13/06/2019




A RESSURREIÇÃO DO GALO

Valério Mesquita*
Mesquita.valeri@gmail.com

Desde a bíblia quando Pedro negou três vezes o Cristo que o galo é símbolo, é sinal, é canto. Galo também é passarinho de campina, é peixe: galo do alto, galo do mar, enfim, é pastorador de noites indormidas e anunciador de auroras.
Em Natal ele identifica a cidade, no folclore, nos folguedos populares e do alto da Igreja Santo Antônio desperta e chama o povo a oração. Além de tudo isso, durante quinze anos em Natal o “Galo” foi um jornal de cultura. O seu canto alto e sonoro ultrapassou os limites do Rio Grande do Norte para levar a mensagem da nossa literatura aos quadrantes do país. Tornou-se conhecido e respeitado. Hoje, chove perguntas no terreiro potiguar: cadê o “Galo”? Por que emudeceu?
O jornal foi criado e mantido ao longo do tempo pela Fundação José Augusto, à época de Woden Madruga no governo Geraldo Melo. Politicamente isso não tem nada a ver. Na verdade, criou-se um informativo cultural mensal, apolítico, vibrante, que divulgava a poesia, a prosa, as idéias e correntes de pensamento dos autores norte-rio-grandenses sem “igrejinhas”, “chiqueiros”, preconceitos ou elitismo. O “Galo” não era um jornal de governo e muito menos de partidos. Era um veículo independente nascido para ficar, para vencer, porque a cultura continua a ser a única atividade humana que haverá de permanecer quando tudo o mais passar. A cultura não tem preferências políticas ou eleitorais. O “Galo” foi o intérprete honesto e seguro da intelectualidade estadual e editado a custo praticamente zero, já que estávamos na estação ululista e matemática dos zeros.
No momento em que o meu amigo e escritor Crispiniano Neto assumiu o comando da Fundação José Augusto, ouso pedir que ressuscite  o “Galo”. Mesmo que outros planos editorias integrem o seu voo reinaugural  na FJA, faça ressurgir o “Galo” como se fosse o primo canto, com a sua marca registrada, com o seu selo, o seu timbre oestano de menino forte, labareda da chama votiva de Mossoró. O voo desse jornal não é de um galináceo. É de condor, sobranceiro, por cima das serras de Martins, Patu, do Alto ao médio Oeste e sobre as dunas do litoral, porque a sua penugem é tecida das cores do arco-íris das cabeças pensantes do Rio Grande do Norte. O meu aceno é honesto, sincero e não tem o condão de interferir nos propósitos e projetos do novo dirigente da política cultural do Rio Grande do Norte.
É apenas, a reflexão de um calejado escriba, ex-presidente da FJA, que pertenceu ao Conselho de Cultura e integra a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e o Instituto Histórico do Rio Grande do Norte. Faço o meu apelo com o objetivo de contribuir. É uma sugestão, apenas. E acredito que se ouvisse o Conselho de Cultura, a Academia e os intelectuais do Estado o “Galo” cantará tão livre e libertário o quanto cantou e lutou o seu partido na noite negra do regime autoritário.

(*) Escritor


11/06/2019


A legitimidade das decisões judiciais (III)
Como eu seguidamente tenho dito aqui, o grau de legitimidade de uma decisão judicial depende de muitos fatores. Já falei do recrutamento dos juízes, da composição dos tribunais, da imparcialidade e do renome do juiz prolator da decisão, da fundamentação da decisão em si e da sua acessibilidade, assim como da aceitação dessas decisões pelos demais Poderes do Estado.
Hoje eu gostaria de continuar esta série de artigos tratando de mais algumas coisitas que acho fundamentais em prol da legitimidade das decisões judiciais.
Antes de mais nada, penso que devemos exigir da atividade jurisdicional – e, por conseguinte, do seu principal produto, as decisões judiciais – o respeito a determinados valores. Cito aqui, de logo, os seguintes: estabilidade, previsibilidade, celeridade e igualdade.
Um direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com regras de direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira inconsistente, prejudica muito a legitimidade de um sistema jurídico. E, infelizmente, sofre o nosso sistema, num grau altíssimo, do problema da instabilidade. No plano jurisprudencial, basta lembrar que, no Brasil, a sorte dos litigantes fica muito ao sabor das frequentes mudanças das composições dos tribunais e das mudanças de entendimento decorrentes disso. Para não falar das meras idiossincrasias do juiz do caso.
Um segundo valor que desejo enfatizar aqui, interligado à estabilidade, é a previsibilidade ou a certeza do direito. Um direito estável estabelece a pretensão de que é uma verdade válida não apenas para hoje, mas também – e aí entra a previsibilidade – para o futuro, em todos os casos iguais ou parecidos. Disse certa vez Eugen Ehrlich (1862-1922), um dos fundadores da jurisprudência sociológica, em “Fundamentos da sociologia do direito” (texto constante do livro “Os grandes filósofos do direito”, publicado pela editora Martins Fontes em 2002), em favor da previsibilidade: “há uma grande necessidade social de normas estáveis, o que torna possível, em certa medida, prever e predizer as decisões e, desse modo, colocar um homem em condições de tomar as providências necessárias de acordo com isso”.
Um outro valor, não menos importante, é a celeridade na condução dos processos e na apresentação do seu produto final, a decisão judicial transitada em julgado. Não haverá o devido acesso à justiça se a prestação jurisdicional é dada tardiamente. E isso, de tão óbvio, nos soa até um clichê. Mas a busca da celeridade não é um interesse apenas do jurisdicionado. É também em prol da própria legitimidade das decisões proferidas pela Justiça que o processo deve encerrar-se no menor lapso de tempo possível. E esse é um objetivo que deve ser perseguido pelo Poder Judiciário diuturnamente com a adoção dos mais variados institutos, mecanismos e critérios que lhe poupem tempo e energia na solução dos seus inúmeros casos.
Por fim, quanto a esses valores, quero ressaltar aqui a questão da igualdade, que alguém já chamou de o “fundamento último” da justiça. O princípio da igualdade perante a lei – proclamado em termos jurídicos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII – vem sendo consagrado, como um verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da Constituição brasileira de 1988. Mas é preciso ter em mente que o princípio da igualdade perante a lei, até por uma questão de psicologia social, não pode ficar apenas no plano normativo. Dar soluções diferentes a situações iguais ou parecidas não pareceria direito, mas sim pura arbitrariedade. O valor igualdade, portanto, deve ter lugar de destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. Afinal, como José Alberto dos Reis (1875-1955) certa vez indagou (apud Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão, em “Comentários do Código de Processo Civil”, editora Revista dos Tribunais): “que importa a lei ser igual para todos, se for aplicada de modo diferente a casos análogos?”. A desigualdade na aplicação da lei, podem ter certeza, fere de morte a legitimidade da atividade jurisdicional.
Bom, eu sempre digo que não conheço uma regra de ouro para a aplicação do direito. Mas, se quisermos fomentar esses quatro valores (estabilidade, previsibilidade, celeridade e igualdade), em prol de uma maior legitimidade das decisões judiciais, um excelente caminho é realmente adotarmos e respeitarmos uma doutrina geral de precedentes vinculantes. Faria muito bem, asseguro. Mas isso – a doutrina dos precedentes – é um outro (e longo) assunto.
Por enquanto, já finalizando, apenas introduzo, ainda na temática da legitimidade das decisões judiciais, as questões que vou abordar no próximo artigo (o último desta série, prometo): a necessidade de que realmente fundamentemos as nossas decisões judiciais nas leis e na Constituição do país (e não naquilo que é a nossa convicção ou no que são os nossos pré-conceitos) e, claro, a questão final (e deveras problemática) da aceitação popular propriamente dita.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

05/06/2019



MACAÍBA: APELIDOS


Valério Mesquita*


01) Joaquim de Juvêncio foi policial militar da reserva. E como tal serviu em quase toda a sua vida no destacamento da Polícia de Macaíba, onde residiu. Como atleta de futebol era o ponta de lança Quincas que corria feito bala pela esquerda. Atuou pelo Cruzeiro, Humaitá e Rio Branco, sempre na mesma posição tática que lhe valeu o apelido de Sapo de Rabo, porque quando corria empinava o bumbum. Joaquim foi o terror da garotada que jogava “pelada” no “campo da prefeitura”. Naquele tempo, soldado usava apito e, nos primeiros sopros, a turma colocava Joaquim no “quadrado” para não tomar a bola. Mas, como soldado, Quincas nos legou um fato pitoresco quando, nos idos de cinquenta, uma patrulha do Exército tomou de assalto a Delegacia de Macaíba para liberar três recrutas e prendeu os PMs no jipão verde-oliva. Após muita confusão e com a chegada do chefe político e deputado Alfredo Mesquita (o delegado se escondera no quintal de Né Macena) para conferenciar com o capitão e líder da operação, os soldados da polícia foram desembarcados logo do caminhão. Mas os recrutas queriam levar um de refém para Natal. Com muito esforço, na carroceria, Joaquim esgueirou-se, amedrontado, entre os soldados de Caxias e indagou aflito: “E eu, Seu Mesquita?”. “Desça. O que é que você ainda está fazendo aí?”.
02) Um personagem de apelido misterioso e bastante popular em Macaíba foi o motorista Manoel “Dedo Melado”, irmão de José Distinto, outra figura singular que já descrevi anteriormente. Manoel pontificou em Macaíba nas décadas de 40, 50 e 60, até ir residir em Natal. Mas o seu apelido até hoje é um mistério. Por que “Dedo Melado”? Que história esquisita marcou um dos dedos da mão de Manoel e que material produziu o mau cheiro? Ao que me consta, ele não se sentia incomodado por assim ser chamado. Talvez, de tão repetido o apelido, tenha se resignado. E os personagens misteriosos são fascinantes.
03) Outro apelido interessante emoldurava o perfil de um velho soldado PM que conheci, alcunhado de “Bico Doce”. Servia no povoado de Mangabeira. Os intérpretes da zoologia macaibense, após exaustivas pesquisas, deduziram que “Bico Doce” gostava de um “ganho extra”, daí o carinhoso epíteto. Um “cientista” mais ousado chegou a descrever uma cena supostamente vivida por “Bico Doce” quando conduzia para o xadrez um individuo: “”Teje” preso!”. “Pegue cinco”, disse-lhe o detido. “Tá solto!”, respondeu o doce bico do soldado. Aí pegou a fama.
04) A longevidade atlética e futebolística foi o traço dominante da vida desse paraibano de Cuité, que chegou a Macaíba menino, em 1920. Funileiro, residente à rua Rodolfo Maranhão, negociava os produtos do seu fabrico artesanal na feira livre da cidade. Mas, o palco maior de sua vida foram os campos de futebol, nos quais exerceu a sua arte indômita: o futebol. Praticou esportes além dos sessenta anos, defendendo as camisas do Cruzeiro FC, Rio Branco, Olímpio FC e Leão de Ouro (Igreja Nova), nos quais se inseriu como um dos fundadores. Diria que Zé Caíco se constituiu na figura emblemática do futebol de Macaíba porque atravessou gerações e viveu as grandes fases da evolução do próprio esporte. Quando jovem era muito magro e possuía um “fôlego de peixe”. Como chegou a Macaíba aos cinco anos de idade fugindo das águas que invadira Cuité (PB), na cidade de Auta de Souza se fartou com as cheias do rio Jundiaí. E como atleta nadador pulava de cima de um poste sobre a ponte para somente recuperar fôlego no velho cais, distante a trezentos metros, levado pela correnteza. Daí o apelido de Caíco, uma espécie comum de peixe.

(*) Escritor.

03/06/2019


A legitimidade das decisões judiciais (II)
Como eu disse no artigo da semana passada, o grau de convencimento – leia-se, aqui, de legitimidade – de uma decisão judicial depende, podem ter certeza, de muitos fatores. À forma de recrutamento dos juízes, à composição dos tribunais, à imparcialidade e ao renome do juiz da decisão, já tratados aqui, some-se a excelência da motivação em si, sua acessibilidade, a aceitação pelos demais poderes, o respeito a determinados valores (estabilidade, previsibilidade, celeridade, igualdade), sua expressa fundamentação na Constituição e nas leis do país, desaguando tudo isso na própria aceitação popular.
Analisaremos mais alguns desses fatores no nosso papo de hoje.
Sobre a fundamentação – e talvez tivesse sido melhor dizer aqui “motivação” – das decisões judiciais, a nossa Constituição Federal, no seu art. 93, inciso IX, expressamente dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”. E o nosso Código de Processo Civil, como não poderia deixar de ser, no seu art. 11, caput, repetindo a redação da CF, seguiu a mesma trilha. Na verdade, o CPC foi até mais longe, pois, especialmente no seu art. 489, § 1º, prevê hipóteses em que a exigência constitucional e legal da fundamentação das decisões restará desatendida.
Lembremos que o juiz motiva sua decisão sem interesse algum na causa – pelo menos era para ser assim –, apenas imparcialmente elencando, nas palavras de Víctor Gabriel Rodríguez (em “Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal”, editora Martins Fontes, 2005), “elementos que devem convencer as partes de que seu raciocínio é o mais correto, é o decorrente da lei, e de que seu livre convencimento não provém da arbitrariedade, mas sim de uma boa avaliação de todas as provas e de todo o ordenamento legal”.
Se todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas ou motivadas, assim o é primeiramente como elemento essencial do processo, mas também como condição de legitimidade da decisão propriamente dita e da atividade jurisdicional como um todo. Diante de uma decisão motivada e transparente, qualquer jurisdicionado e a sociedade como um todo – além das partes, dos seus advogados e dos demais atores envolvidos na lide específica – têm condições mínimas de aferir a imparcialidade do Poder Judiciário e se as decisões deste são pautadas pelo direito ou se são frutos de arbítrio dos julgadores. Uma motivação clara, transparente e acessível – aos profissionais do direito e, na medida do possível, abolindo tecnicismos desnecessários, aos leigos também – é o que minimamente se pede.
E se falei de acessibilidade às decisões judiciais é porque considero a transparência como um dos mais importantes valores do direito. Ela é exigida pela famosa “rule of law” e em qualquer estado democrático de direito, como instrumento de equilíbrio nas relações entre os jurisdicionados e entre estes e o Estado. O Direito – e falo aqui tanto do direito legislado como do direito “judicial” – deve ser devidamente publicizado e o acesso à informação facilmente garantido, proporcionando o controle da atividade jurídica estatal tanto por instituições oficiais (a exemplo do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, das Corregedorias, das Ouvidorias etc) como pelo cidadão comum.
Aqui eu acho que mandamos bem. Apesar da grande quantidade de decisões judicias proferidas no Brasil, um sofisticado sistema oficial de decisões (confiável e de fácil acesso) foi e está sendo progressivamente desenvolvido com a participação decisiva dos tribunais e demais órgãos jurisdicionais brasileiros. Os tribunais brasileiros têm pessoal especializado para revisar, consolidar e publicizar suas decisões, relatando todos os aspectos necessários das mesmas. Embora ocorram ocasionalmente pequenas falhas, os tribunais alcançaram um excelente know-how para esse tipo de publicização com o suporte de ferramentas digitais e on-line que, atualmente, são bastante confiáveis. Os profissionais do direito no Brasil ou as próprias partes consultam esses repertórios oficiais – de tribunais específicos ou do tipo “Jurisprudência Unificada” do Conselho da Justiça Federal –, motivados pelo fato de que eles são atualizados e sua estrutura é muito racional, sem mencionar que esses relatórios jurídicos estão mesmo facilmente disponíveis na rede mundial de computadores, o que torna a busca sempre muito mais fácil. O acesso on-line oficial e gratuito brasileiro às decisões judicias deve, de fato, ser elogiado.
E não vou nem falar aqui das transmissões dos julgamentos do nosso Supremo Tribunal Federal – e, de resto, frequentemente, de outros tribunais do país –, ao vivo, pela TV Justiça. Temos aqui uma superexposição. Talvez mais do que o devido. Tenho minhas críticas. Muitas. Começando pela vaidade, um pecado que se acha ao nosso lado. Daria alguns artigos.
Por fim, encerro o texto de hoje tratando de um ponto que acho fundamental na temática: a aceitação das decisões judiciais pelos demais Poderes do Estado. O Executivo e o Legislativo, deixo claro, mesmo correndo o risco de ser redundante. Peguemos o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Desde o famoso caso Marbury v. Madison 5 US 137, 1 Cranch 137, 2 L.Ed. 60 (1803), no qual, segundo convencionado, está a origem do “judicial review of the constitutionality of the legislation” (que chamamos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis – modelo difuso), a U.S. Supreme Court tem conquistado e consolidado, pregressivamente, o reconhecimento e a aceitação de suas decisões pelos demais Poderes daquela grande Federação. Desde o tempo de John Marshall (1755-1835) até os dias atuais, mesmo havendo, como é normal na história, alguns momentos de crise.
Espero que se dê – ou continue se dando – o mesmo no Brasil. Assustam-me muito algumas iniciativas em sentido contrário. Sobretudo vindo de onde estão vindo. Essas coisas às vezes a gente até sabe como começa, mas não sabe como termina.
Quanto à aceitação popular e outras coisitas mais, conversarmos no nosso encontro da semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

30/05/2019

H O J E



Caríssim@s, segue o "save the date" do lançamento do meu livro BREVIDADES.
Atenciosamente,
Ivan Lira de Carvalho