Faleceu terça-feira passada, dia 21, Marlindo Pompeu. Ex-vereador, político em
disponibilidade, agitador social, era o meu intérprete, ungido e jungido das
causas populares. Conheci-o em Macaíba, lá pelos idos de 1950, quando estudava
no bravo Colégio Agrícola de Jundiaí. Pompília já se revelava inquieto,
mobilizador e encantador de serpentes. Era amigo do sábio e matemático Damião
Pita, também estudante e professor das escolas de primeiro e segundo graus da
rede municipal. Na campanha popular para governador em 1960, o velho Pompa
ocupou a linha de frente do exército de Dejinha (Djalma Marinho) e
transformou-se no próprio tumulto tanto para os adversários como para as suas
próprias hostes.
Encontrava-o aqui e acolá sempre com pressa, passando com ruído, soltando
frases soltas e estribilhos guerreiros sobre lutas e batalhas iminentes. Jamais
foi achado em silêncio. Ninguém era melhor que ele para bastante procurador de
causas possíveis e impossíveis. Daí, nomeava-o, com toda pompa e circunstância,
o meu, o nosso advogado. Sem mandato popular, sabia melhor que os outros, os
caminhos das pedras, das residências oficiais, porque era sombra e luz, voz e
ouvido do clamor das ruas.
A sua marca registrada sempre foi a fidelidade irrepreensível ao líder e ao
ideal. Sobre esse ângulo poderia registrar dezenas de atitudes do seu quilate.
Continuou sendo o homem de um partido só, sem esmorecer, sem tergiversar, sem
recuar. Em Natal, viveu sua fase de líder popular nas comunidades, defendendo-a
na Câmara Municipal e fora dela. Para ele não importava ter o mandato para
socorrer o povo e requerer a solução dos problemas. Ele sempre o fez porque se
tornou conhecido e festejado por todos como um homem simples, pobre, honesto e
prestativo.
Conviveu com governadores, senadores, deputados, mas nunca amealhou vantagens
pessoais, pois somente lhe interessa servir. Carregava uma pasta cheia de
papeis. Nela nada tinha de si e sobre si. Apenas, papeladas de pedidos dos
outros, reivindicações comunitárias, receitas, recibos inadimplentes de IPTU,
água e luz. Foi o carteiro do povo; o jornaleiro do líder que defende; o
pastorador de auroras das ruas e avenidas de Natal só para anunciar as
alvíssaras, as boas novas do partido e do próximo.
Sempre foi o estafeta legítimo de pleitos, porta-voz dos esquecidos e condutor
dos novos rumos e prumos de Natal. Daí sempre confiei nele para pugnar,
reivindicar, exigir, porque possuía o senso comum das coisas simples e
honestas.
Mas, o velho Pompeu estava cansado. E chegou a hora dele. O momento de todos
assumirem o mandato que ele exerceu por nós: o exercício da solidariedade
humana por Natal e pelos seus habitantes. Ao prestar-lhe este tributo, eu o
faço com emoção pelo muito que ele fez e pelo tão pouco que recebeu. Soou a
hora de reparar esse esquecimento.
(*) Escritor.
22/04/2020
DESCOBRIMENTO DO BRASIL - Pioneirismo português
A chegada dos portugueses ao Brasil é um dos resultados finais das grandes navegações,
a exploração oceânica que se deu ao longo de todo o século XV. Apesar
dos espanhóis terem chegado ao continente americano primeiro, os
portugueses são considerados os pioneiros nesse processo de exploração, fazendo grandes “descobertas” nesse período.
O
papel pioneiro dos portugueses foi estudado pelos historiadores e
justificado com base em fatores políticos, econômicos e geográficos.
Primeiro ponto de destaque refere-se à estabilidadepolítica e ao fato de que Portugal tinha um territóriounificado havia séculos. No caso territorial, os portugueses tinham expulsadoosmouros, em 1249. Em comparação, a Espanha, por exemplo, lutou contra os mouros até 1492, e ingleses e franceses lutaram entre si, na Guerra dos Cem Anos, até 1453.
Além de ter um território consolidado, Portugal desfrutava de uma política estável e sem conflitos desde que a dinastia de Avis iniciou-se, no final do século XIV, quando João, mestre de Avis foi coroado rei de Portugal. A estabilidade política e o território unificado possibilitaram o país desfrutar de um desenvolvimentocomercial e tecnológico.
Esse
desenvolvimento tecnológico garantiu melhorias na navegação marítima
cruciais para que os portugueses explorassem os oceanos. Essa exploração
englobava os interesses de expansãocomercial, militar e religiosa dos portugueses. Na questão comercial, os portugueses possuíam um centro comercial muito importante em Lisboa.
O interesse em mercadorias exóticas, como as especiarias
(pimenta-do-reino e canela, por exemplo), era o que mais movia os
portugueses nesse contexto. A Índia possuía um vastíssimo mercado delas,
motivando-os a manterem contatos comerciais com ela. Como a rota
tradicional, passando por Constantinopla, havia sido fechada, era necessário explorar o oceano para achar uma nova passagem.
Para
isso, Portugal decidiu explorar a costa do continente africano à
procura de uma passagem que levasse à Índia. Essas expedições
fizeram-nos chegar a lugares, como Madeira, Açores e Cabo Verde.
Eles também fizeram a instalação de feitorias, isto é, entrepostos
comerciais, ao longo da costa africana. O desejo de expansão também se
deve ao fato de que os portugueses, enquanto cristãos, procuravam
expandir seus domínios como maneira de promover a cristianização.
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Europeus chegam à América
Nesse
contexto de exploração atlântica, os espanhóis decidiram investir em um
explorador que estava decidido a chegar à Índia navegando pelo oeste.
Esse era CristóvãoColombo, genovês
que havia sido rejeitado pelos portugueses. Com o financiamento
espanhol, ele liderou três embarcações que, acidentalmente, chegaram ao continente americano, no dia 12 de outubro de 1492.
Com
a notícia do achamento de uma nova terra a oeste, portugueses e
espanhóis iniciaram uma disputa diplomática pelo controle das novas
terras que poderiam ser encontradas. Essa disputa levou à redação de uma
bula papal, em 1493, conhecida como bulaInter Caetera, que delimitava a divisão das novas terras entre os dois países.
Os
portugueses, não satisfeitos com o resultado dessa bula, iniciaram
novas negociações com os espanhóis, e o resultado foi a assinatura do Tratado de Tordesilhas,
em 1494. Esse tratado determinou a passagem de uma linha imaginária a
370 léguas do arquipélago de Cabo Verde. As terras a oeste (esquerda)
seriam espanholas, e as terras a leste (direita) seriam portuguesas.
A assinatura do Tratado de
Tordesilhas, portanto, era um marco que reforça a ideia de que os
portugueses sabiam que poderiam existir terras a oeste, eles só não
tinham chegado a elas ainda. Depois que o continente africano foi
contornado, eles puderam manter contato comercial com a Índia. Foi nesse
contexto que se organizou a expedição de Pedro Álvares Cabral. Os portugueses queriam explorar as possibilidades a oeste, e depois iriam à Índia comprar especiarias.
Assim, como podemos perceber, o capitão-mor da expedição foi Cabral, e ele estava à frente de 13embarcações,
sendo três caravelas e 10 naus, que zarparam de Lisboa em 9 de março de
1500. A rota da expedição seguiu um caminho não muito comum, uma
demonstração de que eles fariam uma mudança nela, de forma a explorar o
oeste antes de ir para a Índia.
A expedição entrou na zona de calmaria do oceano entre os dias 29 e 30 de março, permanecendo nela por cerca de 10 dias. Ela cruzou a Linha do Equador
no dia 9 de abril, e em 21 de abril, os primeiros sinais de terra
tinham sido avistados: algas marinhas. No dia seguinte, 22 de abril,
foram avistadas aves pela manhã, e, no entardecer, os portugueses
avistaram o MontePascoal.
Os portugueses não desembarcaram naquele dia, e só no dia 23 de abril é que Cabral permitiu que um batel (bote), liderado por NicolauCoelho, fosse enviado à terra. Lá houve o primeiro contato com os indígenas, acontecimento relatado por Pero Vaz de Caminha.
Alguns dos nativos foram levados à presença de Cabral, e o relato
deixado pelo escrivão é interessante e demonstra a diferença cultural.
Vejamos um trecho:
Mostraram-lhes
um papagaio pardo que o Capitão traz consigo: pegaram-no logo com a mão
e acenavam para a terra, como a dizer que ali os havia. Mostraram-lhes
um carneiro: não fizeram caso dele; uma galinha: quase tiveram medo dela
– não lhe queriam tocar, para logo depois tomá-la, com grande espanto
nos olhos.
Deram-lhe
de comer: pão e peixe cozido, confeitos, bolos, mel e figos passados.
Não quiseram comer quase nada de tudo aquilo. E se provavam alguma
coisa, logo a cuspiam com nojo|1|.
No dia 26 de abril, foi celebrado o Dia de Pascoela, comemoração religiosa celebrada sete dias depois da Páscoa. Essa foi a primeira missa que aconteceu no território brasileiro e foi conduzida pelo frei Henrique de Coimbra. Por fim, a expedição portuguesa resolveu navegar na direção da Índia a partir de 2 de maio de 1500.
A chegada dos portugueses aqui, em
1500, não significou que medidas expressivas de colonização fossem
realizadas. A prioridade portuguesa ainda era o mercado de especiarias,
e, até a década de 1530, a presença portuguesa deu-se por meio de
pequenas feitorias instaladas no litoral. Essas feitorias eram locais em
que se realizava a exploração do pau-brasil.
Nota
|1| CASTRO Sílvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2013. p. 91
Joaquim José da Silva Xavier, também conhecido pelo apelido de “Tiradentes”, consagrou-se por sua participação ativa na Inconfidência Mineira. Tragicamente, ele foi o único dos envolvidos no movimento a receber a pena de morte, uma vez que os outros envolvidos foram perdoados pela Coroa Portuguesa.
De uma família de origem humilde, Joaquim José nasceu na Capitania de Minas Gerais, em 12 de novembro de 1746. Com a morte prematura dos pais, Joaquim José precisou exercer inúmeros trabalhos ao longo de sua vida, como a de dentista amador, função que lhe deu o apelido de “Tiradentes”. Ele também havia trabalhado na mineração, porém, foi no posto de alferes nos quadros da cavalaria imperial que Tiradentes alcançou certa estabilidade. Apesar da pouca instrução, ele era um republicano convicto e adepto dos ideais do Iluminismo.
Causas da Inconfidência Mineira
O movimento dos inconfidentes, organizado em 1788, foi consequência do contato dos colonos brasileiros com os ideais iluministas divulgados na Europa, ideais que haviam, por sua vez, inspirado o movimento de independência dos Estados Unidos.
Os historiadores atribuem a divulgação do pensamento iluminista no Brasil ao contato de estudantes brasileiros com o Iluminismo ao serem enviados por suas famílias da elite econômica da colônia para estudarem na Universidade de Coimbra, em Portugal. Os ideais iluministas foram muito difundidos, principalmente, na Capitania das Minas Gerais, e isso se explica pelo fato de boa parte dos estudantes brasileiros em Coimbra ser originária de Minas Gerais.
Além da propagação dos ideais iluministas, a Inconfidência Mineira aconteceu em consequência da insatisfação das elites da Capitania de Minas Gerais com a pesada política de cobrança de impostos estabelecida pela Coroa Portuguesa sobre os colonos. O visconde de Barbacena havia sido nomeado pela Coroa Portuguesa como governador da capitania com o objetivo de promover a derrama, ou seja, a cobrança obrigatória dos impostos sobre a extração do ouro.
Essa derrama havia sido determinada por Portugal em razão das dívidas acumuladas dos impostos que não estavam sendo pagos. A intransigência portuguesa na arrecadação de impostos manteve as cobranças altas, mesmo com a queda na extração de ouro na região, o que acabou por gerar o acúmulo de dívidas.
Inconfidência Mineira
A insatisfação com uma possível derrama mobilizou as elites da capitania contra o domínio português. Os inconfidentes planejavam assassinar o governador da capitania e proclamar o republicanismo na Capitania de Minas Gerais. Tiradentes era um dos envolvidos na conspiração, pois, além de ser um defensor dos ideais iluministas, também havia sido prejudicado pela gestão do visconde de Barbacena ao ser destituído do comando da cavalaria, que fiscalizava uma importante estrada da região.
O movimento conspirado pelas elites mineradoras, entretanto, não chegou a acontecer. Todos os envolvidos foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis, que optou por denunciar o movimento para se livrar das dívidas pessoais que havia adquirido com a Coroa Portuguesa. Assim, em 1789, o visconde de Barbacena suspendeu a derrama e prendeu os envolvidos na conspiração – entre eles, Tiradentes.
Prisão e condenação de Tiradentes
Moeda brasileira de cinco centavos com o rosto de Tiradentes estampado
A prisão de Tiradentes e outros inconfidentes ocorreu após a devassa (investigação). O processo de julgamento dos envolvidos na Inconfidência estendeu-se por três anos. Durante esse período, muitos dos presos negaram sua participação no movimento, com exceção de Tiradentes, que reconheceu abertamente seu envolvimento. Alguns historiadores também afirmam que, durante os interrogatórios, muitos dos envolvidos denunciaram o papel de Tiradentes na conspiração.
A sentença dos inconfidentes saiu em 1792 e determinava a pena de morte por enforcamento a dez pessoas. Entretanto, por intermédio da Rainha D. Maria I, nove dos envolvidos na Inconfidência foram perdoados e condenados ao degredo (expulsos do Brasil), enquanto a sentença de morte foi mantida para apenas um: Tiradentes.
Atribui-se esse fato a duaspossibilidades: a primeira afirma que a sentença só foi mantida a Tiradentes por ele não pertencer à elite mineradora e, portanto, não possuir influência na Coroa. A segunda possibilidade levantada pelos historiadores é a de que, por falar abertamente do seu envolvimento na conspiração durante o interrogatório, Tiradentes foi considerado um elemento perigoso pela Coroa e, por isso, deveria ser eliminado.
Assim, Tiradentes foi usado como bode expiatório pela Coroa Portuguesa. Ele foi enforcado na manhã de 21 de abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro. Em seguida, teve o corpo esquartejado em quatro partes e espalhado pela estrada de acesso a Ouro Preto. Sua cabeça foi exibida em uma estaca colocada na praça central da cidade. A condenação de Tiradentes foi utilizada como demonstração de força da Coroa para evitar que futuras rebeliões acontecessem.
Tiradentes como herói
A figura de Tiradentes permaneceu esquecida durante o resto do período do colonial e também no período imperial, principalmente pelo caráter republicano dos envolvidos na Inconfidência Mineira, como afirma o historiador Boris Fausto:
o episódio [Inconfidência] incomodava, pois os conspiradores tinham pouca simpatia pela forma monárquica de governo. Além disso, os dois imperadores do Brasil eram descendentes em linha direta da Rainha dona Maria, responsável pela condenação dos revolucionários|1|.
A imagem de Tiradentes como herói foi construída com a Proclamação da República. Os republicanos desejavam exaltar as figuras de republicanos brasileiros em contraposição aos tempos de monarquia e, por causa disso, Tiradentes foi escolhido pelo caráter da sua condenação. Republicano convicto, Tiradentes foi exaltado como um mártir do movimento republicano e, portanto, um herói nacional.
Em consequência disso, o dia de sua execução, 21 de abril, foi estabelecido como feriado, e sua imagem passou a ser retratada, muitas vezes, parecida com a de Cristo crucificado, uma forma de relacionar Tiradentes como mártir e herói.
|1| FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 103.
*Crédito da imagem: Domínio Público | Acervo Museu Paulista (USP)
Por Daniel Neves Graduado em História
20/04/2020
Os bobos
Hannah Arendt (1906-1975) nasceu em Hannover, Alemanha. Doutorou-se em Heidelberg, em 1928. Judia, perseguida pelo cabo Hitler (1889-1945) e sua patota, foi, em 1933, viver em Paris. Em 1941, teve de fugir para Nova York. Professora e filósofa, suas obras magnas talvez sejam “A origem do totalitarismo” (1951) e “A condição humana” (1958).
Já em 1961, Hannah Arendt foi enviada a Israel, a serviço da revista The New Yorker, para cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann (1906-1962), militar membro da SS e um dos encarregados do Holocausto. Daí surgiu o seu livro/tese “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”, publicado em 1963. Basicamente, para Arendt, Eichmann (e, de resto, a imensa maioria dos nazistas) não pensava, apenas macaqueava as insanidades/bobagens a serviço daqueles que estavam mais acima no poder. Ela enxergava, nessa atitude irrefletida, o que torna homens bobos tão perigosos. Muito perigosos. A morte de milhares (ou mesmo de milhões) de pessoas não sensibiliza os homens/administradores banais.
E se isso se deu na Alemanha nazista, algo parecido sucedeu no Brasil dos últimos tempos: os bobos, a ignorância, orgulhosos, no poder e nas ruas. Nossa “sorte” é que, embora a duras penas, com a imprensa livre e a ciência, esses loucos e bobos no poder estão sendo hoje rapidamente desmascarados.
Todavia, ainda há muitos bobos nas ruas e nas redes sociais. Existem aos montes. Embora insignificantes do ponto de vista individual, nestes tempos tão difíceis, em que lutamos contra um inimigo invisível, mas que tem nome e sobrenome, eles continuam, pelo efeito manada, consideravelmente perigosos. Sobretudo porque espalham loucura e inverdades.
Os casos das bizarras carreatas contra o isolamento social mostram bem isso. Bobos na rua, cantando e dançando segurando caixões, celebrando sei lá o que, enquanto dezenas de milhares de pessoas morrem mundo afora, é tão perigoso quanto parece ser. E bloqueios de ambulâncias, na Av. Paulista, com um caos sanitário instalado na maior cidade do nosso país, é mais perigoso do que parece ser. O que é isso? Uma nova banalidade do mal?
As fakes news, divulgadas e repetidas incessantemente, são um outro gravíssimo problema. Prejudicam demais. Em tempos de pandemia, em que precisamos de informações confiáveis – e não drogas como panaceias – são um crime contra a nossa humanidade. A ciência ou literatura do print (de WhatsApp) seria apenas ridícula se não fosse trágica. E aqui tem bobos e bobos. O bobo maldoso (que sabidamente esconde seus interesses financeiros por detrás dos clichês) e o bobo só bobo. Mas ambos são perigosos, registro.
Acredito que é responsabilidade dos homens de bem lutar contra tudo isso. Uma luta cívica, sanitária e de sanidade. Até porque, quando “libertarmos Paris”, saberemos quem foram os resistentes e quem foram os colaboracionistas.
Por fim, para desanuviar um pouco a coisa, vou encerrar com uma história/anedota que se conta a respeito de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Consta que o grande general, cônsul e, depois, Imperador dos franceses, teria dito: “dê-me um homem inteligente e com iniciativa, farei dele meu general; dê-me um homem bobo e sem iniciativa, farei dele meu soldado; mas um homem bobo e com iniciativa, eu quero longe do meu exército”. Os loucos e bobos não servem para nada. Nem para cabo, nem para capitão.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
01) Do folclore humano
e social de Macaíba, vale a pena resgatar a figura de “Sérgio Cabeceiro”. Esse
era o seu nome sem sobrenome que percorria as ruas do centro da cidade,
conduzindo mercadorias, fardos, de um comércio a outro, principalmente nos dias
de sábado. Estatura mediana, barba branca por fazer, residia na periferia
próxima, quando os pontos cardeais de Macaíba eram medidos da rua da Aliança ao
Barro Vermelho, da rua do Vintém, ao Araçá e Pernambuquinho. Semanalmente,
alcoólatra juramentado, Sérgio se embriagava após o trabalho e perambulava pela
praça Augusto Severo, Cinco Bocas, ao redor do mercado público, mendigando e
sempre cantarolando uma melodia sem pé, sem rima, nem cabeça, intitulada “A
Baratinha” – que se supõe tenha sido uma antiga namorada. Recorro aos meus
amigos de infância e adolescência que curtiram e testemunharam comigo os
desempenhos de Sérgio, que se auto-intitulava, após a cantoria: “Eu sou um
cabeceiro boçal!!”. Batista Pinheiro, Silvan Pessoa, Francilaide Campos, Tarso
Cordeiro, Bridenor Costa Jr. (Costinha), Venício Ferreira, Chico Cobra, Nassáro
Nasser (Danga) e tantos outros, hão de recordar a canção ligeira, simples,
popular, mas carismática que se misturava com o sentimento telúrico, de
transição mágica. “A Baratinha, a baratinha,/ a baratinha bateu asas e
“avoou”.../ Aiá baratinha, aia baratinha,/ bateu asas e “avoou”./ Meninada
celebrante,/Cinturinha de “retrole”/ Bote a chaleira no fogo/ Prá fazer café
prá nós.../”. E, em voz afirmativa dizia com o dedo em riste: “Eu sou um
cabeceiro boçal!”.
02) Bar Gato Preto,
povoado por imensa galeria de vultos inesquecíveis que faziam dali o território
sentimental da cidade. Era o balcão do cidadão que consagrava e desconsagrava,
julgava e punia os que fossem achados em culpa. Na sinuca consagraram-se
Perequeté, Banga, Geraldo Alcapone que maravilhavam os “pirus” com jogadas
cerebrais. Antonio Assis, Waldemar Diógenes Peixoto, Né Macena, Paulo Marinho e
Sabino eram frequentadores que também excursionavam na barbearia do cirurgião
Zuca, PHD em escalpo de couro-cabeludo. Havia ainda outras figuras hoje
impregnadas nas paredes do Bar e nas esquinas das Cinco Bocas comentando as
ocorrências do seu tempo, dos idos de cinquenta e sessenta como chamas votivas
que não se apagam.
03) Macaíba é rica em
figuras folclóricas. Já fiz desfilar na galeria infinda inúmeras personagens. O
“gango”, por exemplo, era o famoso cabaré macaibense onde pontificou um plantel
digno de fazer inveja ao técnico Tite, da atual seleção brasileira de futebol.
E de lá emerge Pirôba, rapariga de longo curso e discurso intermináveis nas
campanhas políticas pelas ruas e bares da vida. Nos idos de oitenta, Pirôba não
perdia uma carreata. Era “valerista” de carteirinha. Numa peregrinação política
motorizada (ônibus, caminhões, automóveis, etc.) Pirôba foi advertida que
deveria se retirar do ônibus, pois estava reservado somente às mulheres
casadas. Discriminação intolerável que Pirôba reagiu matando a pau: “E mulher
casada não f... não?”. E ficou.
04) Lúcia Araújo era
uma funcionária da Prefeitura de Macaíba. Amiga de infância, Lúcia, tornou-se
popular na cidade por ser muito prestativa nas “outras atividades” ligadas a
igreja católica, ao cartório localizado na parte baixa da cidade e a delegacia
de polícia local que ficava no alto do Conjunto Alfredo Mesquita. Gostava de
“advogar” problemas e queixas junto a delegacia onde desfrutava de prestigio
incomum. Portava uma pasta com papeladas difusas e profusas sobre as questões
da periferia macaibense. Assisti, em várias ocasiões o atendimento a sua
clientela na minha casa com aquele fraseado cartorial: “O seu processo sobe
hoje para a delegacia e amanhã desce para o cartório!!”, sentenciava Lúcia
didaticamente. De pequena estatura, voz rouca proveniente do vício de fumar,
ela tinha um apelido que detestava ouvir: “Lúcia Pitôco”. Mantinha com o
desportista José Felix Barbosa uma rusga antiga e nunca curada. Um dia, foi
designada a servir na secretaria de esportes, onde reinava Felix. Este ao vê-la
entrar na repartição, exigiu: “Dona Lúcia, aqui está o livro de ponto”. A
funcionária encrespou-se, pegou a sua pasta indefectível e arrematou à queima
roupa: “Não assino ponto que não sou de
xangô, nem tenho chefe que não sou índia”. Escafedeu-se e nunca mais voltou.
Lúcia politicamente sempre foi minha correligionária, a começar dos seus pais
Luiz Cassimiro de Araújo e Luzanira Lima de Araújo que residiam à rua do Pernambuquinho.
Criou os seus filhos e educou-os. Será lembrada pela maneira extrovertida de
ser, fiel às amizades e as inimizades também. Um tipo popular inesquecível.
05) Maria Cabral era
morena, magra, cabelos longos, vestia-se de preto em sinal de protesto pelas
coisas ao seu redor que sempre reprovava. Fazia discursos intermináveis
praguejando contra a ordem constitucional dos seres e costumes. Com uma rosa
vermelha presa aos cabelos, caminhando sempre pelo meio da rua, dava-nos a
impressão de uma “Diana” perdida ou bêbada de um pastoril imaginário. Ai de
quem dissesse: “Vai trabalhar Maria Cabral”. Despachava uma verdadeira cascata
de impropérios que atingia até a 3ª geração do xingador. Morreu há cerca de 50
anos e com ela os seus mistérios, pois não se vê mais dessas Marias como
antigamente.
Registrarei outras
figuras do folclore popular macaibense.
O mundo virou bando de interesses guardados por
polícia. E com ele a lei, os direitos individuais, o patrimônio público e até o
crime, vez por outra. Os códigos instituídos pelos homens e os mandamentos de
Deus são quebrados todos os dias, minuto a minuto. O facínora, o bandido dos
crimes hediondos, têm como defesa “os direitos humanos”, as ONGs e até
ministério. Há mais direitos para eles do que para os cidadãos e cidadãs
comuns. O sistema prisional e as penas aplicadas são uma lástima e não corrigem
e nem despencam as estatísticas criminais. Antes, são estimulantes para novas
práticas e revoltas.
Bem, e daí? Aonde quero chegar? Bom, o assunto é tão
emblemático que nem sei se chegarei à sua conclusão. Por isso, intitulei o
texto de “meros palpites”, abordagem ligeira e descomprometida, tudo à luz da
experiência de vida, debruçado à janela, lendo jornais e vendo a máquina
mortífera chamada televisão. Começo perguntando: o estado brasileiro está
falido no enfrentamento dos desafios sociais, virais, principalmente a saúde e
a segurança? Não. Não está. O problema é de gerência, de competência. O regime
democrático é lento e o organismo corroído de chagas é de caríssima manutenção.
Anotem: na crise econômica que se avizinha o nosso país pifará. Essa ordem (ou
desordem?) econômica explodirá, pois a impunidade que campeia já acendeu o
estopim, baldados os esforços do Ministério Público e da Polícia Federal. O
abuso de concessão de liminares aí está para confirmar. Os tribunais de contas
votam criteriosamente intervenções municipais em prefeituras corruptas, mas os
governos estaduais não executam as decisões por conveniência política. Nos
hospitais públicos a pobreza morre à mingua, abandonada com dores físicas e
morais insuportáveis porque o deficitário sistema único de saúde não dá votos e
sim o “bolsa família” e a dinheirama drenada e desviada das “emendas
parlamentares” e outros privilégios.
Semana passada, uma senhora que reside num condomínio
se lastimava com piedade de um marginal, detido por populares em flagrante. Levou
uma merecida sova. Aliás, a única punição que receberá realmente. “Minha
senhora”, disse-lhe, “deixe o povo aprender a punir, porque a dor física é a
única que mete medo”. Aí me lembrei que foi a dor do corpo (para mostrar a
única fragilidade veraz do ser humano) aquela escolhida pelo filho de Deus –
Jesus – para redimir os pecados do mundo. Esbofeteado, cravado de espinhos,
cuspido, furado com pregos os pés e as mãos, e crucificado. E Pilatos,
simbolizando “liminarmente” a justiça romana e judia de Caifás, lavou as mãos
“diante do sangue desse inocente”. Jesus deixou-se condenar porque assim estava
escrito e predestinado. Mas os homicidas diabólicos do mundanismo de hoje,
verdadeiros animais e os ladrões de colarinho branco são tratados com pachorra
e facúndia, com homenagens de praxe e de apreço frutos de uma legislação
fáctil, fóssil, fútil e fácil. E assim, já dizia o comerciante assuense Luis
Rosas, que desfrutou de grande riqueza e, depois tendo perdido tudo, foi
surpreendido por amigos vendendo avoetes na feira das Rocas, em Natal: “Amigos,
não se preocupem, tudo é comércio!”.