O TEMPO E O SENSO
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
Nos dias de hoje, o ânimo
de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação
e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser
simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos.
Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável
e volubilidade inventiva contagiadas pelas ideias, gostos e poder aliciante do
charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente
influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela
inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram
como que cristalizadas em todos nós.
São as nossas afinidades
eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a
realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os
procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores
públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que
desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de
radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e
destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto
astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro Retrato do Brasil
que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício
de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.
A cultura se transformou
num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e
inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se
serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por
exemplo, está na hora do futuro governador reunir os órgãos de cultura do
estado: Academia Norte-riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto
Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos
literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa
da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos
passageiros. Nas vésperas, por exemplo, do governo contrair um vultoso empréstimo
internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e
identificar os seus problemas estruturais.
É com profunda lástima
que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel
da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados
se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não
passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que
retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado,
nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio
histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e
acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente
e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos
numa só integridade temporal; amalgamados de ideias e inteiriços. Que esse cabedal
seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos
aguardar.
(*) Escritor