Padre João Medeiros Filho
O que se vislumbra para o Brasil, no período pós-pandemia? O momento atual lembra o episódio bíblico da tempestade sobre o mar da Galileia (cf. Mt 8, 23-27), em que Cristo dormia na proa de um barco. Os apóstolos ficaram amedrontados e gritaram: “Acorda, Senhor, senão iremos perecer” (Mt 8, 26). Então, Jesus os tranquilizou, acalmando as ondas. Recentemente, a humanidade foi sacudida por um vírus invisível, sentindo-se atônita. Ventos tenebrosos sopraram sobre a nau de nossas vidas! Quem haverá de nos apaziguar? Para quem tem fé, eis um momento de reflexão sobre a existência humana.
O país, cindido pelo radicalismo político, mergulhou o vírus nas entranhas da ideologia. Ouviram-se declarações e pronunciamentos polêmicos, alguns contagiados por puro partidarismo. A população encontra-se mascarada, confinada e aturdida, sedenta de alento e esperança. Aonde querem nos conduzir? Seremos submetidos a mais privações e provações? Falta quem nos traga tranquilidade. Em lugar de mostrar serenidade, certas autoridades se omitem, são blindadas ou aparecem como arautos do medo e mensageiros do pânico! Em vez de palavras de ânimo, presenciam-se contendas partidárias, angustiando-nos ainda mais. No entanto, como diz o canto religioso “nada poderá me derrotar. Nossa força e vitória têm um nome: é Jesus”. E outro hino, inspirado no Saltério, proclama: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e vai... Ela te sustentará”. O Onipotente ampara-nos, mesmo que sejamos largados à nossa própria sorte.
O homem elevou-se a um estágio de desenvolvimento, graças à ciência e tecnologia. Deus o dotou de inteligência para coisas sublimes, colocando seu coração para além da temporalidade. Contudo, o seu grande erro foi voltar-se apenas para si, relegando a um segundo plano coisas essenciais, como respeito, diálogo, compaixão, tolerância, justiça e amor. O egocentrismo foi levado ao extremo, conduzindo ao fracasso. Thomas Merton pregava no século passado: “Homem algum é uma ilha”. Ignorou-se que somos irmãos. Exploramos a terra, os bens e os outros, em função de nossos interesses. A crise presente obrigou a refletir sobre o valor de cada coisa, deixando a descoberto nossas falsas seguranças. Mostrou que esquecemos aquilo que nutre a vida. Trocamos o espiritual pelo material, o permanente pelo efêmero, olvidamos que “somos cidadãos de outra pátria” (Fl 3, 20).
Diante do quadro hodierno, tomamos consciência de nossa fragilidade. A economia está abalada. A cada dia aumenta a pobreza. Nossa debilidade humana necessita ser protegida por múltiplos auxílios. Quem salva é a solidariedade, e não o dinheiro. Assistiu-se a ineficiência de governos e revelaram-se colapsos estatais, crônicos e latentes há décadas. Sem Deus, como será o amanhã? As igrejas não conseguiram ainda sensibilizar a sociedade para a vivência do Evangelho, a qual está mais voltada para projetos ideológicos do que para a essência da vida. Isso leva-nos a olhar para o alto e reconhecer que Deus é nossa origem e destino. É preciso contemplar a grandeza do amor de Cristo e caminhar na humildade, como filhos de Deus. Este não é nosso concorrente, e sim o Emmanuel (Deus conosco).
Vive-se uma situação surpreendente até para as imaginações mais férteis. Depois do que passamos ultimamente, que transformações virão? Ao longo da História, a humanidade deu grandes passos, após traumáticas crises. O primeiro deles é a consciência de nossa pequenez. Mas, Deus vê a beleza que se esconde em cada um de nós. Apesar de “feitos de argila, fomos tocados pelo sopro da vida” (Gn 2, 7). As calamidades ensinam que devem desaparecer os rótulos colocados nos outros. Somos iguais e passíveis dos mesmos sofrimentos. Se, depois de todo o ocorrido, não lutarmos por um mundo sem tantas diferenças, preconceitos e egos inflados, é sinal de que não aprendemos nada. Vale lembrar as palavras proféticas do teólogo Rubem Alves: “No passado, Deus tomou a decisão de lavar o mundo com água [dilúvio]. Um dia [hoje], Ele poderá purificá-lo com lágrimas e nelas afogar a empáfia de muitos”. O desafio é descobrir como o Senhor se manifestará. Mas, “quem é de Deus, reconhece as suas palavras” (Jo 8, 47).
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Foto de Carlos Rosso (Igreja de São Pedro)