MÃE DE LEITE – Berilo de Castro
MÃE DE LEITE –
Na década de 1960, o bairro das Rocas se caracterizou como o grande celeiro de craques do futebol potiguar.
Tinha como palco de ação o seu centenário campo de futebol “Estádio João Câmara”.
O bairro disputava um organizado e
eficiente campeonato, no qual se destacavam dois grandes clubes,
formadores de craques, o Palmeiras e o Racing Futebol Clube.
Nos domingos à tarde o enfrentamento
dessas duas briosas equipes levava o bairro à loucura. Era uma alegria
contagiante, que chegava em certo momento a adiar jogos oficiais do
campeonato da primeira divisão, disputado no Estádio Juvenal Lamartine.
Uma figura fez parte desse cenário.
Embora não tenha sido um craque, fez história e imortalizou-se no bairro
como um forte aliado do futebol, exímio compositor de sambas enredo;
componente e vibrante participante de Escolas de Sambas do bairro; e,
do seu jeito todo especial de levar a vida, com malemolência.
Um biotipo de pele morena, estatura
mediana, aceitável porte atlético, bigode bem tratado, sorriso perene de
bom sambista. De hábito cortês, de conversa mansa e de fácil
convencimento. Defendeu as cores rubro-negras do Clube Atlético Potiguar
(CAP), capitaneado pelo inesquecível João Machado.
Contam, os seus companheiros de equipe,
que o atleta-sambista não era muito chegado ao cumprimento de ofício;
chegava atrasado nos jogos, sempre com desculpas que envolviam problemas
de doença familiar.
Na época, ocupava a presidência do CAP
Brígido Ferreira, proprietário de frigorífico situado na margem do rio
Potengi, cria de João Machado. Figura simpática, super educado e muito
atencioso para com seus comandados.
Nunca se negou a ouvir os queixumes do
suplicante, que sempre se justificava de suas exageradas esbórnias, de
sua presença constante e participativa nas rodas de samba do bairro das
Rocas, aos problemas de doenças com a família.
A história sempre se repetia, chegando a
“matar” o pai por três vezes. Mesmo assim, sempre era escutado e
atendido, levando ainda um dinheirinho para fazer frente às despesas do
fingido funeral.
Uma trégua foi dada pelo mestre. Até que surgiu uma nova investida, agora alegando a morte da mãe.
Puxa, meu craque! Esbravejou o Presidente Brígido:
— Você já matou três vezes o seu pai;
tudo bem, você pode até não saber quem foi seu verdadeiro pai; mas, mãe,
a gente só tem uma! Inventa outra, essa não pega!
— Meu bom presidente, é que, na verdade,
eu tenho três mães: a minha mãe verdadeira, a minha de criação, todas
já falecidas, só que agora presidente, perdi a minha terceira e querida
mãe, a de leite. É muito sofrimento para uma pessoa só! Me ajude,
presidente!
O presidente não aguentou, abriu um
vasto e amplo sorriso, e lhe passou, mais uma vez, uma doação em
dinheiro para cobrir as despesas com a fementida história do funeral da
sua querida mãe de leite.
O protagonista: Lucarino Roberto de Souza, o Mestre LUCARINO (1935-1994).
Berilo de Castro – Médico e Escritor – berilodecastro@hotmail.com.br