19/04/2017

ANDAR SOBRE AS ÁGUAS

Ensinai-me, Senhor, a andar sobre as águas
a manter os pés enxutos
e livres do frio suor dos presságios

Aprendi a lição de Pedro
quando na clara manhã me chamastes
e aceitei vosso convite

Que eu não proceda pois como o santo
cuja dúvida foi maior que a fé
ou como o convidado de pedra
cujo corpo é maior que o espírito   

Ensinai-me o segredo
da graça original
anterior a nossos erros
e à sequência metamórfica das ilusões
que nos tornaram nus e perdidos

E sobre as regiões abissais
livre como criança num parque
eu possa caminhar
sem nada temer

                                               (HORÁCIO PAIVA)




18/04/2017


JOSÉ VARELA, UM DEPOIMENTO

Valério Mesquita*

Há certos homens públicos que podem ser sintetizados numa palavra: probidade. Na infante democracia brasileira dos anos cinquenta, conheci na casa do meu pai (Macaíba), o então governador José Augusto Varela. O PSD vivia o seu tempo áureo. Lá, os meus olhos de menino se maravilhavam com o porte carismático de Georgino Avelino, com a oratória bacharelesca de Dioclécio Duarte, com a sagacidade matuta de Theodorico Bezerra, com a fleugma britânica de Sylvio Pedroza e outros tantos dromedários do velho e guerreiro partido majoritário. Mas, José Varela era a figura espartana, retilínea, personalíssima, cuja forte presença encantava os circunstantes. Alfredo Mesquita Filho era seu amigo incondicional. Inclusive, o apoiou na memorável campanha para governador de 1947 e repetiu na sua sucessão. Interessante registrar o temperamento exacerbado dos dois. Quando enfezados ou desafiados se tornavam agressivos e bravos. Nitroglicerina pura. A amizade de ambos era tão fraterna, que Mesquita nos seus arroubos partidários, esbravejava a plenos pulmões: "Eu sou cabra de Zé Varela!". Ouvi meu pai, certa vez, um episódio ocorrido entre os dois. Ciente de que o deputado Alfredo Mesquita estava no Palácio Potengi, José Varela pediu para chamá-lo ao gabinete. Ao entrar, o governador foi logo fuzilando: "Mesquita, você quer acabar com o estado?”. “Que história é essa, governador!", protestou o deputado. "Você além de me pedir para calçar a estrada Macaíba a Natal usando todo o paralelepípedo da pedreira de Jundiaí (pertencia ao governo do estado e era administrada pela secretaria da agricultura cujo titular era Enock Garcia), você ainda pede mais pedra para obras urbanas da prefeitura de Macaíba? Isso não é possível!!", complementa José Varela, afobadamente. Mesquita "pegou gás", como se diz na gíria de hoje. De parte a parte, murros na mesa e ameaças de rompimento. O deputado Israel Nunes, pessedista, viajor de muitas galáxias e profundo conhecedor da personalidade dos dois, chama o garçom e pede água e café.
Ao cabo de dez minutos os ânimos serenaram. A paz é celebrada novamente. Da parte de Zé Varela excesso de zelo pelo estado. Da de Mesquita exagero patriótico por Macaíba. As pedras continuaram a sair de Jundiaí para fazer a atual balaustrada e a praça Antônio de Melo Siqueira, além do grande parque à margem do rio, todo urbanizado e que, ainda leva hoje nome de "Governador José Varela". A amizade triunfara sobre o temperamento.
A celebração do seu centenário de nascimento, ocorreu há mais de dez anos passados. Relembro o seu vulto de homem público modelar e em envaideço não só de tê-lo conhecido mas, também, diante de tantas descrenças nos políticos de hoje, contemplo com orgulho que um homem da sua estirpe existiu no cenário da vida política do Rio Grande do Norte.

(*) Escritor.


Editora do IFRN


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14/04/2017