04/05/2020


Separação de Chico e Francisco
Esta semana – e no Brasil de hoje só não morremos de tédio – assistimos a mais uma polêmica jurídico-política: a malograda nomeação, pelo Presidente da República, do diretor-geral da Polícia Federal, obstada, de imediato, por decisão do Supremo Tribunal Federal, no MS 37.097-DF.
E veio a discussão sobre se essa decisão do STF não ofendia o princípio/doutrina da separação dos poderes, uma vez que é prerrogativa do Presidente da República nomear o diretor de nossa polícia judiciária federal (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C).
De fato, a doutrina da separação de poderes sugere, ou mesmo exige, que as funções legislativa, judiciária e executiva do Estado sejam exercidas por órgãos ou poderes distintos. Em princípio, cada macaco no seu galho, sobretudo se imaginarmos aquela concepção rígida de separação de poderes, fruto da Revolução Francesa e da desconfiança nos juízes do Antigo Regime, segundo a qual os poderes Legislativo e Executivo são exercidos, através de seus representantes, em nome do povo soberano, não cabendo aos juízes imiscuírem-se nas atividades próprias a esses dois poderes.
Entretanto, a coisa não é assim tão preto no branco. De fato, é possível dizer que a teoria da separação não é tão rígida a ponto de impedir totalmente o exercício, por um dos poderes do Estado, de função, em regra, atribuída a outro poder. Como lembra Fernando Whitaker da Cunha, em “Teoria Geral do Estado: introdução ao Direito Constitucional” (Freitas Bastos, 1990), pressentida por Aristóteles, esboçada na China, no século VII, pela dinastia Tang, esquematizada por São Tomás de Aquino e formulada, modernamente, por Montesquieu, a teoria da separação dos poderes, apesar de entendida como fundamental para o poder político atuar, não merece a reverência quase religiosa que às vezes lhe é dada. Não sendo uma classificação científica das funções do Estado ou mesmo um dogma do sistema democrático, é, sim, uma receita de liberdade, cuja extensão e valor prático dependem das circunstâncias dadas.
Na verdade, hoje, temos uma nova concepção do princípio da separação dos poderes, que abandona a ideia da rígida séparation des pouvoirs e consagra a ideia de uma sharing of powers. No nosso constitucionalismo, os exemplos de exercício, por um dos poderes do Estado, de função típica de outro, são muitos e bastante conhecidos. À ideia de controle de constitucionalidade – que é, muitas vezes, uma atividade legislativa negativa – ninguém se opõe. E as pessoas só falam de ativismo no judicial review quando a decisão dada lhes é desagradável.
Certamente foi por isso que o Ministro Alexandre de Moraes, na decisão concessiva de liminar, anotou não caber ao Judiciário moldar subjetivamente a Administração, “porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante às nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.
De toda sorte, no meio desse cripocó, um amigo perguntou: “E, agora, toda vez que o Presidente for nomear alguém, ele poderá ser impedido pelo STF?”. Respondi: “Não. Só no caso de essa nomeação, como dito pelo Ministro, ferir, em desvio de finalidade, os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”. Aliás, parece que já havia um precedente famoso, quando da nomeação de um ex-Presidente para o cargo de Ministro de Estado. E, dizem os de boa-fé, pau que dá em Chico deve dar em Francisco também.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

25/04/2020




OCTACÍLIO ALECRIM



Valério Mesquita*



Octacílio Alecrim nasceu em Macaíba (RN), em 17 de novembro de 1906. Seus pais eram o Coronel Prudente Gabriel da Costa Alecrim e Ana Pulchéria de Melo Alecrim, comerciantes bem situados da região. Aprendeu as primeiras letras na sua cidade, vindo depois para Natal continuar os estudos no Colégio Santo Antônio e no Atheneu Norte-Rio­grandense. Formou-se em Direito no Recife no ano de 1934, tendo sido um dos líderes acadêmicos mais atuantes do seu tempo. Nessa época, fundou a Revista Cultura Agitação com Álvaro Lins, Aderbal Jurema e outros contemporâneos.

Depois de formado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se aproximou do Grupo Brasileiro de Estudos Proustianos, formado por intelectuais como Otto Maria Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda, Lúcia Miguel Pereira, e outros. Assim que foi possível, viajou para a França, onde passou uma temporada aprofundando seus estudos sobre Proust.

Octacílio Alecrim escreveu e publicou vários artigos em jornais e revistas, como Diário de Pernambuco, Correio da Manhã, Jornal de Letras (RJ), Revista de Antropofagia (SP), Revista Nordeste (PE), e Revista Branca (RJ), sendo a maior parte deles sobre o tema da escrita proustiana. Na Revista de Antropofagia (2ª edição, 1929), ele publicou um texto — “Miss Macunaíma” — que trata com extrema ironia da viagem de uma pseudo-­escritora, do Sul ao Nordeste. Logo nas primeiras linhas, o leitor mais atento percebe que, na realidade, ele está referindo-se a Mário de Andrade e à sua viagem às terras potiguares, de 1928 e 1929. A ironia, o preconceito e o tom bem agressivo que perpassam pelo texto evidenciam o posicionamento do autor junto a Oswald de Andrade, no embate literário que este desencadeou contra o autor de Macunaíma.

Em 1957, Octacílio Alecrim publicou um livro de memórias intitulado Província Submersa (Reeditado pelo Senado Federal juntamente com o Instituto Pró-Memória de Macaíba). Esse livro pode ser considerado uma autobiografia. Nele, o autor realiza um verdadeiro retomo, à moda de Proust às suas origens e ao tempo da infância, resgatando com  sensibilidade inúmeros tipos e costumes da sua terra. O livro está organizado em cinco partes, assim respectivamente denominadas: Zumbido de Berimbau, Parafuso de Redemoinho e Almanaque de Lembranças; segunda parte: Brevetes do Fabulário; terceira parte: Fogueira de Guia, Evocações de estrelas cadentes e Nostalgia do infinito; quarta parte: Signo de escorpião; e quinta parte: Sobrevivência de Anteu. Ao final do volume, há ainda uma série de depoimentos sobre o autor, assinados por escritores e historiadores da literatura, tais como Mauro Mota, Nilo Pereira, Celso Kelly, Afrânio Coutinho, Veríssimo de Meio, Américo de Oliveira Costa e Peregrino Júnior.

Afrânio Coutinho, por exemplo, afirma que Octacílio Alecrim é o ensaísta delicado e penetrante que tem o prazer das sensações intelectuais refinadas. Daí sua atração por Proust, a quem são dedicadas algumas de suas melhores páginas.

Octacílio Alecrim faleceu no Rio de Janeiro, cidade em que residiu parte da vida, em 02 de setembro de 1968 e foi enterrado no Cemitério São João Batista.

Em Macaíba, uma escola estadual, em homenagem tem, o seu nome.





(*) Membro da Academia Macaibense de Letras, da Academia Norte-Riograndense de letras e do Conselho Estadual de Cultura.

(**) Foto do acervo do Instituto Tavares de Lyra



24/04/2020



POMPÍLIA: UM DEPOIMENTO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Faleceu terça-feira passada, dia 21, Marlindo Pompeu. Ex-vereador, político em disponibilidade, agitador social, era o meu intérprete, ungido e jungido das causas populares. Conheci-o em Macaíba, lá pelos idos de 1950, quando estudava no bravo Colégio Agrícola de Jundiaí. Pompília já se revelava inquieto, mobilizador e encantador de serpentes. Era amigo do sábio e matemático Damião Pita, também estudante e professor das escolas de primeiro e segundo graus da rede municipal. Na campanha popular para governador em 1960, o velho Pompa ocupou a linha de frente do exército de Dejinha (Djalma Marinho) e transformou-se no próprio tumulto tanto para os adversários como para as suas próprias hostes.

Encontrava-o aqui e acolá sempre com pressa, passando com ruído, soltando frases soltas e estribilhos guerreiros sobre lutas e batalhas iminentes. Jamais foi achado em silêncio. Ninguém era melhor que ele para bastante procurador de causas possíveis e impossíveis. Daí, nomeava-o, com toda pompa e circunstância, o meu, o nosso advogado. Sem mandato popular, sabia melhor que os outros, os caminhos das pedras, das residências oficiais, porque era sombra e luz, voz e ouvido do clamor das ruas.

A sua marca registrada sempre foi a fidelidade irrepreensível ao líder e ao ideal. Sobre esse ângulo poderia registrar dezenas de atitudes do seu quilate. Continuou sendo o homem de um partido só, sem esmorecer, sem tergiversar, sem recuar. Em Natal, viveu sua fase de líder popular nas comunidades, defendendo-a na Câmara Municipal e fora dela. Para ele não importava ter o mandato para socorrer o povo e requerer a solução dos problemas. Ele sempre o fez porque se tornou conhecido e festejado por todos como um homem simples, pobre, honesto e prestativo.

Conviveu com governadores, senadores, deputados, mas nunca amealhou vantagens pessoais, pois somente lhe interessa servir. Carregava uma pasta cheia de papeis. Nela nada tinha de si e sobre si. Apenas, papeladas de pedidos dos outros, reivindicações comunitárias, receitas, recibos inadimplentes de IPTU, água e luz. Foi o carteiro do povo; o jornaleiro do líder que defende; o pastorador de auroras das ruas e avenidas de Natal só para anunciar as alvíssaras, as boas novas do partido e do próximo.

Sempre foi o estafeta legítimo de pleitos, porta-voz dos esquecidos e condutor dos novos rumos e prumos de Natal. Daí sempre confiei nele para pugnar, reivindicar, exigir, porque possuía o senso comum das coisas simples e honestas.

Mas, o velho Pompeu estava cansado. E chegou a hora dele. O momento de todos assumirem o mandato que ele exerceu por nós: o exercício da solidariedade humana por Natal e pelos seus habitantes. Ao prestar-lhe este tributo, eu o faço com emoção pelo muito que ele fez e pelo tão pouco que recebeu. Soou a hora de reparar esse esquecimento.

 

(*) Escritor.




22/04/2020


DESCOBRIMENTO DO BRASIL - Pioneirismo português

Ao longo do século XV, os portugueses realizaram uma série de expedições de exploração do Oceano Atlântico.
Ao longo do século XV, os portugueses realizaram uma série de expedições de exploração do Oceano Atlântico.
A chegada dos portugueses ao Brasil é um dos resultados finais das grandes navegações, a exploração oceânica que se deu ao longo de todo o século XV. Apesar dos espanhóis terem chegado ao continente americano primeiro, os portugueses são considerados os pioneiros nesse processo de exploração, fazendo grandes “descobertas” nesse período.
O papel pioneiro dos portugueses foi estudado pelos historiadores e justificado com base em fatores políticos, econômicos e geográficos. Primeiro ponto de destaque refere-se à estabilidade política e ao fato de que Portugal tinha um território unificado havia séculos. No caso territorial, os portugueses tinham expulsado os mouros, em 1249. Em comparação, a Espanha, por exemplo, lutou contra os mouros até 1492, e ingleses e franceses lutaram entre si, na Guerra dos Cem Anos, até 1453.
Além de ter um território consolidado, Portugal desfrutava de uma política estável e sem conflitos desde que a dinastia de Avis iniciou-se, no final do século XIV, quando João, mestre de Avis foi coroado rei de Portugal. A estabilidade política e o território unificado possibilitaram o país desfrutar de um desenvolvimento comercial e tecnológico.
Esse desenvolvimento tecnológico garantiu melhorias na navegação marítima cruciais para que os portugueses explorassem os oceanos. Essa exploração englobava os interesses de expansão comercial, militar e religiosa dos portugueses. Na questão comercial, os portugueses possuíam um centro comercial muito importante em Lisboa.
O interesse em mercadorias exóticas, como as especiarias (pimenta-do-reino e canela, por exemplo), era o que mais movia os portugueses nesse contexto. A Índia possuía um vastíssimo mercado delas, motivando-os a manterem contatos comerciais com ela. Como a rota tradicional, passando por Constantinopla, havia sido fechada, era necessário explorar o oceano para achar uma nova passagem.
Para isso, Portugal decidiu explorar a costa do continente africano à procura de uma passagem que levasse à Índia. Essas expedições fizeram-nos chegar a lugares, como Madeira, Açores e Cabo Verde. Eles também fizeram a instalação de feitorias, isto é, entrepostos comerciais, ao longo da costa africana. O desejo de expansão também se deve ao fato de que os portugueses, enquanto cristãos, procuravam expandir seus domínios como maneira de promover a cristianização.
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Europeus chegam à América
Nesse contexto de exploração atlântica, os espanhóis decidiram investir em um explorador que estava decidido a chegar à Índia navegando pelo oeste. Esse era Cristóvão Colombo, genovês que havia sido rejeitado pelos portugueses. Com o financiamento espanhol, ele liderou três embarcações que, acidentalmente, chegaram ao continente americano, no dia 12 de outubro de 1492.
Com a notícia do achamento de uma nova terra a oeste, portugueses e espanhóis iniciaram uma disputa diplomática pelo controle das novas terras que poderiam ser encontradas. Essa disputa levou à redação de uma bula papal, em 1493, conhecida como bula Inter Caetera, que delimitava a divisão das novas terras entre os dois países.
Os portugueses, não satisfeitos com o resultado dessa bula, iniciaram novas negociações com os espanhóis, e o resultado foi a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494. Esse tratado determinou a passagem de uma linha imaginária a 370 léguas do arquipélago de Cabo Verde. As terras a oeste (esquerda) seriam espanholas, e as terras a leste (direita) seriam portuguesas.

Chegada ao Brasil

Em 22 de abril de 1500, os portugueses avistaram o Monte Pascoal, localizado no atual estado da Bahia.
Em 22 de abril de 1500, os portugueses avistaram o Monte Pascoal, localizado no atual estado da Bahia.
A assinatura do Tratado de Tordesilhas, portanto, era um marco que reforça a ideia de que os portugueses sabiam que poderiam existir terras a oeste, eles só não tinham chegado a elas ainda. Depois que o continente africano foi contornado, eles puderam manter contato comercial com a Índia. Foi nesse contexto que se organizou a expedição de Pedro Álvares Cabral. Os portugueses queriam explorar as possibilidades a oeste, e depois iriam à Índia comprar especiarias.
Assim, como podemos perceber, o capitão-mor da expedição foi Cabral, e ele estava à frente de 13 embarcações, sendo três caravelas e 10 naus, que zarparam de Lisboa em 9 de março de 1500. A rota da expedição seguiu um caminho não muito comum, uma demonstração de que eles fariam uma mudança nela, de forma a explorar o oeste antes de ir para a Índia.
A expedição entrou na zona de calmaria do oceano entre os dias 29 e 30 de março, permanecendo nela por cerca de 10 dias. Ela cruzou a Linha do Equador no dia 9 de abril, e em 21 de abril, os primeiros sinais de terra tinham sido avistados: algas marinhas. No dia seguinte, 22 de abril, foram avistadas aves pela manhã, e, no entardecer, os portugueses avistaram o Monte Pascoal.
Os portugueses não desembarcaram naquele dia, e só no dia 23 de abril é que Cabral permitiu que um batel (bote), liderado por Nicolau Coelho, fosse enviado à terra. Lá houve o primeiro contato com os indígenas, acontecimento relatado por Pero Vaz de Caminha. Alguns dos nativos foram levados à presença de Cabral, e o relato deixado pelo escrivão é interessante e demonstra a diferença cultural. Vejamos um trecho:
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo: pegaram-no logo com a mão e acenavam para a terra, como a dizer que ali os havia. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso dele; uma galinha: quase tiveram medo dela – não lhe queriam tocar, para logo depois tomá-la, com grande espanto nos olhos.
Deram-lhe de comer: pão e peixe cozido, confeitos, bolos, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada de tudo aquilo. E se provavam alguma coisa, logo a cuspiam com nojo|1|.
No dia 26 de abril, foi celebrado o Dia de Pascoela, comemoração religiosa celebrada sete dias depois da Páscoa. Essa foi a primeira missa que aconteceu no território brasileiro e foi conduzida pelo frei Henrique de Coimbra. Por fim, a expedição portuguesa resolveu navegar na direção da Índia a partir de 2 de maio de 1500.
O frei Henrique de Coimbra realizou, em 26 de abril de 1500, a primeira missa na história do Brasil.[1]
O frei Henrique de Coimbra realizou, em 26 de abril de 1500, a primeira missa na história do Brasil.[1]
A chegada dos portugueses aqui, em 1500, não significou que medidas expressivas de colonização fossem realizadas. A prioridade portuguesa ainda era o mercado de especiarias, e, até a década de 1530, a presença portuguesa deu-se por meio de pequenas feitorias instaladas no litoral. Essas feitorias eram locais em que se realizava a exploração do pau-brasil.
Nota
|1| CASTRO Sílvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013. p. 91
Créditos da imagem
[1] Commons


Por Daniel Neves Silva                                     
Pintura de Oscar Pereira da Silva traz o rosto idealizado de Tiradentes*
Joaquim José da Silva Xavier, também conhecido pelo apelido de “Tiradentes”, consagrou-se por sua participação ativa na Inconfidência Mineira. Tragicamente, ele foi o único dos envolvidos no movimento a receber a pena de morte, uma vez que os outros envolvidos foram perdoados pela Coroa Portuguesa.
De uma família de origem humilde, Joaquim José nasceu na Capitania de Minas Gerais, em 12 de novembro de 1746. Com a morte prematura dos pais, Joaquim José precisou exercer inúmeros trabalhos ao longo de sua vida, como a de dentista amador, função que lhe deu o apelido de “Tiradentes”. Ele também havia trabalhado na mineração, porém, foi no posto de alferes nos quadros da cavalaria imperial que Tiradentes alcançou certa estabilidade. Apesar da pouca instrução, ele era um republicano convicto e adepto dos ideais do Iluminismo.

Causas da Inconfidência Mineira

O movimento dos inconfidentes, organizado em 1788, foi consequência do contato dos colonos brasileiros com os ideais iluministas divulgados na Europa, ideais que haviam, por sua vez, inspirado o movimento de independência dos Estados Unidos.
Os historiadores atribuem a divulgação do pensamento iluminista no Brasil ao contato de estudantes brasileiros com o Iluminismo ao serem enviados por suas famílias da elite econômica da colônia para estudarem na Universidade de Coimbra, em Portugal. Os ideais iluministas foram muito difundidos, principalmente, na Capitania das Minas Gerais, e isso se explica pelo fato de boa parte dos estudantes brasileiros em Coimbra ser originária de Minas Gerais.
Além da propagação dos ideais iluministas, a Inconfidência Mineira aconteceu em consequência da insatisfação das elites da Capitania de Minas Gerais com a pesada política de cobrança de impostos estabelecida pela Coroa Portuguesa sobre os colonos. O visconde de Barbacena havia sido nomeado pela Coroa Portuguesa como governador da capitania com o objetivo de promover a derrama, ou seja, a cobrança obrigatória dos impostos sobre a extração do ouro.
Essa derrama havia sido determinada por Portugal em razão das dívidas acumuladas dos impostos que não estavam sendo pagos. A intransigência portuguesa na arrecadação de impostos manteve as cobranças altas, mesmo com a queda na extração de ouro na região, o que acabou por gerar o acúmulo de dívidas.

Inconfidência Mineira

A insatisfação com uma possível derrama mobilizou as elites da capitania contra o domínio português. Os inconfidentes planejavam assassinar o governador da capitania e proclamar o republicanismo na Capitania de Minas Gerais. Tiradentes era um dos envolvidos na conspiração, pois, além de ser um defensor dos ideais iluministas, também havia sido prejudicado pela gestão do visconde de Barbacena ao ser destituído do comando da cavalaria, que fiscalizava uma importante estrada da região.
O movimento conspirado pelas elites mineradoras, entretanto, não chegou a acontecer. Todos os envolvidos foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis, que optou por denunciar o movimento para se livrar das dívidas pessoais que havia adquirido com a Coroa Portuguesa. Assim, em 1789, o visconde de Barbacena suspendeu a derrama e prendeu os envolvidos na conspiração – entre eles, Tiradentes.

Prisão e condenação de Tiradentes

Moeda brasileira de cinco centavos com o rosto de Tiradentes estampado
Moeda brasileira de cinco centavos com o rosto de Tiradentes estampado
A prisão de Tiradentes e outros inconfidentes ocorreu após a devassa (investigação). O processo de julgamento dos envolvidos na Inconfidência estendeu-se por três anos. Durante esse período, muitos dos presos negaram sua participação no movimento, com exceção de Tiradentes, que reconheceu abertamente seu envolvimento. Alguns historiadores também afirmam que, durante os interrogatórios, muitos dos envolvidos denunciaram o papel de Tiradentes na conspiração.
A sentença dos inconfidentes saiu em 1792 e determinava a pena de morte por enforcamento a dez pessoas. Entretanto, por intermédio da Rainha D. Maria I, nove dos envolvidos na Inconfidência foram perdoados e condenados ao degredo (expulsos do Brasil), enquanto a sentença de morte foi mantida para apenas um: Tiradentes.
Atribui-se esse fato a duas possibilidades: a primeira afirma que a sentença só foi mantida a Tiradentes por ele não pertencer à elite mineradora e, portanto, não possuir influência na Coroa. A segunda possibilidade levantada pelos historiadores é a de que, por falar abertamente do seu envolvimento na conspiração durante o interrogatório, Tiradentes foi considerado um elemento perigoso pela Coroa e, por isso, deveria ser eliminado.
Assim, Tiradentes foi usado como bode expiatório pela Coroa Portuguesa. Ele foi enforcado na manhã de 21 de abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro. Em seguida, teve o corpo esquartejado em quatro partes e espalhado pela estrada de acesso a Ouro Preto. Sua cabeça foi exibida em uma estaca colocada na praça central da cidade. A condenação de Tiradentes foi utilizada como demonstração de força da Coroa para evitar que futuras rebeliões acontecessem.

Tiradentes como herói

A figura de Tiradentes permaneceu esquecida durante o resto do período do colonial e também no período imperial, principalmente pelo caráter republicano dos envolvidos na Inconfidência Mineira, como afirma o historiador Boris Fausto:
o episódio [Inconfidência] incomodava, pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de governo. Além disso, os dois imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta da Rainha dona Maria, responsável pela condenação dos revolucionários|1|.
A imagem de Tiradentes como herói foi construída com a Proclamação da República. Os republicanos desejavam exaltar as figuras de republicanos brasileiros em contraposição aos tempos de monarquia e, por causa disso, Tiradentes foi escolhido pelo caráter da sua condenação. Republicano convicto, Tiradentes foi exaltado como um mártir do movimento republicano e, portanto, um herói nacional.
Em consequência disso, o dia de sua execução, 21 de abril, foi estabelecido como feriado, e sua imagem passou a ser retratada, muitas vezes, parecida com a de Cristo crucificado, uma forma de relacionar Tiradentes como mártir e herói.
|1| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 103.
*Crédito da imagem: Domínio Público | Acervo Museu Paulista (USP)

Por Daniel Neves
Graduado em História


20/04/2020



Os bobos
Hannah Arendt (1906-1975) nasceu em Hannover, Alemanha. Doutorou-se em Heidelberg, em 1928. Judia, perseguida pelo cabo Hitler (1889-1945) e sua patota, foi, em 1933, viver em Paris. Em 1941, teve de fugir para Nova York. Professora e filósofa, suas obras magnas talvez sejam “A origem do totalitarismo” (1951) e “A condição humana” (1958).
Já em 1961, Hannah Arendt foi enviada a Israel, a serviço da revista The New Yorker, para cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann (1906-1962), militar membro da SS e um dos encarregados do Holocausto. Daí surgiu o seu livro/tese “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”, publicado em 1963. Basicamente, para Arendt, Eichmann (e, de resto, a imensa maioria dos nazistas) não pensava, apenas macaqueava as insanidades/bobagens a serviço daqueles que estavam mais acima no poder. Ela enxergava, nessa atitude irrefletida, o que torna homens bobos tão perigosos. Muito perigosos. A morte de milhares (ou mesmo de milhões) de pessoas não sensibiliza os homens/administradores banais.
E se isso se deu na Alemanha nazista, algo parecido sucedeu no Brasil dos últimos tempos: os bobos, a ignorância, orgulhosos, no poder e nas ruas. Nossa “sorte” é que, embora a duras penas, com a imprensa livre e a ciência, esses loucos e bobos no poder estão sendo hoje rapidamente desmascarados.
Todavia, ainda há muitos bobos nas ruas e nas redes sociais. Existem aos montes. Embora insignificantes do ponto de vista individual, nestes tempos tão difíceis, em que lutamos contra um inimigo invisível, mas que tem nome e sobrenome, eles continuam, pelo efeito manada, consideravelmente perigosos. Sobretudo porque espalham loucura e inverdades.
Os casos das bizarras carreatas contra o isolamento social mostram bem isso. Bobos na rua, cantando e dançando segurando caixões, celebrando sei lá o que, enquanto dezenas de milhares de pessoas morrem mundo afora, é tão perigoso quanto parece ser. E bloqueios de ambulâncias, na Av. Paulista, com um caos sanitário instalado na maior cidade do nosso país, é mais perigoso do que parece ser. O que é isso? Uma nova banalidade do mal?
As fakes news, divulgadas e repetidas incessantemente, são um outro gravíssimo problema. Prejudicam demais. Em tempos de pandemia, em que precisamos de informações confiáveis – e não drogas como panaceias – são um crime contra a nossa humanidade. A ciência ou literatura do print (de WhatsApp) seria apenas ridícula se não fosse trágica. E aqui tem bobos e bobos. O bobo maldoso (que sabidamente esconde seus interesses financeiros por detrás dos clichês) e o bobo só bobo. Mas ambos são perigosos, registro.
Acredito que é responsabilidade dos homens de bem lutar contra tudo isso. Uma luta cívica, sanitária e de sanidade. Até porque, quando “libertarmos Paris”, saberemos quem foram os resistentes e quem foram os colaboracionistas.
Por fim, para desanuviar um pouco a coisa, vou encerrar com uma história/anedota que se conta a respeito de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Consta que o grande general, cônsul e, depois, Imperador dos franceses, teria dito: “dê-me um homem inteligente e com iniciativa, farei dele meu general; dê-me um homem bobo e sem iniciativa, farei dele meu soldado; mas um homem bobo e com iniciativa, eu quero longe do meu exército”. Os loucos e bobos não servem para nada. Nem para cabo, nem para capitão.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL