20/06/2019



O segundo primeiro retrato do Rio Grande do Norte

18/06/2019


Por Gustavo Sobral

O retrato da Fortaleza dos Reis Magos por Frans Post, século XVII, período holandês no Brasil, é considerado o primeiro conhecido, sabido e propagado do Rio Grande do Norte.

Acompanhando o conde Mauricio de Nassau, Post veio à fortaleza, provavelmente lá se hospedou, e traçou a cena que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte reproduziu na capa da sua revista 97. Uma cópia, pois o original encontra-se no Louvre, em Paris. Mas não é a único.


Em visitas aos museus e instituições culturais no Recife, conversas e leituras sobre o período holandês, nas últimas semanas, revelou-se uma imagem esquecida, pouco conhecida por nós, que merece ser lembrada, porque pode ser considerada uma segunda reprodução de época sobre o Rio Grande do Norte: um outro retrato da fortaleza, também de autoria de um pintor holandês, o Gillis Peeters.


Há suspeitas que ou ele, ou um irmão, também pintor, aqui esteve, como Post, à serviço de Nassau. Informação até hoje não confirmada.


O que se sabe é que representações do Brasil holandês começaram a aparecer com a sua assinatura e a assinatura do irmão, o também pintor, Bonaventura (1614-1652).


 Dentre elas, uma de autoria de Gillis Peeters, em óleo sobre tela, de 89,5 x 130,5 cm, datada entre 1637 e 1650, designada “soi disant Forte dos Reis Magos”, e que se encontra mais perto do que imaginamos, no Palácio dos Bandeirantes, São Paulo.


Gillis Peeters nasceu e morreu jovem na Antuérpia (1612-1653), era pintor, e de uma família de artistas, e sua produção foi tímida. Restam, hoje, poucas obras suas em paradeiros identificados.


O Instituto Histórico e Geográfico local, por seu diretor de Biblioteca, Arquivo e Museu, André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes, entrou em contato com o Acervo Artístico Cultural do Palácio dos Bandeirantes para resgatar esta imagem que agora se apresenta e que para nós é tão cara, e tão antiga, quanto o Post que veneramos.

Para ler esse e outros escritos acesse www.gustavosobral.com.br

18/06/2019


A legitimidade das decisões judiciais (IV)

No artigo da semana passada, prometi encerrar esta minha série de artigos sobre a legitimidade das decisões judiciais tratando de dois pontos: a necessidade de que realmente fundamentemos as nossas decisões nas leis e na Constituição do país – e não naquilo que é a nossa convicção ou no que são os nossos pré-conceitos – e a questão final da aceitação popular propriamente dita das decisões judiciais.
Claro que não defendo a ideia, inspirada na lição de Montesquieu (1689-1755), de que o juiz não deve ser outra coisa senão a “boca que pronuncia as palavras da lei”. Isso seria a conduta de um mau juiz, não correspondendo aos fins do direito. E até acredito que uma neutralidade desse tipo seria mais aparente que real.
Na verdade – e isso já nos mostrou a turma do “realismo jurídico americano”, sobretudo Karl Llewellyn (1893-1962) e Jerome Frank (1889-1957) –, a decisão judicial é muito mais do que o resultado da simples aplicação de uma norma aos fatos do caso. Muito mais do que um silogismo, em que a premissa maior é a lei/norma, a menor é o fato e o corolário é a sentença. Primeiramente, a própria determinação, pelo juiz, de quais são e como são os fatos do caso acrescenta inúmeras variáveis a sua decisão final, assim como a interpretação da norma é algo muito mais complexo que uma simples releitura do seu texto, seguida de um processo analítico de subsunção. Além disso, os juízes decidem baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são conscientes e analíticos. Alguns “fundamentos” da decisão judicial, que atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos pré-conceitos do julgador.
Se isso parece fato – refiro-me ao que está por detrás do aparente silogismo –, o erro está em não se ter na lei ou nos precedentes, às vezes, nem minimamente, o correto freio/balizamento para a decisão judicial. O direito passa a ser simplesmente o que juízes e tribunais, individual e erraticamente, declaram e decidem.
Para suavizar essa dependência peculiar do juiz de si mesmo e de tudo o que compõe seu horizonte interpretativo pessoal, mecanismos e padrões de comportamento devem ser sempre pensados, criados e fomentados. Exigir o respeito aos precedentes. Dar maior dignidade à lei, tão amesquinhada nos nossos dias, é mais que fundamental.
Tenho até pensado, a partir de um texto que li faz muitos anos (“Uso do precedente no Código Civil da Luisiana”, de James L. Dennis, publicado na Revista de Direito Público – RDP, no ano de 1997), numa categorização das decisões judiciais levando em consideração a sua proximidade com a legislação (constitucional e infraconstitucional). Quanto maior a sua proximidade da lei, melhor. Se a decisão pode ser fundamentada estritamente numa norma ou dispositivo específico da legislação de regência, a isso deve-se dar preferência. Em segundo lugar, deve-se dar preferência a uma decisão baseada em outros dispositivos da lei que rege a matéria decidida (seja uma lei específica, seja um código). Em terceiro lugar, deve-se preferir a decisão que tenha fundamento em uma norma legal do sistema jurídico do país. E, em quarto lugar, somente na ausência de norma legal aplicável, é que se deve dar uma fundamentação principiológica, mais independente do direito legislado do país. Não tenho dúvida de que, quanto mais uma decisão judicial estiver constrita a uma norma legal específica, mais ela se coadunará com as diretrizes (ou vontade) do legislador. E, apesar de não ter ainda definido completamente essa minha categorização (estou pensando, ainda), tenho certeza de que o juiz brasileiro, como “rulemaker” provisório – e não como um igual ao legislador/“lawmaker” –, hoje mais do que nunca, deve ser incentivado a decidir em conformidade, o máximo possível, com a vontade ou diretrizes expressas do legislador (constitucional e infraconstitucional).
Definida essa premissa – de que as decisões judiciais devem se basear, no máximo grau possível, nas leis e na Constituição do país –, chego à questão da aceitação popular de tais decisões.
Não desconheço que a legitimidade das decisões judiciais está em alto grau relacionada à aceitação delas pela opinião pública. Há até quem simplesmente identifique uma coisa com a outra. Também já defendi aqui que a sociedade como um todo – além das partes, dos seus advogados e dos demais atores envolvidos na lide específica – é uma das destinatárias das motivações das decisões judiciais, podendo ela assim verificar se as decisões do Poder Judiciário são pautadas pelo direito ou se são fruto de arbítrio dos julgadores. E também reconheço que as decisões judiciais que ofendem o senso comum acabam, a longo prazo, não sobrevivendo ao tempo e à crítica geral.
Entretanto, se “a autoridade da Justiça é moral, sustenta-se pela moralidade das suas decisões”, como queria o nosso Rui Barbosa (1849-1923), se a “majestade dos tribunais assenta na estima pública”, como disse o mesmo Rui, penso que essa moralidade e essa estima têm de vir naturalmente, com o tempo e com o exemplo, e não como um fim em si mesmo.
Peguemos o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, sempre bem-vindo. Desde o caso Marbury v. Madison, de 1803, já citado aqui, a U.S. Supreme Court tem conquistado e consolidado o reconhecimento de suas decisões não só pelos demais Poderes da Federação, mas, sobretudo, pelo povo americano, que a vê como o derradeiro baluarte em defesa dos seus direitos fundamentais. Mas isso tem sido progressivamente. E naturalmente.
Por fim, essas observações nos trazem de volta à necessária complementaridade entre o Estado de Direito e a democracia. Se a democracia é o governo da maioria, o Estado de Direito consagra a supremacia da Constituição e das leis do país e o respeito aos direitos fundamentais. A regra da maioria ou da democracia só se legitima se respeitados, na forma da lei e da Constituição, mesmo em desfavor da turba, os direitos de todos, inclusive os das minorias.
Reitero: não se deve simplesmente decidir em conformidade com a opinião pública. Nem muito menos manipulá-la! Pelo contrário, a maior legitimidade das decisões judiciais virá naturalmente se houver a obediência a determinados valores (estabilidade, previsibilidade, igualdade e celeridade), o respeito a uma teoria de precedentes vinculantes e com a expressa fundamentação destas decisões na Constituição e nas leis do país, fornecendo-nos, assim, uma Justiça verdadeiramente legitima e consensual.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

17/06/2019

AGENDE-SE




FUTEBOL FILOSÓFICO – Berilo de Castro

O futebol, o esporte mais popular do mundo, tem um acervo amplo de histórias que envolvem os seus protagonistas maiores: jogadores, treinadores, dirigentes de clubes, jornalistas e cronistas esportivos.
Histórias e passagens que marcaram muito bem seus personagens, sejam no campo de ação ou quando concedidas em programas de televisão e ou ainda, em crônicas e comentários esportivos.
Vejamos:
O goleiro Manga (Botafogo, Internacional de Porto Alegre e Seleção Brasileira ), em seu novo ofício de comentarista esportivo da Rádio Tupi, é perguntado:
       – Manga, como você está vendo o jogo?
       – Com os olhos, com os olhos!
Na Suécia, Copa do Mundo de 1958, o dentista da Seleção, Mário Trigo, abraçou o Rei pela cintura pedindo que o soberano   concordasse: “Diga, seu king, já viu time mais porreta?”.
Do alto da cabine da Rádio Tupi, no Maracanã, Ari Barroso viu um grupo que discutia muito e pediu a seu repórter de campo para checar:
       – Alô, alô, Isaac, o que houve aí?
       – Aqui só se “houve” a Rádio Tupi.
De Neném Prancha (Filósofo do futebol ): Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência.
Contra time pequeno, bola na bunda é  pênalti.
A bola é de couro, o couro vem da vaca, a vaca gosta de grama, então, joga rasteiro, meu filho!
Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminava sempre empatado.
Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia um.
Futebol moderno, meu filho, é que nem pelada. Todo mundo corre muito, mas não sabe pra onde.
Joga a bola pra cima, enquanto ela estiver no alto não há perigo de gol.
Goleiro tem que dormir com a bola.
Se for casado… com as duas!
O futebol é simples. Difícil é jogar bonito.
De Dadá Maravilha (centro avante do Atlético Mineiro): Não venha com problemática que tenho solucionática.   

De Nelson Rodrigues (cronista esportivo): Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São essas suas duas fontes de sonho. A bola de futebol acompanha o craque, ela tem alma de cadela.
Do poeta Carlos Drummond de Andrade: No futebol, matar a bola é um ato de amor. Brincar com a bola é descobrir a harmonia e o equilíbrio do universo.
De Armando Nogueira (Jornalista e cronista esportivo): Tu em campo parecia tantos e, no entanto, que encanto, era um só: Nilton Santos.
Vi Pelé, tão perfeito que, se não tivesse nascido gente, teria sido uma bola.
Vi Garrincha, para quem a superfície de um lenço era um enorme latifúndio.
Do craque Didi, do Botafogo: Treino é treino. Jogo é jogo.

De Stanislaw Ponte Preta (Jornalista): No futebol, a cabeça é o terceiro pé.
De José Djalma (Tenente), treinador do Alecrim Futebol Clube: No  futebol, o adversário é como um pires de papa, devemos destrui-lo avançando  pela beiradas.                                      
De Geleia, misto de alfaiate e treinador do Alecrim Futebol Clube: O futebol é como na costura, precisamos chulear muito para ganhar o jogo.
De Maurílio José de Souza (Velha), técnico do América F.C.:  Futebol é pra cabra macho, vamos entrar em campo com onze Lampiões.
De Coqueiro (Técnico de Clube Atlético Potiguar – CAP): Meu time vai pra guerra, pra isso, tem que está muito       bem armado. Tome “balas” meninos”!


Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

14/06/2019

BOM DIA JL – Berilo de Castro


BOM DIA JL –
Resido no bairro do Tirol há mais de vinte anos. Posso me considerar um beneficiado pela boas condições de infraestrutura que o bairro oferece e por ainda poder visualizar saudosamente parte do centenário Estádio Juvenal Lamartine (JL), lamentando profundamente a destruição brutal e sicária  da sua fachada original, o seu símbolo maior.
Local super privilegiado que me contenta e me contempla no despertar das manhãs com um saudável bom dia para o histórico Estádio Juvenal Lamartine, mais precisamente para o seu campo de ação, berço e jardim dos meus primeiros passos na minha curta trajetória futebolística.
Na década de 1950, ainda criança, fui seu contumaz frequentador. Não perdia um só treino, nem que fosse do Atlético, de João Machado. Os jogos oficiais eram assistidos, ora de cima do Morro do Estrondo, saboreando as frutas silvestres, a mais procurada (camboin ou cambuí) encontrada nas trilhas fechadas dos matagais; ou, então, bem acomodado nos galhos das mangueiras do sítio das freiras. Tinha o privilégio da entrada livre pela casa do soldado Manoel, o ‘brabo’ e violento zelador do sítio, compadre do meu pai.
Saborear com o dinheiro da entrada ( quando conseguia), o cheiroso e super gostoso cachorro-quente, acompanhado de suco multicolorido (de preferência nas essências vermelha e branca) com raspas de gelo de barra. Momento insuperável e inesquecível.
Lembro da carranca e da seriedade de seu Gois, na gerência da catraca de entrada; de seu Báia,—o engraxador-mor das bolas pesadas e marrons, reusadas com muita frequência nos jogos.
Presenciei muitos clássicos entre ABC F.C. e o América F.C.; acompanhei a fase de ouro da equipe do Riachuelo, quando cedeu a metade do seu elenco para compor a bela seleção do Estado, no ano de 1959; Vi atuar e ficar deslumbrado com jogadores super admiráveis, como o narigudo centroavante Delgado do ABC, oriundo do futebol da Paraiba; Jorginho, o ídolo inconteste do time mais querido; Saquinho, Juarez Canuto e Cocó, no início de carreia, Nei Andrade, Mauro, dois grandes laterais esquerdos; Edmilson Piromba, Pancinha; Pádua, elegante centro médio, Ivo, clássico meia esquerda, ambos do Riachuelo; dos primeiros  passos do jovem Marinho Chagas, da triunfal chegada de Alberi no ABC; da bem armada seleção de 1959, com Pedrinho 40 no comando, campeã do Nordeste, nos embates fantásticos com a bela seleção carioca, liderada por Pinga (Vasco) e Décio Esteves, do Bangu.
Presenciei a atuação dos dois maiores jogadores de futebol do Brasil: Pelé, com uma exibição de gala diante do ABC, e Garrincha, vestindo a camisa 7 do time Periquito, diante do Sport do Recife, infelizmente muito longe do Mané do bons tempos, já na sua trajetória final, derrotado pelo vício do álcool.
Não poderia esquecer do meu momento maior e consagrador no JL; integrando a seleção de futebol do Estado no ano de 1962; o bicampeonato pela equipe do Alecrim F.C. 1963/1964 e, em 1967, com o título da cidade vestindo a camisa do América F.C.,quando encerrei minha breve passagem pelo futebol potiguar.
Obrigado, meu  histórico e centenário JL.
Continuarei lhe contemplando. Bom dia!


Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

13/06/2019




A RESSURREIÇÃO DO GALO

Valério Mesquita*
Mesquita.valeri@gmail.com

Desde a bíblia quando Pedro negou três vezes o Cristo que o galo é símbolo, é sinal, é canto. Galo também é passarinho de campina, é peixe: galo do alto, galo do mar, enfim, é pastorador de noites indormidas e anunciador de auroras.
Em Natal ele identifica a cidade, no folclore, nos folguedos populares e do alto da Igreja Santo Antônio desperta e chama o povo a oração. Além de tudo isso, durante quinze anos em Natal o “Galo” foi um jornal de cultura. O seu canto alto e sonoro ultrapassou os limites do Rio Grande do Norte para levar a mensagem da nossa literatura aos quadrantes do país. Tornou-se conhecido e respeitado. Hoje, chove perguntas no terreiro potiguar: cadê o “Galo”? Por que emudeceu?
O jornal foi criado e mantido ao longo do tempo pela Fundação José Augusto, à época de Woden Madruga no governo Geraldo Melo. Politicamente isso não tem nada a ver. Na verdade, criou-se um informativo cultural mensal, apolítico, vibrante, que divulgava a poesia, a prosa, as idéias e correntes de pensamento dos autores norte-rio-grandenses sem “igrejinhas”, “chiqueiros”, preconceitos ou elitismo. O “Galo” não era um jornal de governo e muito menos de partidos. Era um veículo independente nascido para ficar, para vencer, porque a cultura continua a ser a única atividade humana que haverá de permanecer quando tudo o mais passar. A cultura não tem preferências políticas ou eleitorais. O “Galo” foi o intérprete honesto e seguro da intelectualidade estadual e editado a custo praticamente zero, já que estávamos na estação ululista e matemática dos zeros.
No momento em que o meu amigo e escritor Crispiniano Neto assumiu o comando da Fundação José Augusto, ouso pedir que ressuscite  o “Galo”. Mesmo que outros planos editorias integrem o seu voo reinaugural  na FJA, faça ressurgir o “Galo” como se fosse o primo canto, com a sua marca registrada, com o seu selo, o seu timbre oestano de menino forte, labareda da chama votiva de Mossoró. O voo desse jornal não é de um galináceo. É de condor, sobranceiro, por cima das serras de Martins, Patu, do Alto ao médio Oeste e sobre as dunas do litoral, porque a sua penugem é tecida das cores do arco-íris das cabeças pensantes do Rio Grande do Norte. O meu aceno é honesto, sincero e não tem o condão de interferir nos propósitos e projetos do novo dirigente da política cultural do Rio Grande do Norte.
É apenas, a reflexão de um calejado escriba, ex-presidente da FJA, que pertenceu ao Conselho de Cultura e integra a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e o Instituto Histórico do Rio Grande do Norte. Faço o meu apelo com o objetivo de contribuir. É uma sugestão, apenas. E acredito que se ouvisse o Conselho de Cultura, a Academia e os intelectuais do Estado o “Galo” cantará tão livre e libertário o quanto cantou e lutou o seu partido na noite negra do regime autoritário.

(*) Escritor


11/06/2019


A legitimidade das decisões judiciais (III)
Como eu seguidamente tenho dito aqui, o grau de legitimidade de uma decisão judicial depende de muitos fatores. Já falei do recrutamento dos juízes, da composição dos tribunais, da imparcialidade e do renome do juiz prolator da decisão, da fundamentação da decisão em si e da sua acessibilidade, assim como da aceitação dessas decisões pelos demais Poderes do Estado.
Hoje eu gostaria de continuar esta série de artigos tratando de mais algumas coisitas que acho fundamentais em prol da legitimidade das decisões judiciais.
Antes de mais nada, penso que devemos exigir da atividade jurisdicional – e, por conseguinte, do seu principal produto, as decisões judiciais – o respeito a determinados valores. Cito aqui, de logo, os seguintes: estabilidade, previsibilidade, celeridade e igualdade.
Um direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com regras de direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira inconsistente, prejudica muito a legitimidade de um sistema jurídico. E, infelizmente, sofre o nosso sistema, num grau altíssimo, do problema da instabilidade. No plano jurisprudencial, basta lembrar que, no Brasil, a sorte dos litigantes fica muito ao sabor das frequentes mudanças das composições dos tribunais e das mudanças de entendimento decorrentes disso. Para não falar das meras idiossincrasias do juiz do caso.
Um segundo valor que desejo enfatizar aqui, interligado à estabilidade, é a previsibilidade ou a certeza do direito. Um direito estável estabelece a pretensão de que é uma verdade válida não apenas para hoje, mas também – e aí entra a previsibilidade – para o futuro, em todos os casos iguais ou parecidos. Disse certa vez Eugen Ehrlich (1862-1922), um dos fundadores da jurisprudência sociológica, em “Fundamentos da sociologia do direito” (texto constante do livro “Os grandes filósofos do direito”, publicado pela editora Martins Fontes em 2002), em favor da previsibilidade: “há uma grande necessidade social de normas estáveis, o que torna possível, em certa medida, prever e predizer as decisões e, desse modo, colocar um homem em condições de tomar as providências necessárias de acordo com isso”.
Um outro valor, não menos importante, é a celeridade na condução dos processos e na apresentação do seu produto final, a decisão judicial transitada em julgado. Não haverá o devido acesso à justiça se a prestação jurisdicional é dada tardiamente. E isso, de tão óbvio, nos soa até um clichê. Mas a busca da celeridade não é um interesse apenas do jurisdicionado. É também em prol da própria legitimidade das decisões proferidas pela Justiça que o processo deve encerrar-se no menor lapso de tempo possível. E esse é um objetivo que deve ser perseguido pelo Poder Judiciário diuturnamente com a adoção dos mais variados institutos, mecanismos e critérios que lhe poupem tempo e energia na solução dos seus inúmeros casos.
Por fim, quanto a esses valores, quero ressaltar aqui a questão da igualdade, que alguém já chamou de o “fundamento último” da justiça. O princípio da igualdade perante a lei – proclamado em termos jurídicos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII – vem sendo consagrado, como um verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da Constituição brasileira de 1988. Mas é preciso ter em mente que o princípio da igualdade perante a lei, até por uma questão de psicologia social, não pode ficar apenas no plano normativo. Dar soluções diferentes a situações iguais ou parecidas não pareceria direito, mas sim pura arbitrariedade. O valor igualdade, portanto, deve ter lugar de destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. Afinal, como José Alberto dos Reis (1875-1955) certa vez indagou (apud Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão, em “Comentários do Código de Processo Civil”, editora Revista dos Tribunais): “que importa a lei ser igual para todos, se for aplicada de modo diferente a casos análogos?”. A desigualdade na aplicação da lei, podem ter certeza, fere de morte a legitimidade da atividade jurisdicional.
Bom, eu sempre digo que não conheço uma regra de ouro para a aplicação do direito. Mas, se quisermos fomentar esses quatro valores (estabilidade, previsibilidade, celeridade e igualdade), em prol de uma maior legitimidade das decisões judiciais, um excelente caminho é realmente adotarmos e respeitarmos uma doutrina geral de precedentes vinculantes. Faria muito bem, asseguro. Mas isso – a doutrina dos precedentes – é um outro (e longo) assunto.
Por enquanto, já finalizando, apenas introduzo, ainda na temática da legitimidade das decisões judiciais, as questões que vou abordar no próximo artigo (o último desta série, prometo): a necessidade de que realmente fundamentemos as nossas decisões judiciais nas leis e na Constituição do país (e não naquilo que é a nossa convicção ou no que são os nossos pré-conceitos) e, claro, a questão final (e deveras problemática) da aceitação popular propriamente dita.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP