22/01/2014


Lampião, místico ou mandingueiro?

Geraldo Duarte*

No cenário das crendices nordestinas o cangaço não poderia estar ausente.
Além daquelas arraigadas nos costumes das populações da caatinga, outras nasceram com o cangaceirismo.

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não somente praticava a mandingaria por ser altamente supersticioso, mas como estratégia de ilusória demonstração de miraculoso diante dos sertanejos e dos policiais incumbidos de sua perseguição. Nessa encenação ardilosa simulava e difundia feitos mirabolantes, assombrosos.
O jornal Correio de Aracaju, edição de 02/08/1938, em matéria sobre a morte de Virgulino, comenta que o povo acreditava ter ele “pacto com o diabo”, o condão de “desviar a direção das balas apontadas para si”, que “mantinha conferências com o chifrudo” e, para fugir das vistas dos perseguidores, “envultava-se”.
Mais fenômenos, absurdamente irreais, eram-lhe creditados e propalados pela cangaceirada. Garantiam-lhe ter o “corpo fechado” e oralisar “rezas fortes” capazes de o tornarem incólume e invencível.
Quando acampado ou acantonado, surgisse uma cobra ou um pássaro cantante, asseverava tratar-se de aviso agourento do sobrenatural. No mais breve tempo, reunia todo o bando e deslocava-se para outras paragens.
Com o objetivo de incutir nas pessoas das áreas invadidas ter o domínio de poderes misteriosos, fingia rituais e utilizava pantomimas várias.
Numa de suas passagens por Novo Amparo, Bahia, decidiu almoçar numa das casas do povoado. Antes da refeição, acendeu velas nos quatro cantos da sala, sussurrou palavras ininteligíveis e gesticulou, tudo sob o olhar de espanto dos presentes.
Durante os tiroteios com soldados, junto com seus capangas e aos gritos, invocava por Deus e pelo diabo. Todos imitavam grunhidos, relinchos, zurros, latidos, berros e produziam sons esquisitos com o fito de aterrorizar os militares.
Impressionados, existiram milicianos crentes de que eles “viravam demônios”.
Onde estivesse, o fictício capitão, ao meio-dia, hora que tinha como má, ajoelhava-se e orava. Por igual, repetia o rito à meia-noite, momento em que dizia estar o diabo pondo a perder as criaturas.
Jamais desrespeitava padre, inclusive, beijava as mãos dos que encontrava pelos caminhos. Os juízes recebiam veneração especial.
Pendurados no pescoço trazia escapulários, amuletos diversos e um crucifixo de ouro maciço. Sobre estes, enlaçado, um vistoso lenço, em cujas pontas viam-se medalhas presenteadas por padre Cícero, quando esteve em Juazeiro do Norte, Ceará.
O major Inocêncio de Lima, fazendeiro no município de Custódia, declarou, em 1936, a jornalista do Diário de Pernambuco, que cangaceiro maior afirmou-lhe jejuar todas as quartas-feiras em respeito ao sacerdote cratense.
As teatralidades do líder da cangaceiragem, para mostrar-se e ao seu bando poderosos e indestrutíveis, muito impressionavam os campesinos.
Cuidadosamente, o grupo apagava os rastros, em determinado trecho da marcha, para simular um “desaparecimento no ar”. Deslocava-se com os integrantes calçados com alpergatas de rabicho ao contrário, conduzindo os perseguidores a inversão do rumo tomado. Estes, constituem-se exemplos das inúmeras enganações praticadas. E, na maioria das vezes, exitosas.

Certa feita, atacados por uma volante policial, provocaram fumaça na mata e, através dela, escaparam em rigoroso silêncio. O ocorrido propalou-se como um sumiço mágico, graças às forças protetoras do além, sendo arguido com o testemunho da própria tropa.
Devoto de São Jorge, Santa Luzia e São Thiago, recorria a esses santos nos momentos difíceis de seu sangrento banditismo.
Ida Ribeiro de Sousa, sobrevivente da refrega de Angicos, em 1938, e mulher de José Ribeiro da Silva, o Zé Sereno, citou as rezas obrigatórias diárias da rotina de Lampião. O Padre Nosso e o Ofício a Nossa Senhora, no amanhecer do dia, ato compartilhado com os seguidores.

Frequentemente, costumava recitar a oração de fechamento de corpo, que teria recebido das mãos do “Padim Ciço”:
"Justo juiz de Nazaré, filho da Virgem Maria, que em Belém fostes nascido entre as idolatrias. Eu vos peço senhor, pelo vosso sexto dia e pelo amor do meu padrinho Padre Cícero que, meu corpo não seja preso, nem ferido, nem morto, nem nas mãos da justiça envolto. Pax tecum, pax tecum, pax tecum.
Cristo assim disse aos seus discípulos: se os seus inimigos vierem para prender-me, terão olhos e não me verão, terão ouvidos e não me ouvirão. Terão bocas e não me falaram. Com as armas de São Jorge serei armado. Com a espada de Abraão serei coberto. Com o leite da Virgem Maria serei borrifado.
Na arca de Noé serei arrecadado. Com a chave de São Pedro serei fechado,
onde não me possam ver, nem ferir, nem matar, nem sangue do meu corpo tirar. Também vos peço senhor, por aqueles três cálices bentos, por aqueles três padres revestidos, por aquelas três hóstias consagradas, que consagrastes ao terceiro dia, desde as portas de Belém até Jerusalém e pelo meu santo Juazeiro, que com prazer e alegria eu seja também guardado
de noite como de dia. Assim como andou Jesus no ventre da virgem Maria,
Deus adiante paz na guia. Deus me dê à companhia, que deu sempre a virgem Maria, desde a casa santa de Belém até Jerusalém. Deus é meu pai. Nossa mãe das dores, minha mãe. Com as armas de São Jorge serei armado. Com a espada de São Thiago serei guardado para sempre, amém.".

Na madrugada de 28 de julho de 1938, na fazenda Angico, fronteiriça à vila Piranhas, Sergipe, estava Lampião morto e derrotado o cangaceirismo. Sem misticismo ou mandingaria.
                                                                            
                                                             *Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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Colaboração do Amigo Jornalista Walter Gomes - Brasília, DF

Júlio Verne – o homem das mil profecias

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Em 1863, Júlio Verne escrevia “Paris no século XX”, uma obra que permaneceu inédita por mais de cem anos, até que fosse descoberta e publicada por seu bisneto em 1989.
Nesse livro, Verne nos surpreende com uma capital francesa repleta de tecnologia muito familiar aos dias de hoje. Entre as suas propostas futuristas está o uso do fax, de uma rede mundial de comunicação, automóveis movidos a gás, trens de alta velocidade e arranha-céus gigantescos.
Como poderia Verne antecipar de forma tão acertada o futuro de uma civilização? Teria algum poder mágico?! Mas, longe de ser um bruxo, com poderes sobrenaturais, o escritor era um homem estudioso, que desenvolveu um sistema próprio de escrita e mantinha amizade com cientistas famosos em diversas áreas de sua época.
Esse seu método incluía largas pesquisas nas bibliotecas, lendo e relendo livros de referência, revistas e periódicos científicos. De posse das informações técnicas, buscou comparar a vanguarda tecnológica do momento e transportá-la a um futuro bem distante, no final do século XIX. Baseado nesses fundamentos da ciência procurou fazer projeções pessoais – e nisso era perito.
No começo de sua carreira, Verne foi bastante incentivado pelas obras de Alexandre Dumas, o famoso autor de “Os Três Mosqueteiros”.
Quando iniciou como escritor, Júlio Verne produzia artigos curtos sobre temas científicos e históricos, e, para executar esse trabalho, fazia-se necessário documentar-se amplamente sobre múltiplos aspectos científicos.
Não demorou muito para formar a ideia de escrever romances com os conhecimentos que havia adquirido.
Ao combinar narrações de ficção de escritores como Edgar Allan Poe com os recentes descobrimentos de sua época, Verne descobriu um inovador gênero literário, que não tardaria a ser denominado de romance científico.
Esse tipo de leitura teve um público muito receptivo na França, existindo na época um florescente movimento positivista que considerava o conhecimento da natureza como algo fundamental.
Em meio a um ambiente cultural regido pela Lei Falloux (15/3/1850), que teria uma influência predominante sobre a educação francesa durante trinta anos, Verne foi muito bem recebido.
Então, Verne escreveu a sua primeira obra de sucesso – “Cinco semanas em um balão” (1863), que serviria de base para suas obras seguintes.
Verne buscou a assessoria de amigos e parentes, em especial o primo Henri Garcet (professor de matemática), Jacques Arago (célebre explorador) e Gaspard-Félix Tournachon, um aventureiro conhecido em toda França pelo apelido de “Nadar”.
Esse último foi que logrou entusiasmar Verne pela aviação e o apresentou a um círculo de engenheiro e cientistas notáveis. Entre esses novos amigos estava Jacques Babinet e Guillaume Joseph Gabriel de La Landelle, um dos pioneiros da aeronáutica.
O desenho de Guillaume de um helicóptero com hélices verticais e horizontais inspirou Verne a criar “Albatros”, um engenho voador que aparece na sua obra “Robur, o conquistador” (1886).
Foi o editor Pierre-Jules Hetzel que colaborou com Verne no início de sua carreira, quando bastante desanimado pensava, inclusive, em desistir. O trabalho de Verne, até então desconhecido, seria publicado vários anos nas revistas “Magasin d’Éducation et de Récréation” e na “Bibliothèque d’Éducation et de Récréation”. Na primeira, suas obras foram publicadas em capítulos, na forma de folhetos; e, na segunda, como romances completos.
Essas duas linhas editoriais dariam lugar a obras de grande sucesso, como: “Viagem ao Centro da Terra” (1864), “Da Terra à Lua” (1865), “Vinte mil léguas submarinas” (1869/70), “A volta ao Mundo em 80 dias” (1873), as mais vendidas de todas.



O CAPITALISMO, O MANIFESTO E A ENCÍCLICA. AUTORIA DE TOMISLAV FEMINICK.





Entre o início da revolução industrial no século XVIII e as primeiras décadas do século XX, a política de “Estado mínimo” – associada à doutrina do laissez-faire - ensejou o aparecimento de oligopólios e monopólios e fez aparecer o lado mais desumano do capitalismo primitivo: o capitalismo selvagem. Sem nenhuma disposição legal estabelecendo normas de relações de trabalho entre proprietários dos meios de produção e produtores diretos, o padrão empresarial se regulava somente por um dispositivo: obter mais lucro. Nessas condições, o trabalho nas fábricas era terrível: longas jornadas, ambientes insalubres, fechados, sem ventilação e iluminação adequadas. Crianças, idosos e adultos, todos com jornada diária que chega a dezesseis horas, sete dias por semana. Por outro lado, as cidades recebiam contingentes de camponeses que abandonavam as zonas rurais em crise. Esses novos habitantes urbanos alimentavam a crescente necessidade de mão de obras das indústrias e iam morar em casebres imundos, sem água, luz e esgoto. As cidade mais inchavam que cresciam. Em Londres, Nova York, Berlim, Rio de Janeiro, na Índia, China, Japão em todo parte, os trabalhadores viviam uma vida abjeta e sem esperanças, enquanto as corporações cresciam e se multiplicavam e o comércio se expandia internamente e entre os países, sob a hegemonia do Império Britânico e de outras potencias; todas impotentes para solucionar os graves problemas enfrentados pelos trabalhadores. As grandes reações ao capitalismo selvagem foram a revolução francesa de julho de 1830, os movimentos de massa que aconteceram na Europa (notadamente na Inglaterra e Alemanha) e, mais tarde, nos Estados Unidos com as manifestações de rua e a greve geral de Chicago, em 1886. Foi nessa época de confrontação que, em fevereiro de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels lançaram o Manifesto Comunista, um contra ponto ao Estado mínimo. Baseado em um projeto de socialismo científico, propuseram uma “fórmula única: abolição da propriedade privada [...], por uma violação despótica dos direitos de propriedade e das relações burguesas de produção [...]. Todavia, nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente ser postas em prática”: abolição do direito de herança, confisco da propriedade de todos os emigrantes, centralização bancária e de todos os meios de transporte nas mãos do Estado, trabalho obrigatório para todos. Haviam outras proposituras. Na mesma linha de reação à desumanidade praticada pelo capitalismo selvagem, em maio de 1891 o Papa Leão XIII publicou a sua célebre encíclica Rerum Novarum, pela qual a Igreja Católica tomou uma posição de confronto com o liberalismo selvagem e com o pensamento dos comunistas. Denunciou a situação de “um pequeno número de ricos e opulentos, que impõem, assim, um jugo quase servil à imensa multidão de proletários”, e se opôs aos socialistas que, “para curar esse mal [...] pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida [...]. Mas, semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Outrossim, é sumamente injusto, por violar o direito legítimo aos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social”. Então, usando a lógica da dialética de Hegel, o capitalismo selvagem (tese) teria sido confrontado por comunistas e catolícos (antítese), o que teria dado origem a uma outra forma de capitalismo (síntese), um capitalismo menos selvagem e mais humano.





 Tribuna do Norte. Natal, 19 jan 2014

Tribuna do Norte. Natal, 19 jan 2014. O Mossoroense. Mossoró, 17 jan 2014.O Mossoroense. Mossoró, 17 jan 2014.

A COLUNA PRESTES NO RIO GRANDE DO NORTE - VII - TOMISLAV R. FEMINICK.

A Coluna Preste no Rio Grande do Norte - VII 
 Tomislav R. Femenick(*)
 – Membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do RN 

 Uma das tarefas mais árduas do historiador ao relatar um acontecimento histórico é manter-se imparcial perante os acontecimentos e para isso há que “separar o joio do trigo”, os fatos das versões e, principalmente, se desviar das ciladas preparadas por fontes cheias de preconceitos, lacunas propositais e interpretações ideológicas. No caso das ocorrências mais recentes, eventos das primeiras décadas do século passado, por exemplo, nem as fontes primárias (depoimentos de pessoas envolvidas, documentos escritos, fotografias etc.) escapam dessa armadilha. É o que se dá quando se escreve sobre episódios da Coluna Prestes. Muitos dos relatos primários estão impregnados de versões adversas à realidade, de ataques injustificados ou com viés de caráter laudatório. O mesmo também acontece com as fontes secundárias, a historiografia baseada nas fontes primárias. É o caso de uma obra de Jorge Amado, um dos maiores escritores do país que, ao escrever sobre a Coluna Prestes, produziu uma versão edulcorada, doce, mansa, suave. “Vida de Luis Carlos Prestes: el caballero da Esperanza”, foi escrita em Buenos Aires em 1942 e publicada em espanhol, pelo Editorial Claridad, depois reeditada no Brasil pelas editoras Martins, Record, Circulo do Livro e mais recentemente pela Cia. das Letras. Segundo Marcelo Bortoloti publicou na revista Época em dezembro passado, a biografia de Prestes escrita pelo escritor baiano é laudatória, sem equilíbrio e com grande dose de parcialidade. Estranhamente o próprio autor (ou a Editora Record) baniu o livro da relação de “Obras de Jorge Amado”, inserida na última página do seu romance “Tieta do Agreste”, publicada em 1977. Talvez tenha sido porque o pensamento político de Jorge tenha mudado quando ele deixou o Partido Comunista, em 1958, e ele já não mais concordava com o que tinha escrito sobre Prestes. Essas palavras – a propósito da necessidade de “exigência crítica” sobre as fontes primárias e secundárias dos relatos históricos – estão sendo aqui inseridas com referência à série de artigos que está sendo publicada pelo historiador Luiz Gonzaga Cortez (meu confrade do Instituto Histórico e Geográfico do Rio do Norte), sobre o mesmo evento aqui abordado: a passagem da Coluna Prestes pelo Rio Grande do Norte, em 1926. Minhas únicas vantagens é que comecei primeiro e falo sobre o Rio Grande do Norte e ele, até agora, tem falado somente sobre São Miguel. No resto estamos juntos na tarefa de reavivar a historia de uma época que poucos conhecem, história presa nas páginas de livros velhos armazenados em estantes empoeiradas ou em papéis amarelecidos pelo tempo. Cortez tem baseado seu trabalho em um depoimento feito por José Guedes do Rêgo, em “cinco páginas datilografadas sobre o que viu e ouviu”. E, com muita sutileza, desde o primeiro artigo tem deixado aflorar fatos contraditórios ou que mostram a parcialidade do depoente. Em primeiro lugar deixou ver que na cidade de São Miguel uma parcela da população – certamente a maior – tomou posição contraria aos revoltosos e outra se dispôs a acolher e dar guarida os membros da Coluna. No primeiro caso estavam os liderados pelo presidente da Intendência Municipal (prefeito), cel. João Pessoa de Albuquerque, também conhecido por João Leite; no outro, estavam os simpatizantes dos revolucionários, os que acompanhavam o comerciante Manoel Vieira de Carvalho que, segundo o historiador Rostand Medeiros (2010), hospedou os líderes dos revoltosos em sua na casa e “buscou receber o grupo da melhor forma possível”, com o que garantiu a segurança de sua família e a integridade de seu patrimônio, enquanto que o cel. João Pessoa e seus familiares tiveram que se refugiar na zona rural. A descrição que José Guedes do Rêgo faz dos fatos – segundo mostra Cortez – é ambígua. Ao mesmo tempo em que indiretamente louva a atitude de seu empregador (sim, em 1926 Zé Guedes era empregado de Manoel Vieira de Carvalho), classifica o cel. João Pessoa, um cidadão com 72 anos de idade, como “fujão” e “chefete” e apresenta seu filho, José Augusto Pessoa, como um covarde “que nunca se envolveu em luta”. Luiz Carlos Prestes esteve ligeiramente na zona urbana de São Miguel, deixando o comando das operações a cargo dos tenentes João Alberto, Siqueira Campos e Djalma Dutra. O líder da Coluna passou a maior parte do tempo em seu Estado Maior, localizado a pequena distancia da cidade. Porém em determinado momento o comando dos revoltosos, a convite do próprio Manoel Vieira, se instalou na sua residência “como se fosse seu escritório e começaram a ouvir todas as pessoas que conseguiram prender fora da cidade”. Isso está dito no depoimento de José Guedes do Rêgo, que teria presenciado o episódio. Comentando a passagem da Coluna Prestes por nosso Estado, o historiador Geraldo Maia, em artigo de 01.04.2009, sintetizou: “o fato histórico ocorrido aqui na região, mostrando que longe de atingir os seus objetivos, a Coluna dos Revoltosos, como ficou aqui conhecida, deixou um rastro de medo e destruição”. João Pessoa de Albuquerque foi Presidente da Intendência de São Miguel de 1911 a 1913, deputado estadual em 1915 a 1926 e, em 1963 quando o antigo distrito Baixio de Nazaré foi desmembrado de São Miguel e se tornou Município, recebeu o nome de Coronel João Pessoa, em sua homenagem. Depois da Revolução de Trinta, Manoel Vieira de Carvalho foi prefeito nomeado de São Miguel de 1930 a 1932. José Guedes do Rêgo foi eleito vice-prefeito de Pau dos Ferros em 1957.

João Bosco e outras pessoas conhecidas


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Ultimamente tenho feito artigos genealógicos sobre pessoas que são nossas contemporâneas, em busca de elos com os mais antigos. Hoje, continuamos nesse caminho, iniciando com meu amigo João Bosco, que morava, quando o conheci, em frente ao Colégio Maria Auxiliadora. Os nomes serão escritos como aparecem nos registros da Igreja.

Aos vinte e três de março de mil novecentos e quarenta e sete, nesta Catedral, batizei, solenemente,  a João Bosco Barreto Duclerc Pinheiro, nascido em Natal, no Hospital Miguel Couto, a dez de fevereiro de mil novecentos e quarenta e sete, filho legítimo de Francisco Duclerc Pinheiro e D. Marta Barreto Pinheiro, residentes à av. Deodoro, nº 277; neto paterno de Joaquim Anselmo Pinheiro e Paulina Generosa do Amor Divino, e materno de Pio Paes Barreto e Maria Carolina Barreto. Foram padrinhos, Dr. Heitor Pereira Carrilho e D. Virgínia Ribeiro Carrilho, residentes no Rio de Janeiro, representados por Carlos Lamas e D. Berta Barreto Lamas, residentes nesta capital. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor José Alves Ferreira Landim.

Pio Paes Barreto era filho de Juvino Paes Barreto e Ignez Augusta de Albuquerque Maranhão, sendo esta filha de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e Feliciana Maria Silva Pedroza.

Meus sogros moravam em Santa Cruz, mas vieram batizar uma de suas filhas, irmã de Graça, minha esposa, aqui em Natal, pois era aqui que moravam os padrinhos. Segue o batismo: Aos dezesseis de abril de mil novecentos e quarenta e sete, nesta catedral, o Reverendíssimo monsenhor João da Mata Paiva, de minha licença, batizou, solenemente, a Joana D’arc, nascida em Santa Cruz, Rio Grande do Norte, a dezoito de fevereiro de mil novecentos e quarenta e sete, filha legitima de Francisco Umbelino Neto, agricultor, e D. Maria Stela Rodrigues, residentes em Santa Cruz; neta paterna de José Umbelino Gomes e Maria do O’ de Medeiros Gomes; e materna de José Rodrigues de Medeiros e Felismina Rodrigues. Foram padrinhos Dr. Fernando Guilherme, farmacêutico, e D. Elima Guilherme Gomes, residentes à rua (ilegível) nº 76. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor José Alves Ferreira Landim. Joana casou com o cardiologista Nilton Oliveira Mendes Sobrinho, em 1969.

No registro acima, José Umbelino Gomes (de Macedo) era filho de Francisco Umbelino Gomes de Macedo e Felismina Maria de Macedo, enquanto Maria do O’ de Medeiros era filha de Felix Antonio de Medeiros e Thereza Duquesa de Farias. José Rodrigues e Felismina eram filhos: ele de Manoel Rodrigues da Silva e Francisca Mirandalina de Medeiros; ela, de Francisco Rodrigues de Freitas e Salvina Umbelina de Freitas, sendo esta última, irmã de José Umbelino Gomes.

Valdemar, meu irmão, casou com Daisy Lucena, cujo batismo segue: Aos dezoito de março de mil novecentos e quarenta e sete, nesta Catedral, o Reverendíssimo Padre Francisco das Chagas Neves Gurgel, de minha licença, batizou, solenemente, a Daisy Moraes Lucena, nascida em Natal, à av. Rio Branco, nº 682, a quinze de julho de mil novecentos e quarenta e três, filha legítima de José Cordeiro Lucena (Comercial José Lucena) e D. Georgina Moraes Lucena; neta paterna de Tobias Aguiar Lucena e Maria Francelina de Moraes (em outros registros não tem esse Moraes), e materna de Benjamin Moraes e Brasiliana de Moraes. Foram padrinhos José Ribeiro Dantas e D. Helena Vilar Ribeiro Dantas, residentes nesta capital. E para constar mandei lavrar este termo que assino. Monsenhor Landim.

Na mesma data acima foi batizada uma irmã de Daisy, de nome Dalvanira Moraes Lucena, nascida, no mesmo local acima, na data de 31 de dezembro de mil novecentos e trinta e nove, tendo como padrinhos Dr. Sebastião Monte, médico, e D. Nadir Correia Monte. Outro irmão de Daisy, Wellington (José) Moraes Lucena, nasceu aos 13 de março de 1933, em Nova Cruz, mas só foi batizado aos 13 de março de 1938, no Santuário, aqui em Natal, pelo Padre José Dantas Adelino, tendo como padrinhos Noé Lucena e sua esposa D. Luzia de Medeiros Lucena; nesse registro o nome completo do avô materno era Benjamim Constant Costa Moraes, simplificado no registro de Daisy; Wellington casou com Vera Lúcia Gentile, em 1966. Encontro  batismos de mais duas irmãs de Daisy: Therezinha, nascida em 25 de outubro de 1935, em Nova Cruz, batizada em oratório particular em 23 de janeiro de 1936, tendo como padrinhos Aurio (é o que parece) Costa e Maria Otília Carneiro; e Dalva, nascida em 15 de julho de 1937, batizada em 12 de agosto do mesmo ano, na capela do Tirol, tendo como padrinhos Eduardo Gurgel Filho e Djanira de Lucena Gurgel.

Os padrinhos de Therezinha eram os pais de Luiz Eduardo Carneiro da Costa.
Graciela, Bosco e eu

Daisy, Valdemar, e nós

Joana, Nilton e nós

19/01/2014

Verdades cruzadas - X
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, Professor aposentado do Curso de Direito da UFRN e Presidente da Comissão da Verdade. Sócio do IHGRN.

Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem. 
Thiago de Mello: Estatuto do homem
Santiago do Chile, abril de 1964.

O Governo atual, da Presidenta Dilma Rousseff, como prefere ser denominada, através da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 criou a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticados no período fixado pela Constituição Federal – art. 8º do ADCT, que compreende o lapso temporal iniciado em 18 de setembro de 1946 – data da promulgação da Constituição de 1946 e do período conhecido como de redemocratização do Brasil até 05 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição Federal vigente, denominada “Constituição Cidadã” pelo eminente Deputado Federal Ulisses Guimarães, tudo no sentido de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Tal providência serviu de base para a criação de outras comissões semelhantes pelos Governos Estaduais e Municipais e Instituições Públicas, cada uma aperfeiçoando as informações pesquisadas em espaço mais próximos dos acontecimentos.
No âmbito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a providência da Reitora Ângela Maria Paiva Cruz surgiu com a edição da Portaria nº 1.809/12-R, de 31 de outubro de 2012 criando a Comissão da Verdade da UFRN, em conformidade com o artigo 39 do Regimento Geral, designando para a sua condução representantes das categorias docente, discente e funcional, congregando professores aposentados e em atividade, o representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE), de representante do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais em Natal, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz, Macaíba, Macau e Nova Cruz (ADURN Sindicato) e do Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação do Ensino Superior (SINTEST)[1].
Na composição inicial foram designados os membros Carlos Roberto de Miranda Gomes, Professor Adjunto aposentado, na condição de Presidente; Ivis Alberto Lourenço Bezerra de Andrade, Professor Adjunto aposentado, na condição de Vice-Presidente; Almir de Carvalho Bueno, Professor Associado; Justina Iva de Araújo Silva, Professora Adjunta aposentada; Diretório Central dos Estudantes (DCE) representado pela aluna do Curso de Pedagogia Danyelle Rosana Guedes; Sindicato dos Docentes das Universidades Federais em Natal, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz, Macaíba, Macau e Nova Cruz (ADURN Sindicato), representado pela Professora Associada Maria Ângela Fernandes Ferreira e o Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação do Ensino Superior (SINTEST), representado pelo funcionário da UFRN, vigilante Moisés Alves de Sousa.
Para secretariar a Comissão foi designada a servidora KadmaLanubia da Silva Maia, conforme a Portaria nº 2.021/12-R, de 18 de dezembro de 2012.
Posteriormente, por motivos superiores, foram designados o aluno André Felipe Bandeira Cavalcante (Portaria nº 574/13-R, de 21 de março de 2013 em substituição a Danyelle Rosana Guedes e o Professor Titular José AntonioSpineliLindoso (Portaria nº 906/13-R, de 30 de abril de 2013) para substituir a Professora Justina Iva de Araújo Silva. Outra alteração foi feita na representação do DCE, com a substituição do estudante André Felipe pelo estudante do Curso de Direito Juan de Assis Almeida (Portaria nº 1.956-R, de 11 de setembro de 2013).
No decorrer dos trabalhos a Comissão sentiu a necessidade de recrutar alunos bolsistas, tendo realizado uma seleção que aprovou os nomes dos estudantes Edilson Pedro Araújo da Silva (Curso de História); Juan de Assis Almeida (Curso de Direito); Kaline Faria de Araújo (Curso de História); Lucila Barbalho Nascimento (Curso de História); MayaneRanice Costa da Rocha (Curso de História); Patrícia Wanessa de Moraes (Curso de História); Thales Gomes de Lima (Curso de direito); Yasmênia Evelyn Monteiro de Barros (Curso de História) e Monique Maia de Lima (Curso de História), que prestaram um serviço relevante, com eficiência e entusiasmo, permitindo êxito às tarefas da Comissão.

  Este trabalho terá complementação com o desenvolvimento de outros capítulos, que serão elaborados pelos demais membros da Comissão da Verdade, conforme se segue:
1.     Arcabouço histórico da Ditadura Militar no RN – Eclosão da ditadura e os reflexos em Natal e na UFRN.
Professor Antônio Spineli e bolsistas Yasmênia, Monique e Edilson.
2.     Estrutura da repressão: ASI/UFRN – DSI – SNI/DOPS. Atuação da ASI. Ligações entre os órgãos de informações. Professor Almir Bueno e bolsistas Monique, Mayane e Edilson.
3.     IPM da UFRN: 1964/RO. IPM do Restaurante Universitário: 1968/7ªRM. Professor Carlos Roberto de Miranda Gomes, membro Juan de Assis e dos bolsistas Lucila e Thales.
4.     A ação estudantil pré-1964 e posterior ao golpes e atuação das entidades estudantis DCE e DA´s no período. Professor Ivis Bezerra e bolsistas André, Kaline, Mayane Patrícia.
5.     Movimento Docente. Criação da ADURN no período de redemocratização. Professora Ângela Ferreira e bolsistas...
6.     Movimentação dos servidores. Caso Alberto Lima, servidores da ASI. Servidor Moisés e bolsistas...
7.     Graves violações aos Direitos Humanos (mortos, desaparecidos e presos políticos). Caso de Luiz Maranhão Filho, José Silton Pinheiro e Emmanoel Bezerra. Bolsistas Lucia, Yasmênia e Edilson.
8.     Conclusões (recomendações). Colegiado da Comissão.



[1] A ideia partiu dos estudantes do Curso de Direito.

15/01/2014

Moacy Cirne: um nome essencialíssimo ao Brasil

(Lívio Oliveira)
   
O meu querido amigo Moacy Cirne, escritor e poeta de elevado renome, que não se situava somente nos limites do nosso Rio Grande do Norte, concluiu sua obra terrena na tarde quente do verão natalense desse último sábado que passou. Acompanhava notícias sobre o seu complexo quadro de saúde já havia um bom tempo. Mas, mesmo assim, fui tomado por um certo impacto, um choque, ao ler a notícia numa das redes ditas sociais. Havia ali uma foto de Moacy e alguns vagos dizeres sobre a sua passagem para um outro plano. Logo após, surgiu em mim uma tristeza calma e reflexiva que compartilhei com a minha esposa.
Intelectual múltiplo, Moacy detinha um olhar circular e atento que poucos possuíam neste país. Não é à toa que o mestre Tarcísio Gurgel costuma dizer que Moacy Cirne era o intelectual mais completo de sua geração. Além de toda a obra que deixou em livros e que também firmou na criação e liderança do histórico e emblemático movimento do Poema-Processo, lecionou com afinco e amor em universidade carioca, foi um dos maiores amantes e estudiosos do cinema e dos quadrinhos e exerceu outras muitas tarefas de cultivo do intelecto no seu envolvimento visceral e apaixonado pelo mundo das realizações artísticas e culturais. Firmou, ainda, dignas posições político-ideológicas avançadas e preocupações sociais que manteve até o final dos seus dias.
Moacy também era um grande fazedor de amizades, sabendo alimentá-las com atenção e generosidade, doando a cada um dos seus próximos um pequeno quinhão de sua sabedoria calma, serena. Seu sorriso suave e doce cativava fortemente quem dispunha das saborosas oportunidades de uma conversa mansa, tranquila, ou mesmo com a paixão e os argumentos sólidos e cortantes e até irreverentes por ele levantados. Um aspecto lhe era intrínseco e se fazia indissociável da figura do grande amigo que partiu: Moacy era um sábio, era um sábio, era um sábio! (lembro que ele gostava de brincar com os famosos versos de Gertrude Stein: “uma rosa é uma rosa é uma rosa”). Bastava ouvi-lo e olhar para ele e perceber isso estampado nos seus olhos perspicazes e nas suas barbas brancas que lembravam as de um profeta bíblico. Por sinal, a Bíblia foi um forte objeto de estudos de Moacy nos últimos anos – salientando-se que era ateu (ou agnóstico), reconhecidamente. O livro póstumo terá, certamente, o nome que Moacy já havia escolhido, segundo me afirmou um dia: “A Bíblia: travessia, travessias”, numa alusão direta a Guimarães Rosa.
Os momentos de desfrute intelectual e da amizade com Moacy foram muitos para mim: Encontros fortuitos por Natal, participação mútua em lançamentos de livros, algumas visitas que lhe fiz em casa (nunca encontrei Moacy no Rio, infelizmente. Seria ótimo ver um Fla-Flu no Maracanã e sentir a vibração de Moacy pelo seu Fluminense, mesmo que eu seja sempre Flamengo), um texto introdutório que ele fez para um dos meus livros, uma entrevista que me concedeu em 2008, debates culturais diversos (inclusive através do seu blog “Balaio Porreta, que manteve por muitos anos), dentre outras boas situações que tive de encontrar Moacy e sua inteligência viva e dinâmica.
Ao grande Moa dedico a minha pequena homenagem e agradecimento. Moacy Cirne se fez e se faz essencial à cultura potiguar e brasileira e a todos os seus amigos saudosos. Todos, certamente, dedicarão parte de suas memórias a Moacy, estando em processo de amadurecimento, inclusive, a ideia de um livro coletivo de depoimentos acerca de suas vida e obra, o que é algo que lhe é devido, mas simples diante de tudo que fez por estas bandas de cá. Moacy Cirne é, sim, um nome que se inscreve como essencialíssimo ao Seridó, ao Rio Grande do Norte e ao Brasil. Sempre será lembrado e deverá ser homenageado fortemente (autoridades potiguares que nos ouçam e, se possível, leiam), por seus grandes méritos e valores. Não custa repetir: Moacy vive e nos orgulha a todos!