MILTON SANTOS DE ALMEIDA
Valério Mesquita*
Sempre que me encontro com
minha irmã Nídia Mesquita vivemos reminiscências. Conversas soltas, assuntos de
ontem, e de hoje que reabastecem as gastas baterias do viver. Aqui e acolá
mergulhamos nas lembranças de Macaíba, da fazenda Uberaba do nosso pai, onde
vivemos momentos intensos de infância e juventude. Daí, foi um pulo retornar
aos álbuns antigos de fotos, “à la recherce du temps perdu”. Desta vez, ao
nosso lado, Marlene Freire de Ó, amiga de Nídia desde a Escola Doméstica, que
reside hoje em São Paulo e que revisita Natal. Composto o trio, o importante
era reviver e reatar os elos perdidos dos momentos felizes da anfitriã.
A ansiedade dos olhos e da
mente comandava os impulsos das mãos, ora paginando, ora trocando impressões
sobre lugares e pessoas. Ai me detive numa foto tirada em Natal, de vinte anos
passados. Nela, figuravam o embaixador Ney Marinho, Nídia, Onfália Tinôco e o
inexcedível Milton Santos de Almeida que visitava Natal numa temporada de
reencontro e apresentações artísticas. Sobre ele já disseram que “canta samba
tão bem que a metade já seria suficiente”. Trata-se de um valor definido dentro
da arte musical brasileira e dono de uma voz personalíssima. Ali estava, é
claro, mais jovem, vitaminado, como diria a crônica paroquial, atraído por Ney
que pertenceu ao trade boêmio e acolhedor da cidade na arte de recepcionar iguais
e gloriosos nomes da música popular brasileira, tais como, Silvio Caldas,
Orlando Silva, entre outros. O parceiro inseparável de Neizinho nesse mister
foi Raimundo do Cartório.
Mas, o leitor, adivinho, já
me pergunta: quem diacho é Milton Santos de Almeida? Não poderia ser outro que
não Miltinho, aquele que tinha balanço todo pessoal, agudo senso rítmico e
timbre vocal inusitado. Diferente e comunicativo na interpretação mas, acima de
tudo, de profunda honestidade artística. Perturbei a atenção das duas para
falar suas músicas: Mulher de Trinta, Recado, Lamento, Cheiro de Saudade,
Formosa, Boneca de Pano, Fita Amarela, Agora é Cinza, todos com o seu timbre
inconfundível e estilo inimitável. Para chegar ao podium da consagração
nacional, Miltinho enfrentou árdua jornada desde o tempo dos conjuntos vocais
Namorados da Lua, Anjos do Inferno e Quatro Azes e um Coringa. Temperado no sereno de muitas madrugadas daquele tempo,
explodiu para o sucesso com a composição de Luis Antônio “Poema do Adeus” em
1960 e daí em diante para outros grandes êxitos que marcaram sua carreira.
Dele tenho em CD com as
principais músicas do seu variável repertório. Curto-o no meu carro como valor
autentico, irretocável e justo. Pensei: por onde anda Miltinho. Será que ainda
se apresenta, ou até, chego a pensar o pior – no falecimento. Descobrir que faleceu
no Rio, com quase 80 anos. Fiz ver a Nídia e Marlene que Miltinho pertence ao
patrimônio emocional de minhas doces recordações. E juntos, testemunhamos
nossas eternas preferências musicais de ontem e de hoje: Isaurinha Garcia, Dalva
de Oliveira, Elizete Cardoso, Alcides Gerardi, Luiz Gonzaga e Nelson Gonçalves,
além de muitos outros. A tarde descia preguiçosa pelos morros do Tirol. Uma
brisa carpideira soprava pelas janelas do apartamento. Fechamos os álbuns e nos
despedimos. Saí assobiando Miltinho sentindo intensamente irresistível cheiro
de saudade...
(*) Escritor.