos para a Rua Mipibú onde hoje se situa a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, e onde existia até bem pouco tempo a Escola de Engenharia da UFRN, e assim transformá-lo num campo de futebol criando um empolgante torneio de futebol juvenil que tinha dois times em destaque, a saber, CR Flamengo, obviamente tendo como presidente o próprio Paulinho, com carteirinha de atleta e tudo tendo como técnico o saudoso Eudes Caldas Moura, e com a seguinte escalação João Bicão, Zezé Moura e Ignácio Meira Pires, Armando, Ademar Maroca  e Waldir, Rolé, Moacyr, (mexicano) Joãozinho, Francisco, Ivanildo Polegar e Jacques Saraiva. Seu grande adversário era o Olímpico que contava com Antomar Ferreira de Souza, Tuninho Melo Lima, Heriberto Bezerra, Altanir, Aurino, Jarbas Bezerra e outros que o velho retrovisor não consegue mostrar. O torneio terminava com festa, até com a participação da Orquestra Tabajara, com Severino Araujo (nosso Glenn Miller), K-Ximbinho e tudo, e esses fantásticos músicos tocaram a noite toda em nosso baile de comemoração, no próprio salão nobre da casa do governador, cheio das meninas mais bonitas da cidade. 
Nova mudança, desta vez para a Rua Princesa Izabel, vizinho a Paié e Vozinha (Aline), defronte do Colégio 7 de Setembro, do Professor Antônio Fagundes e a casa da conhecida e estimada parteira Dona Adelaide, que trouxe ao mundo parte dos irmãos.
O Brasil entra na guerra e Natal tornou-se famosa, conhecida como “Trampolim da Vitória”, na defesa do continente na 2ª Guerra Mundial. A cidade vivia constantemente em estado de alerta, com as noites em “black-out”, obrigando as pessoas a fazerem abrigos antiaéreos, com o céu rasgado por holofotes rastreando possíveis inimigos e os nossos aviões fazendo patrulhamento nas costas, voando pela cidade, deixando a população em permanente estado de tensão.
Ocorreu então o agravamento da situação, já difícil, em que papai vinha atravessando, em virtude de insidiosa doença (polinevrite), que o prendeu ao leito, quase inválido, durante longo tempo, tendo suportado tudo pela ajuda de Deus, pela solidariedade de seus parentes e amigos e, sobretudo, pela sua paciência chinesa e enorme força espiritual, com a dedicação de samaritana de Dona Lygia. Os filhos tinham que se virar - Fernando tomava conta de uma cigarreira em frente à Cia. Força e Luz, na Av. Tavares de Lira, próximo ao Cartório de Antídio Azevedo, e Moacyr, ajudava como vendedor “pracista” da firma Gomes & Cia. Ltda., instalada num velho sobrado da Rua Dr. Barata, vizinho à sede do “Carneirinho de Ouro” (prédio que ainda existe), pois a Ribeira entrou em decadência e ali quase nada mudou.
Nesse ínterim Moacyr arranjou um emprego de escritório na Base Aérea americana, pois era bom datilógrafo e falava um pouco de inglês, enquanto papai, já melhorando da doença, foi incentivado pelos amigos a prestar exame para a Magistratura, ainda no leito, sendo conduzido nos braços, logrando aprovação e nomeação para Juiz de Direito da Comarca de Santana do Matos, distribuindo os filhos mais velhos entre os parentes, em razão da fase de estudos. Isso durou muito tempo, pois papai era Juiz de morar realmente nas Comarcas e foi sucessivamente sendo promovido para Angicos, Penha (Canguaretama), Macaíba até chegar a Natal.
Moacyr e Fernando ficaram morando com vovô João Gomes, com o beneplácito de “Tia Nana” e “Lilia”, nos “quartinhos” que alojaram muitos outros parentes – Clóvis e João Gomes Neto, Seu Luiz Xavier, Renato Praxedes, Benedito Benfica e outros muitos parentes vindos das bandas de Taipu e Baixa Verde.  Ali era a Embaixada dos oriundos da Pitombeira e adjacências e os rapazes (Zeco, Loló, Ici, Tonho, Ué, Pedro, Paulo e Luiz Gomes), que não cabiam na casa grande e, mesmo que alguns ainda vivessem no interior ou estudando fora, ali era o lugar certo de pouso em suas passagens por Natal. Os quartinhos correspondiam onde hoje é o quintal da minha casa, construída em 1966 com empréstimos sucessivos na Caixa Rural do Professor Ulisses, com o aval de papai, cuja rua recebeu o nome do Coronel João Gomes.
Por esse tempo houve a partida dos tios Francisco e Luiz que foram estudar no Rio de Janeiro, o primeiro seguindo a carreira militar, chegando a General e Luis tornando-se respeitável engenheiro-calculista.
Pode-se dizer que o ingresso de papai na Magistratura, deu início a uma fase mais amena em sua vida e impulsionou a consolidação do grande homem que havia dentro dele e revelou para a posteridade o extraordinário magistrado e professor das futuras gerações, deixando aos seus descendentes um legado inestimável de exemplos positivos, sendo nome de rua, biblioteca e sala no Tribunal de Justiça.
Nesse período, papai conseguiu comprar uma casinha na Rua Otávio Lamartine, onde nasceu Zezinho – o último dos filhos, mas teve de vendê-la para pagar dívidas de um parente, época em que o magistrado era pessimamente remunerado.
Em 1945 termina a guerra – papai Juiz de Penha (Canguaretama) e Moacyr desempregado face à desativação da base americana. Surge a ideia de ir para o Rio de Janeiro estudar, recomendado pelo tio Luis, que recebeu nosso irmão mais velho, deu-lhe emprego em sua empresa e a orientação necessária para o aprendizado profissional e da vida – foi na verdade o alicerce em que edificou os objetivos maiores daquele jovem sonhador, sem onerar o já combalido orçamento da família.
Por desenhar muito bem, já despontava como promessa de um futuro arquiteto, com a ajuda desse tio vencedor no Rio de Janeiro.
No Rio de Janeiro comeu o pão que o diabo amassou, mas venceu e tornou-se arquiteto, aliás, naquele tempo Engenheiro-Arquiteto. Brilhou na Cidade Maravilhosa, ganhou concursos de projetos até que foi convidado pelo Governador Dinarte Mariz para projetar algumas obras do seu governo.
O retorno a Natal renovou o seu amor pela cidade e logo depois mudou-se com armas e bagagens e daqui nunca mais saiu.
Tornou-se um arquiteto conhecido, criou sociedades com outros colegas e ganhou prestígio.
No vai e vem da vida, foi convidado para projetar um estádio, o "Castelão", depois "Machadão", depois o Complexo Desportivo Humberto Nesi e muitas outras festejadas obras, até o Pórtico de Natal, com a cauda de um cometa, uma estrela, tendo logo abaixo os três Reis Magos talhados por Manxa.
Diga-se, por oportuno, que projetar estádios já pertencia à sua essência, pois foi um deles o seu trabalho de final de curso. Jamais saiu do Brasil, não sendo verdadeira a versão de haver viajado à Alemanha para copiar um certo estádio, como irresponsavelmente insinuou um conhecido jornalista esportivo, agora aposentado.
O estádio, pela sua concepção arrojada, foi elogiado por João Saldanha e ganhou do Governador Cortez Pereira a frase de que era um verdadeiro "Poema de Concreto", que passou a ser o seu filho do coração.
Porém a avareza de uns, a irresponsabilidade de outros e a omissão de muitos permitiram a criminosa demolição do fabuloso estádio, erguendo no mesmo lugar a "Arena das Dunas", povoada de irregularidades, agora postas às mostras, desolando ainda mais a memória daquele centro de futebol que fez história.
Essa e outras histórias eu contei no livro "O menino do poema de concreto".
Hoje o velho Moá chega aos 90 anos, inteiro, ainda em atividade, cheio de memórias, bom de papo, bom de copo e curtindo a família que construiu com Iris e os incontáveis amigos de fé, camaradas. Agora é tempo de alegria, de comemorações e boas lembranças. Os fatos que o fizeram sofrer ficaram no passado - cinzas, tudo acabado e nada mais.
Se a sociedade não se lembrar de você, esteja certo que a sua família dirá presente e lhe abraça com todo o carinho deste mundo.
PARABÉNS VELHO GUERREIROPARABÉNS MENINO DO POEMA DE CONCRETOvamos no caminho dos 100, como o saudoso General Costa!

[1] José Gomes da Costa, filho do Cel. João Gomes da Costa e Bernardina Rodrigues da Costa e Maria Ligia de Miranda Gomes, filha de Jerônimo Xavier Miranda (da tradicional família “Miranda Henriques” e Aline Miranda de Albuquerque Maranhão (igualmente descendente da nobre família “Albuquerque Maranhão).
[2] (filho único de Cassiano Gomes da Costa e Maria Rosa de Freitas Gomes da Costa, tendo por avós Manuel Gomes da Costa, de nacionalidade portuguesa/Clara Maria de Paiva (Candinha) e o Velho Freitas (Francisco de Freitas da Costa e avó Ana Rosa da Apresentação Costa. O Coronel foi casado duas vezes e com duas irmãs – Bernardina Rodrigues da Costa e, com a morte desta, com Anna Rodrigues da Costa (filhas de Alexandre Rodrigues Santiago e Maria Joaquina Rodrigues de Paiva e netas de Jerônimo Ferreira Santiago/Felipa Rodrigues Santiago e Francisco de Paula Paiva/Bernardina Lopes de Vasconcelos). 
[3] Moacyr Gomes da Costa, nascido em Caicó-RN, no dia 07 de junho de 1927.
[4] “Mãe Quininha”, como era conhecida a parteira Joaquina Dantas Gurgel, esposa de Pedro Gurgel do Amaral e Oliveira e mãe do Monsenhor Walfredo Gurgel.
[5] Dinarte de Medeiros Mariz, líder político do Seridó, que foi Governador do RN e Senador da República.
[6] Dr. Mariano Coelho, médico estabelecido em Currais Novos, onde foi, também, político conceituado.
[7] João Batista Galvão era natural de Mossoró. Com 25 anos de idade tornou-se secretário do Atheneu Norte-rio-grandense. Sua participação no movimento comunista de novembro de 1935 decorreu de ser prestigiado por parcela da população insatisfeita e estudantes, que o aclamavam nas ruas. No período em que vigorou o curto Governo Popular Revolucionário exerceu o cargo de “Ministro da Viação e Obras Públicas”. Foi cognominado de “Primeiro Ministro” da insurreição que implantou o primeiro governo marxista-leninista no continente americano, por aclamação dos insurretos, carregado nos braços para o Palácio do Governo, na praça Sete de setembro e para a Vila Ciccinato, na Praça Pedro Velho, onde funcionou a sede do chamado Governo Popular Revolucionário.
Casado com Maria Amélia da Nóbrega Santa Rosa (prima da esposa de Juvenal Lamartine – um dos “coronéis” do Estado – dona Silvina Lamartine), e desde os 18 anos já era membro do Partido Comunista do Brasil, com efetiva participação das lutas estudantis de Natal e do Recife, para onde viajava constantemente para participar das reuniões da Aliança Nacional Libertadora (1935), codinome do Partido Comunista do Brasil. Era um homem de coragem e contam que ele e José Macedo, "Ministro das Finanças" da revolução, foram os que mais apanharam dos policiais. Ficou preso 18 meses na Casa de Detenção (hoje Centro de Turismo de Natal), tendo perdido um rim em virtude dos espancamentos sofridos. Mais tarde, João Galvão tornou-se provisionado da OAB/RN e depois de formado monta uma banca de advogado, que funcionou, algum tempo, ibde hoje é o ‘Memorial Vicente Lemos’, nos fundos do Tribunal de Justiça do Estado.

[8] Ivanildo Correia de Paiva, filho do Professor Saturnino, jovem bastante popular por seu espirito inteligente e brincalhão, bem humorado que de qualquer fato trivial transformava numa piada engraçada, que logo se incorporava ao anedotário popular. Foi apelidado de Ivanildo Deus porque de certa feita ocorreram dois acidentes quase no mesmo instante, um na Ribeira e outro no Alecrim, e as manchetes dos jornais estamparam os dois fatos com a foto do moço em primeiro plano. Obvio, só Deus podia estar presente ao mesmo tempo em dois lugares extremos da cidade.           
[9]  Luis Tavares, comerciante, figura popular em Natal pelos seus dotes físicos, mãos de king-kong, muita força, costumava fazer aposta de amassar com um bofete o paralama de um ford de bigode, e, durante a guerra, costumava demolir os valentões americanos que criavam confusão nos cabarés. Contam que certa vez no Wonder Bar suspendeu um marinheiro americano, quando a policia chegou e mandou que o largasse, ao que prontamente  obedeceu, só que jogou o cristão pela janela do 2º andar. Felizmente o rio estava de maré alta, e o homem escapou sem maiores consequências. Era um grande boêmio, dono de uma bela voz romântica, excelente seresteiro, leal amigo, ficou no anedotário potiguar por suas “presepadas”.
10] Tudo faz crer que é da década de 1930, até pela vestimenta das pessoas que aparecem em uma foto, principalmente pelos chapéus dos homens.
Naquele tempo, não existia CAERN, o serviço de àgua e esgoto de Natal era uma concessão ao Escritório Saturnino de Brito, cujo desempenho deixou na época a cidade quase 100% saneada, e valiosas obras arquitetônicas e urbanísticas, que, infelizmente, a cultura vandálica predominante nesta "terra do já teve" deixou desaparecer. Lá compareciam os endinheirados militares americanos com as meninas igualmente "alegres" da Ribeira.O local era mesmo no inicio da ladeira do Sol, esquina da Rua Dionísio Filgueira com a avenida Getúlio Vargas, onde terminava a linha de bonde elétrico, em frente à casa do Coronel Guerreiro, a qual, por sinal, foi, na ocasião, ocupada pelo USO. BEACH CLUB, clube social instituído pelo governo americano em todas as suas bases militares, para divertir suas tropas e fazer sua integração com a população local.



05/06/2017

 

 
   
Marcelo Alves
5 de junho às 13:23
 


A integração do direito (II)

Na semana passada, introduzimos aqui o tema dos métodos de integração do direito – a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme expressamente preconizado no art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42) –, sendo que ainda deu tempo de tratarmos especificamente, embora sem nenhuma pretensão de exaurimento do tema, do primeiro deles, a analogia. 

Hoje continuaremos na mesma toada tratando primeiramente dos costumes e, logo em seguida, dos princípios gerais do direito. 

O costume é, numa definição bastante direta, uma prática reiterada no tempo que se entende como obrigatória. A reiteração (como seu requisito material ou objetivo) somada à convicção de que se aplica uma norma de direito (requisito espiritual ou subjetivo) é o que dá ao costume sua força cogente. “Em síntese”, como explicam Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho (em “A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: comentada na ordem de seus artigos”, volume 1, editora Renovar, 1995), “para que se tenha um costume como fonte do direito objetivo, é indispensável o concurso de dois requisitos: a) o elemento material, consistente na continuidade, generalidade, uniformidade, durante um longo espaço de tempo; b) o elemento espiritual ou psicológico, que é a consciência da sua obrigatoriedade (opinio necessitatis), a convicção de que se aplica uma regra de direito (ratio juris)”. Lembremos que o costume não se confunde com a praxe administrativa. Aquele exige cumulativamente o elemento objetivo (prática reiterada) e o elemento subjetivo (convicção generalizada de sua obrigatoriedade), ao passo que esta (a praxe administrativa) se contenta com a presença do elemento material apenas. O costume, assim, é fonte do direito e método de integração normativa; a praxe administrativa, não. 

Lembremos ainda que, outrora muitíssimo importante, o costume, nos estados constitucionais modernos, têm cada vez mais perdido sua importância, dada a existência de um órgão especialmente vocacionado à elaboração das normas jurídicas – o Poder Legislativo ou Parlamento, produtor de leis –, que atende, com muito mais rapidez, atualidade e segurança (atributos que normalmente faltam, sem dúvida, ao chamado direito consuetudinário), às necessidades da sociedade. 

No mais, no que toca à sua relação com a lei, o costume é normalmente classificado em três modalidades: (i) “costumes secundum legem” (segundo a lei); (ii) “costumes praetar legem” (supletivos da lei); e (iii) “costumes contra legem” (contra a lei). E sobre essas modalidades, um dia, com mais tempo, voltaremos a conversar aqui. 

Os denominados princípios gerais do direito, por sua vez, são as ideias basilares que inspiram um sistema jurídico e o direito de um país, nos seus mais diversos ramos, influenciando tanto a sua criação como a sua aplicação. Como ensina Celso Agrícola Barbi (“Comentário ao Código de Processo Civil”, volume 1, Editora Forense, 1993), “mesmo sem estarem formulados nos textos, sua presença é imanente no sistema. Alguns são contingentes, isto é, frutos das ideias dominantes em determinados períodos; outros são mais permanentes, surgindo da experiência jurídica multissecular”. 

Os princípios gerais do direito podem ter caráter universal ou nacional, sendo que, neste segundo caso, estão em relação mais imediata com o direito positivo do país. O grande civilista Orlando Gomes (em “Introdução ao Direito Civil”, Editora Forense, 1991) classifica os princípios gerais em três grupos: “o primeiro é constituído pelos princípios que servem de base à organização social e política. O segundo, pelos adágios, máximas, parêmias ou brocardos, os chamados provérbios jurídicos, de aplicação corrente, que apresentam uma condensação tradicional de princípios gerais. O terceiro, pelos princípios decorrentes da natureza mesma das instituições sociais, investigados e formulados pela doutrina”. 

E uma classificação ainda melhor é proposta por Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho (em “A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: comentada na ordem de seus artigos”, volume 1, editora Renovar, 1995), preocupados com a necessidade de se estabelecer uma espécie de hierarquia entre os princípios gerais, para uma correta aplicação destes, dando, na esteira de autores como Nicola Coviello e Carlos Maximiliano, gradativamente preferência aos mais específicos em relação aos mais gerais: “a) os princípios gerais de um instituto jurídico; b) os de vários institutos jurídicos afins; c) os de um dos ramos do direito privado (civil, comercial, industrial, rural, marítimo, aéreo), ou do direito público (constitucional, administrativo, internacional, etc.); d) os de todo o direito privado e os de todo o direito público; e) os de todo o direito positivo vigente; f) os de todo o direito universal”. 

Dito isso, paro hoje por aqui. Prometendo, todavia, na semana que vem, tratar aqui de uma tema relacionado, a “equidade”, assim como fazer minhas últimas observações sobre a temática da integração do direito. 


Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

03/06/2017

 
   
Marcelo Alves
2 de junho às 09:44
 


A integração do direito (I) 

Como sabemos, a lei não pode – no sentido de “não estar apta a” – regular todos os fatos acontecidos e potenciais da convivência humana. A essas situações, em que não é possível fazer a subsunção do fato (ou da hipótese fática) à lei, damos o nome de lacuna legal. 

Entretanto, se a lei para alguns casos é lacunosa, o sistema ou ordenamento jurídico (de um dado país) não o é. Pelo contrário, por definição, esse sistema jurídico é pleno (princípio da “plenitude lógica do ordenamento jurídico”) e nele hão de ser encontradas as soluções para todas as questões jurídicas surgidas ou imaginadas. A solução para tais lacunas, sempre dentro do sistema jurídico, dá-se por intermédio da técnica da “integração do direito”. Nesses casos, basicamente, como explica Arruda Alvim (em “Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo em primeiro grau”, texto que consta do tomo “Processo civil 2” da “Coleção estudos e pareceres”, Revista dos Tribunais, 2005), “o trabalho do juiz, ao invés de se basear numa lei, identificada à luz dos fatos jurídicos que lhe foram trazidos, constituir-se-á, diante da lacunosidade da lei, o de buscar no sistema o meio mediante o qual se constata que o sistema é íntegro”. 

Dispõe expressamente o art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42, que, antes da redação dada pela Lei 12.376/2010, era chamada de “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. No mesmo sentido, proibindo o “non liquet” (o não julgar), também com fundamento no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), dispunha o art. 126 do Código de Processo Civil de 1973 (o que foi somente em parte repetido pelo CPC de 2015 em seu art. 140): “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. 

Assim, como métodos de integração do direito, conforme expressamente preconizado pelo diploma legal que regula a aplicação das normas do direito brasileiro, temos: (i) a analogia, (ii) os costumes e (iii) os princípios gerais de direito. 

Tratemos, por hoje, da analogia. Antes de mais nada, não devemos confundi-la nem com a interpretação extensiva, nem com a chamada interpretação analógica. As duas últimas são espécies/resultados de interpretação. Tanto a interpretação extensiva como a analógica partem e trabalham dentro do preceito legal interpretado. Elas resolvem problemas de inexatidão ou insuficiência verbal desse preceito. Já a analogia é um meio de integração do ordenamento jurídico e tem como pressuposto a inexistência de uma norma para a hipótese dada. A analogia, de fato, busca corrigir uma lacuna no arcabouço legal. 

Na analogia, parte-se da premissa de que situações semelhantes dever ser tratadas de forma semelhante. Partindo dessa premissa, aplica-se a uma hipótese não expressamente prevista em lei dispositivo/lei que regula hipótese semelhante. Por exemplo: para a hipótese A tem-se a norma X; para a hipótese B não há norma legal expressa; mas A e B são hipóteses semelhantes ou análogas; então, aplica-se à hipótese B a norma X. Em outras palavras, na falta de lei para dada hipótese, então, como forma de integração do direito, aplica-se a ela (à hipótese “sem” lei) a lei que disciplina hipótese análoga. 

É muito importante registrar, entretanto, que o uso da analogia não é ilimitado. No direito penal, por exemplo, só é possível a integração por analogia “in bonam partem” (em favor do réu), nunca para seu prejuízo. 

Bom, sobre os costumes, os princípios gerais do direito e outras coisitas mais, por falta de espaço hoje, conversaremos nos nossos próximos encontros. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP