BARALHO E TAVOLAGEM
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Macaíba
possuiu muitas casas de jogos. Da proibida roletagem ao jogo de baralho. Esse
último pontifica até os dias de hoje, em pequenas casas freqüentadas por
modestos aficcionados, principalmente nas travessas que dão acesso a Rua Dr.
Francisco da Cruz (Cinco Bocas). O “jogo de bicho”, por exemplo, está
representado por Cabecinha e Pirralha, remanescentes de antigos cambistas como
Zé Leiteiro, Lupicinio Araújo, José Solon, Pedro Pixilinga, entre outros. Mas,
a banca freqüentada pelos “endinheirados” de Macaíba dos anos cinqüenta aos
oitenta era a de Manoel Samuel de Araújo, localizada à rua João Pessoa onde
residiu Jorge Leite da Costa, proprietário de um bar (hoje Panificadora
Industrial do comerciante José Nilson). Nesse local também funcionou uma
importante “casa de jogo de tavolagem e baralho”, habitada por políticos,
comerciantes, funcionários públicos e até Delegados de Policia. Era uma casa
globalizada de ansiosos poliglotas.
A
de Samuel foi a que mais durou sem esquecer a primeira que operava nos fundos
do antigo bar de Zé Distinto, o famoso Zé Fradinha. A casa de jogo do Samuca,
figura simpática e respeitada, era uma verdadeira Arca de Noé. Lá “baixaram” as
mais polivalentes personalidades que buscavam no carteado os momentos de lazer
e de ilusão que a mística do baralho oferecia sem nunca enriquecer ninguém.
Leonel Mesquita, Alfredo Mesquita, Magno da Fonseca Tinôco, João Justino Filho,
Luiz Tomaz do Nascimento, Severino Tavares, Pedro Cascudo, Omar Vilar de
Queiroz, Francisco Falcão Freire, Chicaca e Tião (marchantes), José Álvares,
Pedro Álvares (Pedroca), Genésio Rocha, Pedro Luis de Araújo (Mestre Pedro),
Sinval Azevedo (gerente da Nóbrega & Dantas), Francisco Pereira dos Santos
(Chico Cobra), Belchior, todos servidos pelos garçons Luis Bicho Feio e Tota
Passarinho.
Essa
atividade refletia uma situação econômica e social que Macaíba viveu em mais de
três décadas. Depois, houve um declínio. Samuel adoeceu e quando veio a falecer
com ele viajou todo aquele mundo de diversão, de encontros e desencontros. Até
porque, antes, foram desaparecendo paulatinamente os seus fiéis habitantes, o
que enfraquecia sobremaneira o quadro social da casa, o fluxo e o contrafluxo
dos investimentos da sorte.
Na
memória guardo a fisionomia e os gestos de todos os náufragos desse rio que
passou pelos olhos de minha vida de menino e adolescente. Até alguns fatos
hilários guardei como relicário de espertezas, cacoetes e sortilégios dos seus
humaníssimos protagonistas.
(*) Escritor.