19/08/2021
PARISOT, UM POTIGUAR NO MUNDO
Diogenes da Cunha Lima
O nosso Rio Grande é um estado densamente musical. Muitas cidades exibem bandas de música e conjuntos musicais. Temos excelentes compositores e intérpretes. A música é parte feliz do dia a dia dos potiguares.
O natalense Aldo Parisot provou às Américas e à Europa a nobreza do violoncelo. Por seis décadas, como professor da Universidade Yale, Connecticut, formou gerações de músicos norte-americanos. Tive o privilégio de conhecê-lo. Tinha fama de generoso e mal-humorado. Ao contrário, encontrei um homem afável, vertical como o seu instrumento e, certamente, carismático.
Por sua atuação musical, Parisot foi laureado pelas mais nobres instituições culturais, inclusive recebeu a Medalha da Paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Foi solista, convidado com seu stradivarius de 1730, nas filarmônicas de Berlim, Nova Iorque e Londres, e nas sinfônicas de Viena, de Boston, de Chicago e de Los Angeles.
No Brasil, Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Cláudio Santoro compuseram concertos para o violoncelo do músico potiguar. O maestro italiano Thomazzo Babini, que veio para o Rio de Janeiro como assistente de Villa-Lobos, incentivou Parisot.
Natal ainda era uma pequena cidade quando encantou Babini. Aqui, formou músicos de escol, entre os quais o seu filho Ítalo Babini, o enteado Aldo Parisot, o maestro Mário Tavares e o pianista Oriano de Almeida.
O menino Parisot, aos doze anos, apresentou, em Natal, com orquestra, um concerto de Haydn. Logo passou a ser reconhecido no Nordeste.
Esse cidadão prodigioso é pouco lembrado na sua cidade natal, com exceção da Escola de Música da UFRN, dos estudos da pesquisadora Leide Câmara e das anotações do acadêmico Eider Furtado.
Parisot recebeu uma única, mas definitiva homenagem, da Escola de Música da UFRN – “100 violoncelos para os 100 anos de Parisot” – sob a tutela do também ícone Fabio Presgrave, à frente do melhor conjunto de violoncelo do país. Lembrando que o reitor da UFRN, Daniel Diniz, doutor em Engenharia Mecânica, é violoncelista.
O músico também se destacou como artista plástico. Um crítico norte-americano afirmou a excelência da sua pintura abstrata. Contudo, a pinacoteca do Rio Grande do Norte não possui nenhum dos seus quadros.
Torço para que os norte-rio-grandenses, que valorizam a cultura e respeitam o nosso passado glorioso, lembrem e celebrem a memória desse grande artista que tanto elevou o nome do Estado.
14/08/2021
CENTENÁRIO DE ALUÍZIO ALVES
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
A memória do ex-governador, deputado federal, ministro e jornalista Aluízio Alves jamais deixará de despertar em todos nós, novas reflexões sobre a sua vida e obra. É o mesmo que afirmar que sempre se dirá dele a penúltima palavra mas nunca a última. Assim foi e continuará sendo com relação a vultos da estirpe de homens públicos como Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Carlos Lacerda. Isso tudo porque efetivamente Aluízio foi um líder porque inovou, recriou, reinventou e redimencionou a máquina, os métodos e as práticas político-administrativas que imperavam desde a Velha República. Assim ocorreu nas lutas que abraçou como deputado federal e governador do Rio Grande do Norte quando desafiou e derrubou as estruturas arcaicas da administração pública por um novo modelo na educação (método Paulo Freire); na industrialização, o progresso social através da energia de Paulo Afonso, além de inúmeras obras estruturais sob o timbre da modernidade. Foi líder porque despertou os acomodados. Apaixonou o povo pelas suas causas. Dividiu opiniões sem medo do julgamento dos apressados.
Como jornalista revelou-se o criador de empresas de comunicação. Como político sensível e hábil criou o seu próprio marketing, o seu estilo e a sua logomarca. Das sombras do eclipse da democracia brasileira optou pela cambiante concretude do processo da industrialização do novo nordeste, apesar da mordaça política. Por isso, como líder nato, permanente, eu não o comparo. Eu o separo. Ele tinha o selo e a marca da exclusividade. Ninguém foi como ele. Como empresário, no curso dos dez anos da cassação, trouxe para o Rio Grande do Norte inúmeros investimentos, os quais geraram empregos, e se não tivessem sido implantados naquele tempo, não seriam hoje continuados por outros investimentos.
Como Ministro da Integração deixou o legado maior: o projeto de transposição do Rio São Francisco. Dir-se-á que Aluízio Alves conquistou o futuro.
Ao lado de suas ideias e sentimento, ele possuía a convencedora energia da palavra, eloquente e ágil. Ninguém na vida pública do Rio Grande do Norte, a não ser ele, sabia fazer de forma tão mágica e carismática. Era um vocacionado desde adolescente em 1934, quando discípulo de José Augusto Bezerra de Medeiros. Em 1946, com 25 anos já é constituinte da República, convivendo com os luminares da redemocratização do país. Aluízio foi um predestinado que empreendeu uma cruzada digna e necessária em prol do desenvolvimento do Rio Grande do Norte, tanto como deputado federal, governador, líder popular, ser humano, desprendido, abdicando de ser senador para acolher companheiros de partido (PMDB).
Tudo o mais já foi dito sobre ele e reproduzido em todos os jornais. Falar mais é repetir-se. O que importa, é que nenhuma instituição pública, nem as gerações futuras deixem de reconhecer e proclamar os seus méritos que estão gravados no bronze da história político-administrativa do nosso Estado. Político nos seus defeitos comuns e humano nas suas contradições naturais. Aluízio Alves foi o ícone de todas as lideranças políticas do Rio Grande do Norte, de todos os tempo.
Permita-me narrar um fato que elucida a sua visão superior de homem público. Em 1951, o município de Macaíba foi assolado por rigoroso inverno que derrubou a ponte da cidade, dividindo-a ao meio. O então deputado estadual Alfredo Mesquita procurou a bancada federal do seu partido (PSD) a fim de obter os recursos necessários, visto que, o governo do Estado (José Varela) não dispunha de verbas. O Ministério de Obras e Viação, ante a demora burocrática, recebeu o apoio integral do udenista Aluízio Alves que conseguiu locar e liberar os recursos necessários. Neste 2021, são decorridos setenta anos e a ponte permanece intacta.
Ninguém possuirá em mais alto grau, a força de vontade, tenaz e formidável, a magia política, a capacidade de trabalho e a extraordinária flexibilidade do seu talento. Foi jornalista, escritor e orador, tanto no palco iluminado do Congresso Nacional daquele tempo, como em qualquer ruazinha modesta do Rio Grande do Norte no lampejo das antigas passeatas vindas lá do sertão do Cabugi.
Neste dia 11 de agosto de 2021, fará cem anos e como dói a sua ausência. Não há mais líder como tal no Rio Grande do Norte. Mas hoje, ele é uma lembrança que o tempo não desfez.
(*) Escritor
05/08/2021
VALORIZEMOS NOSSA HERANÇA CULTURALDiogenes da Cunha Lima
Em futuro não muito distante, o Brasil será o mestre da artede viver. Essa habilidade é o que o país possui de mais brasileiro edecorre da maravilhosa mistura de raças que interagem com anatureza. Privilegiamos a afetividade por sobre as técnicas e, atémesmo, acima do raciocínio. O brasileiro sente-se confortável emser como é, integrado em nosso rico patrimônio cultural.São evidentes os traumas vindos do nosso passado. A longahistória da escravatura muito nos marca, suavizada, apenas, pelaherança cultural da arte, do movimento harmônico do corpo, doscostumes e crenças, e pela alegria dos afro-brasileiros.A maior riqueza de uma nação está no seu PatrimônioCultural. Ele é a mola propulsora do desenvolvimento e dafelicidade dos cidadãos.Um pequeno país asiático, o Butão, contrapôs ao PIB outroíndice, o F.I.B., Felicidade Interna Bruta, mais importante que oíndice do Produto Interno Bruto. A revelação foi adotada pela ONUe é difundida por todos os seus membros.O Brasil foi pioneiro, nas Américas, em criar uma entidadepara cuidar do Patrimônio Histórico. O IPHAN - Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, destina-se a resgatar,preservar e valorizar, em toda sua dimensão, o PatrimônioNacional, material e imaterial, histórico e paisagístico.O patrimônio cultural comporta uma hierarquia de agentes.Pode ser particular, regional, nacional, ou da humanidade. O IPHANtem difundido, nas organizações escolares, o sentimento dopatrimônio cultural e dos valores superiores da cultura. É no lar e naescola que a valorização alcança o seu significado. Um meu neto,de 11 anos, já identifica ser emotiva propriedade minha, a coleçãode pincéis, com que a minha mãe pintava quadros, além do seudedal e as agulhas de crochê.O IPHAN possui um Conselho Consultivo, que tem poderesdecisórios, composto por treze membros, contando ainda com a
participação de entidades culturais. Fui honrado com a escolha paraintegrá-lo. Tentarei somar à dedicação de pessoas tão qualificadascomo a presidente Larissa Peixoto, o diretor Tassos Lycurgo e osuperintendente regional Jorge Cláudio Machado. Tenho recebidoestímulos múltiplos dos nossos conterrâneos. Careço de maisinspirações para cumprir a nobilitante tarefa.Sabemos que a Fortaleza dos Reis Magos é patrimôniouniversal e, como tal, deve ser reconhecida pela Unesco. É a maisbem conservada antiga fortificação militar do país. É única erigida,dentro do mar, sob arrecifes. Mira a beleza inigualável do rioPotengi. Tem história singular e multiplicadora de ações cívicas.Dela partiram expedições para todo o norte do Brasil.O ideal é que o pleito seja respaldado por estudomultidisciplinar dos pesquisadores da Universidade Federal do RioGrande do Norte.O patrimônio cultural é o que conforma a nossa identidadecomo nação. Zelar por ele é imprescindível para que possamosmostrar à comunidade universal o que somos e o que valemos.
31/07/2021
A EXPANSÃO DO AFETO
Diogenes da Cunha Lima
Afeto é assunto do coração. A afetividade constrói, junto à função motora e à inteligência, o equilíbrio e a harmonia da vida psíquica. Nestes bicudos tempos de pandemia, as manifestações afetivas quase desapareceram. São vedados o abraço, o beijo, e até o próprio “cheiro”, tão nordestinamente brasileiro.
São tempos de expansão. Há trinta anos, o telescópio espacial Hubble provou a ampliação do universo. As fronteiras do conhecimento foram ultrapassadas. Vivemos o crescimento científico e de inovação. As artes estão se expandindo graças à tecnologia. A Inteligência Artificial (IA) ajuda o artista a criar obras de arte, inclusive pintura e poesia. Entretanto, constata-se limitações ao desenvolvimento do afeto positivo.
O Direito busca caminhos para favorecer a saúde mental dos jurisdicionados. Em todo o mundo, a lei tenta acompanhar as modificações da sociedade. A união estável homoafetiva é tão reconhecida quanto a união entre casais heterogêneos. A jurisprudência já estabelece a existência de dano moral por desamor familiar.
O filósofo francês Henri Wallon (1879-1962) provou a não superioridade da inteligência. Ela se interpenetra com as funções motora e com a afetividade. Elucida que a afetividade se expressa através da emoção, do sentimento e da paixão, que, muitas vezes, conjugam-se, interagem. Comparou a Nietzsche que disse: “Sob cada pensamento habita um afeto”.
A qualidade afetiva de uma experiência é a característica que a torna aprazível, desejável, anota o Dicionário Oxford de Filosofia.
O preconceito é o verdadeiro predador da afeição. A humanidade não tem conseguido superá-lo, ou seja, é visível a hostilidade contra os diferentes. É crescente a discriminação contra outro ser humano. Há ações fruto do sentimento negativo por conta de orientação sexual, ideológica, de raça ou etnia, deficiência pessoal, crença, idade, língua. Terríveis são os efeitos da discriminação de torcedores de futebol.
Portanto, tudo se expande, menos o afeto.
A pessoa vítima de preconceito pode perder o prazer do convívio, do sentir-se confortável em seu trabalho e fazer decair o sentimento de utilidade social ou, até mesmo, a própria alegria de viver. Só o conhecimento adquirido na família ou na escola pode transformar a atitude preconceituosa.
Temos de reconhecer que é impossível fugir aos aspectos negativos, os transtornos da existência que nos dão medo, raiva, sentimento de culpa, angústia de viver.
Afetividade positiva é condição essencial à qualidade de vida. Não há felicidade sem afeição. A expansão do afeto positivo, certamente, dará ao homem entusiasmo e gratificação de vida.
Marcelo Alves
AMANTE
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Recebi da amiga e confreira da Academia Norte-rio-grandense de Letras Lalinha Barros, emprestado (e devolverei, asseguro), o livro “Memórias esparsas de uma biblioteca” (Coedição Escritório do Livro e Imprensa Oficial, 2004), do bibliófilo José Mindlin (1914-2010). Genibaldo e Lalinha são meus vizinhos. Em tempos de pandemia, ela me disse: “Vou dar um pulo na porta do seu apartamento. Para emprestar um livro. Você vai gostar”. Eu adorei.
Mindlin, que exerceu muitos papéis na vida – de jornalista a advogado, de empresário a escritor e membro da Academia Brasileira de Letras – foi o nosso mais célebre bibliófilo. E nos dois sentidos da palavra, como colecionador de obras raras e como amante/amigo dos livros. Gente boníssima, portanto. Muito embora, cá entre nós, até para evitar mais gastos de que já tenho com livros e assemelhados, eu suplique, para a minha singela pessoa, ser apenas dotado da segunda qualidade, a de amante (de livros), sem os custos, digamos, do “casamento”.
As “Memórias” de Mindlin são cheias de histórias sobre livros que eu desconhecia. Sobre tipografias, editoras e edições raras. Sobre livrarias, sebos e antiquários. Interessantíssimas. Mas trata-se também de um livro sobre pessoas. Sobre tipógrafos/editores. Sobre bibliotecários. Sobre livreiros. Do Brasil e do exterior. Na verdade, sobre amantes de livros. Afinal, o que seriam destes se não fossem as pessoas para lê-los, mas, também, para guardá-los e adorá-los. Algumas histórias merecem destaque. E aqui o faço indo do mais distante ao mais particular.
Tocou-me a narrativa sobre os livreiros/antiquários ingleses. A Maggs Bros, Quaritch e a Francis Edward, alguns deles situados na Old Bond Street, em Londres, cujos proprietários Mindlin enfaticamente elogia pela honestidade. É uma área que conheço razoavelmente. Morei não muito longe. Mas nunca me apercebi dessas casas. Ou não entendo de antiquários de livros ou eles já haviam fechado as portas no meu tempo. Talvez as duas coisas. De toda sorte, posso assegurar o bom preço e a honestidade dos simples sebistas da capital do Reino Unido.
Adorei as referências a vultos da história “livresca” do Brasil. Como Francisco de Paula Brito (1809-1861), empresário, editor, jornalista, escritor, tradutor, ativista e muitas coisas mais. Foi talvez o nosso maior “tipógrafo” (que, a seu tempo, fazia as vezes de editora). Foi o primeiro a publicar Machado de Assis (1839-1908), e isso já diz tudo. Como Rubens Borba de Moraes (1899-1986), grande bibliotecário, bibliógrafo e bibliófilo. Pioneiro no Brasil nessa coisa de ciência dos livros e assemelhados. Foi nada menos que diretor da biblioteca da ONU, em Nova Iorque. Escreveu uma “Bibliographia brasiliana” (1958), até hoje referência no tema, e o manual “O bibliófilo aprendiz” (1965), entre outros títulos. Como um “irmão mais velho”, Borba legou sua enorme coleção de raridades a Mindlin.
A passagem de Mindlin por Natal, que junta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), Zila Mamede (1928-1985) e outras figuras da terra, merece eco. Zila preparava uma biobibliografia do poeta pernambucano. Ela “já tinha feito uma biobibliografia de Câmara Cascudo. Era bibliotecária de profissão, mas seu maior destaque no mundo intelectual brasileiro foi de excelente poeta. Publicou vários livros que mereceram muitos elogios de Manuel Bandeira, João Cabral e Carlos Drummond de Andrade, de quem se tornou grande amiga pessoal. Infelizmente, faleceu ainda jovem, de um colapso cardíaco em pleno banho de mar. (…). Zila, por sua vez, nos convidou para ir a Natal, levando uma exposição de desenhos de Di Cavalcanti que o MAC possuía. Fomos, e através de Zila fizemos outras amizades. Entre elas com Lalinha e Genibaldo Barros, Selma Bezerra e Fran Martins, que há anos vinha publicando uma revista literária – Clan, que eu conhecia mas não possuía”. Turma boa, incluindo meus vizinhos. E fato histórico.
Por fim, comoveu-me a lição: “Não se deve hesitar quando um livro desperta interesse, e é melhor se arrepender de ter comprado do que de não ter”. Há o risco de cair-se na bibliomania, desordem compulsiva de adquirir livros desvairadamente, é vero. Mas também já se disse – e que minha mulher não escute – que a melhor forma de livrar-se de uma compulsão é render-se a ela.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Cuidando da língua materna
Padre João Medeiros Filho
Monsenhor Landim foi nosso professor de português, no Seminário de São Pedro (Natal/RN). Procurava incutir nos alunos amor e zelo pelo idioma pátrio. Explicava-nos com nuances as peculiaridades gramaticais, filológicas e semânticas. Chamava a atenção para os modismos e neologismos (semânticos, lexicais e sintáticos), que fazem parte do processo da criação de uma palavra ou expressão, fruto do comportamento da linguagem humana. Os vocábulos gerados podem provir do português ou de outros idiomas. Os modismos, por sua vez, caracterizam-se por expressões, frases e palavras, cujo emprego é mais recorrente em certos períodos e, depois parcial ou totalmente, esquecidos. Inegavelmente, a língua é dinâmica, adaptando-se aos tempos e às circunstâncias. No entanto, há que obedecer a regras e padrões linguísticos. Os filólogos acatam o uso de neologismos, quando inexistem termos com significado idêntico ou se os dicionarizados não atendem às necessidades comunicacionais. Em geral, busca-se respaldo nos latinistas e etimólogos. Isso contribuiu muito para aumentar nosso gosto e interesse pelo latim.
Cabe registrar que o Rio Grande do Norte foi celeiro de grandes conhecedores da Língua do Lácio. Primeiramente, vale destacar Cônego Estevão Dantas, autor de vários poemas, lápides e dísticos, bem como tradutor de documentos latinos eclesiásticos e civis. Segundo Cônego Jorge O’Grady, o mais talentoso foi Padre Luiz Monte. A ele deve-se o lema de nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras: “Ad lucem versus” (voltados para a luz). Em seguida, Dom José Adelino, um dos responsáveis pela revisão linguística dos textos oficiais do Concílio Vaticano II. Monsenhor Emerson Negreiros escreveu uma História do Brasil, toda em primorosos versos hexâmetros, num puro e erudito latim. Antes de sua morte, chegamos a ver vários cadernos manuscritos, contendo o longo e belo trabalho.
No Seminário, fomos alunos de latim de Monsenhor Alair Vilar, ao qual recorria frequentemente o mestre Cascudo em suas dúvidas sobre as Odes de Horácio e outros autores. Como tarefa escolar acompanhávamos nosso docente na tradução dos textos. Certa feita, o grande folclorista potiguar apresentou uma frase atribuída a Horácio: “unguibus albam maculam mendacium facit” (A mentira deixa uma mancha branca na unha), que possivelmente serviu de base para a lenda, analisada e comentada pelo renomado pesquisador, contada por nossas mães e avós, desestimulando as mentiras infantis. Os dermatologistas poderão explicar os tipos de leuconíquia.
O que se pretende com este atalho? Não somos um purista da língua. Este artigo não é uma crítica nem reprimenda, trata-se de um desabafo, diante de agressões sofridas pelo nosso idioma. Procede o dito: “como faz falta o latim!” É preciso maior cuidado com nosso patrimônio cultural, do qual faz parte a língua. Somos cotidianos aprendizes. Entretanto, faz cócegas em nossos ouvidos, quando ecoam certos neologismos, modismos e impropriedades. À guisa de exemplo, citamos o emprego generalizado de “feminicídio”, em oposição a homicídio. Este não significa simplesmente o assassinato de um varão, mas de qualquer ser humano. A palavra latina “homo” não é especificamente masculinidade, mas ser humano (daí humanidade). Etimologicamente entendemos feminicídio como um termo impróprio, pois seria a destruição do feminino e não de uma fêmea. Seguindo-se o mesmo raciocínio e idêntica proposta, ter-se-ia masculinicídio: a morte do masculino. Segundo os lexicógrafos e dicionaristas, matar uma mulher é mulhericídio (variante de muliericídio, do latim “mulier”). Assassinar a esposa é uxoricídio (de “uxor”, correspondente latino de cônjuge) e o marido ou varão, virícidio (da palavra latina “vir”). Assim, feminicídio não seria o termo próprio para indicar assassinato de uma mulher. Hoje é usado indiscriminadamente por muitos em detrimento do termo homicídio. Os etimólogos e filólogos lançam a pergunta: vigendo a ideologia do gênero, como seriam as denominações? O apóstolo Paulo aconselhava os cristãos de Corinto: “Não vos deixeis seduzir, pois as palavras inadequadas podem vos corromper.” (1Cor 15, 33). Homicídio é o termo apropriado, a não ser que se pretenda qualificar o tipo de assassinato. A motivação para o emprego de feminicídio, com o sentido ora adotado e propagado por alguns, atenta contra a semântica. Isaías já advertia: “Os que te guiam podem te enganar e destruir o caminho dos teus passos.” (Is 3, 12).
24/07/2021
EVOCANDO CORTEZ PEREIRA
Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com
Relutei muito em escrever sobre José Cortez Pereira de Araújo. Teimava comigo mesmo em relatar a sua odisséia. A travessia do sofrimento político, os algozes, os coveiros do seu governo até a eutanásia dos seus sonhos. Decidi me deter nos instantes felizes que presenciei ao lado de um homem de cultura, de uma
cordialidade que não encobria formas perversas de indignidade e traição.
Meu pai foi seu amigo dileto e colega na Assembléia Legislativa, no período das turbulências entre o PSD versus UDN. O velho Mesquita de pé, altivo e irreverente, apontava o grupo udenista e disparava ironicamente: “Dessa bancada só presta Cortez Pereira!”. A amizade dos dois se alimentava também nos encontros semanais em Macaíba para impressões sobre a política e o inverno, como dedicados proprietários rurais.
Quando Alfredo Mesquita faleceu em abril de 1969, Cortez – a quem o velho vaticinava que um dia seria governador do Rio Grande do Norte – foi escolhido no ano seguinte. Lamentei muito o meu pai não ter sobrevivido para contemplar a face desse dia. No seu governo fui nomeado Subchefe da Casa Civil, tendo ocupado, posteriormente, após uma reforma administrativa, a Coordenação de Assistência aos Municípios e a Diretoria do Departamento de Serviço Social do Estado. Daí, me exonerei para ser candidato a prefeito de Macaíba. Eleito, Cortez Pereira levou a Telern para Macaíba, comparecendo a duas posses: a minha e a de Dix-Huit Rosado em Mossoró. Inaugurou uma agência do Bandern em Macaíba, a Casa do
Agricultor, eletrificação rural, escolas e a alegria de um dia receber em minha casa o rei do baião Luiz Gonzaga. Em 1973, foi padrinho de batizado de minha filha Isabelle.
Relembro, ainda, como seu auxiliar, os
memoráveis discursos e palestras. A da Federação das Indústrias de São Paulo empolgando Amador Aguiar do Bradesco, Mário Amato, entre outros. Era a pregação do “desenvolvimento econômico” do Rio Grande do Norte, das suas riquezas e potencialidades nos porões do PIB da paulicéia desvairada . Recordo a sua altivez ao enfrentar e resistir o autoritarismo do General Meira Matos, Comandante da Guarnição de Natal, que armou estocadas com o objetivo de tirá-lo do governo.
Evoco Cortez Pereira como professor universitário, orador, polemista, deputado estadual, Diretor do Banco do Nordeste, suplente do Senador Dinarte Mariz que encantou o Senado com os seus pronunciamentos em favor do Nordeste e do Rio Grande do Norte. Relembroo Projeto Camarão, do Bicho-de-Seda, do Boqueirão, do turismo (Centro de Turismo, Bosque dos Namorados, Cidade da Criança e a duplicação da entrada de Natal por Parnamirim). Cortez santificado pelo padecimento da dor, mas redivivo na lembrança e na admiração de tantos que conheceram a pureza dos seus sonhos. “Louvar o que está perdido torna querida a lembrança”. Shakespeare.
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