15/01/2015

EMBATES POLÍTICOS NO TEMPO

Carlos Roberto de Miranda Gomes,
Membro Honorário Vitalício da OAB-RN e do IHGRN

            Na sequência das minhas permanentes pesquisas aos temas da história potiguar deparei-me com um caso interessante, ocorrido na primeira metade do século XX e uma, quase repetição, no segundo espaço do mesmo século.

            A fonte foi colhida em recente obra, publicada em 1938, que consegui através do meu amigo Inácio Magalhães (“Bispo de Taipu”), com o título: “O Exército em face das Luctas Políticas”, do Major Josué Freire, no qual narra a saga autoritária do Interventor Mário Câmara nos episódios do processo eleitoral de 1934, e a participação do 21º BC, antecedente à Insurreição Comunista de 1935.

 Desde a chegada do Major Josué, no início do ano eleitoral, este já se deparou com a truculência policial comandada pelo Tenente da Reserva Elias Ferreira de Mello, convocado pelo Diretor do Departamento de Educação, Sr. Benedicto Saldanha, para promover o empastelamento do jornal “A Razão”, do líder sindical Café Filho e, no mais, dificultar o processo de alistamento e o comparecimento às urnas para o pleito de 14 de outubro de 1934, dos eleitores do Partido Popular (de oposição).

O acirramento político teve uma vítima fatal, o assassinato do Engenheiro Octávio Lamartine de Faria em 1936, no Município de Acari, por uma volante policial comandada por um Tenente. Ele era filho do ex-Governador Juvenal Lamartine.

O inusitado do caso foi o conflito entre o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Desembargador Antonio Soares de Araújo e os demais membros do referido Tribunal (Manoel Sinval Moreira Dias, José Theotonio Freire, Horácio Barreto de P. Cavalcanti, Sebastião Fernandes da Silva, Mathias Carlos de Araújo Maciel Filho e do Procurador Miguel Seabra Fagundes), quando, por conta da concessão de vários habeas corpus em favor de eleitores prejudicados e pedidos de garantia de vida por renomados próceres potiguares (Médico José Tavares, Deputado Federal Alberto Roselli, Dr. Bruno Pereira e o empresário João Severiano da Câmara, dentre outros), o Presidente por ofício datado do dia 2 de fevereiro de 1935 requisitou tropas federais para a garantia das eleições suplementares no mesmo mês (dias 3, 6, 10, 13, 17, 19, 21, 24, 26 e 28) nos municípios de São Gonçalo, Goianinha, Lajes, Caicó, Currais Novos, Pau dos Ferros, Ceará-Mirim, Baixa Verde, :Arêz, São Miguel, Touros, Jardim do Seridó, Martins, Flores, Assú, Acari, Mossoró e Luís Gomes, enquanto o Plenário do TRE aprovava decisão em contrário, sob a alegação da incompetência do Presidente para tal medida, somente possível pelo Tribunal. De qualquer forma, o fato conseguiu evitar nova truculência, haja vista que houve algum deslocamento de tropas, que permaneceram em estado de alerta e o pleito foi realizado sem maiores percalços.

Esse fato conflituoso gerou uma série de trocas de conferências telegráficas envolvendo o Major Josué Freire, Comandante da Guarnição do 21º BC, o Cel. Castro Pinto, depois o Gen, Manoel Rabello, Comandantes da 7ª Região em Recife, o Ministro Hermenegildo de Barros, Presidente do TSE e o Ministro da Guerra , Gen. Góes Monteiro.

O resultado dessa querela judicial terminou por alterar a situação das eleições de outubro de 1934, então favorável ao partido do Interventor (Aliança Social=PSD e PSN), para a vitória dos candidatos do Partido Popular após a apuração da eleição suplementar proclamada um ano depois, que conseguiu eleger o Governador da oposição Rafael Fernandes Gurjão. O clima, no entanto, continuou agitado, com movimentos da classe trabalhadora, que realizou greves até que em novembro ocorreu a “Intentona Comunista”, de curtíssima duração.

Este assunto é corroborado no livro “História de uma Campanha”, do Professor Edgar Ferreira Barbosa, recentemente reeditado pela EDUFRN.


Estranhamente, em 1962 quase se repete o fato, com a controvérsia: o Tribunal solicitava reiteradamente a garantia de força federal, mas o TSE demorava a decidir baseado em informações do General Muricy, que por sua vez tinha a promessa do Governador Aluizio Alves de garantir o pleito, enquanto este mesmo Governador fazia proselitismo político acusando o TRE de não querer a força federal provocando a decisão do Colegiado de suspensão do pleito, quando então o TSE, tomando ciência da verdadeira história, apoiou o Tribunal Regional e as tropas se deslocaram em tempo, evitando qualquer tentativa de fraude nas eleições, que ocorreram sem qualquer problema, mercê da determinação de autenticação de todas as cédulas pelos membros da Justiça Eleitoral. Presidia o TRE o meu pai, Desembargador José Gomes da Costa.

14/01/2015

Marcelo Alves
Marcelo Alves

Os precedentes judiciais em uma federação (I)

Por estes dias, tenho realizado um dos meus sonhos: viajar, sem roteiro ou destino certo, pelos Estados Unidos da América. Chegamos (e, aqui, já falo no plural para incluir a respectiva, sob pena de ser severamente repreendido) por Orlando/FL. Ali, alugamos um carro e tomamos o rumo do norte para muito além dos limites do estado da Flórida. Quando este riscado for publicado só Deus sabe onde nós estaremos.

Aproveitando essa deixa (de estar nos EUA), vou escrever aqui sobre um tema que, no passado, tive oportunidade de estudar: o funcionamento da teoria do “stare decisis” (ou seja, como se dá a aplicação obrigatória dos precedentes judiciais) em uma federação tão forte como o são os Estados Unidos da América. Acredito que esse seja um tema de interesse, nem que seja por mera curiosidade, de todo e qualquer estudioso do Direito.

Desde já advirto que não é algo simples de ser explicado. Dois aspectos, sobretudo, complicam a coisa: a estrutura dual da organização judicial americana, com um complexo sistema de tribunais federais e vários (e também complexos) sistemas judiciais estaduais; e a enorme quantidade de precedentes existentes (sobretudo se comparamos, por exemplo, com a Inglaterra).

Há problemas específicos que devem ser enfrentados, como o valor do precedente de um tribunal federal para os outros tribunais federais, o valor do precedente de um tribunal federal para os tribunais estaduais, o valor de um precedente de um tribunal estadual dentro do seu próprio sistema, o valor de um precedente de um tribunal estadual para os tribunais federais e o valor de um precedente de um tribunal estadual de um Estado em relação aos tribunais de outros Estados. Uma sistematização que imponha generalizações para estas e outras questões, mas que também atenda às exceções ou retrações, somente pode ser encontrada se o estudo do assunto for sistematizado.

A sistematização que proponho, a ser desenvolvida em três artigos/crônicas, é a seguinte: a) a vinculação vertical ao precedente dentro do sistema judicial federal; b) a vinculação vertical ao precedente dentro um sistema judicial estadual; c) a inter-relação entre o sistema judicial federal e os sistemas judiciais estaduais; d) a inter-relação entre os vários sistemas judiciais estaduais; e) e a vinculação dos tribunais americanos aos seus próprios precedentes.

Por hoje, como manda o bom senso, vamos começar pelo mais simples: a vinculação vertical ao precedente dentro do sistema judicial federal.

Em primeiro lugar, os precedentes da U.S. Supreme Court são obrigatórios para as U.S. (Circuit) Courts of Appeal (os tribunais de apelação intermediários) e as U.S. District Courts (cortes de primeira instância). Nada mais simples: apenas corolário da regra de que os precedentes de um tribunal superior são vinculantes para os tribunais inferiores. Resta tão-só lembrar que, na hipótese de existirem decisões contraditórias do Supremo Tribunal, deve prevalecer, como de seguimento obrigatório, a última, cronologicamente falando.

Pelo mesmo motivo, os precedentes de uma Court of Appeal são obrigatórios para as District Courts da mesma jurisdição. Entretanto, não são obrigatórios para as demais Courts of Appeals ou para as District Courts de outra jurisdição, apesar de guardarem o devido grau de persuasão.

As decisões de uma District Court não são vinculantes para as demais District Courts.

A regra de vinculação vertical ao precedente nos limites de um sistema judicial estadual é apenas um pouquinho mais complicada.

Dentro de um sistema judicial estadual, em virtude da regra geral, as decisões de uma Court of Ultimate Appelation, que está no ápice da organização judiciária, são obrigatórias para os demais tribunais a ela inferiores. Quanto a isso, não há maiores dificuldades.

Todavia, não está no todo definido qual é o status das decisões dos vários tribunais intermediários de um sistema judicial estadual (na maioria dos Estados americanos, há vários tribunais de apelação intermediários). Não se discute que as decisões dos tribunais intermediários são vinculantes para as instâncias inferiores da mesma circunscrição judicial. Atendendo a regra geral, mostra-se óbvio. O problema surge quando se têm em mira as instâncias inferiores de outras circunscrições judiciais do mesmo Estado. Aqui, a depender do Estado, segundo a professora Victoria Iturralde Sesma (no livro “El precedente en el common law”, publicado pela Editoria Civitas), uma das duas opiniões seguintes prevalece: “segundo uma linha jurisprudencial, uma decisão de um tribunal de apelação inferior é obrigatório em todo o Estado, a menos que seja derrogado; segundo outra (representada pelos tribunais de Ohio), uma decisão de um tribunal de apelação inferior é obrigatória somente no seu distrito e, portanto, nos outros, seria meramente persuasiva”.

Já as decisões das cortes de primeira instância não são de seguimento obrigatório pelas demais cortes de igual categoria do mesmo Estado.

Bom, vistos hoje os aspectos mais simples do funcionamento da teoria do “stare decisis” nos EUA, semana que vem, se Deus permitir, partiremos para “coisitas” mais complicadas.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

13/01/2015

Flores, as tragédias de Zé Leão e João Porfírio


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

Desde pequeno que a expressão “mata e queima” povoa a minha mente, sem que eu tivesse maiores detalhes do que ocorreu no passado, na minha família. Ademais, fatos ocorridos, em anos mais distantes, vão se tornando lendas com todos os acréscimos e variações que a mente é capaz de produzir.
Encontro, agora, em velhos jornais, o fio da meada. No “Jornal da Tarde”, de 9 de maio de 1877, havia um elogio a ação do Chefe de Polícia, Ernesto Chaves, exemplificado pela proposição da demissão de João Porfírio do Amaral, subdelegado do distrito de Flores, termo de Acari, em virtude dessa autoridade está envolvida no assassinato de José de Souza Leão, aos 5 de janeiro do ano de 1877. Segundo o jornal, João Porfírio foi pronunciado no art. 192 do código penal, como mandante, e Francisco Nunes da Silva e Antonio da Costa com mandatários.
Nos jornais do Rio de Janeiro, daquele ano, consta nas informações sobre José Leão, que esse indivíduo nutria indisposição com pessoas da família Toscano ali residente, por causa de uma questão de terras.
É fato que João Porfírio foi casado na família Toscano, como podemos ver do registro a seguir: Aos quatro de fevereiro de 1862, pelas oito horas da manhã no Sítio Quixodé, desta Freguesia de Acari, uni em matrimônio, e dei as bênçãos nupciais servatis servandis, sem impedimento algum, obtendo dispensa de parentesco, meus paroquianos João Porfírio do Amaral, e Maria Joaquina de Jesus, filhos legítimos, ele de Alexandre Garcia do Amaral e Maria Angélica do Rosário, e ela de Joaquim Toscano de Medeiros, e Antonia Alexandrina de Jesus; foram testemunhas Joaquim Thomaz de Aquino e Joaquim Urbano de Araújo. Vigário Thomaz Pereira de Araújo.
Posteriormente, encontro, no jornal “Gazeta do Natal”, de 16 de fevereiro de 1889, uma notícia relacionada a João Porfírio, que transcrevo para cá.
No distrito de Flores, termo da Vila de Acari, na noite de 31 de janeiro para amanhecer do dia 1º do corrente, após o estampido de forte descarga elétrica, por entre os clarões dos relâmpagos, caiu um raio sobre a casa de um tal João Porfírio, ali morador, matando instantaneamente as duas filhas deste, já moças.
Esta lamentável ocorrência nos foi transmitida em carta de 4 de abril deste mês, na qual  se nos faz as seguintes reflexões:
Realmente, a morte das duas moças, filha de João Porfírio, fulminadas por uma chama elétrica no meio de uma trovoada animadora, com prenuncio de um bom inverno, tem produzido sérias cogitações no espírito daqueles que acreditam no “castigo dos pais até a sétima geração”.
João Porfírio assassinou José Leão cujo corpo ele, com outros corréus, lançou às chamas de uma fogueira quando ainda estava vivo.
Esse fato assustador, medonho e de descomunal ferocidade, fez espécie em toda província e acha-se registrada nos relatórios e importantes peças oficiais desde o tempo do ex-presidente Satyro Dias.
João Porfírio e seus comparsas foram processados naquele tempo, mas hoje se acham livres de pena e culpa pela escandalosa proteção que lhes foi dispensada no Tribunal de Júri do Acari, figurando como protagonista de todo este cortejo de mais revoltante moralidade o protetor ostensivo dos réus denominados queima gente, o coronel José Bezerra compadre e intimo de João Porfírio!
O Dr. Juiz de Direito, Francisco Clementino Chaves, sabe bem dessa história, e o promotor interino, o deputado Santa Rosa (Cipriano), escolhido a dedo para o gloriosos triunfo de seu irmão José Bezerra (da Aba da Serra), também pode referi-lo com a isenção e pureza do seu caráter.
Passaram-se os tempos, a impunidade foi exultada pelos “homens sérios” desta terra, até que agora, diz o povo, aparece o castigo do céu sobre inocentes criaturas que pagaram com usura as culpas de ferozes assassinos, altamente protegidos. A notícia do jornal “Gazeta do Natal” termina com a frase: São insondáveis os decretos de Deus.
Três irmãs de João Porfírio foram casadas com três filhos de meus tetravós, Thomaz Lourença da Cruz e de Maria Rosa do Nascimento: Maria Alexandrina de Jesus (2º casamento) com Ignácio Rodrigues da Cruz (2º casamento), gerando minha bisavó, Rita Maria da Conceição; Ritta Joaquina de Medeiros com Joaquim Theodoro da Cruz, gerando o tenente Laurentino Theodoro da Cruz, que dá nome a um município do Rio Grande do Norte; e Ignácia Maria da Conceição com Manoel Rodrigues da Cruz, gerando meu bisavô Alexandre Garcia da Cruz. Um filho dos meus bisavós, Alexandre e Ritta, listados acima, casou com uma neta de João Porfírio, como podemos ver do registro a seguir.
Aos dez dias do mês de outubro de 1923, no Sítio Trapiá, desta Freguesia, depois das denunciações canônicas, e sem aparecer impedimento algum, nas presenças das testemunhas Thomaz Garcia da Cruz, e João Porfírio Netto, assisti ao recebimento matrimonial de meus paroquianos Celso Mariano da Cruz, com Corina Clotildes do Amaral, filhos legítimos, ele de Alexandre Garcia da Cruz e Ritta Maria da Conceição, e ela de João Porfírio do Amaral (Filho)), já falecido, e Maria Purificação da Senhora: os nubentes foram dispensados do impedimento do 3º grau igual e simples de consanguinidade; o nubente é natural desta Freguesia, e a nubente é natural de Flores, e ambos residentes nesta Freguesia. O vigário Ulisses Maranhão.
Zé Leão virou símbolo de adoração, e até ganhou uma capela em Florânia. Até a data do seu passamento foi alterada. Nos vários artigos que encontramos na internet, é dado seu assassinato, como se fosse 20 de janeiro, dia de São Sebastião.
Capela de Zé Leão

12/01/2015


OS POBRES DE PARIS


TOMISLAV R. FEMINICK

A chacina realizada por fundamentalistas islâmicos que resultou na morte de cartunistas do jornal “Charlie Hebdo” e de policiais franceses chocou o mundo e nada, absolutamente nada, justifica esse ato terrorista. No entanto, há que se procurar as causas que fazem com que imigrantes do norte da África, e jovens descendentes desses imigrantes que moram na França, se rebelem e abracem a luta contra a democracia e a liberdade. Por julgar oportuno, republico uma crônica que integra meu livro “Conexões e reflexões sobre economia” (Jundiaí-SP, 2011), em que Celso Furtado analisa esse problema. Cirilo, o Círio (com C mesmo, pois Círio é seu nome e Cirilo seu apelido, entre os amigos) era uma figura conhecida entre os professores de uma universidade paulista, aonde eu ministrava aulas. Embora não fosse professor, vivia na sala dos professores e, com o passar do tempo, se transformo no quebra-galho para problemas de toda natureza. Reconhecia firmas em cartórios, resolvia problemas no Detran, na Prefeitura, na Receita Federal e até desembaraçava mercadorias no aeroporto. Cobrava pouco, quase nada, pois não era formalmente um Despachante; era procurador. Um belo dia nos surpreendeu. Chegou na sala e soltou a notícia: “Adeus para todo mundo. Amanhã vou embora. Vou morar em Paris, com minha irmã. O marido dela, um francês, morreu e ela conseguiu uma autorização de permanência para mim”. Perdemos o nosso procurador-despachante. Alguns poucos anos depois, quando eu estava fazendo pesquisa no Muséum National D’Histoire Naturelle, mas precisamente no Musée de l’Homme (Museu do Homem), na capital francesa, sou surpreendido por um abraço de Cirilo. Fomos tomar um café, ali mesmo na Place du Trocadéro. As suas notícias era boas. Ainda estava morando com a sua irmã, estava namorando uma francesa, ex-costureira da Maison Christian Dior. Mas, o mais importante era que sua irmã era amiga de Celso Furtado e, agora, ele era o quebra-galho (procurador) do mestre lá em Paris. Essa última parte despertou a minha atenção. Disse-lhe que tinha conhecido o Dr. Celso anos antes – aqui em Natal – e tínhamos participado de alguns eventos sobre economia, no Rio e em São Paulo. Cirilo, o Círio, pediu licença por uns minutos, se levantou e saiu. Instante depois voltou e disse-me; “Pronto. Está tudo resolvido. Vamos almoçar com le monsieur Furtado”. E fomos. Foi uma conversação amigável, mais que um almoço – o mestre tinha se convertido à “nouvelle cuisine française” (muito sabor e pouca comida). Entre os assuntos desse bate-papo, surgiu o problema da imigração na França. A opinião de Celso Furtado era que, um dia qualquer, num futuro muito próximo, a situação de aparente calmaria iria explodir em uma comoção social. Isso por culpa das boas intenções política e social dos franceses, mas, principalmente, pelas restrições econômicas – e, em decorrência, também sociais – impostas aos emigrantes. Foi uma aula. Sua tese (aqui reproduzida de memória e, portanto, sujeita a lapsos e erros) era que os franceses quando aceitam um emigrante querem fazer dele um francês. Dão-lhe os conceitos teóricos de liberdade, igualdade e fraternidade, mas em troca exigem que ele perca a sua identidade de origem, se esqueçam dos costumes, hábitos e crenças herdados dos seus antepassados. Dão a cidadania ou o direito de morar na França, mas não lhe dão condições econômicas iguais as que têm os franceses. A consequência é a degradação social do individuo. E o resultado disso é a formação de grupos de pessoas de baixa renda, que passam a ser discriminados pelos franceses tradicionais. Esses grupos se juntam e terminam formando aglomerados urbanos, cujos habitantes têm menos oportunidade de trabalho e quando trabalham ganham menos. Como era de se esperar, nesses lugares o índice de criminalidade é maior do que no resto do país. Então, os emigrantes são tratados como párias e criminosos, por uma parcela dos franceses. O mestre tinha razão. Para os emigrantes liberdade, igualdade e fraternidade são meros conceitos teóricos. E agora Paris está em chamas. 

 O Jornal de Hoje e O Mossoroense. Natal/Mossoró, Nov. 2005.

Tomislav R. Femenick (*) – Jornalista, historiador, mestre com extensão em sociologia.

11/01/2015

Resultado de imagem para duque de caxias
D U Q U E   D E   C A X I A S,  O   S E N T I M E N T A L

Gileno Guanabara, do IHGRN

            D. João VI de regresso para Portugal, D. Pedro que ficara governando o Brasil, escreveu ao pai, através de carta datada do ano de 1821, dando conta da prisão de um cabo do regimento de cavalaria, efetuada pelo visconde do Rio Secco, momento em que o detido o convidava a participar de uma conspiração. O fato já fora informado em carta do dia anterior dirigida ao mesmo destinatário. Era tempo das conspirações.

Convocado para o ministério, nos anos que seguiram, José Bonifácio tomou a iniciativa. Nomeou juízes especiais e compôs o tribunal de exceção, para julgamento dos conspiradores, que não eram poucos, expediu leis marciais e ordens para maior vigilância e conter a onda de revoltas populares promovidas por anarquistas, republicanos e carbonários, inimigos do Brasil. Numa delas, dirigida ao Intendente-geral da Polícia, atribuía a Feijó a condição de anarquista: Sua Majestade, o Imperador, confiando muito no zêlo, patriotismo e constante adesão à causa do Brasil que tem manifestado o capitão-mor da vila de Itu, ...e no amor e fidelidade inabalável que consagra à sua Augusta Pessoa: Manda que êle, por todos os meios ocultos que estiverem ao seu alcance, procure conservar debaixo da maior vigilância ao padre Diogo Antônio Feijó...aos sentimentos anárquicos e sediciosos, que é revestido, une a mais refinada dissimulação, da qual sem dúvida resultará grande perigo à tranquilidade e união dos povos daquela fidelíssima comarca.... Rio de Janeiro, 11 de junho de 1823.

De outro lado, ao tomar conhecimento dos termos ressentidos, tais os termos (e em resposta) da carta do padre Diogo Feijó ao governador da Província, barão de Monte Alegre (in Caxias em São Paulo, Vilhena de Morais -1943), - Os paulistas vão tomando a natureza de cães, que gostam de aumentar a aflição aos aflitos... Eu brevemente me retirarei para meu sítio, evitando assim de excitar com a minha presença o ódio dessas feras –, o barão de Caxias irônico, em carta a José Clemente Pereira, Ministro da Guerra (julho/1842), referindo-se à Revolução Paulista, reproduzida também por Vilhena Morais: O senador Feijó se acha nesta Capital guardado por um oficial e nem por isso está mal comigo, tanto que neste momento acaba de sair de minha casa e dizer-me que não quer ser paulista. E prosseguiu, em seu noticioso dirigido ao governador: -...Afirmou o senador Feijó que projeta na Assembléia Provincial declarar que não é mais paulista e nem representante de miseráveis canalhas. E, por fim, -...Pelos disparates que diz, concluo que sofre de desarranjo mental... (Museu Paulista, Rev. n. 06; julho/1842).

Com embates parlamentares acirrados que se prolongaram pelos anos de 1842 e 1843, a exoneração dos presidentes liberais das Província atiçou a agitação, ainda mais com a eleição de Martim Francisco a presidente da Câmara. Veio a dissolução da Câmara e, com efeito, no mês de maio, eclodiu a revolução liberal em São Paulo. Já em junho, em Barbacena, iniciou-se a Revolução Mineira, eleito José Feliciano, o futuro barão de Cocais, presidente da Província revoltosa. Com a adesão diversos líderes, deu-se a rendição de São João d’El Rey, Queluz e o movimento já apontava para Ouro Preto, capital da Província, onde o legalista Bernardo Jacyntho da Veiga resistia.

O padre Feijó liderara a Revolução Paulista de 1842. Sua mensagem ao povo, para que aderisse e tomasse o poder pelas armas, não foi entendida nem como sendo contra o governo provincial, nem contra o governo Imperial. O povo não lhe deu crédito. Daí sua amargura para com os paulistas. Emblemático foi o momento da prisão do Padre Diogo Feijó, em São Paulo, pra onde Caxias fora enviado, a fim de debelar a revolta. Depois de estabelecer seu quartel-general, dirigiu-se acompanhado apenas do ajudante de ordens à Rua das Flores, onde encontrou o padre Feijó imobilizado de uma perna.

 Após os cumprimentos de praxe, disse Caxias: - ...Só o dever de soldado me impõe a dolorosa incumbência de vir prender o senador Feijó, um dos chefes do movimento revoltoso. Convido-o, pois, a acompanhar-me. Feijó prontamente respondeu: - Sr. General, estou às suas ordens. E prosseguiu para a oitiva de Caxias: - O sr. é moço, aprenda no que está vendo, o que são as vicissitudes do mundo. Naquele tempo eu dava acessos ao sr. Lima e Silva, hoje vem êle prender o velho Feijó, já moribundo.  Caxias lhe retrucou de imediato: - Sou soldado e cumpro ordens do Govêrno, ordens iguais às que me deu o sr. Feijó quando era Ministro da Justiça: varrer os revoltosos a ferro e fogo e prender os cabeças da revolta. Existem versões nem tanto diferenciadas para o relato final daquele episódio, como a registrada por Américo Brasiliense (Lições de História Pátria, 1877). Prevalece, afinal, a tese de que Caxias tratou com benignidade e respeito ao Senador do Império, mantendo-o em prisão domiciliar.

Já nas Minas Gerais, diante do fato de o líder, José Feliciano, sem comunicar aos parceiros de revolta, ter proposto uma trégua ao barão de Caxias, chefe das tropas legalistas enviado às Minas Gerais, o desânimo dominou os revoltosos. Por fim, o líder da conspiração fugiu, abandonando as tropas. Era agosto de 1842. Luiz Alves de Lima e Silva, que vencera a revolta liberal de São Paulo, avançou sobre Santa Luzia, deu voz de prisão a Theophilo Ottoni e pôs fim à acéfala revolta liberal mineira. Ao passar por Ouro Preto, de volta para o Rio de Janeiro, convidado para um “te-deum” pela vitória, Caxias refutou: O officio do clero é rezar pelos mortos. Não é congratular-se pelos resultados de uma luta fraticida que devia entristecer os corações brasileiros.

No outono da vida, era março de 1874, um duque de Caxias alquebrado, revelou o seu lado sentimental. Em carta a sua amiga e comadre, D. Maria José de Siqueira: Perdi o maior bem que neste mundo gozava: a minha virtuosa companheira de 41 anos. É que falecera Ana Luíza Carneiro Viana, a esposa, com quem se casou em 6 de janeiro de 1833. Só em 1888, o jornal “Gazeta de Notícias” noticiou o relato feito pelo padre que lhe dera a extrema unção: o desespero e o choro angustioso do marechal guerreiro... No início da carta, o lamento da perda: -Quê me vale o mundo sem ela? ...A seguir, Caxias fez referência aos brincos de pedras preciosas que a falecida destinara à prima e confidente: -... lhe peço que os aceite como um presente da sua íntima amiga, que Deus levou para o Céu, deixando-me só neste Mundo, para chorá-la. Não os vou entregar pessoalmente como devia, porque sou um cobarde. Seu compadre que muito a estima. Duque de Caxias, abril de 1874 (Do arquivo do juiz, Dr. Otávio Tarquino de Souza, RJ).    

 

           

09/01/2015

Assim caminha a humanidade

Luciano Ramos
Procurador-Geral do Ministério    Público de Contas do RN

“Ainda leva uma cara, 
pra gente poder dar risada.
Assim caminha a humanidade,
com passos de formiga.
E sem vontade!
Não vou dizer que foi ruim,
também não foi tão bom assim!” 
(Assim caminha a humanidade, Lulu Santos).

Os curiosos pela física e sua dinâmica – e eu me incluo entre eles, com conhecimentos rudimentares – fixaram a lição de que a força necessária para quebrar a inércia é sempre superior à suficiente para apenas manter o movimento que já vem sendo desenvolvido.

E as relações humanas espelham esta lei física, pródiga em encontrar zonas de conforto que são quebradas apenas com um grande gasto de energia. Mas, depois que as forças convertem-se em movimento, os efeitos multiplicadores surgem naturalmente e não é mais possível retroagir a patamares anteriores.

Ao longo dos últimos anos, tenho observado o avanço do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte no controle das contas públicas, figurando inclusive na vanguarda nacional na adoção de medidas como concessão de cautelares, decretação de indisponibilidade de bens, afastamento incidental dos efeitos de normas inconstitucionais, auditorias operacionais e termos de ajustamento de gestão.

Tudo isto com o papel decisivo dos gestores que conduziram a casa nos últimos anos, a se destacar os três últimos presidentes.

Nada obstante este inegável desenvolvimento nos mecanismos de controle das contas públicas potiguares, no que tange à emissão de pareceres prévios – que infelizmente não contam com a participação do Ministério Público de Contas, por uma interpretação dada há tempos imemoriais -, infelizmente, estamos diante da aparente criação de uma zona de conforto, denominada de aprovação com ressalvas.

Com este rótulo, não se deixa de apontar as irregularidades colhidas ao longo da instrução – que só deveriam ensejar a solução da ressalva se falhas meramente formais fossem. Porém, não se dá o passo a frente que é a responsabilização nestes autos por estas irregularidades, deixando o caminho a ser percorrido em outro processo, que denominamos julgamento das contas de gestão, com ênfase pormenorizada em cada ato e contrato administrativo específico.

E então, fica-se a indagar qual seria a força necessária para quebrar esta zona de conforto e avançarmos em direção à rejeição das contas anuais? Como toda instituição que amadurece a cada passo, esta é uma autoreflexão que deverá ser feita no caminhar próximo em direção aos avanços já visíveis nitidamente, sobretudo ao observar-se que superamos esta barreira mais facilmente nas contas municipais do que nas estaduais.

Por ora, basta perceber que esta fronteira imaginária está cada dia mais próxima no horizonte, também reflexo dos avanços vividos em outras categorias de julgamento no Tribunal, sinal da iminência de novos tempos.

Assim, neste momento, a força resultante necessária para ensejar rejeição de contas estaduais não precisará ser de tal potência que configure crime tipificado no código penal – lançada aqui apenas como hipótese teórica -, bastando um patamar mínimo objetivamente identificado de ofensas à regularidade nas finanças públicas para ultrapassarmos a fronteira daquilo que é ressalva para a irregularidade constatada.

E quando se dará este ponto de inflexão? Não sabemos a resposta, mas a sociedade espera que seja o quanto antes, de maneira a que o caminhar da humanidade avance com passos mais largos.

Enquanto isto, desculpem os transtornos, estamos em obras!

08/01/2015

Severina Cláudia, meu elo seridoense


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

Minha mãe, Dalvanira Avelino Trindade, hoje com 96 anos, nasceu em Angicos, mas era filha da seridoense Severina Cláudia da Conceição, natural de Florânia, segundo seu batismo: Severina, filha de Alexandre Garcia da Cruz e de Rita Maria da Conceição, nasceu em 07 de julho de 1895, foi batizada na Matriz de Flores, aos 18 de agosto de 1895, pelo Padre Antônio da Silva Pinto, e os padrinhos foram João Porfírio, e Maria da Conceição. 

Há, também, o registro civil desse nascimento, mais completo: Aos dois dias do mês de agosto de 1895, nesta Vila de Flores, compareceu em meu Cartório o cidadão Alexandre Garcia da Cruz,  e em presença das testemunhas abaixo assinadas declarou que no dia sete de julho deste mesmo ano, no Sitio Fechado deste Distrito de Flores, às nove horas da noite, nascera e conserva-se viva uma criança do sexo feminino e que se havia de chamar Severina Cláudia da Conceição, filha legítima de Alexandre Garcia da Cruz e Rita Maria da Conceição, criadores, naturais e residentes neste Distrito; sendo avós paternos Manoel Rodrigues da Cruz e Ignácia Maria da Conceição, falecida, e avós maternos Ignácio Rodrigues da Cruz e Maria Alexandrina de Jesus, todos residentes neste mesmo Distrito; de que para constar lavrei este termo que vai assinado pelo declarante e as testemunhas. Eu, José Marinho de Araújo, escrivão, escrevi.  Alexandre Garcia da Cruz, declarante; Soter Batalha de Araújo e Sebastião Carneiro de Mello, testemunhas.

Os pais de Severina Cláudia eram primos carnais, pois Manoel Rodrigues da Cruz e Ignácio Rodrigues da Cruz eram irmãos, como também suas respectivas esposas, Ignácia Maria da Conceição e Maria Alexandrina de Jesus. Mas, Severina Cláudia rompeu a sequência de casamentos consanguíneos quando casou com meu avô, Cícero Torres Bezerra Avelino, natural de Angicos.

Entretanto, um irmão de Severina Cláudia casou no Seridó: Manoel Tertuliano de Medeiros (tio Neco) contraiu matrimônio em 24 de dezembro de 1917, no Sítio Poço dos Cavalos, em Jucurutu, com Maria Adalgisa de Medeiros (tia Lilia), filha de Pacífico Clementino de Medeiros e de Ana Tereza de Jesus, ele morador em Angicos, e ela em Jucurutu, celebrante Padre Esmerino Gomes, testemunhas Silvino Garcia do Amaral e Euclides Clementino de Medeiros; foram dispensados do parentesco de consanguinidade de 4º grau atingente ao 3º.

O parentesco muito próximo dos pais de minha avó, que chamávamos de Madrinha, gerou apenas quatro bisavós para ela: Thomaz Lourenço da Cruz e Maria Rosa do Nascimento eram pais de Manoel Rodrigues e Ignácio Rodrigues; enquanto Alexandre Garcia do Amaral e Angélica Maria do Rosário eram os pais de Ignácia Maria da Conceição e Maria Alexandrina de Jesus. 

Thomaz Lourenço casou com Maria Rosa do Nascimento, aos 22 de setembro de 1814, sendo ele filho de José Garcia de Sá Barroso e de Anna Rita, falecidos, e ela de Manoel Rodrigues da Cruz e Thereza Maria José. José Garcia, por sua vez, era filho de Antonio Garcia de Sá Barroso e Anna Lins de Vasconcelos, enquanto Ana (Gertrudes de Santa) Rita era filha de Thomaz de Araújo Pereira (2º) e Thereza de Jesus Maria. Já, Manoel Rodrigues era filho do português Francisco Cardoso dos Santos e Thereza Lins de Vasconcelos, enquanto Thereza Maria José era filha de Thomaz de Araújo Pereira (2º) e Thereza Maria de Jesus. Ana Gertrudes de Santa Rita era, portanto, irmã de Thereza Maria José.

O outro bisavô de Madrinha Severina, Alexandre Garcia do Amaral, casou com Maria Angélica em 8 de outubro de 1825, sendo ele filho de João Garcia do Amaral (ou de Sá Barroso) e Maria Rosa da Conceição, e ela de Ignácio Ferreira de Macedo (ou Ferreira Bittencourt) e Helena Maria de Santa Tereza. João Garcia, também, era filho de Antonio Garcia de Sá Barroso e Anna Lins de Vasconcelos, enquanto Maria Rosa da Conceição era filha de João Damasceno Pereira e Maria dos Santos Pereira. Já Helena, que casou com Ignácio, em 30 de novembro de 1798, era filha de João Garcia de Sá Barroso (outro) e Magdalena de Castro, enquanto Ignácio era filho de Antonio Ferreira de Mendonça (ou Macedo) e Francisca do Carmo.

Antonio Ferreira de Mendonça era filha Manoel Ferreira de Macedo e Anna dos Prazeres de Mendonça. Já Francisca do Carmo era filha do português Antonio Garcia de Sá, e Maria Dornelles Bittencourt. Também eram filhos de deste último casal: Antonio Garcia de Sá Barroso, esposo de Anna Lins; e João Garcia, esposo de Magdalena de Castro.

João Damasceno Pereira e Thomaz de Araújo Pereira (2º) eram filhos do português de Viana, Thomaz de Araujo Pereira, e da paraibana Maria da Conceição de Mendonça; as esposas deles eram filhas do português Rodrigo de Medeiros Rocha e Apolônia Barbosa de Araújo. 

As irmãs Anna Lins de Vasconcelos e Thereza Lins de Vasconcelos eram filhas de Alexandre Rodrigues da Cruz e Vicência Lins de Vasconcelos. Uma filha de Thereza, como o mesmo nome da avó, Vicência Lins de Vasconcelos, casou com Cipriano Lopes Galvão (2°).

Aí, pois, parte da minha ascendência do Seridó. O ano novo bem melhor para todas as pessoas do mundo.
Severina Cláudia e os bisnetos

Severina Cláudia e os filhos