12/07/2021

As doenças de Stravinsky Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN Em 1999, a revista Time listou as 100 figuras humanas mais influentes do planeta, durante o século XX, entre as quais constava o nome de Igor Stravinsky. Ele estava no grupo dos artistas, ao lado de Pablo Picasso, James Joyce, Frank Sinatra, Charlie Chaplin, Steven Spielberg, The Beatles e outros expoentes das artes, nas suas diversas formas. No meio desses top 100 da revista Time, apenas um nome brasileiro, o de Pelé, no grupo dos Heróis e Ícones. Igor Stravinsky nasceu a 05 de junho de 1882, numa pequena cidade ao derredor de São Petersburgo, na Rússia, e faleceu em Nova Iorque, a 06 de abril de 1971. Não obstante sua propensão para a arte musical, seu pai queria vê-lo formado em Direito. Somente depois da morte do pai, ele pôde se dedicar à música, graças ao apoio que recebeu do grande compositor russo Rinsky-Korsakov (1844-1908), que fez aflorar o notável talento de Igor Stravinsky. Por volta de 1910, a estrela de Stavinsky começou a brilhar, quando compôs a peça Pássaro de Fogo, para a estreia dos Ballets Russes em Paris, que alcançou enorme sucesso. O convite para compor essa obra ele recebeu de Serguei Diaguilev (1872-1929), fundador do Balé Russo, homem culto e grande incentivador das artes e da cultura, não somente no seu país natal, a Rússia, mas também na Europa, e, em especial, em Paris. O famoso livro A Night at the Majestic (2006), do escritor inglês Richard Davenport-Hines, refere-se a jantar festivo realizado no luxuoso Hotel Majestic de Paris, em maio de 1922, que reuniu expoentes do Modernismo. Na capa desse livro, constam as figuras de Joyce, Marcel Proust, Pablo Picasso, Igor Stravinsky e Serguei Diaguilev. A obra de Stravinsky é ampla e de alta qualidade, a começar pelas criações para balé, tais como Pássaro de Fogo, Petrushka, A Sagração da Primavera e Pulcinella. Também é autor de geniais sinfonias, óperas, outros balés, obras de câmara e concertos para piano. Era um cristão convicto, e deixou também peças religiosas, tais como missas, réquiem, com destaque para a Sinfonia dos Salmos 38, 39 e 150. A revolução russa de 1917 sequestrou os imóveis herdados por Igor Stravinsky, fato que o levou a ser um perene exilado. Na década de 1930, conseguiu cidadania francesa, e, a partir de 1940, tornou-se cidadão norte-americano. Casou-se com a prima Katerine, em 1906, que adoeceu de tuberculose pulmonar. Em 1934, Stravinsky teve o diagnóstico de TP, ou tísica, época na qual ainda não existia antibióticos, porém, com vida longeva, deve ter sido tratado com esses fármacos. De tuberculose pulmonar, além dele próprio e da primeira esposa, também faleceram sua mãe e uma sua filha. Igor Stravinsky foi sepultado na ilha San Michele, em Veneza, ao lado da esposa Vera e dos amigos Diaguilev, do poeta modernista Ezra Pound e de outros nomes famosos. Texto publicado em 07/07/2021
A COMADRE QUASE CEM Diogenes da Cunha Lima A “Peixada da Comadre” é marco nascente da gastronomia potiguar. A atual administração, sob o comando principal do bisneto Daniel, cuja gestão contará com outros parentes gestores, programa a reinvenção do estabelecimento com festividades comemorativas e realizações culturais, permanecendo a tradicional comida boa. Há noventa anos, a “Comadre” servia caldos de peixe no Canto do Mangue. Sonhava estabelecer-se com uma peixada. Pediu quatro contos de réis emprestado a Dinarte Mariz. A casa foi comprada e apropriada à função, sob orientação generosa do engenheiro Malef Victório de Carvalho. Economizando, dois anos depois, a nova empresária foi liquidar o empréstimo. Dinarte recusou: “O que que eu vou fazer com quatro contos? O dinheiro é seu, minha comadre”. O cardápio tem sido o mesmo durante todo esse tempo. A cada dia é renovado o peixe, tirado do mar. São sempre estes: sirigado, garoupa, bicuda, galo do alto e arabaiana, cozidos ou fritos. O camarão potiguar é servido frito na manteiga ou em omelete. Verduras e legumes têm tempero simples, especial. Acompanham o ouro do pirão, ou o pirão coberto (de pescador). A empresa se mantém pela participação da família. Os irmãos ajudam. Na cozinha, Laíse e Lúcia trabalham com verduras e tempero verde. Servem de apoio Heriberto e Gilberto, saladeiros. No salão, os prestimosos garçons Davi, Claudio e Jerônimo. A “Peixada da Comadre” identifica Natal. Tem clientela de notáveis e visitantes ilustres. Por exemplo, Luis da Câmara Cascudo (grande incentivador). São lembradas a frequência do presidente Café Filho, governadores do Estado, senadores, deputados, dos juristas Seabra Fagundes, Carvalho Santos, Neemias Gueiros, dos ministros Moreira Alves e Francisco Rezek. Muitos artistas, entre eles, Fagner e Eva Wilma. Líderes políticos do interior não dispensavam o almoço na “Peixada da Comadre” quando vinham a Natal. Desde o chefe João Medeiros, de Jardim de Angicos, a Florêncio Luciano, de Parelhas. A “Comadre” passou por crises financeiras até instalar-se definitivamente na Praia do Meio, Ponta do Morcego, onde é embalada pelo quebrar das ondas nos arrecifes, com bela visão do mar. Nas dificuldades, o grupo familiar contou com o apoio de empresários, amigos e admiradores. Destaco Issa Hazbun, Luiz Cirne e José Lucena. O entusiasmado Daniel explica a fortaleza e o êxito da “Peixada da Comadre”: “O principal tempero é o afeto”. Da programação para a redesenhada “Peixada”, consta uma cadeira do “Imortal da Comadre”. Com nome e imagem das personalidades que ajudaram com afeto, estímulo e presença constante. Fixado na parede, sob foco, o livro essencial de Luis da Câmara Cascudo: “História da Alimentação no Brasil”. Vamos continuar provando o sabor do afeto da quase centenária “Peixada da Comadre”.
RELEMBRANDO UBIRAJARA MACÊDO Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com O saudoso jornalista Raimundo Ubirajara Macêdo lançou há vinte anos passados, o seu livro “... e lá fora se falava em liberdade”, na Capitania das Artes. Bira é macaibense nascido em Jundiaí e afilhado de crisma do meu pai Alfredo Mesquita Filho. Como funcionário do antigo Correios e Telégrafos foi colega de minha mãe Nair de Andrade Mesquita ao longo de muito tempo. Os seus pais foram Antonio Corsino de Macêdo e Alice de Almeida Macêdo. Estudou no Atheneu. Como jornalista esteve em São Paulo onde trabalhou na Folha, Editora Abril e Rádio Piratininga. Em Natal, deixou a sua experiência e talento na Tribuna do Norte, na A República, no Diário de Natal além das rádios Cabugi e Nordeste. Com Carlos Lima publicou durante alguns anos a revista “Cadernos do Rio Grande do Norte”. Esse foi o seu livro de estréia. Ubirajara Macêdo sempre foi um homem de idéias que enfrentou com coragem a injustiça social, o arbítrio e o desrespeito a cidadania. No curso exemplar de sua vida jamais renegou a sua identidade com essas causas revelando-se através de sua pena a presença do humanista, solidário com o seu tempo e atenado ao sentimento do mundo. O título de Cidadão Natalense que a Câmara Municipal lhe conferiu teve a dimensão intemporal do afeto. Foi orgânica pois se integrou a estrutura intelectual e a luta do próprio homenageado em defesa de suas idéias tendo Natal como sua trincheira. Ubirajara Macêdo na lide jornalística foi uma vida em linha reta. Simples, sem ostentações, submetido a sacrifícios extremos mais teve a sua coerência com sua posição humana e política. É a injustiça quem faz o herói. É a irresignação que acresce o lutar e retempera a luta dos bravos. Daí o seu “... e lá fora se falava em liberdade”. Por último, lembro Leon Blay: “O sofrimento passa, mas o ter sofrido nunca passa”. Salve Bira Macêdo! (*) Escritor

11/07/2021

O PROBLEMA NÃO É CHEGAR. É INTEGRAR Tomislav R. Femenick - Historiador Volta e meia, deparamo-nos com a velha arenga sobre quem descobriu a América, assunto que agora voltou à arena, por meio de um estudo, efetuado por acadêmicos de uma universidade britânica. Se considerarmos esta parte do mundo apenas como uma região geográfica e o “estado da arte” da antropologia social, o seu descobrimento deu-se pelos povos que primeiro povoaram este espaço. Dessa forma, a verdade sobre os descobridores reconheceria como tais os asiáticos, polinésios, africanos ou quem quer que tenha dado origem aos chamados povos americanos nativos. Alguns desses grupos desenvolveram-se e até criaram civilizações sofisticadas, como os Maias, Incas e Astecas, porém essas foram sociedades estanques, sem comunicação com o resto do mundo. O “descobrir” da América não tem somente o sentido de encontrar. Seu significado maior está em dar a conhecer, revelar, identificar; integrar com o resto do mundo. É com esse enfoque que se deve garimpar na arqueologia cronológica do descobrimento. Muitos reivindicam a primazia de terem, se não descoberto, pelo menos chegado à América antes dos ibéricos. Não pelo Atlântico, porém pelo Pacífico, os chineses poderiam ter por aqui aportado, muito embora tivessem que vencer os obstáculos das correntes marítimas desfavoráveis e as longas distâncias a serem singradas. A verdade apresentada é um escrito do século V, em que se descreve uma viagem que um monge budista realizou a uma terra com arvores desconhecidas da China, onde havia cavalos e carros. Como na América pré-colombiana não havia cavalos e a roda era desconhecida (Gaibrois, 1946), essa é uma prova desqualificada. Africanos também podem ter acostado no Novo Mundo antes das navegações espanholas e portuguesas. As verdades são muitas, inclusive as grandes estátuas de pedra dos Maias e estatuetas de barro cozido recolhidas de regiões do México, que têm feições típicas da raça negra. Alguns escritos de autores árabes apresentam verdades diferentes, porém menos sólidas. Abubákar, dirigente muçulmano do reino africano de Mali, teria enviado uma frota para explorar o Atlântico, objeto de curiosidade desde os mais antigos tempos (Ki-Zerbo, 1980; Hart, 1984), para investigar a existência de terras atrás do horizonte. Por volta de 1300, o sultão de Guiné, Mohamed Goa, teria efetuado outra expedição à América (Mellafe, 1984). Verdade de outro quilate comprova a presença na América de Leif Ericsson, um viking que aqui fundou uma vila na ponta nordeste do que é hoje a Terra Nova, no Canadá, a Vinlândia. A presença dos nórdicos perdurou até 1020 e foi somente um ato de coragem, uma longa viagem por mares desconhecidos, que nada modificou a compreensão do mundo para eles e para ninguém e não resultou em nenhuma consequência histórica. “O mais extraordinário não foi que os Vikings tenham realmente chegado à América, mas sim que lá tenham chegado, e até nela se tenham fixado durante algum tempo, sem ‘descobrirem’ a América” (Boorstin, 1989; Lamarca, 1910/1913; Gaibrois, 1946; Céspedes, 1985). Não há a menor dúvida quanto à verdade da presença viking no continente, como provam os escritos rúnicos feitos em pedra, em Kensington, no estado norte-americano de Minnesota; espadas típicas em outros lugares no norte do continente (Padron, 1981) e o sítio arqueológico de L’Anse aux Meadows, no Canadá. Entretanto, o chamado Mapa de Vinlândia, pertencente à Universidade de Yale – tido como uma prova cabal de que os exploradores nórdicos traçaram mapas do continente, muitos anos antes das grandes viagens ibéricas – é, segundo tudo indica, falso. Análises realizadas pelo Dr. Douglas McNaughton, físico do Smithsonian Institute, evidenciou que somente o pergaminho, sobre o qual foi desenhado o mapa, data do século XV e que ele nada mais é do que uma cópia pouco alterada de outros mapas do século XVI, em uma falsificação realizada no início do século XX (Wilford, 2000). Prova de que é falsa a informação de que vikings mapearam a América, conclui o físico. É, parece que foram mesmo os ibéricos os nossos descobridores e conectores com o resto do mundo. PS: Para mais detalhes, veja meu livro “Conexões e Reflexões sobre História”. Tribuna do Norte. Natal, 09 jul. 2021

06/07/2021

A CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE Diogenes da Cunha Lima Todos nós somos responsáveis pela preservação da dignidade humana. Há, para tanto, razões jurídicas e filosóficas. A Constituição Federal, em seu artigo primeiro, estabelece a dignidade do homem como fundamento da nacionalidade. Sob outro prisma, é mandamento para quem pensa com sabedoria. Toda pessoa merece respeito, tem direito à honra, ao exercício dos bons costumes, à vida cultural. O nosso confinamento, como defesa sanitária, é povoado por sentimentos e emoções, insegurança, medo, ansiedade e depressão. Desemprego. Tudo isso alimenta a consciência da nossa fragilidade, o que incentiva o reconhecimento do outro, a aproximação, bem como nos conscientiza da necessidade de ajuda mútua, independente do nosso “lugar” na sociedade. A expressão “estamos juntos”, usada como afirmação de cumplicidade amiga, tornou-se planetária, evidenciando que nunca a humanidade esteve tão próxima. A imprescindível solidariedade há que ser construída na família e na escola. Educar e aprimorar o sentimento dos jovens. Na crise por que passa o País, podemos observar o crescimento da solidariedade, notadamente nas pequenas e nas mais humildes comunidades. Também se observa movimentos de cooperação das empresas e entre as mais diversas categorias profissionais. Um belo exemplo foi dado por cem fotógrafos natalenses, sob o tema “Olhar Potiguar”, que doaram a sua arte em favor dos mais necessitados. A solidariedade pode ser manifestada das mais diferentes formas. Usa-se a doação, o empréstimo, a participação no esforço para a solução de um problema. Até mesmo com um abraço ou um sorriso. Guardado na lembrança: Uma mulher de mais de noventa anos que veio reclamar dos meninos da rua. Eles gritavam o seu apelido: “Gasolina!”. Ela respondia com todos os nomes feios conhecidos. Meu pai a confortou: “Não se preocupe, você não é Gasolina, você é Maria. Por isso, nada responda”. Ela replicou: “Eu sou uma pobre órfã, não tenho pai nem mãe”. E ele: “Você vai ser uma pobre órfã silenciosa. Porque não é Gasolina. Você é Maria, mesmo nome de Nossa Senhora”. O confinamento traz consigo, também, o sentimento de solidão, mesmo em meio a outros, na multidão. Contudo, a solidão não é apenas desvantagem. Ao contrário, é, muitas vezes, a razão de ser da criatividade e do melhor uso da liberdade. Sozinho, o homem passa a monologar e nesse diálogo consigo mesmo, reconhece a sua verdadeira função, limitações, o seu destino. Ainda que não atinja a completa felicidade, afinal. É verdadeira a revelação de Tom Jobim quando afirma que “ninguém é feliz sozinho”. Na prática, o homem não consegue viver isolado. É do seu espírito, de suas necessidades. Assim, comprova o poeta John Donne: “Nenhum homem é uma ilha”. Até Deus constatou, como está no livro do “Gênesis”, não ser bom que o homem esteja só. Há grande solidão cósmica, o homem estará sozinho? Jesus ensinou que a Sua casa tem muitas moradas. Devemos fazer da terra, nossa bela morada, a vida solidária.
Estudante ou aluno? Padre João Medeiros Filho Atendendo a solicitações de leitores, revisamos e reeditamos o presente artigo, publicado em 2013, no extinto Jornal de Hoje. Não nos arrogamos o título de mestre em latim ou latinista, mesmo porque somos eternos aprendizes. O interesse e o gosto pelo seu estudo despertaram, durante nossa formação eclesiástica. Sabemos de sua importância na origem do idioma pátrio. Outrora, integrava os componentes curriculares da educação básica. Não obstante a sua relevância e contribuição para a aprendizagem do português, Olavo Bilac exclamou: “A última flor do Lácio, inculta e bela”. Indagado sobre o significado do adjetivo inculta, no primeiro verso do soneto, o poeta parnasiano respondeu: “o termo fica por conta de todos aqueles que a maltratam, mas que continua a ser bela”. O que diria o vate atualmente? Sem o ensino da língua latina, atropela-se ainda mais o vernáculo. Quantas vezes, deparamo-nos com afirmações e fatos, partindo de modismos e sem base histórica. Surgem do nada e de repente obtêm trânsito livre nos “campi” universitários e até em gabinetes de órgãos educacionais. Adotou-se ultimamente a moda de usar o termo estudante, em lugar de aluno. Tenta-se transformar um sofisma em verdade, consagrando-o como certo, no intuito de convencer incautos. Trata-se do conceito inexato ou distorcido sobre a palavra aluno, divulgado por alguns intelectuais. A nova conotação vem ocupando espaço. Propaga-se que aluno significa sem luz. Para os adeptos dessa teoria, a palavra é formada pelo prefixo grego “a” (partícula de negação), unido ao elemento “lun”, corruptela de “lumen” (luminosidade). E, por significar ausência de luz, aluno torna-se uma palavra depreciativa e antipedagógica. Assim sendo, não seria apropriado o seu emprego. Cabe lembrar primeiramente que “lumen” é um termo técnico, indicando medida de luminosidade e não designando a luz em si mesma. Nesse caso, a palavra exata seria “lux”. No entanto, convém recordar que em português os vocábulos derivam do acusativo latino. Este, em quase todas as situações, requer a partícula “ad” e não “a”, característica do ablativo na declinação latina. Na hipótese de aluno derivar de “lumen” (substantivo neutro), deveríamos ter “ad lumen” (junto à luz), como é a regra gramatical. No caso de “lux”, ter-se-ia “ad lucem” (perto da luz). No entanto, o étimo aluno não deriva de “lumen” ou “lux”, mas de “alumnus”, já conhecido, antes de Cristo. Significava criança, que se nutria unida a sua mãe. Daí, o sentido figurado. Aluno é alguém vinculado e alimentado intelectualmente por outrem. De acordo com o professor Ernesto Faria (catedrático de latim da antiga Universidade do Brasil), Cícero empregou “alumnus”, em suas obras “Verrinas” e “De finibus”. Segundo renomados latinistas, etimólogos e lexicógrafos lusos e brasileiros, dentre eles, Antenor Nascentes, padre Augusto Magne, Cândido de Figueiredo, Carolina Michaëlis, Leite de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto, “alumnus” provém do verbo latino “alere”, conjugado numa variante da primeira pessoa do plural do pretérito perfeito. O verbo significa: alimentar, desenvolver. Metaforicamente, tomou a acepção de crescimento ou desenvolvimento intelectual. É nesse sentido usado pelo tribuno romano em “De natura Deorum” e nas Catilinárias. Assim se verifica também nos Dicionários da Língua Portuguesa, de Houaiss e Aurélio, bem como no Dicionário Etimológico, de Antônio Geraldo Cunha. Há que se preservar a origem e a semântica do vocábulo, evitando-se que seja proscrito o seu uso secular. Do contrário, resultaria no aviltamento do idioma nacional e empobrecimento da história da educação. Ressalte-se que na tradição brasileira, nas culturas hebraica, greco-latina e anglo-saxônica, aluno é alguém vinculado a uma instituição de ensino ou a um mestre. Por isso, são consagradas expressões como: aluno do Ateneu, Salesiano, Marista, Diocesano, dos cursos de Medicina, Filosofia, Direito, de Câmara Cascudo etc. Do ponto de vista ético e etimológico, um conceito equivocado é nocivo, pois, além da agressão ao vernáculo, poderá acarretar graves consequências. Certa feita, Dom José Adelino Dantas, exímio latinista, proferiu esta frase: “Sem conhecimento do latim, podemos nos tornar apedeutas e com certa pavonice”. É oportuno citar o apóstolo Paulo “Digo-vos isto para que ninguém vos iluda com discursos enganadores” (Col 2, 4).
O MEMORIAL DE MURILO Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Terminei a última página do livro "Testemunho Político" do saudoso jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho. Desde os estertores da República Velha (1930) até 1965, foram trinta e cinco anos de dança de vampiros. Nele qualquer leitor aprenderá a redefinir a política, o jogo ambíguo, farsante, da luta pelo poder. Já vi muita coisa na atividade pública ao longo do tempo, mas Murilo desvendou outras facetas com excepcional precisão cirúrgica. Um verdadeiro teatro shakeaspereano no qual, não é a política que é narrada somente, mas o ser humano que é caracterizado nas suas fraquezas, ambições, venerabilidades. "Testemunho Político" não é apenas a história pedagógica e sequenciada daqueles anos tumultuados mas a exposição caracterológica dos seus protagonistas que Murilo deixou a cargo do próprio leitor descobrir. Depreendi que todos os grandes líderes ou chefes de Estado desse país morreram agarrados a sua própria angústia. Assim, aconteceu com Getúlio, Café Filho, Juscelino, Jânio, Jango, Lacerda, Tancredo, Castelo, Costa e Silva, Médici e Geisel. Quem não diagnosticaria também Figueiredo e Collor como depressivos, angustiados? E até Sarney, Itamar Franco e Temer. E mais ainda, os torturados Brizola e Lula, dignos dos cuidados do Dr. Salomão Gurgel. Isso tudo sem falar nos generais Lott, Denys, Zenóbio da Costa, Kruel, Mourão Filho, Gois Monteiro, Murici e Jair Bolsonaro, todos pacientes dessa república de sobressaltos. A ordenação dos fatos políticos entremeados com a própria história do autor, conferiu um sentido especial e estilístico a narrativa com o selo da autoridade de quem não apenas foi espectador privilegiado da cena, mas, em algumas vezes, protagonista. Após a leitura, lembrei-me do saudoso jornalista João Batista Machado. A nível de Rio Grande do Norte, ele foi o nosso reporte político, testemunha e analista dos nossos embalos paroquiais e já comprovou isso com o lançamento de três livros. Murilo, veterano no campeonato nacional e Machadinho aqui, no estadual, representavam as duas melhores vertentes jornalísticas do memorialismo político da contemporaneidade brasileira e potiguar, respectivamente. Ambos foram historiadores dessa atividade enfermiça. Sim, porque não posso deixar de crer que todo político é um fronteiriço. A ambição, a vaidade, corrompem o homem por dentro e por fora. O político recebe poderosas deformações caracterológicas no desabrido jogo pelo poder. Não me julgo nenhuma autoridade nesse assunto até porque fui político, interno também do mesmo hospital. Mas a visão global da política que o livro de Murilo nos resgata ou nos restitui, é de uma dramaticidade inquietante. Aqui, vale, contudo, lembrar a história, me contada pelo professor Alvamar Furtado. Ainda no limiar dos anos sessenta, o Dr. Creso Bezerra, ex-prefeito de Natal, ex-deputado estadual, deixou inopinadamente a política. Indagado pelo seu amigo Alvamar sobre o motivo tão repentino da sua atitude, ele explicou que fora a frase de um matuto da Paraíba. "Dr. Creso", disse o filósofo sertanejo, "política é negócio só para rico besta e pobre sabido".