Crimes econômicos (II)
Na semana passada, defendi aqui, para delimitação do que seriam
“crimes econômicos”, um conceito material destes, tendo por referência o
bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico. Os tais crimes
econômicos seriam aqueles que visam proteger (com a sanção prevista para
a prática da conduta), supra-individualmente, a ordem/política
econômica planejada, regulada e controlada pelo Estado soberano.
Leia-se, aqui, a política econômica “stricto sensu” e as políticas de
rendas, monetária, fiscal e cambial, que o Estado resolveu, especial e
penalmente, também proteger. E prometi, para hoje, com base nesse
conceito, especificar os crimes econômicos previstos em nossa
legislação.
Evidentemente, não farei isso especificando tipo a tipo, crime a
crime. Nem muito menos tenho como comentar cada um deles. Seria tarefa
impossível neste nosso espaço, além de inútil para os fins de uma visão
panorâmica sobre os crimes econômicos. Mas é possível elaborar, embora
não exaustiva, uma lista destes. E essa lista eu faço aqui com base,
entre outras coisas, no livro “A investigação e persecução penal da
corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema
judicial federal”, que, publicado pela Escola Superior do Ministério
Público da União em 2016, sob a coordenação de Arthur Trindade Maranhão
Costa, Bruno Amaral Machado e Cristina Zackseski, é um excelente
material de referência para nós do Ministério Público Federal.
A meu ver, considerando que lesionam (ou pelo menos põem em risco) a
ordem econômica, podem ser considerados crimes econômicos em seu
sentido estrito: (i) a plêiade de delitos previstos na Lei nº 7.492/86
(que cuida dos crimes contra o sistema financeiro nacional e já referida
no artigo anterior), que visam proteger o regular funcionamento do
sistema financeiro, os valores mobiliários e a higidez da gestão das
instituições financeiras, a veracidade dos demonstrativos contábeis
dessas instituições, a fé pública e as reservas cambiais, entre outras
coisas; (ii) crimes contra as relações de consumo, previstos na Lei nº
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); (iii) os delitos contra a
ordem tributária, previstos na Lei nº 8.137/90, a exemplo dos tipos dos
artigos 1º a 3º, que visam proteger o erário e a política socioeconômica
do Estado, como bens jurídicos supra-individuais; (iv) delitos contra a
ordem econômica, previstos na mesma Lei nº 8.137/90, artigo 4º, incisos
I e II, que visam proteger a livre concorrência e a livre iniciativa,
fundamentos da ordem econômica pátria; (v) ainda na Lei nº 8.137/90, os
delitos contra as relações de consumo previstos no artigo 7º, nos
incisos I a IX, que visam não só proteger os interesses econômicos, a
vida e a saúde do consumidor, mas, também, o próprio mercado e a
economia popular; (vi) aqueles delitos contra a ordem econômica
previstos na Lei nº 8.176/91; (vii) os tipos previstos na Lei nº
9.613/98 (com a redação dada pela Lei nº 12.683/2012), que dispõe sobre
os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; (viii)
os tipos previstos na Lei nº 10.303/2001, artigo 27, que consubstanciam
crimes contra o mercado de capitais; (ix) e, por fim, vários tipos
previstos no próprio Código Penal Brasileiro, como, por exemplo, aqueles
dos artigos 359-A a 359-H (crimes contra as finanças públicas), dos
artigos 168-A e 337-A (crimes contra o sistema previdenciário) e o do
artigo 334 (que visa proteger o prestígio da administração pública e
interesses econômicos do Estado). E essa lista, reitero, é apenas
exemplificativa.
É importante observar que, com uma ou outra exceção, os tipos
penais aqui apontados como crimes econômicos são frutos da década de
1990 – período de intensa atividade legislativa penal, especialmente
penal econômica, em nosso país – ou mesmo de anos mais recentes. Isso
mostra que o Brasil, se comparado com outros países (os “mais
desenvolvidos”, sobretudo), demorou um bocado para tipificar a
criminalidade chamada econômica ou de “colarinho branco”.
Ademais, intimamente relacionados aos crimes econômicos em sentido
estrito – e talvez eles sejam também crimes econômicos “stricto sensu” –
estão o que eu posso chamar de “delitos de corrupção”. Até porque estes
(os tais “delitos de corrupção”) são crimes que também atingem
supra-individualmente a ordem econômica, mais especificamente, a
política fiscal do Estado e o seu desenvolvimento econômico como um
todo. E não resta dúvida de que, internacional e nacionalmente, somos
cada vez mais equipados de mecanismos de combate à corrupção (se eles
estão se mostrando eficazes no Brasil, isso é assunto para uma discussão
mais à frente). Quanto a esses chamados crimes de corrupção, para nos
poupar trabalho, vou apenas citar alguns tipos pesquisados no livro “A
investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos:
uma pesquisa empírica no sistema judicial federal”, referido mais acima:
(i) os muito conhecidos e comuns (infelizmente) peculato, inserção de
dados falsos para obter vantagem indevida, extravio de livro oficial ou
de documento de que possua a guarda em razão do cargo, concussão,
corrupção passiva e corrupção ativa, respectivamente descritos nos
artigos 312, 313, 314, 316, 317 e 333 do Código Penal brasileiro; (ii) e
os importantíssimos crimes licitatórios, tipificados nos artigos 89 a
98 da Lei nº 8.666/1993. Alguns desses tipos, registre-se, já constavam
da redação original do nosso Código Penal, que é de 1941; outros, como
sabemos, são mais recentes.
Por fim, não resta dúvida de que a prevenção do cometimento e a
repressão aos crimes econômicos e à corrupção deve ser uma prioridade do
Estado brasileiro. Ela se dá por intermédio de uma legislação
abundante, a exemplo dos tipos penais acima referidos. Mas não para por
aí. Há inúmeros outros instrumentos voltados a esse “combate”, alguns
com assento constitucional. Instrumentos processuais, por exemplo, como a
ação penal, inquérito policial, ação civil pública, ação de
improbidade, inquérito civil público, ação popular etc. E há,
especialmente, os órgãos/agências/agentes encarregados desse combate aos
crimes econômicos e à corrupção: o Poder Judiciário, o Ministério
Público, a Polícia Judiciária, os Tribunais de Contas, as
Controladorias, a Receita Federal e os fiscos estaduais e municipais, o
COAF e por aí vai.
E será sobre tais órgãos/agências/agentes que conversaremos na
semana que vem. Rogo apenas um pouquinho de paciência. Mais uma vez.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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