NIVALDO E JOÃO: UM DEPOIMENTO
Valério Mesquita*
Afinidades de
temperamento entre pessoas de famílias diferentes são bastante comuns. Estudos
genéticos e outros fatores científicos diversos explicam o fenômeno. Como não
sou do ramo não ouso abordar o tema. Mas, coincidências de vida, de destino, de
identidades, são mais difíceis de ocorrer com frequência. Peço permissão ao
leitor para citar como exemplo, o que ocorreu comigo e o escritor e ex-auditor
do TCE Cláudio José Freire Emerenciano. Ingressamos juntos no terceiro ano
primário do Colégio Marista em 1954. Cursamos juntos o primário, o ginásio, o
segundo grau e a faculdade de Direito sempre na mesma sala de aula. Como
infantes e adolescentes frequentávamos os cinemas de Natal (Cines Rex,
Nordeste, Rio Grande, Panorama), festas e farras. Formados, fomos nos
reencontrar depois, no jornalismo e na política. E hoje, na terceira idade (que
ele não proteste), trabalhamos juntos na mesma instituição: o Tribunal de
Contas do Rio Grande do Norte, até nos aposentarmos.
Esse fato levou-me a
reflexão sobre outro a respeito de dois padres – embora de diferentes gerações
– mas de similitudes e coincidências dignas de nota. Refiro-me ao saudoso padre
Nivaldo Monte e o seu colega de sacerdócio João Medeiros Filho. Ambos simples,
permeáveis, acessíveis, humildes e prestativos. Nasceram em março e no mesmo
dia. Estudaram no Seminário São Pedro, em Natal. O sacerdócio dos dois foi
exercido na arquidiocese de Natal, além de terem servido como professores na
mesma universidade – a UFRN. Dom Nivaldo fundou a Faculdade de Serviço Social e
o padre João Medeiros catorze faculdades de Teologia, além da implantação do
Centro de Estudos Superiores do Seridó, o CERES da UFRN. Inclusive nesse quadro
de iguais funções pedagógicas, ressalte-se as semelhanças de pensamento e ação.
Um era magrinho
(Nivaldo), já o outro gorduchinho, mas ambos sofridos pacientes renais.
Todavia, não estacam aí outras observações que pude captar dos dois servos do
Senhor. Quando João Medeiros voltou do Rio de Janeiro para o Rio Grande do
Norte a afetividade dos dois, media-se pela
extensão e profundidade de gestos e mútua solidariedade cristã. Nivaldo
doou-lhe um terreno para a construção de sua casa em Emaús, Parnamirim. O ex-arcebispo
tratava o seu irmão na fé com gestos de amizade especial, fazendo questão,
certa vez, de presidir a missa de quarenta anos de sacerdócio do padre
jucuturuense. Essa afeição encontrava justificativa no fato de Medeiros tê-lo
assistido permanentemente no seminário quando das experiências botânicas do seu
amigo. A concomitância, a coexistência, a simultaneidade de dois seres humanos,
ligados pelas mesmas circunstâncias de vida numa comunhão de fé e de princípios
superiores não podem ficar à margem do desconhecimento.
Já no entardecer da
passagem de dom Nivaldo, ali em Emaús, o padre João Medeiros dedicava uma hora
do dia para conversar com o arcebispo. Celebrava todo domingo na capela
particular, quando Nivaldo não podia mais presidir a liturgia por motivo de
saúde. A biblioteca do acadêmico, constituída de obras cientificas, literárias
e teológicas era zelada diariamente e sobre os seus livros conversavam sempre.
Nivaldo e João, posso afirmar, contemplaram muitas vezes Deus no silêncio da
granja de Emaús. João foi o seu confidente durante a enfermidade, até o momento
da partida para o descanso eterno.
E como ritual
permanente de uma afeição tecida de fraternidade, identidade ministerial e claridades
interiores, toda semana o padre João Medeiros Filho vai à sepultura do seu
preletor e benfeitor pedir forças para exercer a sua missão e consignar, sem
rebuços nem tibieza, o tributo da gratidão. “Prova de amor melhor não há que
doar a vida ao seu irmão”.
(*) Escritor.