25/04/2014


O beija-flor da Ribeira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br

Mais uma vez ando pelo casario velho da Ribeira. Tudo em paz – e, como dizem os poetas, é uma tarde gloriosa. Começo o passeio pela Rua Chile, repartida pelo trilho de trem que não circula mais. Cruzo com diversos operários de uma obra próxima em uma das empresas beneficiadoras de pescado.

Os prédios antigos da Rua Chile sempre me provocam recordações. O cheiro forte de maresia parece estar impregnado em todos eles. Poucos automóveis e caminhões circulam pela rua estreita – mesmo assim, o tráfego é congestionado e confuso.

Chego ao largo e detenho-me para observar o movimento do porto e o casario antigo, com suas fachadas estreitas e coloridas. As obras do novo terminal de passageiros marítimos continuam em ritmo acelerado. As lembranças embaçam, mas não apagam os registros da memória. Sinto a ausência do Bar da Bandeira, de Graça. Por onde andará “Loyde”?

Observo o Potengi que, apertado em suas margens, corre manso em seu leito largo. Alguns barcos descem rio abaixo, nos arrancos da correnteza. Ao longe, avisto o Iate Clube, a ponte Newton Navarro, as areias da Redinha.

Volto à Avenida Tavares de Lira, ao antigo Cais Pedro de Barros – no local, vários meninos pulam no rio e tomam banho. Sigo em direção contrária e, mais à frente, encontro um grupo de pessoas na esquina da Dr. Barata, comentando as novidades do dia.

Lembro-me do café Cova da Onça, do sebo de João Nicodemos, da alfaiataria do Laércio, do caldo de cana, da Peixada Potengi, da Tipografia Lira, de Santos & Cia, do cartório de Alínio Azevedo... coisas de outro tempo! Esses locais não existem mais, e muitos dos prédios por eles ocupados estão maltratados, sem reboco, deixando à mostra a intimidade dos tijolos brancos – em alguns um amontoado de entulhos.

A tardinha vem chegando, e o sol começa a esmorecer – o vento da tarde açoita as ruas pouco movimentadas do bairro ribeirinho. Nesse momento, avisto um pequeno beija-flor, que zumbia como uma abelha, sorvendo o néctar das flores de uma árvore próxima, na esquina da Rua Frei Miguelinho. Sua cabeça diminuta ao movimentar-se adquire tonalidades de cores que vão da púrpura ao verde; o peito colorido “furta-cor” e as penas brilhantes de variadas cores.

Isso nos dá uma sensação revigorante, embora perceba como muitos erros são cometidos contra esse maravilhoso pedaço de nossa cidade.

Dali encaminho-me pela Rua Dr. Barata estreita e sinuosa, que, nas décadas de 1930/40, era o centro do comércio da Capital. Impressiono-me com a quantidade de prédios comerciais fechados - alguns quase a desmoronar. Todos estão pichados pelo vandalismo.

Como cronista apaixonado pelo bairro, apresso os meus passos em direção à Praça Augusto Severo. Tive a sensação de que era seguido pelo beija-flor. Não encontro mais a Confeitaria Delícia, O Tabuleiro da Baiana, a Importadora Omar Medeiros... No entanto, o Teatro Alberto Maranhão continua firme na sua vigília centenária.

Vejo, consternado, como o bairro precisa de novos investimentos públicos e privados. Aqui fica o registro.


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