27/04/2014


                               UM CACIQUE NA CORTE DA INGLATERRA
GILENO GUANABARA, do IHGRN

            Foram vários os interesses comerciais que se fizeram presentes no Brasil, após sua descoberta em 1500. A presença de franceses no atual estado do Rio de Janeiro e do Maranhão; a de holandeses no Nordeste; ou a de espanhóis, estão fartamente documentadas. Os ingleses também visitaram estas bandas e foi presença inusitada que despertou D. João III, rei de Portugal, para a gravidade da situação.

            A documentação organizada por Richard Hakluyt (English Navigations, 1548, Crashey, Londres), republicada em 1890 por Goldsmid, de Edimburgo, dá-nos a notícia acerca da presença do capitão inglês William Haukins, ao do Sul do Equador.  Foi tesoureiro da Armada Real, tinha prestígio junto à corte inglesa, navegou por mares dantes navegados pelos portugueses, que se aventuravam abrindo caminho, se apossando, ou apresando navios inimigos, sob o fogo cerrado de seus canhões.

            Numa das viagens que fez a bordo do seu veleiro, “Paule of Plymouth”, em 1532, o capitão Haukins visitou a Costa da Guiné, onde comprou escravos negros, dentes de elefante e outras mercadorias. De passagem pela costa brasileira, deparou-se com a frota de Martin Afonso de Sousa, a quem ajudou com a canhoneira de seu veleiro a destruir uma frota francesa no litoral da Bahia. Dada a sua habilidade e o trato fidalgo – íntimo da Corte de D. Henrique VIII, rei da Inglaterra – Haukins foi regozijado pela esquadra portuguesa. Em terra firme, embarcou pau-brasil e fez camaradagem com os indígenas que conhecera e a quem prometeu voltar.

            O curioso de uma segunda visita de Haukins ao Brasil foi o fato de ter deixado em terra um conterrâneo, Martin Cockeran e vários marinheiros de sua tripulação, os quais, ao tempo em que permaneceram no Brasil, estreitaram relacionamento com os nativos. A estada dos ingleses teria sido em garantia da volta do cacique indígena, a quem Haukins convidou, convenceu e levou consigo, no seu veleiro. Chegado em Londres, o cacique se hospedou na corte do Henrique VIII, rei da Inglaterra.

            Como haveremos nós outros, hoje, passados 500 anos, de avaliar a admiração que causou a presença exótica do cacique na corte, perante o trato do rei e de seus cortesãos. O cacique seminu, cobrindo a vergonha com penugens coloridas, de flecha em punho, tinha furos na pele do rosto, onde atravessavam ossos de animais, símbolo de elegância e bravura. Trazia uma pedra preciosa incrustada em orifício, na parte inferior do lábio. Tamanha glória o cacique despertou em todos os que o visitavam no palácio real. Foram dias de graça e mordomia durante um ano.

 Em respeito ao compromisso assumido, Haukins conduziu de volta o visitante ilustre de sua majestade. No entanto, dadas as diferenças de clima e alimentação, com a saúde debilitada, o cacique faleceu durante o percurso de volta. Sua morte não provocou reação dos nativos contra os ingleses.

            Na historiografia desse período, Portugal velava por outros interesses. Da Índia, recebia ouro, pedras preciosas, marfim, tecidos e especiarias. Da Guiné, a navegação trazia igual fortuna em escravos negros. O Brasil só lhe oferecia pau-brasil, macacos e papagaios. Coube ao português Antônio Gonçalves introduzir a venda dos primeiros escravos negros na Europa, no ano de 1442 (Arthur Young, Hist. das Índias Ocidentais” – 1801). O lucrativo negócio escravagista atuante desde o reinado do rei D. Henrique, o Venturoso, se tornou uma atividade bancada pela corte. Já naquele ano, falava-se da presença de 4.000 negros vindos da Guiné, trabalhando na Europa, negócio de comerciantes portugueses. No ano de 1562, John Haukins, filho do navegador inglês que estivera no Brasil, havia vendido na Inglaterra 500 negros, trazidos da Guiné. O lucrativo comércio negreiro ampliara-se e atraíra outros países da Europa.

            A qualificação da força produtiva do negro era superior a do indígena sul-americano, sendo mais rentável o investimento comercial obtido através das viagens ao Oriente. Mas, a par das insistentes incursões piratas, o ineditismo da presença inglesa na costa do Brasil vasou através dos caminhos diplomáticos de Portugal junto à corte de Londres. Afinal de contas, a Inglaterra era a senhora dos mares. Portanto, a presença dos ingleses que visitaram e aqui permaneceram, enquanto um cacique amigavelmente viajara, se hospedara e causara soçobros na corte de Henrique VIII, foi considerada muito grave. A acolhida local aos ingleses e a expansão do comércio de escravos negros, fez o rei D. João III arregimentar a esquadra que confiou a Martin Afonso, em 1532, a fim de colonizar as terras recém descobertas, doar capitanias, criar povoações pelo litoral e, ainda, combater a pirataria.

            Martin Afonso (1532) viera com 800 soldados, 350 degredados e apenas 56 camponeses e artífices, que iam sendo dispersos pelos povoados. Era muito pouco. Portugal não dispunha de população suficiente para, por si só, promover a colonização das terras da América, obter lucro e barrar o apossamento alienígena. Com a denunciação da presença inglesa no Brasil feita pelo rei de Portugal ao rei da Inglaterra, ficou acertada a compra de pau-brasil diretamente de Lisboa, reconhecido o monopólio e o domínio português. A escravatura negra veio ao encontro das necessidades de mão-de-obra do Nordeste açucareiro, português, eclesiástico, medieval e monocultor. Cristãos novos, comerciantes da metrópole, agentes nativos locais e chefes tribais africanos, organizaram o mais importante tráfico pré-capitalista com braços na América, só compatível à estrutura econômica do açúcar idealizada pela comunidade sefardita luso-holandesa. O negro escravo tornou-se parte integrante dessa engrenagem. No Sul, pela audácia dos mamelucos paulistas, mesmo contrariados pela ação dos “homens de preto” que eram os jesuítas, o ouro descoberto nas minas gerais serviu para fomentar a revolução industrial inglesa que se avizinhava.

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