25/10/2018

Viajando com a amiga (IV)
Agatha Christie (1890-1976), como eu já disse, ganhou o mundo. Com suas estórias, traduzidas para um sem-número de línguas, chegando a todas as partes do planeta. E, também, para o nosso deleite, em suas estórias, em que “turistou” por paragens muito mais que cobiçadas.
Mas como podemos nos aproveitar dessas andanças da Rainha do Crime?
Como também já afirmado aqui, eu conheço duas formas.
Uma delas – mais tradicional, posso dizer – é simplesmente fazer um turismo literário baseado na obra ou na vida de Agatha Christie.
Seria o caso, por exemplo, de seguir a “literary trail” (ou seja, a “trilha literária”) sugerida pelos autores de “Agatha Christie: Shocking Real Murders behind her Classic Mysteries” (publicado pela HarperCollins Publishers/Índia em 2017), que, mandando esquecer o Nilo ou o Expresso do Oriente (nem tanto), recomendam vários sítios para se visitar, a partir das estórias da Rainha do Crime, na Riviera inglesa e no sul do pitoresco condado inglês de Devon. Eles sugerem pelo menos uma dezena desses lugares ligados à obra ou à vida de Christie. Um dia, podem ter certeza, vocês me acharão escrevendo daquelas bandas.
Uma outra excelente opção é seguir os passos da Rainha do Crime por Londres, onde ela, em companhia do seu Hercule Poirot, perambulou bastante. Isso eu posso dizer que já fiz. E muito.
Outro dia, por exemplo, da última vez que estive em Londres, hospedei-me num pequeno e adorável hotel (o Norfolk Towers) nas imediações da estação de trens de Paddington, tantas vezes citada na obra de Christie (como, mais que sugestivamente, em “4.50 from Paddington”, de 1957). Toda vez que passava pela estação, que também serve ao metrô, lembrava da minha amiga.
E no passado, quando da minha estada em Londres para realização de doutorado no King’s College London, corri muito atrás de Agatha Christie. Por exemplo, daqueles lugares citados em “Lord Edgware Dies” (“A morte de Lorde Edgware” ou “Treze à mesa”, 1933), típico policial londrino, com Hercule Poirot, o Capitão Hastings e o Inspetor Japp à frente das investigações, estive em quase todos: Piccadilly, Covent Garden, Sloane Square, Regent’s Park, Grosvenor Square e por aí vai. Ao Hotel Claridge, eu fui exclusivamente porque ele é citado nesse que é um dos meus títulos preferidos da Rainha do Crime. Infelizmente, pude apenas dar uma xeretada.
À mítica Old Bailey, sede das cortes criminais (centrais) da capital do Reino Unido, que fica na City londrina, pertinho da famosa Fleet Street e da ainda mais famosa St. Paul’s Cathedral, fui, digamos, profissionalmente. Uma visita de estudos organizada pela minha universidade. Não entendi bulhufas do que estava sendo julgado. Mas valeu a pena. Senti-me como que figurante em “Witness for the Prosecution” (“Testemunha de Acusação”). Não na peça da minha amiga, de 1953, mas no filme, adaptação do grande diretor Billy Wilder (1906-2002), de 1957, que considero um dos melhores filmes de tribunal ou “courtroom dramas” até hoje produzidos.
Por falar em teatro, vi mais de uma vez “The Mousetrap” (“A ratoeira”), também da minha Agatha Christie, que é, segundo o Guinness Book, a peça há mais tempo em cartaz na história dos palcos mundiais. Mais de seis décadas de apresentações, desde a sua première, em outubro de 1952, com um Richard Attenborough (1923-2014) no papel do protagonista Detective Sergeant Trotter. Em tom de brincadeira, por lá dizem que “The Mousetrap” só pode sair de cartaz por ordem do Parlamento. De toda sorte, como no Reino Unido o Parlamento é supremo, desviei meu caminho inúmeras vezes só para passar em frente ao St. Martin Theatre, no coração da “West End” londrina, para conferir se a apresentação daquele dia ia acontecer mesmo.
Aliás, também ali pertinho, nas imediações da estação de metrô de Leicester Square (mais precisamente entre as pequeninas Great Newport Street e Cranbourn Street), algumas vezes rendi homenagem à minha amiga, no memorial a ela especialmente dedicado: uma escultura de bronze, com mais de dois metros de altura, em forma de livro, mas vazado por um busto da escritora. Era fácil porque morei e perambulei naquela vizinhança por alguns anos, desde a minha chegada a Londres, noviço no doutorado, quando fui morar na saudosa Great Queen Street.
Por falar em perambular, bati todos os sebos de Charing Cross, a antiga rua de livrarias e sebos de Londres, em busca de uma edição de “Ten Little Niggers” (“O caso dos dez negrinhos”, 1939), uma das melhores estórias da minha amiga. E quase não a achava, como já contei aqui (vide a crônica “E não se vende uma amiga”), pois, em virtude do tal politicamente correto, essa obra teve o título finalmente mudado para “And Then There Were None” (tendo sido ainda adotados os títulos “Ten Little Indians” e “The Nursery Rhyme Murders”). Do meu exemplar – de “Ten Little Niggers”, ressalto –, tão dificilmente encontrado, eu não me aparto de jeito algum.
Na verdade, como já retratei aqui (em “O hotel do trem”), atrás de Agatha Christie fui até bem mais longe. Até Istambul e ao seu Expresso do Oriente, glamourosamente retratados por minha amiga no seu “Murder on the Orient Express” (“Assassinato no Expresso do Oriente”, 1934). E entre os sítios ali relacionados à minha amiga, adorei sobretudo o Pera Palas Hotel, que, inaugurado em 1982 para servir aos passageiros do famoso trem, restaurado em seu grande esplendor, ganhou o status de lenda da hotelaria mundial. Foi uma volta ao passado. Ao tempo das viagens de Agatha Christie.
Tudo isso foi ótimo. Eu até gostaria de ter viajado mais – fisicamente falando – na companhia ou em busca de Agatha Christie.
Mas, se não pude fazer como queria, também aproveitei das andanças da minha amiga de uma outra forma. E isso eu explicarei aqui na semana que vem.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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