11/05/2014

DIA DAS MÃES




O centenário do dia das mães

Diogenes da Cunha Lima

Há exatamente cem anos o presidente dos Estados Unidos consagrou o segundo domingo de maio às mães (mother’s day), logo seguido por outros países, inclusive o Brasil. Esse louvor é antigo. Na Grécia, era feito a Reia, mãe dos deuses. Roma festejou Cibele (Magna Mater), A Grande Mãe. O catolicismo fez louvor à Virgem Maria (Imaculada Conceição).
A elevada sensibilidade dos poetas tem, há séculos, celebrado a Mãe. Singular na língua portuguesa, na emoção produzida, a palavra mãe só rimaria com um múltiplo superlativo de bondade, de renúncia, de amor total.  Nesta data lembro as mães sem filhos e, com carência sofrida dos filhos sem mãe. Vezes, as primeiras inundam com represada afeição seus eleitos de coração. Os outros, órfãos da presença, parecem viver um lugar reservado à sua própria solidão. Umas e outros suavizam a privação com lembrança e prece.
A minha mãe – Dona Nicinha – consagrou-me a Sant’Anna (nasci a 26 de julho), a ter devoção por Santa Luzia, e muito cedo nos ensinou o poder da oração. Confiante, aprendi a rezar, quatro orações: o Pai-Nosso, a Ave-Maria, o Santo Anjo e a Salve-Rainha. Eu deveria ter na mente a imagem sagrada de quem era dirigida. Rezo o Padre-Nosso imaginando estar à beira-mar com muita gente. Jesus vem distribuindo pães. Espero, paciente e consolado, a minha vez. Imagino ver, com a Ave-Maria, Nossa Senhora e a minha mãe de mãos estendidas em benção. O Anjo da Guarda paira no alto, derramando luz. É o mesmo anjo que nos guiava, na parede do nosso quarto – meu e de Daladier. Deixei de rezar a Salve-Rainha porque incorporei o que me disse o meu queridíssimo amigo e mestre Dom Nivaldo Monte. Ele não gostava de considerar-se degredado, num vale de lágrimas e ainda mais gemendo e chorando... Concordei porque sou um otimista profissional.
As mães dão proteção, carinho, orientação, mágica presença de apoio permanente. Nunca cortam o cordão umbilical da vida e do afeto. Os filhos devemos celebrar o seu louvor.  Não conheço melhor louvação da que foi feita pelo poeta Mario Quintana:
Mãe. / São três letras apenas / As desse nome bendito: / Três letrinhas, nada mais, / Mas nelas cabe o infinito. / É palavra tão pequena – / Confessam mesmo os ateus – / És do tamanho do céu / E apenas menor que Deus.
As mães têm lugar cativo na eternidade, o paraíso, porque intensamente amaram.

10/05/2014

JN




Cardeal EUGÊNIO SALES

Jurandyr Navarro
Procurador do Estado, aposentado, e Presidente
do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Aplicando a capacidade cognitiva à disposição de um labor construtivo, fez de Dom Eugênio Sales alvo do aplauso unânime dos seus patrícios.
Um Prelado originário de uma minúscula cidade - Acari, obscuridade geográfica do mapa-mundi, converteu-se no grande apóstolo da modernidade católica, cuja admi­ração causada pelo trabalho magnífico empreendido, atravessou fronteiras internacio­nais e chegou à abóbada do Vaticano.
Dom Eugênio tornou-se
"um virtuoso na arte do possível",
como diria Jean Lacouture (1991) a respeito do herói de Pamplona o fundador da Ordem Jesuíta, a instituição dos conquistadores e dos intelectuais da Igreja Católica Apostólica Romana.
A extraordinária trajetória do Cardeal Sales começou em nossa Capital, passando pela Cúria de Salvador e ultimando no Arcebispado da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Foram cinquenta anos de luta pertinaz, sem canseiras nem cavilações; nem de­magogia, sem alarde e sem buscar os holofotes da publicidade paranóica. Proeza fan­tástica somente realizável e consumada pelos verdadeiros líderes da Humanidade, la­bor incansável reconhecido por todos.
Não direi aqui as suas muitas realizações. O seu número exorbitaria do texto aqui aplicado. Não aludirei às suas Palestras nacionais e internacionais, às Medalhas rece­bidas, aos Troféus acumulados, os testemunhos dos políticos, intelectuais e Cardeais de todos os idiomas ditos a seu respeito e também de Pontífices. O seu curriculum vitae daria as páginas de uma plaquete. Desenho, apenas, nesta página, alguns traços marcantes da sua vida trepidante, a vol d’oiseau.
Pertence, Dom Eugênio, à categoria restrita daqueles bravos em que a Nação pode confiar o seu patriotismo e a Igreja o seu altar. Nele, dificuldade não era sinônimo de impossibilidade.
Ninguém poderá medir no compasso, pesar na balança, e pôr na estatística as realizações desse Notável condutor de almas. Muitas vezes pensava uma iniciativa pela manhã e na parte da tarde estava ela concretizada. A sua atividade indormida transfor-mou-o num grande administrador, auxiliada, também, pela clarividência de sua mente objetiva.
Disse Peter Druker, famoso autor da Ciência da Administração, que
"não há países subdesenvolvidos; e sim, sub-administrados".
Conclui-se desse corolário ser o bom político, o bom administrador o fator essen­cial do desenvolvimento civitizatório de uma nacionalidade. O Brasil já teve bons e me­díocres governantes todos sabem; como a Igreja Católica, Bispos realizadores e outros apenas contemplativos.
O Trabalho foi sempre a constante e a determinante ideia fixa posta em prática por esse audaz cavaleiro do Grande Rei, vencendo todos os aclives do caminho tortuoso percorrido. Ele semeou a semente do Bem no coração dos fiéis, dos infiéis, dos letrados e ignorantes, pois todos são filhos de Deus.
Como disse Vieira, tribuno inigualável, há muita diferença entre o semeador e o que semeia.
O semeador é o nome, o que semeia é ação! O apostolado de D. Eugênio foi todo de Ação.
Não havia óbices para o herói de Pamplona no ardor da sua luta. O mesmo se deu na vida do Cardeal Sales, toda ela determinada através de um trabalho pertinaz, em edificar uma Igreja melhor "Quero uma Igreja de Homens e não de pedras", disse certa vez, visando o Bem da humanidade, como induz a divisa jesuíta: Ad Majorem Dei glori­am (Para a maior glória de Deus).
Todos devemos ter um ideal, um ideal nobre. D. Eugênio acendeu a chama do ideal desde a mocidade.
"Felizes, disse Bordeaux, os que colocaram bem alto o sonho da sua vida". Afirmou Riboulet (Rumo à Cultura, 1977): "Quando o ideal se apodera de uma inteligência, domina-a completamente".
Expressões estas condizentes com a postura existencial do eminente Bispo potiguar, obedecendo, sempre, na sua vida um ideal nobre.
Eis por que exultava Pierre Rostand, da Plêiade, a chamar, sobre a amplidão da praia sombria, a onda sonora do ideal.
Além de cultuar um ideal elevado, Dom Eugênio aprofundou-se no fazer, dizendo com Carlyle:
"O viver é uma conjugação ininterrupta do verbo fazer".
Não o fazer por fazer, da multidão anônima; mas, o fazer programado pela inteli­gência e acionado pela vontade: o savoir faire!
De suas meditações e questionamentos redundaram mudanças importantes no Governo pontifício. A sua palavra autorizada foi ouvida por Chefes da Cristandade.
A formação do ínclito varão católico foi mais intensificada no ambiente temporal, do que propriamente no ambiente religioso, embora jamais descurasse a atenção primacial deste último. Cursou o Seminário depois do período turbulento da puberdade. Passou a infância e parte da adolescência envolvido na sociedade profana, leiga e libe­ral.
Diversa, portanto, a sua visão social daquela vislumbrada pela maioria dos seus colegas de ministério eclesial. Assim foi a vida de Loyola; do Bispo de Hipona e de alguns Papas, dentre eles João XXIII e Paulo II.
Daí, a inclinação de D. Eugênio, desde a Ordenação em buscar responsabilidades junto aos leigos, para juntos atuarem nas comunidades ditas carentes. Tal se depreende do texto bíblico, a atuação de Esdras, o sacerdote e de Neêmias, o leigo; animados ambos, numa ação conjunta pelas terras da Judeia.
Ciente da força da Imprensa, usou o Jornal, o Rádio e depois a Televisão, para ampliar a voz do púlpito.
A prece contemplativa no Altar e a ação do Trabalho formaram o binômio vitorioso da trajetoria do aplaudido Pastor. Jamais foi dobrado pelo cansaço na caminhada por estrada tortuosa, sem admitir recuos ou desfalecimentos.
Lembra esse labor incansável, as palavras incisivas de Henri Bergson:
"O que me impressiona em Jesus, é essa ordem de ir sempre avante. De modo que se poderia dizer que o elemento estável do Cristianismo é a ordem de jamais se deter".
Por todos reconhecida a extraordinária gesta de meio século pela Igreja, pelos trabalhadores, pela sorte dos detentos e reclusos e dos pobres em geral e também guieiro da elite social.
Foi ele um Pastor que teve dignidade no cargo exercido, em consideração e reve­rência aos postulados éticos do Cristianismo.
A propósito disso declarou Guizot:
"A Igreja Católica é a mais vasta escola de respeito, de obediência e de autoridade".
O eminente nordestino foi uma das autoridades mais acatadas da nação brasileira.
Não irei mais me alongar sobre personalidade tão significativa, mesmo porque dela falar seria um nunca acabar...
Numa palavra, foi ele o grande Príncipe da nossa Igreja!
O Cardeal Eugênio de Araújo Sales não é somente uma destacada figura do Rio Grande do Norte e do Brasil; tem ele o seu nome augusto lugar perpétuo na galeria restrita e luminosa dos imortais vultos da Humanidade.


09/05/2014

VM

VALÉRIO MESQUITA - PRESIDENTE DO IHG/RN

DÉSPOTAS ESCLARECIDOS 
 Valério Mesquita* Mesquita.valerio@mail.com 

 O mundo clama por mudanças. Ninguém pode ignorar isso. A vida, as pessoas e os fatos, já nos dizem muito. É imperativo um raio de luz na sombra projetada dentro da história divino/humana. A reconstrução e a renovação do tempo devem ser absorvidas e respeitadas quando chegam com dignidade cristã e base histórica. Digo cristã porque considero como uma das grandes fontes confiáveis. Essa colocação não a considero banal. O dinheiro é o verdadeiro inimigo e único rival de Deus. O dinheiro é o “deus visível” em oposição ao verdadeiro Deus que é invisível. Em 1 Timóteo 6:10, “o apego ao dinheiro é a raiz de todos os males”. Daí a mudança ser tão convidativa em nossos dias quando enxergamos, à olho nu, certos administradores do dinheiro público. Judas Iscariotes começou furtando um pouco o dinheiro da bolsa comum. Isso não parece dizer nada para certos gestores, prefeitos, vereadores, dirigentes de autarquias e demais autoridades parlamentares. A esse tipo de gente que não recebe, nem muito menos retorna telefonemas, nem concede audiência pública a ninguém e que vive obnubilado tal qual general no seu labirinto, - vivendo o outono patriarcal em tempos de cólera, - faz-me lembrar da história narrada pelo franciscano Raniero Cantalamessa sobre os males que o apego ao dinheiro e o desprezo ao próximo podem causar. “São Francisco de Assis”, - relata o frade – “descreve com uma severidade incomum, o fim de uma pessoa que viveu somente para aumentar o seu “capital”. Aproxima-se a morte; chamam o sacerdote. Ele pergunta ao moribundo. “Queres o perdão de todos os teus pecados”? E ele responde que sim. E o sacerdote: “Estão preparado para satisfazer os erros cometidos com as demais pessoas?” E ele: “Não posso”. “Por que não podes?” “Porque já deixei tudo nas mãos dos meus parentes e amigos”. E assim ele morre impunemente. E, depois de morto, os parentes e amigos entre si, passaram a censurá-lo: “Maldita a sua alma” podia ganhar mais e deixar-nos, e não o fez!!”. A carapuça dessa história cabe na cabeça de muitos agentes públicos e privados que não gostam de justiça social. Em vez de apascentarem o rebanho, apascentam a si mesmos. Conclusivamente, a traição de Judas não se resumiu em apenas entregar Jesus, mas a de não reconhecer a sua divindade. Quanto a traição do corrupto de hoje, ela não se restringe a de ocultar o dinheiro, mas a de não reconhecer que ele pertence ao povo. Ninguém, senão Deus, sabe o que acontece na sua alma. Vale relembrar a canção de Chico Buarque de que “apesar de você, amanhã há de ser novo dia, sem precisar de pedir-lhe a licença para este dia amanhecer...”. É preciso preconizar mudanças, alternância de poder, não a reeleição... O poder nas mãos de um só ou de uma família, sem interregno de oposição, de luta, de sofrimento, vira casta, vício redibitório, potestade maligna e imoralidade insepulta. Vale relembrar aqui o desfaçatez de Frederico II, rei da Prússia, que poderia ser brasileiro: “Tudo para o povo, mas sem o povo”. 

 (*) Escritor.

08/05/2014

MORRE O CANTOR ALEGRIA


 





Praça




1911 – Praça Augusto Severo

Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ

elisio@mercomix.com.br




Na Estação da Great Western da Ribeira, eu aguardava alguns familiares que retornavam a Natal. Bateu o sino da estação – o trem já deveria estar próximo – segundo alguns já partira da última parada intermediária.
Para me assegurar disso procurei um dos funcionários da rede que me comunicou que o trem estava dentro do horário e logo mais estaria chegando.
Aproveitei o tempo de espera para uns pastéis e bolos de tabuleiro vendidos na estação.
A informação estava certa – logo mais avistei a maria-fumaça. A locomotiva vinha da esquerda – margeando o Rio Potengi. Antes de aparecer na curva, ouvíamos o ronco forte da máquina resfolegando nos trilhos – espantando homens e animais.
Finalmente, a locomotiva apareceu ao longe, bufando fumaça pela longa chaminé.
Quando se aproximou da plataforma de embarque e desembarque, escutávamos o barulho dos ferros, o guinchar das rodas escorregando sobre os trilhos, a freada demorada, o aço sobre o aço, o chiado da fornalha e os vapores da caldeira.
Os passageiros desciam sem pressa, parecendo querer curtir os últimos momentos na carruagem de ferro. Uma pessoa me chamou atenção: uma senhora elegantemente vestida – enorme chapéu florido, sombrinha colorida e rendada, e sapato negro bicudo com fivela de prata.
Paralelamente, os funcionários da companhia desciam as malas e outras bagagens, com a vigilância atenta do chefe da estação.
Da porta da calçada da estação, quem vinha a Natal pela primeira vez avistava a bela Praça Augusto Severo, com o monumento à Nísia Floresta.
Pelo dia e hora quase não havia ninguém na rua. Várias casas comerciais estavam de portas fechadas.
Do outro lado da praça, o Teatro Carlos Gomes e o Grupo Escolar Augusto Severo, sob os olhares vigilantes da antiga fábrica de tecidos de Juvino Barreto.
Um carro de boi passava vagarosamente em frente da estação, com o seu canto triste produzido pelo eixo de suas rodas. Era um lamento sem fim... triste e ouvido à distância.
Esse cantoril era motivo de orgulho dos carreiros, que chegavam a jogar água no buraco da roda para que o canto saísse mais sofrido.
Corria o finalzinho de 1911 na Cidade dos Reis Magos. Por aqui não se falava de outra coisa que não fosse o recém-inaugurado Cine Polytheama – ali ao lado da estação. O cinema dera uma nova vida ao bairro ribeirinho.
As noites passaram a ter outro sentido para as famílias. De dia, grupos de meninos saíam pelas ruas, carregando cartazes e anunciando o filme que seria exibido nas “matinées” e “soirées” do cinema.
Os filmes em rolo de celuloide eram ansiosamente aguardados por todos. Naquela época, o cinema era mudo, viam-se as imagens, mas não havia som – o que os atores diziam aparecia em quadros, que se intercalavam com as cenas.
Do outro lado da praça, o Teatro Carlos Gomes a tudo assistia impassível.



CAYMMI E JORGE, QUE DUPLA!




CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO

“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.
Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.
Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.

Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?

Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?

Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.

A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
________________
Colaboração de JOVENTINA SIMÕES

 

 


06/05/2014

Rebouça e Malheiros


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
 
Encontramos, em várias localidades do nosso estado, descendentes das famílias Rebouça (é assim que está na maioria dos registros) e Malheiros, que se entrelaçaram por aqui. Alguns migraram para o Ceará. Há descontinuidades nos registros da Igreja, mas, de qualquer forma, vamos trazer alguma informação sobre eles, neste artigo.

João Malheiros, filho de Diogo Rebouça, natural de Santo Estevão, da faixa de idade de vinte e oito anos, cabelo liso e louro, olhos pardos, rosto redondo e aflamengado, baixo e grosso de corpo, e bem empinado, é soldado desta companhia desde 5 de janeiro de 1699 anos e vence mil oitocentos e sessenta e seis reis de soldo, por mês, na forma do assento do Conselho da Fazenda, lançado no livro 2º a fls 79v e não vencerá mais coisa alguma. Manoel Gonçalves Branco. Há ajustes nas laterais desse registro que vão até 1703, no Arraial do Assú.

João Malheiros recebeu, junto com Antonio Velho de Brito, no ano de 1706, do capitão-mor Sebastião Nunes Collares, sesmaria no Rio Umary, entre as duas serras de Catolé correndo para a serra de Mãe d’Água.

Nos velhos registros desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, encontramos o batismo de dois filhos de João Malheiros: aos 28 de outubro de 1706, na capela de Santo Antonio do Potengi, foi batizado Diogo, filho de João Malheiros e Beatriz de Castro, tendo como padrinhos Manoel Tavares Guerreiro e Maria Magdanela, filha do coronel Gonçalo da Costa Faleiros; e, em 10 de junho de 1711, no oratório da capela de Jundiaí, foi batizada Maria, filha de João Malheiros e Beatriz de Abreu (outro sobrenome), tendo como padrinhos o sargento-mor Estevão Velho de Moura e Úrsula de Mendonça, viúva (do coronel Gonçalo da Costa Faleiros).

Encontramos outros registros na capela de Jundiaí, onde os batizados eram três tapuias, escravos de João Malheiros, em 1711.

Há outro Malheiros, dessa época, já tratado em outros artigos, que é Gaspar Rebouça Malheiros, português de Viana, casado com Úrsula Leite de Oliveira. Gaspar e Úrsula batizaram os seguintes filhos, a partir de 1703, todos na capela de Santo Antonio do Potengi: Gaspar, em 1703; Damião, em 1705; Ponciano, em 1706; Lourenço, em 1708.

Nos assentamentos de praça, de 1724, encontramos alguns deles, com o nome já completo: Gaspar Pereira Leite, 20 anos; Lourenço de Oliveira, 16 anos; Ponciano Gonçalves, 17 anos; e Antonio Leite de Oliveira, 45 anos. Já Damião Pereira Leite, vamos encontrar na folha de pagamento de tropas de 1720. 

Com todas as informações acima, não conseguimos detectar a ligação de João Malheiros ou Diogo Rebouça com Gaspar. Como dito em artigo anterior, havia um Diogo Malheiros Rebouça que foi casado com Jacinta de Vasconcelos, e depois com Phelippa Rodrigues de Oliveira. No registro do casamento com Phelippa, aparecem como seus pais Diogo Malheiros e Beatriz de Abreu. Acho que houve um erro no registro dos pais, pois acredito que eram João Malheiros e Beatriz de Abreu (ou Castro).

Vejamos outros registros onde aparecem  membros da família Rebouça. Em 2 de setembro de 1761, na capela de Santo Antonio, casaram Salvador Rebouça de Oliveira (natural de Mossoró, da freguesia de São João Batista do Assú) e Rosa Maria de Oliveira; ele, filho do capitão José Rebouça de Oliveira (Igarassu) e Ângela das Neves (Olinda), moradores no Assú; ela, filha do capitão Ignácio de Oliveira (Vilarinhos, São Salvador de Macieira, bispado do Porto) e Brígida Leite de Oliveira. 

Esse casal gerou José, em 1766, que foi batizado na capela de Santo Antonio do Potengi, tendo como padrinhos Manoel Francisco Rebouças, tio paterno, e Brígida Leite, sua avó materna. Em 1774, nasceu Manoel, que teve como padrinhos Antonio Manoel e Anna, filhos da viúva Brígida Leite. Em 1781, era batizado outro Manoel, filho do mesmo casal.

José, depois, alferes José Rebouça de Oliveira, filho de Salvador e Rosa Maria, casou com Antonia Joaquina de Barros, filha do sargento-mor Antonio de Barros Passos e Bernardina de Assunção.

Em 6 de junho de 1801, Gaspar Rebouça de Oliveira, filho de Salvador Rebouça de Oliveira e Maria de Oliveira, falecida, casou com Rosa Maria de Oliveira, filha de Luis Gomes da Silva e de Úrsula Leite de Oliveira, sendo testemunhas tenente Antonio Cavalcante Bezerra e alferes Luis Gomes. Houve dispensa de 2º grau de consanguinidade. Salvador e Úrsula eram irmãos, ambos filhos de Salvador Rebouça de Oliveira e Rosa Maria de Oliveira (que casaram em 1761). Observem como os nomes se repetem, criando, algumas vezes, confusão genealógica. Essa segunda Rosa Maria, esposa de Gaspar, faleceu em 1830, com 41 anos de idade.