03/06/2017

 
   
Marcelo Alves
2 de junho às 09:44
 


A integração do direito (I) 

Como sabemos, a lei não pode – no sentido de “não estar apta a” – regular todos os fatos acontecidos e potenciais da convivência humana. A essas situações, em que não é possível fazer a subsunção do fato (ou da hipótese fática) à lei, damos o nome de lacuna legal. 

Entretanto, se a lei para alguns casos é lacunosa, o sistema ou ordenamento jurídico (de um dado país) não o é. Pelo contrário, por definição, esse sistema jurídico é pleno (princípio da “plenitude lógica do ordenamento jurídico”) e nele hão de ser encontradas as soluções para todas as questões jurídicas surgidas ou imaginadas. A solução para tais lacunas, sempre dentro do sistema jurídico, dá-se por intermédio da técnica da “integração do direito”. Nesses casos, basicamente, como explica Arruda Alvim (em “Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo em primeiro grau”, texto que consta do tomo “Processo civil 2” da “Coleção estudos e pareceres”, Revista dos Tribunais, 2005), “o trabalho do juiz, ao invés de se basear numa lei, identificada à luz dos fatos jurídicos que lhe foram trazidos, constituir-se-á, diante da lacunosidade da lei, o de buscar no sistema o meio mediante o qual se constata que o sistema é íntegro”. 

Dispõe expressamente o art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42, que, antes da redação dada pela Lei 12.376/2010, era chamada de “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. No mesmo sentido, proibindo o “non liquet” (o não julgar), também com fundamento no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), dispunha o art. 126 do Código de Processo Civil de 1973 (o que foi somente em parte repetido pelo CPC de 2015 em seu art. 140): “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. 

Assim, como métodos de integração do direito, conforme expressamente preconizado pelo diploma legal que regula a aplicação das normas do direito brasileiro, temos: (i) a analogia, (ii) os costumes e (iii) os princípios gerais de direito. 

Tratemos, por hoje, da analogia. Antes de mais nada, não devemos confundi-la nem com a interpretação extensiva, nem com a chamada interpretação analógica. As duas últimas são espécies/resultados de interpretação. Tanto a interpretação extensiva como a analógica partem e trabalham dentro do preceito legal interpretado. Elas resolvem problemas de inexatidão ou insuficiência verbal desse preceito. Já a analogia é um meio de integração do ordenamento jurídico e tem como pressuposto a inexistência de uma norma para a hipótese dada. A analogia, de fato, busca corrigir uma lacuna no arcabouço legal. 

Na analogia, parte-se da premissa de que situações semelhantes dever ser tratadas de forma semelhante. Partindo dessa premissa, aplica-se a uma hipótese não expressamente prevista em lei dispositivo/lei que regula hipótese semelhante. Por exemplo: para a hipótese A tem-se a norma X; para a hipótese B não há norma legal expressa; mas A e B são hipóteses semelhantes ou análogas; então, aplica-se à hipótese B a norma X. Em outras palavras, na falta de lei para dada hipótese, então, como forma de integração do direito, aplica-se a ela (à hipótese “sem” lei) a lei que disciplina hipótese análoga. 

É muito importante registrar, entretanto, que o uso da analogia não é ilimitado. No direito penal, por exemplo, só é possível a integração por analogia “in bonam partem” (em favor do réu), nunca para seu prejuízo. 

Bom, sobre os costumes, os princípios gerais do direito e outras coisitas mais, por falta de espaço hoje, conversaremos nos nossos próximos encontros. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

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