USO E ABUSO DE DISFARCES
Valério Mesquita*
O Brasil é um país
saturado de feriados e pontos facultativos. O desperdício do tempo útil, em vez
de ser um sinal de reverência a santos ou eventos cívicos, corresponde a uma
insuficiência de conteúdos pragmáticos. Isto, pela inexpressividade de alguns
costumes e mediocridade cultural de pífios acontecimentos. Existem até guias
práticos de feriados. Verdadeiros suplementos de superficialidades, onde a
caótica natureza humana prefere a profissionalização do não produzir e o
consumo de buscar a felicidade química do divertir-se a toque de caixa,
burlando o erário. Num país de fronteiras quebradas pela violência que cresce
mais do que a educação; com a justiça lenta e tardinheira; com a vida pública
desacreditada e incoerente, pergunto: em que superfície social o espelho
medonho dessa realidade de pontos facultativos, ausências, abandonos,
dispersões, vai reaver e refletir o tempo perdido?
Sempre triunfa o esforço
concatenado entre os poderes públicos para se desvencilharem de normas e
padrões que imprimem seriedade. O Congresso Nacional e assembleias legislativas
somente funcionam três dias por semana. Um feriado, quando cai num sábado ou domingo,
muda-se a vigência para o dia útil. Se o feriado é santificado, como preconiza
a Igreja Católica, oitenta por cento dos seguidores vão às praias ou viajam.
Mas, somente na hora da dor ou da provação pegam no terço. Quando o feriado é
cívico, muita gente passa diante do monumento da “vítima” só para vaiar. Aí
depreende-se que vivemos num mundo aleatório, fútil, instável e irresponsável.
Instala-se o império burocrático do vazio, da sufocação. O ponto facultativo é
pior do que o feriado porque estimula a vadiagem oficial. Feriado não é
doutrina nem dogma de fé. E o ponto facultativo é má fé com a coisa pública e
com a produtividade da economia.
Enquanto isso, no
primeiro mundo, países capitalistas democráticos da Europa, da América do Norte
e nos mulçumanos da Ásia, além das nações da África e Oceania não vigoram tais
licenciosidades. Já imagino um deputado federal propondo projeto de lei para
tornar o resto do calendário de 2018 ponto facultativo, por ser imprensado
entre dois turnos eleitorais.
O meu espanto é com
relação unicamente ao abuso. Lembro-me que há quase quarenta e cinco anos
passados, o governo militar suprimiu, com acerto, os feriados juninos dos
santos Antônio, João e Pedro, além do próprio dia de Todos os Santos (primeiro
de novembro), apesar de, paradoxalmente, a liturgia cristã salmodiar: “Só vós
sois Santo, só vós o Senhor, só vós o Altíssimo Jesus Cristo!”. Os outros são,
apenas, santificados, padrinhos, padroeiros que devem ser reverenciados sem
precisar interromper, com tanta frequência, o processo econômico, financeiro,
administrativo e judiciário do Brasil.
Nada
mais deprimente para a nação o fato de não optar pela ordem, pelo equilíbrio e
funcionalidade e optar pelo esbanjamento do tempo. O edifício e o aprimoramento
da pátria não podem ser construídos através da desfaçatez, da preguiça ou do
comodismo. Não pense o leitor que estou oferecendo lições de vida ou de
cidadania. Os pedagogos plantonistas estão aí para o ensino dessas matérias.
Quero, apenas, protestar ante a parafernália de feriados no calendário de 365
dias no nosso Estado e capital. É preciso rasgar essa fantasia que já virou
luxúria. Sair da alegoria do oba-oba para fazer da concretude do trabalho um
instrumento de elevação e da pedra facejada um espírito verdadeiro de
brasilidade. O sentido é despertar os acomodados contra a superficialidade
compulsiva da multidão desregrada de feriados e pontos facultativos. Dia seis
de janeiro é um feriado municipal despropositado porque os Reis Magos estão
inseridos no contexto das festas natalinas. O ponto facultativo desse dia é
pura fanfarronice de Baltazar, Belchior e Gaspar que chegaram atrasados para
anunciar o Senhor.
(*) Escritor