Meio
século da seca de 1969/1970
Tomislav R. Femenick – Mestre em
economia, com extensão em sociologia.
Do Instituto
Histórico e Geográfico do RN
Reportagem
recente deste jornal diz que três municípios do Estado estão em situação de calamidade
hídrica. Outros 94 sofrem rodízio de abastecimento de água. Em outras palavras,
o fantasma da seca continua a nos assustar. Mesmo as pessoas que vivem nas
regiões que são afetadas pelos longos períodos de estiagem e aquelas que hoje
estão, mal ou bem, protegidas pelos sistemas de poços profundos, cisternas,
caminhões pipas ou adutoras, não sentem as agruras de antigamente.
Há
meio século o Rio Grande do Norte sofreu um longo período de estiagem, que
começou a se manifestar em 1967, quando as chuvas foram fraquíssimas, embora vez
por outra surgissem tênues indícios que poderiam chegar; mais não chegaram. O
problema se agravou até que, em 1970, aconteceu o clímax da falta de chuvas,
trazendo sede, fome, terror e morte, principalmente nas zonas oeste e central. Nada
menos de 131, dos 150 municípios então existentes no Rio Grande do Norte, foram
incluídos entre os que receberam assistência com o envio de alimentos para a
população.
Em Mossoró, a
maior cidade do interior, 600 flagelados saquearam o Mercado Central e cerca de
30 pessoas morreram, em consequência da subnutrição. Para atenuar o problema,
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem abriu duas frentes de trabalho,
ocupando oito mil homens nas rodovias Mossoró-Baraúnas e Mossoró-Luís Gomes. No
primeiro dia de alistamento, não menos de mil flagelados se apresentaram.
A cidade de Assú,
que lidera um vale de condições propiciadora à agricultura, sofreu a invasão de
grupos de pessoas famintas, por três vezes seguidas. Os manifestantes, que solicitavam
alimentação, se postados em frente à prefeitura, que distribuiu farinha,
feijão, arroz e açúcar. Na região central do Estado, quatrocentos flagelados
invadiram a cidade de Santana do Matos, e tentaram saquear o comércio. Alimentos
da Caritas (órgão da igreja católica) foi destinado para amenizar a situação.
Em Apodi, a
exemplo do que ocorreu no ano anterior, quando quase quinhentas famílias invadiram
a cidade e exigiram comida e trabalho. Repetia-se a situação de calamidade
provocada pela seca: sem condições de plantio e sem pastagem para o gado, a
população do campo se dirigiu para a cidade e ameaçava saquear o comercio de
produtos alimentícios. Trinta caminhões partiram de Natal para aquela cidade,
com oitocentas toneladas de gêneros doados pelo programa “Alimentos para a
Paz”, dos Estados Unidos, para serem distribuídos na região.
Pau dos Ferros foi
invadida duas vezes. Na primeira, cerca de quatrocentos homens pediam à prefeitura
abertura de frentes de serviço. Na segunda, o ataque atingiu proporções maiores,
pois os flagelados acabaram com a feira semanal que ali se realizava, efetuando
saques às bancas de mercearias. Novamente alimentos distribuídos pela Caritas minimizaram
o problema.
Em Patu quase duzentas pessoas famintas
entraram na cidade solicitando trabalho e alimentação e saquearam algumas casas
comerciais. A polícia foi solicitada para conter os manifestantes e afastar os
aproveitadores. A prefeitura fez doação de farinha e algumas dezenas de
rapaduras aos flagelados. A prefeitura, não tendo condições de contornar a
situação, solicitou ajuda ao governo estadual. Em Almino Afonso quase duas
centenas de camponeses invadiram a cidade, também reclamando por alimento e
trabalho.
O então prefeito
de Martins dizia que o número de mortes em sua cidade era tão grande que os
sinos da igreja não tocam mais sinal (toque lento de sinos, geralmente fúnebre),
só repiques (toque acelerado de sinos, indicativo de alarme). Em maior ou menor
grau, também foram afetados pela seca os municípios de Campo Grande (então
Augusto Severo), Caraúbas, Carnaubais, Felipe Guerra, Governador Dix-sept
Rosado, Grossos, Itaú, Janduís, Marcelino Vieira, Pendências, Riacho da Cruz,
São José do Mipibu, São Migue, Severiano Melo, Tabuleiro Grande, Umarizal e
Upanema.
Todos esses
relatos da estiagem foram retirados de reportagens
que na época publiques nos jornais Diário de Natal, Diário de Pernambuco e O
Povo. Muitos dos fatos presenciei: a invasão do Mercado Central de Mossoró, as
correrias nas ruas de Assú, a polícia querendo conter os flagelados etc. Em
Apodi chorei, quando vi uma criança morrer de fome nos braços de sua mãe,
porque já não tinha força para ingerir o leite que comprei para ela.
Tribuna
do Norte. Natal, 07 jul. 2019