23/05/2018

AGENDE-SE PARA O DIA 24



Casa de Vidro de Lina e Pietro Maria Bardi



texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

O que está fora pode estar dentro e o que está dentro pode muito bem estar lá fora. Uma casa de vidro é uma casa que habita o seu entorno e se abre para o tempo. Tudo é fora, como tudo é dentro. A ideia da casa é de uma arquiteta que sonhou fazer da sua casa um jardim cujas paredes fossem o cenário de fora, por isso totalmente de vidro.

Incrustrada no Morumbi, cidade de São Paulo/SP, se esbalda por todo um terreno de sete mil metros quadrados de pura Mata Atlântica, e que virou instituto que leva o nome do casal. Foi feita e pensada para casa de dona Lina e de seu marido Pietro, ambos italianos de nascimento e brasileiros por adoção, quando do navio aportaram na Baía da Guanabara e foram a São Paulo fazer arquitetura e arte e, assim, a obra-prima do Masp.

Pronta em 1951, para a casa de vidro, Lina fez de tudo, da planta aos móveis. Encontra-se totalmente suspensa, flutuando na paisagem, que começa pela escadaria, um mirante para a contemplação de tudo. A casa abraça uma árvore a que contorna e envolve e assim, mesmo suspensa, conserva uma raiz na terra. A sala é desenhada como espaço onde a vida se descortina; ali a arquiteta e o marchand recebiam amigos, conversavam.


É uma casa para se viver, com cadeiras, poltronas, mesinhas, objetos, até quadros nas paredes de vidro; tem de tudo que há em uma casa, o desenho é da arquiteta, que acreditava no espaço da casa como vida de quem nela mora, e não na casa como arrumação para composição de vitrine. A casa de Lina é uma casa viva; uma casa de tudo, de uma arquiteta curiosa do morar do brasileiro e do seu artesanato, de alguém que, quando viu a rede, se impressionou, porque um único objeto de design era capaz de ser cama e de ser cadeira.

 
 
   
Marcelo Alves

 


Crimes econômicos (II)

Na semana passada, defendi aqui, para delimitação do que seriam “crimes econômicos”, um conceito material destes, tendo por referência o bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico. Os tais crimes econômicos seriam aqueles que visam proteger (com a sanção prevista para a prática da conduta), supra-individualmente, a ordem/política econômica planejada, regulada e controlada pelo Estado soberano. Leia-se, aqui, a política econômica “stricto sensu” e as políticas de rendas, monetária, fiscal e cambial, que o Estado resolveu, especial e penalmente, também proteger. E prometi, para hoje, com base nesse conceito, especificar os crimes econômicos previstos em nossa legislação. 

Evidentemente, não farei isso especificando tipo a tipo, crime a crime. Nem muito menos tenho como comentar cada um deles. Seria tarefa impossível neste nosso espaço, além de inútil para os fins de uma visão panorâmica sobre os crimes econômicos. Mas é possível elaborar, embora não exaustiva, uma lista destes. E essa lista eu faço aqui com base, entre outras coisas, no livro “A investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema judicial federal”, que, publicado pela Escola Superior do Ministério Público da União em 2016, sob a coordenação de Arthur Trindade Maranhão Costa, Bruno Amaral Machado e Cristina Zackseski, é um excelente material de referência para nós do Ministério Público Federal. 

A meu ver, considerando que lesionam (ou pelo menos põem em risco) a ordem econômica, podem ser considerados crimes econômicos em seu sentido estrito: (i) a plêiade de delitos previstos na Lei nº 7.492/86 (que cuida dos crimes contra o sistema financeiro nacional e já referida no artigo anterior), que visam proteger o regular funcionamento do sistema financeiro, os valores mobiliários e a higidez da gestão das instituições financeiras, a veracidade dos demonstrativos contábeis dessas instituições, a fé pública e as reservas cambiais, entre outras coisas; (ii) crimes contra as relações de consumo, previstos na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); (iii) os delitos contra a ordem tributária, previstos na Lei nº 8.137/90, a exemplo dos tipos dos artigos 1º a 3º, que visam proteger o erário e a política socioeconômica do Estado, como bens jurídicos supra-individuais; (iv) delitos contra a ordem econômica, previstos na mesma Lei nº 8.137/90, artigo 4º, incisos I e II, que visam proteger a livre concorrência e a livre iniciativa, fundamentos da ordem econômica pátria; (v) ainda na Lei nº 8.137/90, os delitos contra as relações de consumo previstos no artigo 7º, nos incisos I a IX, que visam não só proteger os interesses econômicos, a vida e a saúde do consumidor, mas, também, o próprio mercado e a economia popular; (vi) aqueles delitos contra a ordem econômica previstos na Lei nº 8.176/91; (vii) os tipos previstos na Lei nº 9.613/98 (com a redação dada pela Lei nº 12.683/2012), que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; (viii) os tipos previstos na Lei nº 10.303/2001, artigo 27, que consubstanciam crimes contra o mercado de capitais; (ix) e, por fim, vários tipos previstos no próprio Código Penal Brasileiro, como, por exemplo, aqueles dos artigos 359-A a 359-H (crimes contra as finanças públicas), dos artigos 168-A e 337-A (crimes contra o sistema previdenciário) e o do artigo 334 (que visa proteger o prestígio da administração pública e interesses econômicos do Estado). E essa lista, reitero, é apenas exemplificativa. 

É importante observar que, com uma ou outra exceção, os tipos penais aqui apontados como crimes econômicos são frutos da década de 1990 – período de intensa atividade legislativa penal, especialmente penal econômica, em nosso país – ou mesmo de anos mais recentes. Isso mostra que o Brasil, se comparado com outros países (os “mais desenvolvidos”, sobretudo), demorou um bocado para tipificar a criminalidade chamada econômica ou de “colarinho branco”. 

Ademais, intimamente relacionados aos crimes econômicos em sentido estrito – e talvez eles sejam também crimes econômicos “stricto sensu” – estão o que eu posso chamar de “delitos de corrupção”. Até porque estes (os tais “delitos de corrupção”) são crimes que também atingem supra-individualmente a ordem econômica, mais especificamente, a política fiscal do Estado e o seu desenvolvimento econômico como um todo. E não resta dúvida de que, internacional e nacionalmente, somos cada vez mais equipados de mecanismos de combate à corrupção (se eles estão se mostrando eficazes no Brasil, isso é assunto para uma discussão mais à frente). Quanto a esses chamados crimes de corrupção, para nos poupar trabalho, vou apenas citar alguns tipos pesquisados no livro “A investigação e persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema judicial federal”, referido mais acima: (i) os muito conhecidos e comuns (infelizmente) peculato, inserção de dados falsos para obter vantagem indevida, extravio de livro oficial ou de documento de que possua a guarda em razão do cargo, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa, respectivamente descritos nos artigos 312, 313, 314, 316, 317 e 333 do Código Penal brasileiro; (ii) e os importantíssimos crimes licitatórios, tipificados nos artigos 89 a 98 da Lei nº 8.666/1993. Alguns desses tipos, registre-se, já constavam da redação original do nosso Código Penal, que é de 1941; outros, como sabemos, são mais recentes. 

Por fim, não resta dúvida de que a prevenção do cometimento e a repressão aos crimes econômicos e à corrupção deve ser uma prioridade do Estado brasileiro. Ela se dá por intermédio de uma legislação abundante, a exemplo dos tipos penais acima referidos. Mas não para por aí. Há inúmeros outros instrumentos voltados a esse “combate”, alguns com assento constitucional. Instrumentos processuais, por exemplo, como a ação penal, inquérito policial, ação civil pública, ação de improbidade, inquérito civil público, ação popular etc. E há, especialmente, os órgãos/agências/agentes encarregados desse combate aos crimes econômicos e à corrupção: o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Judiciária, os Tribunais de Contas, as Controladorias, a Receita Federal e os fiscos estaduais e municipais, o COAF e por aí vai. 

E será sobre tais órgãos/agências/agentes que conversaremos na semana que vem. Rogo apenas um pouquinho de paciência. Mais uma vez. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP
 

20/05/2018

O RIO GRANDE DO NORTE PERDE O SEU MAIOR XERIFE

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes





MAURÍLIO PINTO DE MEDEIROS foi um homem de coragem. Trocou a comodidade de uma vida familiar feliz para arriscar diariamente sua vida no combate ao crime e aos criminosos.
Suas ações e sua coragem geraram
 incontável número de pessoas gratas, mas não deixou de ter eventuais inimigos, que não compreenderam a sua missão.
Sempre tive por Maurílio o maior respeito. Compreendi toda a sua carreira perigosa e sob sua autoridade a cidade viveu dias de segurança e paz.
Neste momento de dor para a sua família e perda para o Estado, só nos resta rogar a Deus que o receba em sua mansão e faça o exame justo de sua vida.

Reproduzimos homenagem que lhe foi prestada pelo escritor Berilo de Castro, em data de 03 de abril do ano em curso, no site Ponto de Vista:


MAURÍLIO PINTO, A NOSSA GRATIDÃO –
Maurílio Pinto de Medeiros nasceu em Pau dos Ferros/RN, no dia 24 de agosto do ano de 1941, filho do coronel PM Bento Manoel de Medeiros (1910-1961) e de Julieta Pinto Nascimento (1919-2014).
Iniciou sua carreira de policial civil ainda menor de idade, aos 16 anos, como motorista, nas mais variadas e perigosas incursões policiais na região de Patu/RN, acompanhando o seu pai, o disciplinado e eficiente delegado Bento.
Após prestar serviço militar obrigatório por 2 anos na Força Aérea Brasileira ( FAB ), volta à Polícia Civil e é contratado como motorista da Secretaria do Interior e Justiça, no dia 1 de julho do ano de 1964, quando passa a ocupar oficialmente a função de motorista do delegado geral da Polícia Civil, o coronel Bento de Medeiros.
A princípio a ocupação na função policial seria de curta duração, pelo que afirmara o sei pai, o coronel Bento: “ Maurílio, meu filho, olhe, só quero que você fique na Polícia até o momento que eu estiver trabalhando.
Quando me aposentar não quero mais você aqui”. O pai temia pela vida do filho. Sabia da difícil e perigosa missão que o filho teria, caso continuasse.
Maurílio formou-se em Jornalismo, profissão na qual nunca atuou. Diplomou-se em Direito ( Bacharel ) no ano de 1975, quando prestou concurso para delegado da Polícia Civil, sendo aprovado.
Conheci Maurílio no ano de 1972, quando fui contratado no Governo de Cortez Pereira, para prestar serviço médico na Secretaria de Interior e Justiça, na função de clínico geral no Complexo Penitenciário João Chaves.
Homem simples, alheio a vaidades, corajoso, estrategista e de uma dedicação e um empenho em suas missões sem precedentes: sempre executadas com muito zelo e determinação, merecedoras dos mais altos reconhecimentos e aplausos, a ponto de merecidamente receber da Câmara Municipal de Natal o título de “Xerife” e da Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Norte a Medalha do Mérito Legislativo, sua maior honraria. Tinha e sentia literalmente em suas investidas o verdadeiro “faro”, o “cheiro” e a percepção para a elucidação de crimes de difíceis soluções.
Nunca saia para uma missão sem antes estudá-la minuciosamente; sabia muito bem os riscos que correria. Não se atirava às “cegas”.
Sua brilhante trajetória profissional conta com 47 anos de efetivos e dedicados serviços prestados à Segurança Publica do nosso Estado, onde galgou merecidamente todos os degraus da sua carreira policial: de motorista à Secretario Adjunto da Secretaria de Segurança e Defesa Social, deixando um legado imensurável e inquestionável de ações exemplares, que ficarão registradas e inapagáveis nos anais da história da briosa Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte.
Quem não lhe conhece, não perdeu o direito de conhecer.
Maurílio, a nossa gratidão.
Berilo de Castro – Escritor

18/05/2018

UMA SEMANA MUITO PROVEITOSA



O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE viveu nos últimos 10 dias, um período de grande movimentação e atividades, aqui contados através de fotografias:


ORMUZ e a Diretoria recepciona o escritor Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, autor da obra 1500 - DE PORTUGAL AO SALIENTE POTIGUAR, que veio se filiar ao IHGRN


Comissão de historiadores designada pelo IHGRN para estudar e emitir parecer sobre o assunto pertinente ao local correto do descobrimento do Brasil. Nas fotos Levy Pareira, João Felipe da Trindade, Ormuz, Cláudio Galvão, Rostand Medeiros e André Furtado.





Folder sobre exposição de fotografias sobre a 2ª Guerra Mundial


 
O Membro da Diretoria do IHGRN faz visita oficial ao Vice-Reitor da UFRN, Professor JOSÉ DANIEL DINIZ e a Professora MAGNÓLIA ANDRADE, Diretora da Biblioteca "Zila Mamede".

INSTITUTO É HOMENAGEADO PELA CÂMARA MUNICIPAL DE NATAL e o Presidente ORMUZ BARBALHO SIMONETTI recebe o título de "Cidadão Natalense"

A solenidade ocorreu neste dia 17 próximo passado, conforme registros em fotografias:





 
Momento do discurso oficial, registrando-se a presença do escritor Iaperi Araújo, 
Presidente do Conselho de Cultura e Acadêmico da ANRL
 Vereadores Nina Souza, Joanilson de Paula Rego e Julia Arruda, 
com o agraciado Ormuz Simonetti
 Betânia Ramalho, Joventina Simões, Ormuz, Nina Souza e Júlia Arruda
 Nina, Joanilson, Ormuz e Júlia Arruda
 Ormuz, Adilson Gurgel, Nina Souza e Betânia Ramalho
 Geiza, Ormuz e Adilson Gurgel
 Certificado de cidadania natalense
Presenças ilustres: Comandante Woodson, Betânia, Ormuz, Júlia, Simoni,
Geiza, Lívio Oliveira, Nina, Conceição Maciel e Joventina
Comandante Woodson, Betânia, Nina, Ormuz, Júlia, Simoni e Geiza

 Vista dos amigos no momento da recepção


Vista dos amigos no momento da recepção, em maior evidência, 
Pedro Simões Neto Segundo







              Marcelo Alves



Crimes econômicos (I) 

Atualmente, uma das grandes preocupações do direito e das autoridades brasileiras, sobretudo daquelas verdadeiramente preocupadas com o futuro do nosso país, é a investigação e a persecução penal da nossa velha conhecida “corrupção” e dos denominados “crimes econômicos”. Aceitando “impositivo” convite do meu amigo Ivan Lira, fui escalado para falar sobre essa temática no seminário “Inserções do direito penal econômico no quadro jurídico atual” do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN (dia 25 de maio próximo, às 9 da matina, se querem saber data e hora). O título dado à minha palestra é até pomposo: “Modernas técnicas de investigação dos crimes econômicos e as garantias constitucionais dos cidadãos e das empresas”. Meu amigo Ivan, mesmo contra minha vontade, sempre me arruma umas dessas. 

Para preparar a minha fala, a primeira questão com que me deparei foi: que danado são crimes econômicos? Em outras palavras, quais crimes podem ser qualificados de “econômicos”? 

Antes de mais nada, temos uma primeira conceituação de crimes econômicos que tem por referência o sujeito ativo do crime: os crimes econômicos, com base nessa referência, seriam os denominados “crimes de colarinho branco”. Para quem não sabe, devemos a origem dessa conceituação ao sociólogo e criminologista americano Edwin Hardin Sutherland (1883-1950) e, especialmente, à sua obra “White Collar Crime”, publicada em 1949. Segundo Sutherland, o delito de colarinho branco pode ser definido, basicamente, como um delito cometido por uma pessoa de respeitabilidade e alto status social no exercício de sua ocupação habitual. E daí decorreria, a contrário senso, que o crime de colarinho branco não poderia ter como sujeito ativo um integrante das classes ditas populares. Sem dúvida, Sutherland teve um grande mérito: o de chamar a atenção para um outro tipo de criminalidade – os tais “crimes de colarinho branco” – que não eram pensados, muito menos estudados, como crimes, àquela época. Ademais, ele rompeu com uma tradição que defendia estar a criminalidade associada à pobreza ou a patologias sociais ou pessoais. Pessoas de padrão socioeconômico elevado também praticavam crimes, deixou-se claro; crimes não são “privilégios” só dos pobres. Entretanto, embora os estudos de Sutherland tenham sido importantes para o estudo do tipo de criminalidade de que ora tratamos, é evidente que esse tipo de conceituação esbarra em dois problemas claros: (i) nem todos os crimes econômicos são praticados por pessoas social e economicamente favorecidas, sendo perfeitamente factível que um sujeito ativo desse tipo de crime não possua tal condição; (ii) pessoas social e economicamente privilegiadas podem cometer qualquer tipo de crime, inclusive os considerados “não econômicos”. 

Doutra banda, a delimitação do que são crimes econômicos pode também ser realizada a partir de um ponto de vista estritamente formal, com base na simples definição legal de um crime como tal. Já que o princípio da legalidade (ou da reserva legal, como querem alguns) – disposto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal – afirma que “nullum crimen, nulla poena sine lege”, essa lei necessária, em algum momento, deve afirmar (ou mesmo sugerir) o pertencimento da conduta/crime ao ramo direito penal econômico. Seria certamente o caso, por exemplo, de uma penca de crimes que temos contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86). Mas aqui também não se está imune a críticas. É evidente que uma definição por intermédio da legislação é de grande valia para uma melhor sistematização e uma maior precisão do que sejam os crimes econômicos. Todavia, mesmo pressupondo uma boa técnica legislativa (que frequentemente não é o caso do Brasil), a conceituação baseada nesse critério legal padece de um simples mas sério problema: alguns delitos, essencialmente econômicos, por opção ou esquecimento legislativo, podem ficar fora do alcance dessa conceituação estritamente legal. Basta que a lei, formalmente, os classifique diferentemente. 

Ao que tudo indica, trabalhar com um conceito material de crimes econômicos, partindo da ideia do bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico, é a melhor opção. Partindo deste novo referencial, os crimes econômicos seriam aqueles que visam proteger (com a sanção prevista para a prática da conduta, evidentemente) a ordem econômica planejada, regulada e controlada pelo Estado soberano. Em outras palavras, (visam proteger) as estratégias e opções adotadas pelo Estado para conduzir a economia. Essa ordem econômica, registre-se, deve ser enxergada tanto sob o ponto de vista jurídico como pelo prisma econômico. Numa interdisciplinariedade com o direito, é a macroeconomia, planejada e conduzida pelo Estado, que aponta as atividades que necessitam de uma tutela especial, no caso penal. Assim, tecnicamente (ou restritivamente), os tipos penais que visam proteger direitos individuais econômicos – como uma penca de crimes contra o patrimônio que temos em nosso Código Penal, a exemplo do furto (art. 155 do CP) e do roubo – não devem ser considerados como crimes econômicos, mesmo que, no caso concreto, tenham uma repercussão coletiva. Há de haver um plus que vá além do individual (ou mesmo “social”) econômico. Algo macroeconômico, relacionado à tal ordem econômica, aqui entendida como o planejamento e a organização econômica da vida em sociedade. Decorre daí um conceito material restritivo de crimes econômicos. Acuradamente proposto por Andrei Zenkner Schmidt (no texto “A delimitação do direito penal econômico a partir do objeto do ilícito”, que faz parte da coletânea “Direito Penal Econômico: Crimes Financeiros e Correlatos”, publicada pela Saraiva em 2011), os crimes econômicos seriam, assim, os ilícitos penais relacionados à proteção supra-individual dos valores dessa ordem econômica: leia-se aqui a política econômica “strictu sensu” e as políticas de rendas, monetária, fiscal e cambial, que o Estado resolveu, especial e penalmente, também proteger. 

Bom, e no direito brasileiro, tomando como base esse conceito material de crimes econômicos, quais seriam então os tipos penais, previstos expressamente em nossa legislação (lembremos: “nullum crimen, nulla poena sine lege”), que poderíamos classificar como econômicos? Aqui rogo um tiquinho de paciência. Por falta de espaço, a resposta a isso eu só darei na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

17/05/2018


Seu Joca



Por Gustavo Sobral

O vale dividia distâncias que só ali se mediam. O verde da cana imperava absoluto, confundia propriedades. Coisas de herança, inventários, posses, limites, registros, carimbos e até desavenças. Seu Joca, tinha por herança. Do partido popular do governador José Augusto, os jornais lia todos e preferia A República. Paletó sem gravata, relógio na algibeira e uma pistola de dois tiros, uma bengala e puxava uma perna. E montava. Barba branca e comprida, escovada todo santo dia. Feito o imperador Pedro II, nunca aparou. Olhos bem azuis e miúdos, passados para Manuel, Jacob e Adelaide.

Do tipo calado atravessava uma légua rumando do engenho a Ceará-Mirim. Não perdia missa de domingo, o cavalo alazão baixeiro todo não concedia atraso. Levantava quatro horas da madrugada para tratar do canavial e do gado. Viajou ao Norte para resgatar a irmã, de lá trouxe manga Mariti para plantar. Lia a Bíblia e aplicava sermão invocando as parábolas lá escritas. O pai português teve as terras que vão de Ilha Bela a Timbó. Joca fez engenho e rua de casas que pôs o nome Guarani. No começo, moagem da cana por obra de umas bestas na almajarra, animais que criava lá por Baixa Verde junto a um gadinho pouco. Começava a moer em agosto o açúcar entregue a Tiburtino Bezerra que negociava para a Inglaterra. O transporte em lombo de animal até Igapó, ali de canoa pelo Potengi até os armazéns da Ribeira.