13/10/2021
CENTENÁRIO DE ALUÍZIO ALVES
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
A memória do ex-governador, deputado federal, ministro e jornalista Aluízio Alves jamais deixará de despertar em todos nós, novas reflexões sobre a sua vida e obra. É o mesmo que afirmar que sempre se dirá dele a penúltima palavra mas nunca a última. Assim foi e continuará sendo com relação a vultos da estirpe de homens públicos como Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Carlos Lacerda. Isso tudo porque efetivamente Aluízio foi um líder porque inovou, recriou, reinventou e redimencionou a máquina, os métodos e as práticas político-administrativas que imperavam desde a Velha República. Assim ocorreu nas lutas que abraçou como deputado federal e governador do Rio Grande do Norte quando desafiou e derrubou as estruturas arcaicas da administração pública por um novo modelo na educação (método Paulo Freire); na industrialização, o progresso social através da energia de Paulo Afonso, além de inúmeras obras estruturais sob o timbre da modernidade. Foi líder porque despertou os acomodados. Apaixonou o povo pelas suas causas. Dividiu opiniões sem medo do julgamento dos apressados.
Como jornalista revelou-se o criador de empresas de comunicação. Como político sensível e hábil criou o seu próprio marketing, o seu estilo e a sua logomarca. Das sombras do eclipse da democracia brasileira optou pela cambiante concretude do processo da industrialização do novo nordeste, apesar da mordaça política. Por isso, como líder nato, permanente, eu não o comparo. Eu o separo. Ele tinha o selo e a marca da exclusividade. Ninguém foi como ele. Como empresário, no curso dos dez anos da cassação, trouxe para o Rio Grande do Norte inúmeros investimentos, os quais geraram empregos, e se não tivessem sido implantados naquele tempo, não seriam hoje continuados por outros investimentos.
Como Ministro da Integração deixou o legado maior: o projeto de transposição do Rio São Francisco. Dir-se-á que Aluízio Alves conquistou o futuro.
Ao lado de suas ideias e sentimento, ele possuía a convencedora energia da palavra, eloquente e ágil. Ninguém na vida pública do Rio Grande do Norte, a não ser ele, sabia fazer de forma tão mágica e carismática. Era um vocacionado desde adolescente em 1934, quando discípulo de José Augusto Bezerra de Medeiros. Em 1946, com 25 anos já é constituinte da República, convivendo com os luminares da redemocratização do país. Aluízio foi um predestinado que empreendeu uma cruzada digna e necessária em prol do desenvolvimento do Rio Grande do Norte, tanto como deputado federal, governador, líder popular, ser humano, desprendido, abdicando de ser senador para acolher companheiros de partido (PMDB).
Tudo o mais já foi dito sobre ele e reproduzido em todos os jornais. Falar mais é repetir-se. O que importa, é que nenhuma instituição pública, nem as gerações futuras deixem de reconhecer e proclamar os seus méritos que estão gravados no bronze da história político-administrativa do nosso Estado. Político nos seus defeitos comuns e humano nas suas contradições naturais. Aluízio Alves foi o ícone de todas as lideranças políticas do Rio Grande do Norte, de todos os tempo.
Permita-me narrar um fato que elucida a sua visão superior de homem público. Em 1951, o município de Macaíba foi assolado por rigoroso inverno que derrubou a ponte da cidade, dividindo-a ao meio. O então deputado estadual Alfredo Mesquita procurou a bancada federal do seu partido (PSD) a fim de obter os recursos necessários, visto que, o governo do Estado (José Varela) não dispunha de verbas. O Ministério de Obras e Viação, ante a demora burocrática, recebeu o apoio integral do udenista Aluízio Alves que conseguiu locar e liberar os recursos necessários. Neste 2021, são decorridos setenta anos e a ponte permanece intacta.
Ninguém possuirá em mais alto grau, a força de vontade, tenaz e formidável, a magia política, a capacidade de trabalho e a extraordinária flexibilidade do seu talento. Foi jornalista, escritor e orador, tanto no palco iluminado do Congresso Nacional daquele tempo, como em qualquer ruazinha modesta do Rio Grande do Norte no lampejo das antigas passeatas vindas lá do sertão do Cabugi.
Neste dia 11 de agosto de 2021, fará cem anos e como dói a sua ausência. Não há mais líder como tal no Rio Grande do Norte. Mas hoje, ele é uma lembrança que o tempo não desfez.
(*) Escritor
A OUSADIA DE CRIAR
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba, em 02 de outubro de 1872 e faleceu em Angra dos Reis (RJ) no dia 1º de fevereiro de 1944. Um meteoro de luz incandescente, que já aos 20 anos de idade colava grau na Faculdade de Direito do Recife. Ocupou inúmeros cargos: promotor público, secretário de governo, deputado federal por dois mandatos e governador do Rio Grande do Norte, por duas vezes. Intelectual, publicou livros e colaborou com diversas revistas literárias. Fundador do Instituto Histórico e Geográfico do RN, em 29 de março de 1902. Era filho de dona Feliciana e Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão. Teve irmãos que também se notabilizaram como ele na história.
De compleição altiva, olhar sobranceiro, Alberto conduzia na palavra e nos gestos toda a obstinação de uma inteligência que escolheu a cultura como altar de sua crença. Naquele limiar do novo século era o homem esculpido, de ritmo inimitável de ascensão para a luz que surpreendeu até o irmão primogênito e líder Pedro Velho. E como primeiro impulso em favor das artes e da literatura, através da Lei 145 de 06 de agosto de 1900, proposta por Henrique Castriciano, estabeleceu a premiação de livros produzidos por autores domiciliados no Rio Grande do Norte. E, logo em seguida, inaugurou o teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, cuja renda do seu espetáculo inaugural foi revertida em favor dos flagelados da seca que se concentravam em Natal. O seu humanismo e nobreza de caráter alçaram-no à estatura de um Péricles de Atenas, tão expressiva foi a sua afirmação cultural com a obra administrativa que realizou.
No segundo mandato, fundou o Conservatório de Música, o Hospital Juvino Barreto, a Casa de Detenção, além da implantação da luz elétrica e dos bondes em Natal. Sem esquecer, ainda, a criação da Escola Normal e a reforma da educação, bem como, a edificação do Palácio do Governo na Praça 07 de Setembro. Uma visão global da obra de Alberto Maranhão me leva a dizer que ele foi um intelectual arrojado com uma intuição administrativa admirável, ao mesmo tempo que um dirigente operoso com uma visão cultural futurista para o inicio do século vinte. Conseguiu, até os nossos dias, irradiar uma luz tão forte sobre a sua personalidade política, ao ponto de merecer o respeito unânime de várias gerações, eternizado no tempo e no espaço.
Por tudo isso, no dia 04 de outubro de 2005, os restos mortais dele e de sua Inês, por iniciativa da Casa da Memória do Rio Grande do Norte, apoiada pelo Governo do Estado e pelo Conselho Estadual de Cultura foram trasladados para Natal. O homem não passa de uma extensão do espírito do lugar. Tudo se desfaz, menos os elos nativos que o prendem à terra. O homem será sempre prisioneiro de sua origem. Alberto Maranhão foi capaz de compreender o legado dos seus ancestrais e apaixonou-se pela causa pública no firme desiderato de dar glória ao seu Rio Grande do Norte. Nele se resume a dimensão da política no seu sentido aristotélico. Cito Pablo Neruda: “Ele sabia compartilhar conosco o pão e o sonho”. E a ousadia de criar.
(*) Escritor
05/10/2021
Marcelo Alves
Os alienistas jurídicos
Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) foi um escritor suíço de língua alemã. Nasceu numa pequena cidade do cantão de Berna. Sua família era conservadora e protestante. Foi cedo morar na belíssima capital de facto do seu país. Estudou filosofia, filologia, literatura e até “ciências” nas universidades de Zurique e Berna. Logo abandonou a vida acadêmica. Foi escrever romances e, em especial, teatro neoexpressionista. Dürrenmatt não era engajado partidariamente, mas tinha uma posição político-filosófica de vida. À moda do grande Bertolt Brecht (1898-1956), embora mais desmascarador do que didático, suas peças (e seus romances também) visam menos o entretenimento da plateia/leitor e mais fomentar o debate público sobre temas fundamentais. É denúncia. E é bastante original. Dürrenmatt foi também pintor. Mas, cá entre nós, foram os seus leitores e espectadores que tiveram mais sorte.
Sua primeira peça foi “Está escrito” (“Es steht geschrieben”, 1947), que estreou com grande polêmica. A trama gira em torno de uma “batalha” entre um cínico carreirista e um fanático religioso, que leva as escrituras ao pé da letra, tudo isso acontecendo enquanto a cidade em que vivem está sob um cerco. A noite de estreia foi um furdunço. E aí já dá para se ter uma ideia do tipo de “denúncia” de que estamos falando. O primeiro grande sucesso foi a peça “Rômulo, o Grande” (“Romulus der Grosse”, 1950). Segundo Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), aqui, “ideias expressionistas, modernizadas up to date”, inspiram essa tragicomédia pseudo-histórica, “em que o último imperador romano, alvo do escárnio de milênios, é homenageado como grande estadista que não quis ‘salvar a civilização’, porque é impossível salvar civilizações. E que civilização!”. Sua obra-prima possivelmente é “A Visita da Velha Senhora” (“Der Besuch der alten Dame”, 1956), uma mistura grotesca de comédia e tragédia sobre uma mulher rica que oferece ao povo de sua cidade natal uma fortuna se eles executarem o homem que a abandonou no passado. Em “A Visita da Velha Senhora”, como anota Carpeaux, “o desfecho é a morte trágica de um ‘herói’ nada trágico, causada pela vingança patológica de uma velha senhora e pela cobiça patológica de todos”. Já no drama satírico “Os físicos” (“Die Physiker”, 1962), “a ameaça trágica da bomba atômica é uma intriga de manicômio e levará ao poder um governo universal, encabeçado por uma louca”. Quão atual!
Entretanto, para nós, cultores da literatura e do direito, talvez (e enfatizo a dúvida, uma vez que o autor escreveu outras peças e romances “jurídicos”) a mais interessante obra de Dürrenmatt seja “O Casamento do Senhor Mississippi” (“Die Ehe des Herrn Mississippi”). Como registra Carpeaux, o louco promotor público dessa peça, “que manda centenas de sujeitos à forca para moralizar a vida pública, é personagem tipicamente expressionista”. É, assim, peça de pleno desmascaramento. Pondo de lado as relações pessoais entre as personagens, a peça tem como centro o radicalismo do promotor Mississippi, que se acredita um lutador pela “justiça do céu”. Ele internalizou de uma maneira muito peculiar os ditames da Bíblia, especialmente as chamadas “Leis de Moisés”. Convidado a simpatizar com a “esquerda”, ele refuga. É infenso a qualquer moderação. Após uma revolta popular abortada, ele vai para um manicômio. De lá foge. Num ritual macabro de envenenamento recíproco, Mississippi morre ainda na crença de que o homem pode ser mudado por punições inumanas. Tem doido para tudo. Ao final, na peça, as personagens retornam à ribalta e fazem um balanço dos acontecimentos.
Bom, e que balanço nós podemos fazer disso aqui?
Há um meramente literário. “O Casamento do Senhor Mississippi” me lembra bastante “O Alienista” (1882), do nosso Machado de Assis (1839-1908), cujo protagonista da confusão é o médico psiquiatra Simão Bacamarte, o dono da Casa Verde, o seu próprio manicômio, até porque acabou internado lá.
Mas eu prefiro aqui meditar sobre uma observação do multicitado Carpeaux. O teatro expressionista/fantástico de Duerrenmatt “denuncia o absurdo na atualidade, que lhe garante sucesso universal”. Desmascara tragédias. Mas “o que parece tragédia, no mundo de hoje, é na verdade uma farsa, apenas de desfecho trágico”. Vimos isso entre nós, não vimos?
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
A CANÇÃO DE NINAR
Diogenes da Cunha Lima
É a primeira e mais terna comunicação, depois do útero, segredo íntimo entre mãe e filho. A canção tem andamento suave, ritmo lento que favorecem o adormecer. A música é feita com harmonia simples para induzir ao sono. A criança sente (e creio incorporar) o afeto da sonoridade, música e letra.
Para mim, não foi assim. A minha mãe ajudava a trabalhar no comércio, cuidava de seis filhos buliçosos e dava atenção à saúde do marido. Assim, atarefada, contratou uma babá para mim e meu irmão Daladier, cujo nome era Lúcia Antero de Oliveira. Ela nos protegia, mas contava histórias de assombração, cantava e nos fazia medo com um boi de cara preta que vinha nos pegar. Desconfiado, eu olhava para as frestas das telhas para conferir a presença do bicho-papão.
Herdamos de Portugal canções infantis, algumas têm mensagens negativas. Lembro “A Canoa virou / deixa ela virar / coitada da (menina) / que não sabe nadar”. Outra, noticia a briga do cravo com a rosa, em que ele sai ferido e ela despedaçada.
Talvez por isso, dediquei-me a fazer canções que refletissem o amor aos meus filhos, netos, sobrinhos e também a filhos de amigos. Foram mais de cinquenta. Tive o privilégio de contar com o talento de parceiros musicais como Oriano de Almeida e Roberto Lima, além dos arranjos geniais de Eduardo Taufic.
O surgimento das canções de ninar é imemorial. Há uma tablita de barro, babilônica, com cerca de 4 mil anos, que registra uma delas. Mas não é amável. A mãe adverte o filho do perigo. O seu choro poderia aborrecer o deus do lar.
As canções de ninar de Chopin, Brahms ou Mozart são maravilhas musicais. A de Chopin é a mais conhecida e sedutora. Brahms comove. Mozart transmite uma energia que conduz o sentimento ao pensar. Outra bela canção é a de Stravinsky, inserida em sua peça para o balé “O Pássaro de Fogo”. O príncipe Ivan liberta treze princesas enfeitiçadas. A canção é tão poderosa que faz adormecer eternamente o rei feiticeiro e seus ogros malignos.
São cantadas e bem conhecidas na Espanha as canciones de cuna (berço), as berceuses na França, e a lullaby nos países de língua inglesa. O Brasil tem maravilhosas invenções e aproveitamento de músicas tradicionais por Villa-Lobos e Waldemar Henrique, entre tantos.
As canções de ninar são cantadas para acalmar os meninos na primeira infância. As letras, geralmente, são positivas, transmitem segurança, esperança de um futuro feliz, além do valor da bondade. Retrata a importância do sonho e a beleza da vida.
A canção de ninar é fundamental à construção de uma família integrada e feliz.
Um salmo para os nossos dias
Padre João Medeiros Filho
O romancista e poeta François Mauriac, prêmio Nobel de Literatura em 1952, escreveu: “Há pensamentos que são verdadeiras orações. Em dados momentos, a alma está de joelhos, seja qual for a postura do corpo.” Isso é válido também neste tempo em que estamos ainda mergulhados num oceano de incerteza, angústia e desapontamento. Vivemos atônitos numa sociedade vitimada pela pandemia e inverdades, pelo radicalismo político, social e até religioso. Padecemos com as contradições e manifestações ideológicas antagônicas, acarretando mais sofrimento para o nosso povo.
No conjunto bíblico veterotestamentário é bem conhecido o Livro dos Salmos, lido e meditado por muitos. Trata-se de um manual de orações em forma de hinos e cânticos composto por nossos ancestrais, séculos antes de Cristo. Ali, estão contidas aspirações profundas do ser humano diante de si mesmo, da vida e do desconhecido. A oração – para quem acredita – tem por objetivo levar o finito da terra até o Infinito do Céu. E em cada salmo, está a alma do poeta perseguido, angustiado e carente. Dentre tantos, há um, em particular, apropriado para os dias de hoje, que assim começa: “Aquele que habita sob a proteção do Altíssimo descansará à sombra do Onipotente. Ele dirá ao Senhor: Meu refúgio, minha fortaleza, meu Deus, em quem confio.” (Sl 90/91, v.1) É o desabafo de um fiel em busca de socorro à sombra de Deus, procurando proteção e forças para superar as dificuldades pelas quais passa.
Deus é o refúgio (não fuga ou alienação) do ser humano, o qual no seu íntimo pressente que é amado por Ele. Manifesta sabedoria ao buscar auxílio junto a quem pode proteger e ajudar. Nele podemos confiar totalmente, pois nos garante: “Porque se apegou a mim, eu o livrarei e protegerei, pois conhece o meu nome.” (v. 14). Apesar do filósofo Immanuel Kant ter afirmado que “o valor da oração é apenas subjetivo e o desejo de falar com Deus é absurdo”, a criatura humana reza e, mormente nas horas difíceis, pois tem consciência da presença e compaixão divina. Os momentos de prece e recolhimento conduzem-nos à humildade bíblica, ignorada por pretensos sábios, os quais rejeitam Deus e fazem tudo para ocupar o seu lugar.
O Salmo 91/90, além de seu conteúdo poético, é uma reflexão sobre o tempo que passa e o que vai acontecendo ao ser humano. Fala de nossa condição terrena, através de imagens. Compara a vida do homem à efemeridade de uma planta. Alude à nossa história, cheia de contradições e sofrimentos, ao tempo cósmico e à perpetuidade de Deus. “Tudo passa. Só Deus permanece”, afirmara a poetisa e mística Santa Teresa d´Ávila! O Salmo, aqui citado, demonstra que todo poder e sabedoria pertencem a Deus. Descreve metaforicamente a existência de um quarteto sinistro (v.4 e 6) que poderá se aplicar aos tempos hodiernos de violência e pandemia: a) a flecha (bala) que voa de dia sem que saibamos seu percurso; b) o terror noturno a trazer insegurança; c) a peste que desliza nas trevas e d) a mortandade que se alastra à luz do dia (v. 5-9). No entanto, o Senhor acalma, promete sua proteção e dará vitória a quem crê e reza: “Andarás sobre cobras e serpentes e pisotearás leões e dragões.” (v. 11). E continua o salmista, tranquilizando o suplicante: “O mal não se aproximará de ti nem a praga chegará à tua casa.” (v.10).
“Porque ele me ama, eu o salvarei. Clamará por mim e eu o atenderei, com ele estarei na tribulação” (v.14-15). Assim, Deus assegura-nos a defesa contra os perversos e as desgraças. E enviará seus anjos que oferecerão refúgio e mostrarão o caminho. Finalmente, a salmodia arremata a prece com o consolo divino: “Eu o saciarei de longos dias e lhe mostrarei a minha salvação” (v. 16). Neste tempo de perplexidades, peçamos confiantemente ao Senhor que venha amenizar este “vale de lágrimas”. Ponhamos nosso coração em nossas orações, pois “as palavras sem sentimentos não chegarão aos ouvidos do Eterno”, como escrevera William Shakespeare.
01/10/2021
Antuérpia 1920 e Tóquio 2020
Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN
Ao se comparar as recentes Olimpíadas do Japão e as realizadas em
1920, na Bélgica, nota-se que algo similar envolveu as duas: as pandemias
virais causadas pelo SARS-Cov-2, com a Covid-19, e pelo H1N1 , com a gripe
espanhola. Em ambos os Jogos houve protestos, tanto dos belgas quanto
dos japoneses, para que a grande festa esportiva não ocorresse em seus
países, com receio de se agravarem as condições de saúde de suas
populações. Porém, no caso dos Jogos de 1920, um outro fator contra o
evento foi até pior, pois o armistício que pôs fim à Primeira Guerra mal
acabara de ser selado. Um estudo feito na Universidade Gent, da Bélgica,
aponta a Guerra como o principal fator nas barreiras para as Olimpíadas de
1920, apesar da gravidade da gripe espanhola. Veja-se, por exemplo, a
ausência dos países derrotados, Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e
Turquia, além da URSS, que preferiu ficar de fora.
No rastro da Guerra, restou a pobreza em escala mundial e a
consequente restrição de gastos com as Olimpíadas, a começar pelas
acomodações dos atletas, que dormiam em camas sem colchões e em salas
para 15 pessoas. A alimentação foi à base de pão, sardinha e café, ficando
outras despesas por conta das delegações. Consta que grande parte da
equipe dos Estados Unidos viajou para a Europa no mesmo navio usado
para devolver corpos de soldados americanos mortos em combate, meses
antes. O forte odor de formol muito perturbou a viagem dos atletas daquele
país. Essas enormes dificuldades servem para mostrar a força do esporte,
capaz de promover a paz por meio de competições renhidas e saudáveis.
Tanto nos jogos de Antuérpia quanto nos de Tóquio, o COI apostou e
ganhou com as decisões de manter os dois grandes eventos.
Uma matéria na Folha de S. Paulo, assinada pela jornalista Anna
Virgínia Balloussier, aborda esse assunto de forma bem interessante.
Começa com uma foto da atleta norte-americana Ethelda Bleibtrey (1902-
1978), vencedora de todas as provas de natação, em 1920. Ela foi presa por
retirar as meias que usava para nadar em uma piscina, até então uma prática
obrigatória, e a sua ousadia venceu o atraso. As Olimpíadas de Antuérpia
1920, cidade histórica da Bélgica, terra natal do grande pintor Peter Paul
Rubens (1577-1640), marcaram a estreia do Brasil nos Jogos. Os 21 atletas
brasileiros fizeram uma viagem no navio a vapor Curvelo, numa travessia
que durou quase um mês, sem conforto e desgastante. Os patrícios
ganharam três medalhas, todas no tiro, inclusa uma de ouro, do tenente
Guilherme Paraense. Foi na Bélgica que, pela primeira vez, tremulou a
bandeira olímpica com os cinco aneis, houve a revoada de pombos da paz e
ouviu-se o juramento dos atletas. Em Tóquio, a tecnologia dominou, haja
vista os belos espetáculos na abertura e no encerramento, inclusive com a
beleza dos origamis de papel no lugar e para o sossego dos pombinhos
brancos.
Texto publicado na Tribuna do Norte, em 30/09/2021
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