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Oswaldo Lamartine de Faria, a biografia de uma obra (livro)Este ensaio é uma biografia da obra do sertanólogo Oswaldo Lamartine de Faria. O maior do Brasil, segundo Rachel de Queiroz, que o consultou para escrever o Memorial de Maria Moura.Escrito a escrito, livro a livro, Sobral procurou traçar o desenvolvimento intelectual e o trabalho do pesquisador Lamartine em seus estudos acerca dos sertões do Seridó, açudes, pontas de faca, vocabulário do criatório, entre outros.A obra de Lamartine é um vasto mundo que aqui se apresenta.Imagem da capa: @angelaalmeidaa “[...] tenho aqui ao lado a pasta em guardo essas preciosidades – desenhos muito bem feitos de punhal (especificando o que seria de marfim ou prata no cabo, o corte e as dimensões das lâminas de aço). Outro desenho, um bacamarte de fabricação inglesa (E.D.N. and North) chamada pelos cabras de “cotó”. E mais outras preciosidades desenhos de roupas, cachimbos e armas”Rachel de Queiroz, sobre Oswaldo Lamartine. Acesse www.gustavosobral.com.br e faça o download gratuito do livro Oswaldo Lamartine, a biografia de uma obra2018, Livro, Oswaldo Lamartine de Faria: a biografia de uma obra. 1ed. Natal: Caravela Cultural, 2018. 200pDisponível para download gratuito em www.gustavosobral.com.br. #caravelacultural #sertões #seridó #oswaldolamartine #literaturapotiguar- ____
Bilhetes de Oswaldo para Rachel
27/09/2016
Rio de Janeiro, a casa do Instituto Moreira Sales fica na Gávea.
É dezembro (2015).
O caminho de subidas enladeirados, a paisagem arborizada, um cenário que muda a cada metro quadrado percorrido. Lá entocada, a casa.
Jardim de Burle Marx, projeto modernista, foi casa da família.
Hoje é instituto com salas de exposição e estação de trabalho.
Para pesquisa, em razão do espaço limitado, é preciso prévio agendamento. Jane Leite recebe com simpatia e traz o que já havia de vasculhado no acervo de Rachel de Queiroz de/sobre Oswaldo Lamartine.
É certo que o acervo ainda está em fase de catalogação. Outros documentos podem surgir, como desenhos de Oswaldo, cartas, anotações, registros de uma amizade entre os dois, que nasceu para a composição do clássico romance da escritora “Memorial de Maria Moura”.
Não é permitido fotografar, nem portar equipamentos eletrônicos.
Luvas são necessárias para manusear os documentos.
O único instrumento permitido além das mãos e dos olhos é lápis grafite e um pedaço de papel para anotação. O mais é fique à vontade.
O resultado desta pesquisa, que andou por outros acervos, outras leituras e fontes: é a biografia da obra de Oswaldo, livro a ser publicado em breve.
De Oswaldo para Rachel (bilhete)
Rachel
Um Natal feliz como em céus voador por essa pena de asa branca e um ano de inverno alegre como em banho de goteira.
Oswaldo 2001-2
PS: O resultado da pesquisa saiu em livro disponível para download gratuito aqui.
15/07/2019
11/07/2019
OS MOTAS
Tomislav
R. Femenick – Mestre em economia,
com extensão em sociologia – Do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Qual o significado da palavra Mota? Consultados os dicionários,
tem-se que, originalmente, ela designava certo tipo de lugar, portanto era um
topônimo. É termo de origem controversa, talvez provençal
pré-romana, para denominar aterro à beira de rio, açudes, muros, torres, fossos à maneira de um castelo ou fortaleza.
Por sua vez o sobrenome “Mota”, antes escrito “Motta” (conforme o
italiano “Motta” e o francês “Motte”), deriva do substantivo “mota”, vindo do
germânico “motta”. Em escocês, em irlandês e em baixo latim (o latim da Idade Média, usado quase que exclusivamente na
língua escrita), “mota” e “motta”, designava uma edificação rodeada por
um fosso ou situada em uma elevação artificial de terra, com a intenção de
criar obstáculo aos invasores.
Em Portugal,
alguns genealogistas defendem a ideia de que Mota, como nome de família, vem de
um sobrinho do rei de França que, em Burgos, onde se fixou, era senhor de uma
edificação chamada Mota. No entanto, de concreto, sabe-se que o nobre Fernão
Mendes de Gundar era Senhor da Terra do Olo, no Conselho de Gestacô, enquanto
seu filho, Rui Gomes de Gondar, morava na “Terra da Motta”. Este achou por bem
acrescentar o nome “Mota” ao sobrenome, tornando-se o primeiro a dar início a
uma família com essa denominação toponímica. Senhor de grandes posses, Rui
fundou a “Quinta da Motta”, na Freguesia de Celorico de Basto, região do Minho,
ao norte de Portugal. Além disso, possuía bens no distrito de Lanhoso, às
margens do rio Ave. Isso teria acontecido durante o reinado de Dom Afonso II (1211-1223).
Dr. Jerônimo da Mota, um dos seus descendentes, foi desembargador do Paço e da
Fazenda Real, Juiz e nobre da corte de Dom João III, que governou Portugal de 1521 a 1557. De Dom João,
Jerônimo da Motta recebeu, por decreto, o brasão de armas da família Mota. O
baiano Miguel
Calmon du Pin e Almeida, o marquês de Abrantes, corrobora essa versão ao
dizer que Mota, como sobrenome, deriva do nome de um lugar Mota, no termo de
Vilela ou, então, da quinta do mesmo nome, na freguesia de São Miguel de Fervença,
comarca de Celorico de Basto; ou de outros lugares, vilas e quintas Mota,
existentes em Portugal.
Quando
do seu reinado (1495-1521), em plena época das grandes navegações portuguesas e
do descobrimento do Brasil, Dom Manuel I mandou reunir todos os brasões,
insígnias e letreiros, visando organizar e normatizar a concessão e o uso de
brasões e armas. Os estandartes com os brasões ficaram expostos no teto
de uma das salas do Paço Real da Vila de Sintra, hoje chamado de Palácio
Nacional de Cintra, também conhecida como a Sala de Armas. No centro do teto da
sala, estão representadas as armas do rei D. Manoel I, circundadas por seis
brasões, representando sua descendência masculina (os príncipes), e dois outros,
em forma de losango, representando sua descendência feminina (as princesas).
Circundando a sala, estão os setenta e dois brasões da nobreza da época,
dispostos em ordem de importância. É um dos melhores exemplos da afirmação
do poder real.
Esses
brasões e armas portugueses foram também reunidos em livros, como modelos para
formalização dos brasões das principais famílias lusas da época. Existiram três
livros de brasões: o “Livro Antigo dos Reis d`Armas”, de António Godinho,
escrivão da Câmara Real, que teria desaparecido quando um terremoto destruiu o
Cartório da Nobreza; o “Livro do Armeiro-Mor”, de João Rodrigues, supervisor de
armas de Portugal; e o “Livro da Torre do Tombo”, esse de Antonio Rodrigues,
também supervisor de armas. O Brasão da família Mota está tanto na Sala de
Armas do Palácio de Sintra como nos três livros de regulamentação de brasões e
armas portugueses.
Paralelamente à família Mota portuguesa, há a família Motta italiana,
onde o sobrenome também e de origem onomástica (nomes próprios de e lugares, de
origem toponímica), cuja fonte é anterior ao império romano. Este sobrenome
possui muitas variantes, as mais comuns são “La
Motta ”,
“Motti”, “Mottini”, “Mottola”, “Mottura”, “Mottisi”, “Mautisi”, “Mottana”
etc.
Alguns
integrantes da família Mota tiveram títulos nobiliárquicos, em Portugal e no
Brasil. Alguns deles por direitos hereditários, porém a grande maioria foi
agraciada em reconhecimento a serviços prestados às respectivas coroas. A lista
contém dez nobres portugueses (7 Barões, 1 Conde e 2 Senhores de Casa) e sete
brasileiros nobres ostentavam o sobrenome Mota (6 Barões e 1 Visconde).
Tribuna
do Norte. Natal, 11 jul. 2019
10/07/2019
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Oswaldo Lamartine de Faria, a biografia de uma obra
Este ensaio é uma biografia da obra do sertanólogo Oswaldo
Lamartine de Faria. O maior do Brasil, segundo Rachel de Queiroz, que o
consultou para escrever o Memorial de Maria Moura.
Escrito a escrito, livro a livro, Sobral procurou traçar o
desenvolvimento intelectual e o trabalho do pesquisador Lamartine em
seus estudos acerca dos sertões do Seridó, açudes, pontas de faca,
vocabulário do criatório, entre outros.
A obra de Lamartine é um vasto mundo que aqui se apresenta.
Imagem da capa: Angela Almeida.
2018, Livro, Oswaldo Lamartine de Faria: a biografia de uma obra. 1ed. Natal: Caravela Cultural, 2018. 200p.
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09/07/2019
Decorativas e descritivas
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
No artigo da semana passada, eu lembrei que a arte, frequentemente,
imita a vida. E tem sido assim com esse pedacinho da vida que é o
direito. Há uma infinidade de temas jurídicos, sobretudo de direito
criminal, de que a arte faz uso: justiça, sistema judicial, prisões,
crimes não explicados, homicídios, sequestros, fraudes, corrupção e por
aí vai. Há as personagens – policiais, advogados, promotores, juízes,
partes, criminosos e testemunhas – em torno das quais pode sempre girar
uma boa estória. E, por fim, há a dramaticidade que o mundo do direito
criminal, representado nas ruas ou perante um tribunal do juri, pode
emprestar à ficção.
Entretanto, se a arte nunca está muito
distante da realidade, parece haver uma certa distinção – a melhor
palavra talvez fosse “desproporção” – entre o que se dá com as artes
decorativas (e falo aqui da pintura e da escultura) e as artes
descritivas (sobretudo o romance e o teatro). Enrico Ferri (1856-1929),
em seu “Os criminosos na arte e na literatura” (Ricardo Lenz Editor,
2001), passando em revista o mundo artístico dos “tipos criminosos”,
categoricamente afirma: “é sua maior frequência nas artes descritivas –
literatura ou drama – do que nas artes decorativas – pintura e
escultura”. Sendo que, “em cem quadros (e a proporção é ainda menor para
as estátuas), não há mais do que um ou dois tendo um criminoso por
assunto principal ou por figura de segundo plano; enquanto que, em cem
dramas ou comédias (a proporção é ainda maior que a proporção para os
romances), não há menos de noventa, cujo enredo não contenha um ou mais
crimes”. E lembra que, um quadro como “O assassino perseguido pela
vingança da justiça”, de Proudhon, em exposição do Louvre, é algo bem
raro.
Ferri aponta duas razões para tanto.
Em primeiro
lugar – e aqui repito as suas palavras um tanto poéticas –, “o pincel e o
cinzel se recusam a imobilizar um ato tão repugnante como é o crime e
que, por isso, nossos artistas, constrangidos a se curvarem ao gosto do
público, ou ao menos àquele de seus clientes prováveis, escolhem os
temas de quadros ou estátuas suscetíveis de agradar ao mundano, ao
comercialmente enriquecido e à aristocrata de raça. Ora, a imagem do
crime é banida dos boudoirs elegantes e das salas de refeição
principescas onde ela poderia gelar os sorrisos na esgrima do amor e
arruinar digestões já laboriosas”.
Em segundo lugar, afirma
Ferri: “se a pintura e, com mais forte razão, a escultura evitam a
figuração do criminoso, é que uma e outra, sobretudo a escultura por
causa do número sempre restrito de corpos modeláveis, não podem
imobilizar senão um momento da vida de uma ou de várias pessoas. A
instantaneidade da expressão opõe-se à representação estética do crime.
Porque, se ele nos interessa e nos revolta, é sobretudo pela descrição
evolutiva e sugestiva dos diversos momentos psicológicos da
premeditação, a qual todavia não é um sintoma infalível de perversidade
maior, mas prova também, às vezes, uma resistência do senso moral entre a
primeira ideia do crime e o seu epílogo sangrento ou fraudulento. Esta
primeira ideia pode nascer repentinamente num clarão do pensar, depois,
lentamente, invadir e ocupar toda uma consciência; ela pode também, sob a
aparência de um desejo novo, provir do foco duvidoso de um instinto
hereditário desenvolvido e morto por um meio propício. Ora, a análise do
romance ou a síntese do drama – as artes descritivas enfim – podem,
unicamente, mostrar-nos esta série de estados da alma. Eis porque os
tipos criminais são mais raros nas artes decorativas”.
Tendo a concordar com Enrico Ferri. Mas não inteiramente.
Relembro aqui que Ferri, junto com Cesare Lombroso (1835-1909) e
Raffaele Garofalo (1851-1934), é um dos três grandes da chamada Escola
Positiva do Direito Penal. Ferri foi, inclusive, aluno de Lombroso.
Em razão disso, em sua análise da coisa (falo da presença dos tipos
criminais nas artes decorativas), Ferri dá um grande destaque à ideia do
criminoso nato, com seus traços fisionômicos característicos, da
antropologia criminal lombrosiana. Para ele, os traços de fealdade
descritos pelo seu professor, “verdades muito recentemente conquistadas
pela ciência”, nunca escaparam à clarividência dos grandes pintores.
Segundo Ferri, “a propósito dos criminosos nas artes decorativas,
podemos concluir com Lefort: – ‘Os artistas de todos os tempos
deixaram-se guiar pela ideia de que a fealdade do corpo devia
corresponder à fealdade da alma, e de que o criminoso devia ter uma
fisionomia estranha, repugnante, inspirando desconfiança. Os pintores
das escolas italiana, flamenga, espanhola e francesa chegaram a criar,
empiricamente, um tipo cujos caracteres principais são: a face muito
larga para um crânio geralmente pequeno, algumas vezes em forma de pão
de açúcar (oxicefalia), ou muito desenvolvido na parte posterior
(braquicefalia occipital). A fronte é fugidia, achatada, limitada em
baixo pelos ss dos supercílios; os olhos, assimétricos, salientes e
redondos; o olhar, fixo, duro ou vítreo; as faces, grossas, com zigomas
enormes, fazendo desaparecer a saliência do nariz frequentemente
achatado, arqueado (arqueado como o bico das aves de rapina) e torto
para um dos lados. Os maxilares prognatas, os lábios grossos e revirados
para fora, o queixo muito grande e quadrado. As orelhas em asa são mal
feitas, pontiagudas em cima e com o lóbulo pouco destacado ou quadrado.
Os cabelos são abundantes; não há sinal de barba’”.
Dizer que
isso (de reconhecer a correção da tal teoria do criminoso nato) é
baboseira pseudocientífica seria muito grosseiro de minha parte. Mas,
definitivamente, nesse ponto, não concordo com o grande Ferri.
Afinal, nunca fui um lombrosiano. Nem quando aprendi um pouquinho de
criminologia na querida Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Marcelo Alves Dias de SouzaProcurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
Meio
século da seca de 1969/1970
Tomislav R. Femenick – Mestre em
economia, com extensão em sociologia.
Do Instituto
Histórico e Geográfico do RN
Reportagem
recente deste jornal diz que três municípios do Estado estão em situação de calamidade
hídrica. Outros 94 sofrem rodízio de abastecimento de água. Em outras palavras,
o fantasma da seca continua a nos assustar. Mesmo as pessoas que vivem nas
regiões que são afetadas pelos longos períodos de estiagem e aquelas que hoje
estão, mal ou bem, protegidas pelos sistemas de poços profundos, cisternas,
caminhões pipas ou adutoras, não sentem as agruras de antigamente.
Há
meio século o Rio Grande do Norte sofreu um longo período de estiagem, que
começou a se manifestar em 1967, quando as chuvas foram fraquíssimas, embora vez
por outra surgissem tênues indícios que poderiam chegar; mais não chegaram. O
problema se agravou até que, em 1970, aconteceu o clímax da falta de chuvas,
trazendo sede, fome, terror e morte, principalmente nas zonas oeste e central. Nada
menos de 131, dos 150 municípios então existentes no Rio Grande do Norte, foram
incluídos entre os que receberam assistência com o envio de alimentos para a
população.
Em Mossoró, a
maior cidade do interior, 600 flagelados saquearam o Mercado Central e cerca de
30 pessoas morreram, em consequência da subnutrição. Para atenuar o problema,
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem abriu duas frentes de trabalho,
ocupando oito mil homens nas rodovias Mossoró-Baraúnas e Mossoró-Luís Gomes. No
primeiro dia de alistamento, não menos de mil flagelados se apresentaram.
A cidade de Assú,
que lidera um vale de condições propiciadora à agricultura, sofreu a invasão de
grupos de pessoas famintas, por três vezes seguidas. Os manifestantes, que solicitavam
alimentação, se postados em frente à prefeitura, que distribuiu farinha,
feijão, arroz e açúcar. Na região central do Estado, quatrocentos flagelados
invadiram a cidade de Santana do Matos, e tentaram saquear o comércio. Alimentos
da Caritas (órgão da igreja católica) foi destinado para amenizar a situação.
Em Apodi, a
exemplo do que ocorreu no ano anterior, quando quase quinhentas famílias invadiram
a cidade e exigiram comida e trabalho. Repetia-se a situação de calamidade
provocada pela seca: sem condições de plantio e sem pastagem para o gado, a
população do campo se dirigiu para a cidade e ameaçava saquear o comercio de
produtos alimentícios. Trinta caminhões partiram de Natal para aquela cidade,
com oitocentas toneladas de gêneros doados pelo programa “Alimentos para a
Paz”, dos Estados Unidos, para serem distribuídos na região.
Pau dos Ferros foi
invadida duas vezes. Na primeira, cerca de quatrocentos homens pediam à prefeitura
abertura de frentes de serviço. Na segunda, o ataque atingiu proporções maiores,
pois os flagelados acabaram com a feira semanal que ali se realizava, efetuando
saques às bancas de mercearias. Novamente alimentos distribuídos pela Caritas minimizaram
o problema.
Em Patu quase duzentas pessoas famintas
entraram na cidade solicitando trabalho e alimentação e saquearam algumas casas
comerciais. A polícia foi solicitada para conter os manifestantes e afastar os
aproveitadores. A prefeitura fez doação de farinha e algumas dezenas de
rapaduras aos flagelados. A prefeitura, não tendo condições de contornar a
situação, solicitou ajuda ao governo estadual. Em Almino Afonso quase duas
centenas de camponeses invadiram a cidade, também reclamando por alimento e
trabalho.
O então prefeito
de Martins dizia que o número de mortes em sua cidade era tão grande que os
sinos da igreja não tocam mais sinal (toque lento de sinos, geralmente fúnebre),
só repiques (toque acelerado de sinos, indicativo de alarme). Em maior ou menor
grau, também foram afetados pela seca os municípios de Campo Grande (então
Augusto Severo), Caraúbas, Carnaubais, Felipe Guerra, Governador Dix-sept
Rosado, Grossos, Itaú, Janduís, Marcelino Vieira, Pendências, Riacho da Cruz,
São José do Mipibu, São Migue, Severiano Melo, Tabuleiro Grande, Umarizal e
Upanema.
Todos esses
relatos da estiagem foram retirados de reportagens
que na época publiques nos jornais Diário de Natal, Diário de Pernambuco e O
Povo. Muitos dos fatos presenciei: a invasão do Mercado Central de Mossoró, as
correrias nas ruas de Assú, a polícia querendo conter os flagelados etc. Em
Apodi chorei, quando vi uma criança morrer de fome nos braços de sua mãe,
porque já não tinha força para ingerir o leite que comprei para ela.
Tribuna
do Norte. Natal, 07 jul. 2019
05/07/2019
COMO CRIAR UMA DIOCESE: FÉ E ASTÚCIA
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN
O Monsenhor Luiz Ferreira Cunha da Mota, ou simplesmente Padre Mota,
foi prefeito de Mossoró por quase dez anos consecutivos e vigário geral
da diocese por mais de vinte e cinco anos. Ordenado em Roma – numa época
em que isso era raro – se destacou como sacerdote, educador, político e
administrador. Porém sua maior atuação foi como Vigário da Diocese de
Santa Luzia. O grande trabalho do Padre Mota foi a criação da Diocese
de Mossoró. Meses após tomar posse como vigário da Paróquia (em janeiro
de 1926), o Padre promoveu uma reunião, na sacristia da Capela do
Sagrado Coração de Jesus, com um número reduzido de pessoas. Além do
Cônego Ramalho, do Padre Mota e seu pai, o Cel. Vicente Ferreira da
Mota, apenas o comerciante e industrial Miguel Faustino do Monte. O
motivo da reunião: a criação da Diocese de Mossoró. Miguel Faustino
ficou encarregado de levantar o assunto junto à Arquidiocese de Natal, a
qual a Paróquia de Mossoró estava subordinada; o Cel. Mota junto às
autoridades, comerciantes e industriais da região; o Padre Mota e o
Cônego Ramalho, se encarregariam de arregimentar apoio entre os outros
elementos do clero. Entretanto tudo isso deveria ser tratado com
absoluto sigilo, para não melindrar as autoridades eclesiásticas da
capital. Se houvesse dúvidas quanto à capacidade de alguém guardar o
segredo, poder-se-ia recorrer ao sigilo confessional – os leigos pedindo
para se confessar; os Padres pedindo para confessar os leigos que
viessem a se integrar no movimento. Anos depois, o já Monsenhor Mota
reconheceu: “Foi um recurso maquiavélico, mas a causa era nobre e
divina”. O primeiro passo foi dado por Miguel Faustino junto ao
arcebispo de Natal, Dom Marcolino Dantas. Em uma conversa informal,
disse ao prelado que estaria disposto a fazer uma generosa contribuição,
quando fosse oportuno transformar a Paróquia de Mossoró em uma Diocese.
Essa contribuição visaria a formar a sua estrutura material, para que
ela pudesse funcionar sem os percalços e atropelos, próprios de uma nova
entidade dessa natureza. O Cel. Mota formou uma comissão ad hoc da qual
participaram Rodolfo Fernandes (que logo em seguida, teve que se
afastar por motivo de saúde), Jerônimo Rosado, Raimundo Juvino, Rafael
Fernandes Gurjão (futuro interventor do Estado, de 1935 a 1943) e
outros. Segundo o próprio Padre Mota, dos que foram citados, apenas
Raimundo Juvino teve que ser confessado, para guardar o segredo. O
trabalho dos sacerdotes Luiz Mota e Amâncio Ramalho foi trazer para a
ideia os clérigos que atuavam em outras paróquias da região. Alguns
reverendos pensavam que o movimento poderia se transformar em um
processo pela elevação do cônego ou do padre à condição de bispo. A
solução: tantas confissões quando necessárias foram. Muito embora
legítimo e de certo ponto até necessário, todo esse trabalho foi
realizado em segredo, visando fazer com que a iniciativa da organização
da nova Diocese partisse da Arquidiocese de Natal, a quem a Paróquia de
Mossoró estava subordinada. Foi uma luta difícil, mas que mereceu ser
batalhada. Havia muitos obstáculos a serem transpostos, que terminaram
por ser vencidos, pois aquelas pessoas que sonhavam com uma Diocese para
Mossoró eram soldados experimentados em outras batalhas. Os esforços de
Padre Mota, do cônego Amâncio Ramalho e de outras pessoas
(principalmente de Dom Marcolino Dantas), venceram as adversidades
econômicas e políticas e surtiram efeito. Apenas Jerônimo Rosado, que
faleceu no dia 25 de dezembro de 1930, não chegou a ver realizado aquele
sonho. No dia 14.09.1934, o Padre Mota recebeu um telegrama de Dom
Marcolino comunicando a criação da Diocese de Mossoró, através de uma
bula papal emitida por Pio XI, datada de 28 de julho. Segundo Monsenhor
Sales, “imediatamente, mandou repicar todos os sinos das igrejas da
cidade e soltas girândolas de foguetões como uma demonstração patente do
seu júbilo”. No dia 18 de novembro do mesmo ano, por deferência
especial de Dom Marcolino Dantas, o Padre Mota presidiu o ato inaugural
da nova diocese, pela qual tanto lutara. A reunião teve lugar na
Catedral de Santa Luzia. O próprio Padre Mota fez o assento do
acontecimento, no 4º Livro de Tombo da sua Igreja Matriz. Tribuna do
Norte. Natal, 27 jun. 2019.
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