09/08/2019




O povo Hebreu
Tomislav R. Femenick - Mestre em economia, com extensão em sociologia, do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Após a publicação do meu artigo sobre a autodeterminação do ser humano estabelecida pela religião hebraica, recebi várias mensagens pedindo alguns esclarecimentos sobre esse povo, umas mencionando hebreus, outras fazendo alusões a judeus ou israelitas. Vamos tentar, começando pela diferença entre os três nomes. 
A história do povo hebreu é imbricada com a sua religiosidade e, mais especificamente, com a sua crença monoteísta e a não-aceitação de outros deuses. Assim a história e a religião hebraicas se mesclam constantemente, formando um conjunto que se for separado perde a compreensão, o sentido. Embora atualmente as palavras "hebreu", "judeu" e "israelita" sejam entendidas como sinônimos, histórica e etimologicamente elas têm significados diferentes. Há duas explicações para o significado da palavra “hebreu”. Uma, tomando por base além da Bíblia textos egípcios e acádios, diz que o termo significa emigrante e que seria aplicado a vários grupos e não apenas àquele que é conhecido na história por essa denominação; outra diz que esta é uma palavra específica para os filhos de Abraão, aplicada às tribos que aceitavam Javé como único Deus. A palavra “israelita” identifica um grupo específico de hebreus, os descendentes de Jacó, filho de Abraão, que teve seu nome alterado para Israel, ou seja, “o que luta com Deus”. Por sua vez “judeu” refere-se a um grupo específico de israelitas, aos descendentes Judá (Iehudá), um dos doze filhos de Israel, cuja descendência formou a tribo que deu origem ao reino de Judá.
Além da sua crença monoteísta, isto é, acreditarem em Javé como o Deus verdadeiro e único, onipotente e onisciente, que criou o mundo e os homens, os hebreus têm por certo que são “o povo escolhido de Deus”. 
Os hebreus compreendiam um grupo de clãs e tribos semíticas seminômades, que seriam aparentados com os arameus, cuja origem é motivo de controvérsia. Para uns, a maioria, indubitavelmente trata-se de pessoas que emigraram, durante o século XIV a.C., da Mesopotâmia para Canaã, parte da qual hoje é conhecida como Palestina. Para outros, eles são oriundos das estepes e dos desertos meridional e oriental, da península do Sinai. 
A organização política desse povo teve início com Abraão, o patriarca bíblico, que é considerado o pai de todos os hebreus. Abraão nasceu na cidade de Ur e teria vivido em alguma época entre os séculos XX e XV a.C. Segundo a Torá, Deus determinou a Abraão “vai embora da tua terra, do teu torrão natal, e da casa do teu pai, para a terra que Eu te mostrarei. Farei de ti uma grande nação”. Chegando em Canaã, Deus apareceu novamente e lhe disse: “Eu darei esta terra a teus descendentes”. Em um período de escassez de alimentos na terra prometida aos seus descendentes, Abraão emigrou para o Egito, onde “adquiriu rebanho, gado, jumentos, servos e servas, jumentas e camelos”. 
Sara, a esposa de Abraão, que até então era estéril, ofereceu Agar, uma sua escrava egípcia, para que dela Abraão tivesse um filho, assim sendo gerado Ismael, o primogênito. Entretanto foi com Isaac (seu filho com Sara, após esta se transformar fértil), e Jacó (filho de Isaac e seu neto), que Abraão formou a linha patriarcal do povo judeu. Jacó recebeu de Javé (Deus) um novo nome, Israel. Ele teve 12 filhos e cada um deles deu origem a uma das 12 tribos do povo judeu, os chamados “filhos de Israel”.
O cenário da afirmação hebraica foi a Palestina, região situada na costa oriental do mar Mediterrâneo, a sudoeste da Ásia que, no decorrer da história, passou por grandes modificações políticas e mesmo físicas. Nos séculos XIV e XIII a.C. a região foi invadida pelos hebreus e filisteus, que encontraram uma região já habitada primordialmente pelos cananeus. Em 1125 a.C. algumas tribos hebreias se uniram e derrotaram os cananeus, os quais tinham “uma cultura material superior” à dos seus conquistadores, mas que, paulatinamente, foram sendo assimilados pelos hebreus. Posteriormente as 12 tribos hebraicas, sob o comando de Saul, iniciaram a luta contra os filisteus, fato que uniu os herdeiros de Abraão e deu lugar à estruturação política dos hebreus. O reino teve como capital a cidade de Jerusalém, e como rei o próprio Saul. 

Tribuna do Norte. Natal, 08 ago. 2019

07/08/2019

MAIS UMA CONQUISTA DO IHGRN


Em audiência pública, hoje realizada no auditório da Escola de Governo, o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE contabiliza mais uma vitória, tendo à frente o Presidente Ormuz Barbalho Simonetti e o apoio da Governadora Fátima Bezerra para a correção do brasão e bandeira do Estado do Rio Grande do Norte, bem assim a distribuição de kits de livros para distribuição com as escolas públicas.


  

 

 











05/08/2019


O grande francês
Dentre os juristas franceses do passado, um papel de absoluto destaque deve ser dado a um magistrado e professor de Orleans: Robert-Joseph Pothier (1699-1772). Pothier é, de fato, um forte candidato a maior jurista da França.
Pothier nasceu (no seio de uma família burguesa) e viveu toda sua vida em Orleans. Seu avô e seu pai haviam sido magistrados (conselheiros) nessa agradável cidade do norte da França, outrora libertada do jugo inglês pelas mãos de Santa Joana d’Arc (1412-1431). Ali Pothier também exerceu, por mais de cinquenta anos, o mesmo cargo de conselheiro no “Présidial” da cidade. A partir de 1749, foi também professor de direito francês da prestigiosa Universidade de Orleans.
Magistrado e professor até seus últimos dias, Pothier escreveu e publicou abundantemente. Era infatigável. “Um beneditino do direito”, como chamaram, poeticamente, os autores do “Dictionnaire historique des juristes français (XIIe-XXe siècle)” (publicado pela PUF – Presses Universitaires de France, sob a direção de Patrick Arabeyre, Jean-Louis Halpérin e Jacques Krynen, em 2007). Produziu, como era de praxe à época, “Comentários” aos costumes de sua cidade. Sua obra de maior destaque é, sem dúvida, as “Pandectae Justinianae in Novum Ordinem Digestae”, publicadas entre 1748-1752, mas que lhe tomaram, de trabalho, pelo menos vinte anos da sua vida. Mas ele também publicou inúmeros tratados sobre o que hoje chamamos de direito civil (sem prejuízo de haver escrito sobre outros ramos do direito de então).
Na verdade, se as “Pandectae Justinianae in Novum Ordinem Digestae” podem ser consideradas a obra-prima de Pothier, a fama desse grande francês deve-se mesmo, como lembra Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014), “aos numerosos tratados de direito privado – sobre a propriedade, sobre os direitos régios, sobre as sucessões, sobre as obrigações, sobre a venda, sobre a locação, sobre o câmbio, sobre o matrimônio e outros temas mais – nos quais soube conjugar de modo magistral a disciplina do direito comum de vertente romanística com os mais válidos elementos de tradição consuetudinária francesa”. A obra de Pothier, diz-se, praticamente condensa e torna acessível ao público a quintessência do pensamento jurídico do “Antigo Regime” de então.
Mas não é apenas o conteúdo dos escritos que explica o sucesso de Pothier. É, também, uma questão de escolha e de estilo.
Pothier era um homem muito culto, familiarizado com a literatura e as instituições da Antiguidade clássica. Era um romanista. Todavia, como lembra Paulo Jorge Lima (no seu “Dicionário de filosofia do direito”, publicado pela editora Sugestões Literárias em 1968), à semelhança “de vários outros famosos jurisconsultos dos séculos XVII e XVIII, procurava conciliar a tendência historicista e excessivamente teórica da Culta Jurisprudência do Renascimento com as questões da prática jurídica, contribuindo, através de uma construção de caráter normativo, para a formação da moderna ciência do Direito”. O ecletismo e a pluralidade de fontes de Pothier, condensando as diferentes correntes do pensamento jurídico de então, são amplamente reconhecidas, e isso já explica, em parte, o sucesso de sua obra.
Doutra banda, deve ser enfatizada a acessibilidade do seu estilo de escrita. Como anota o já citado Antonio Padoa Schioppa, “os dotes de clareza, a utilização castiça da língua francesa, a tentativa simplificadora e unificadora de suas análises destinadas não tanto à ciência, mas à prática do direito e a sua aplicação explicam não apenas a grande e duradoura acolhida de seus tratados, mas também o fato de os codificadores napoleônicos terem se inspirado neles em grande medida, mesmo sendo anti-histórico considerar Pothier (assim como, com mais razão, Domat) uma espécie de codificador ‘ante litteram’ ou também simplesmente um potencial reformador. Seus tratados sobre as diferentes partes do Direito Civil influenciaram a feitura do Código de Napoleão”.
Diz-se – e li isso no “Dictionnaire” acima referido – que “ao menos um quarto dos artigos do Código provêm de Pothier”, reinterpretando suas lições ou mesmo reproduzindo, textualmente, suas opiniões. Não posso confirmar essa conta. Mas que Pothier pode ser considerado como um dos “pais do Código”, isso eu garanto.
E a coisa não para por aí. Pothier foi muito reeditado. Em vida e depois da sua morte. De forma condensada, como no conhecido “Pothier des notaires”. Ou em edições de suas obras completas, em vários volumes, sobretudo no decorrer do século XIX. Para a felicidade dos que vieram depois e dos que moravam ou moram longe da sua Orleans. Como registra o já citado “Dictionnaire”, “sua influência não restou limitada à França: ela acompanhou, talvez precedeu, a difusão do Código pela Europa napoleônica, na Itália, na Alemanha, nos Países Baixos, na Polônia, pela península ibérica onde várias de suas obras foram traduzidas para o espanhol e para o português; e mesmo além, pois essa influência foi exercida em todos os países do mundo onde, durante o século XIX, se fez sentir a influência intelectual do direito francês, até no Japão, na Argentina e nos países do Common Law, na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde o Tratado das Obrigações, traduzido para o inglês, conheceu várias edições”.
Eu mesmo, na época em que estudava o direito civil com alguma profundidade, ouvi muito falar de Pothier. Bons tempos de bacharelado na UFRN e de mestrado na PUC/SP.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

31/07/2019




MACAÍBA – UM POUCO DE SUA HISTÓRIA - II

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Conta D. Iná Cordeiro que o primeiro Presidente da República a visitar Macaíba foi Washington Luís, em 1929, antes de ser deposto pela revolução de 1930. O prefeito de Macaíba era Almir Freire. A política situacionista era dominada pela família do coronel  Manoel Maurício Freire. Na oposição militavam os Mesquita e os Andrade.
Em 1933, foi a vez de Getúlio Vargas. Governava a cidade o prefeito Teodorico Freire.
Com Getúlio vieram o então General de Divisão Hidelbrando Góis Monteiro, o coronel Luiz Tavares Guerreiro, Juarez Távora, Amaral Peixoto entre outros. Nessa visita foi solicitada ao presidente a construção da primeira ponte sobre o rio Jundiaí. Getúlio foi recepcionado nos salões da antiga prefeitura, prédio construído em 1933 e que hoje abriga a secretaria de finanças do município. A chegada do presidente, lembra D. Iná, se fez um corredor constituído por moças da sociedade local que saudaram a comitiva com flores e vivas, entre as quais pontificava a senhoria Valda Dantas, filha do então juiz de direito Virgílio Pacheco Dantas.
As visitas de ambos os presidentes, se, bem que, tenha alvoroçado  e  alimentado o jogo do poder das lideranças locais, acima de tudo, conferiu a Macaíba,  um inegável  grau  de  importância  política, econômica, social e cultural perante o Rio Grande do Norte, já engrandecida no  passado recente pelos feitos dos seus filhos ilustres:  Augusto  Severo, Alberto Maranhão, Tavares de Lira, Henrique Castriciano e Auta de Souza.
Sobre essa visita ficou registrado uma ocorrência pitoresca. O pedreiro Sabino, foi o mestre de obras do prédio da então prefeitura. No dia da visita do presidente, promoveram dois bailes no mesmo prédio da prefeitura, sendo um pra os ricos e outros para os pobres, em salões diferentes. O mestre Sabino confiando no seu taco resolveu penetrar no baile dos ricos pois era um excelente dançarino. Não contava com o mau humor do promotor de Macaíba doutor Heitor Lopes Varela que ordenou a se retirar. Sobre o acontecimento surgiu, dia seguinte, uma quadrinha na cidade:
“Sabino por ser gaiato metido a dançador
Foi expulso lá do baile pelo doutor promotor”.

Na vida social da cidade havia o Clube Sete, fundado por Alcides Varela perto da ponte e frequentado pela sociedade local. Com o comércio ativo a mesa de renda chegou a Macaíba  em 1926.  O transporte para Natal era feito pelo rio Jundiaí, através das lanchas Julita I e II do mestre Antonio. Depois veio a de João Lau.
Dois partidos se engalfinhavam: os Penhistas (seguidores de José da Penha adversário de Pedro Velho) e o Partido Republicano que mandou até a revolução de 1930, de Getúlio  Vargas. Eram Penhistas os Andrade e os Mesquita e o Republicano o coronel Mauricio Freire, o seu filho Teodorico e o sobrinho Almir.
Com a morte de Neco Freire subiram ao poder o  major  Andrade  e os novos políticos  emergentes  que  foram  prefeitos, intendentes, interventores tais como: João Meira, tenente Agripino, capitão Gadelha, Pedro Dantas, Alfredo Mesquita Filho, major Genésio Lopes, Antonio Lucas até a fase da redemocratização em 1946, com a queda de Getúlio Vargas. Com a nova Constituição Federal em vigor  surgiu  a  1ª eleição democrática,  sendo eleito prefeito Luiz Curcio Marinho e vice  Magnus  da Fonsêca Tinôco e Alfredo Mesquita Filho deputado estadual  constituinte. Inaugurava-se uma nova fase política, ficando para trás os líderes do governo revolucionário, o Partido Republicano e surgiram partidos novos: o PSD, a UDN e PTB, etc.
O comercio local passou por grande modificação. O mundo saía da 2ª Grande Guerra Mundial que influiu nos costumes, na vida social e administrativa em todos os recantos. Macaíba passou a receber significativos melhoramentos que  influíram no seu desenvolvimento:
a) A construção de nova ponte sobre o rio Jundiaí na relação  comercial com Natal, cujo transporte de pessoal (passageiro) e mercadorias era feita por barcos no velho cais do porto;  A estrada Macaíba/Natal - 1947;
b) O advento da Escola de Jundiaí que foi evoluindo até chegar ao que é hoje e teve na figura de Enock Garcia um grande batalhador;
c) A modificação da estrutura urbana das margens do rio Jundiaí com a construção da atual praça Antonio de Melo Siqueira, o Pax Clube e o Parque Governador José Varela pelo prefeito Luiz Curcio Marinho;
d) A Escola Técnica Comercial fundada por José Maciel e o campo de futebol, além do novo mercado público. A Escola Técnica de Comercio foi a fase embrionária que redundou muito depois no Colégio Dr. Severiano;
e) Podemos salientar por dever de justiça o nome de muitos educadores que ensinaram a inúmeras gerações, nos anos de 1950 e 1960, tanto no velho grupo Escolar Auta de Souza como na  Escola Técnica  Comercial  de Macaíba: Arcelina Fernandes, Nazaré  Madruga,  Paulo Nobre,  Profº  Caetano, D. Emilia, Alice de Lima e Melo,  Dona  Quina,  Ana Sabino, D. Dalila Cavalcante, Profº Rivaldo D'Oliveira, Geraldo  Pinheiro, Aguinaldo  Ferreira,  Teresa Gomes da Costa, Aldo Tinôco, Enock Garcia, Manoel  Firmino  Enedina Bezerra, Noide Tinôco e tantos outros, esquecidos mas igualmente merecedores do respeito e da saudade.
Após José Maciel e Aldo Tinôco (prefeito e vice), em 1958, foi prefeito pela 3ª vez Alfredo Mesquita Filho e o vice Aguinaldo Ferreira da Silva. Já eram os anos sessenta do século passado marcados por novos costumes  políticos, e o  surgimento de novas atividades comerciais e industriais (Industria Nóbrega Dantas), instalada com o apoio  de  Alfredo Mesquita, energia de Paulo Afonso e a vida social e esportiva passaram a  ser exercida através da Associação Pax Clube tendo à frente inúmeros jovens  da sociedade local.
(*) Escritor.



INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>
Para:Adauto José Carvalho Filho,Adilson Gurgel de Castro,Alberto Gondim de Freitas,Ana Angélica Timbó Schmidt,André Felipe P Furtado de M e Menezes
31 de jul às 07:48

Caro sócio,

Amanhã, dia 01/08/2019, às 18 horas, o professor Diogenes da Cunha Lima, sócio deste Instituto, proferirá uma palestra sob o tema NOSSO RICO ESTADO POBRE, dando prosseguimento a mais uma "Quinta Cultural", a ser realizada no Salão Nobre deste Instituição.
Aguardamos a sua presença, para mais uma valorosa e importante palestra.

30/07/2019


Um naturalista diferente
Se bem me recordo, eu já escrevi aqui sobre alguns expoentes do jusnaturalismo. Pelo menos sobre Hugo Grócio (1583-1645), Samuel Pufendorf (1632-1694) e, mais recentemente, sobre Lon Fuller (1902-1978). Desse último, tenho certeza que sim.
Como a minha intenção, nas nossas próximas conversas, é tratar de alguns juristas da França, uso essa deixa para falar de um jusnaturalista diferente, nascido nesse agradabilíssimo país: Jean Domat (1625-1696).
Domat nasceu na cidade de Clermont-Ferrand, situada quase no centro da França. Sob a proteção de um tio-avô, o padre Jesuíta Jaques Sirmond (1559-1651), confessor do rei Luís XIII (1601-1643), Domat foi, ainda jovem, estudar em Paris. Estudou direito em Bourges. Voltou à sua Clermont para advogar. Ali, a partir de 1657, por quase trinta anos, foi “Advogado do Rei” (uma espécie de magistrado de então). Em 1681, contemplado com uma pensão vitalícia pelo rei Luís XIV (1638-1715), voltou a Paris. Sua obra magna foi “Les Lois Civiles dans leur Ordre Naturel” (publicada entre 1689 e 1694). Teve ainda publicados postumamente pelo menos mais dois importantes trabalhos: “Le Droit Public” (1697) e “Legum Delectus” (1700).
Domat tornou-se, sem dúvida, um homem do direito. Mas não foi fácil essa vocação. Ligado aos mestres do famoso convento cisterciense de Port-Royal, amigo do grande Blaise Pascal (1623-1662), seu conterrâneo e com quem partilhava o amor pelos números, teve de resistir bravamente à tentação de se tornar um homem da ciência (e aqui falo das ciências exatas, sobretudo a matemática).
O direito, em seus vários matizes, agradece.
Primeiramente, o direito natural, do qual Domat é considerado um dos seus baluartes. Sobretudo em seu “Les Lois Civiles dans leur Ordre Naturel”, Domat analisa a tradição romanística à luz do direito natural. Um direito natural identificado não apenas com a razão, mas, também, com critérios da ética, decorrentes da sua grande fé religiosa de cunho jansenista. É com base nesses valores ou regras de direito natural, já presentes em grande medida naquilo que nos foi transmitido por antigas (leia-se, aqui, pelos textos do direito romano) e diferentes civilizações, que ele tenta estabelecer os princípios fundamentais do direito francês. Teve bastante sucesso nisso.
Mas agradece também o direito positivado francês. Domat, como registra o “Dictionnaire historique des juristes français (XIIe-XXe siècle)” (publicado pela PUF – Presses Universitaires de France, sob a direção de Patrick Arabeyre, Jean-Louis Halpérin e Jacques Krynen, em 2007), foi até chamado de o “precursor do Código Civil”. De fato, como anota Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014), “mesmo que seu pensamento, pelos motivos indicados [vide parágrafo anterior], não possa ser qualificado como de orientação liberalista nem em economia nem em ética, não poucas das regras que ele exprimiu – especialmente em matéria de contratos – serão acolhidas, em um contexto histórico e econômico muito diferente, pelo Código napoleônico e pela doutrina posterior do direito civil até o final do século XIX”.
Por último – e, para mim, o mais importante –, agradece a própria ciência do direito. Domat parecia ter, já à sua época, uma preocupação com o método de fazer direito. Antes de mais nada, ele procurou conciliar a tradição da Escola Culta (a crítica histórica e a discussão filológica dos textos romanos) com os problemas da prática jurídica de então. Mas é sobretudo a sua forma “lógica” de enxergar e de organizar o direito que viria a preencher uma necessidade da era vindoura, marcada pela unificação sistematizada das regras jurídicas de todo um direito num só documento, que nos acostumamos a chamar simplesmente de “código”. Foi buscando compreender a “lógica do direito” que Domat embarcou na aventura de “Les Lois Civiles dans leur Ordre Naturel”. E sua grande sacada aí, como registra Jean-Marie Carbasse (em “Que sais-je? Les 100 dates du droit”, editora PUF, 2015), foi “apresentar o ‘direito civil’ (isto é, o direito romano) numa ordem conforme esta lei natural. De onde, o título: Les Lois Civiles dans leur Ordre Naturel. Sob a influência de Pascal e de outros jansenistas (em particular Pierre Nicole, autor junto com Antoine Arnaud da famosa Logique de Port-Royal), ele considera o método geométrico (mos geometricus) como aplicável a todas as ciências, a começar pelo direito. A ordem natural do direito é assim uma ordem geométrica, ou ao menos uma ordem perfeitamente lógica, em que as preposições demonstrativas se encadeiam umas às outras num rigor perfeito. O resultado é uma excepcional sistematização das regras romanas que exercerá uma grande influência sobre a doutrina do século XVIII e que inspirará, em seguida, ao menos em certos pontos (por exemplo, a responsabilidade civil), os redatores do Código Civil”.
Bom, já àquela época, misturando natureza e lógica, direito natural e o que há de mais moderno no positivismo jurídico, Jean Domat foi um jurista diferente, não foi?
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

O FUTEBOL EM JOGO – Berilo de Castro




O FUTEBOL EM JOGO – 
O futebol brasileiro passa por um momento que merece uma certa reflexão e um certo entendimento. Acompanhamos com apreensão e indignação o dia a dia do nosso bem amado futebol. Não somos mais surpreendidos com tantos contratos bilionários nos dias de hoje. Mas não enxergamos e nos assombramos com o alto valor das peças adquiridas. Há exagero? Sim! Há exagero, é o que temos observado no campo de jogo, quando acompanhamos e assistimos a esses milionários da bola em ação; facilmente visíveis pela falta de qualidade que são possuidores.
Há, na verdade, uma idiossincrasia futebolística.
São jogadores que, em início de suas carreiras, se destacam em poucos jogos e são de imediato consagrados pela mídia nacional como verdadeiros craques. Nesse contexto, existe uma figura que se destaca mais do que o jogador; mais inteligente, mais cabeça, enfim, é quem vai conduzir a vida futura do atleta, dentro e fora do campo — o empresário de futebol, —, bela e rica profissão nos dias de hoje.
O intercâmbio com o futebol europeu e asiático é pura realidade. É só esperar a abertura da “janela” de transferência para se consolidar os milionários contratos com os nossos jovens e imaturos atletas.
Estamos perdendo muito cedo os nossos bons jogadores; e, assim, enfraquecemos e destroçamos nossas equipes, caindo, consequentemente, o bom nível dos nossos embates regionais.
Ainda mais, passamos a assistir e presenciar operações inversas, ou seja, importação de atletas nossos, que rondaram e rodaram o “mundo todo” do futebol estrangeiro e nada conseguiram. Aí entra novamente a figura do esperto intermediário ou mesmo de técnicos empresários, que indicam contratações e mais contratações dessas peças de estaleiros. Resultado da operação: jogadores contratados a peso de ouro, com futebol a peso de cavaco chinês.
Uma outra situação que temos assistido é a contratação milionária pelos nossos grandes clubes de jogadores em final de carreira, procedentes dos milionários times da Europa. Nada acrescentam, só repousam e se encostam nos Departamentos Médicos, tratando suas velhas e incuráveis lesões e, ainda, enchendo os cofres e mantendo as suas poupanças robustas.
Com esse desenho mal traçado na prancheta, o resultado é o que infelizmente estamos assistindo nos dias de hoje: os famosos clássicos de outrora, hoje, são verdadeiras e repudiadas peladas, que dão sono em coruja e na guarda real  britânica.
Não podemos deixar de registrar, também, a indignação dos torcedores e do povo potiguar por essa fase negra que atravessa o nosso futebol. O ABC F.C e o Globo, de Ceará-Mirim, brigando com unhas e dentes, menos com os pés e as cabeças, para não caírem para na série D, a excrescência do futebol brasileiro. E o Mecão, esse já dorme no desconfortável,  indesejável e maldito berço esplêndido  da  série D (de derrotado).
Que tristeza! Que mediocridade!


Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores