Os Tapuios, etnia
ou designação?
Tomislav
R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia e história. Membro
do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Volte e meia, historiadores de todos os níveis voltam
a citar a existência dos índios tapuios (tapuyos, tapuias etc.) como se etnias
fossem. Há muita confusão, desinformação e desatenção sobre o assunto. O termo
tem sido empregado de forma bastante livre e sem muita preocupação com o seu
verdadeiro significado.
Devido ao grande número de línguas e dialetos falados
pelos indígenas do Brasil, as autoridades de governo, os chamados viajantes
estrangeiros e mesmo alguns historiadores cometeram muitos erros na
classificação étnica ou mesmo de agrupamento dos nativos. Um dos mais comuns foi
o reconhecimento dos chamados tapuios ou tapuias, como sendo uma nação, uma
tribo ou um grupo de silvícolas, cujos membros estivessem ocasionalmente
fixados em um dado território, e fossem ligados por laços históricos,
culturais, econômicos e/ou linguísticos.
Gabriel Soares de Sousa cometeu esse erro já em 1587:
“Os Tapuias são tantos e estão divididos em bandos, costumes e linguagem [...].
São esses Tapuias grandes flecheiros, assim para a caça como para seus
contrários, e são muito ligeiros e grandes corredores, e grandes homens de
pelejarem em campo descoberto, mas poucos amigos de abalroar cercas [...]. São
os Tapuias contrários de todas as outras nações de gentio”.
Lima Figueiredo (1939), repetiu esse erro em 1939,
quando em seu estudo sobre os indígenas do Brasil afirma que: “Não muito
afastado do litoral vivem os Tapuias. [...] As tribos do leste estavam em
estado de barbárie absoluta. [...] Viviam como verdadeiras feras, em luta
continua pelo alimento diário, que era constituído pelas frutas silvestres e a
carne crua. A agricultura não havia entrado em suas cogitações. Já as tribos
ocidentais [...] possuíam alguma cultura. [...] De um modo geral podemos
dividir os íncolas que estudamos em dois ramos: m oriental, compreendendo os
botocudos e os aimorés, e outro acidental, abrangendo os suiás, os caiapós, os
xavantes e os coroados”.
Entretanto é de longa data o entendimento correto. Em
1627, o Frei Vicente do Salvador, descrevendo os índios da então colônia
portuguesa, diz: “O que de presente vemos é que todos são de cor castanha e sem
barba, e só se distinguem em serem uns mais bárbaros que outros (posto que são
assaz). Os mais bárbaros se chamam in
genere Tapuias, dos quais há muitas castas de diversos nomes, diversas
línguas, e inimigos uns dos outros. Os menos bárbaros, que por isso se chamavam
Apuabetó, que quer dizer homens verdadeiros, posto que também são de diversas
nações e nomes”.
Varnhagen também nega a existência
de uma nação ou tribo Tapuia com uma posição mais acadêmica. Afirma que: “Um nome geral havia, com que cada grêmio
designava todos os outros que lhes era absolutamente estranho, o de Bárbaro, ou na língua geral Tapui. Daí a ideia dos primeiros
colonos, transmitida pelos escritores, e ainda ultimamente por alguns
acreditada, da existência de uma grade nação Tapuia; quando os índios chamavam Tapuias os brancos europeus que
não eram seus aliados. [...] Os índios do Maranhão assim chamavam aos
ingleses...”
O
termo Tapuio não é expressão designativa de uma etnia. É tão somente “Um
vocábulo de origem tupi, corruptela de tapuy-ú
– o gênio bárbaro come, onde vive o gentio. [...] É um dos termos de
significação mais vária [diversificada] no Brasil. No Brasil pré-cabraliano
assim chamavam os tupis aos gentios inimigos, que, em geral, viviam no
interior, na Tapuirama ou Tapuiretama
– a região dos bárbaros ou dos tapuias”.
Hoje
ainda há grupos indígenas conhecidos como tapuias. Há nativos conhecidos como Tapuias
no Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás e Pará. São elementos de etnias diferentes, de diversas cores e de costumes
vários, que a convivência entre si fez esquecer suas verdadeiras origens e que
se dão o nome tapuios.
Tribuna do Norte. Natal, 22
ago. 2019.