| |||||||
|
18/05/2018
17/05/2018
Seu Joca
Por Gustavo Sobral
O vale dividia distâncias que só ali se mediam. O verde da cana
imperava absoluto, confundia propriedades. Coisas de herança,
inventários, posses, limites, registros, carimbos e até desavenças. Seu
Joca, tinha por herança. Do partido popular do governador José Augusto,
os jornais lia todos e preferia A República. Paletó sem gravata, relógio
na algibeira e uma pistola de dois tiros, uma bengala e puxava uma
perna. E montava. Barba branca e comprida, escovada todo santo dia.
Feito o imperador Pedro II, nunca aparou. Olhos bem azuis e miúdos,
passados para Manuel, Jacob e Adelaide.
Do tipo calado atravessava uma légua rumando do engenho a
Ceará-Mirim. Não perdia missa de domingo, o cavalo alazão baixeiro todo
não concedia atraso. Levantava quatro horas da madrugada para tratar do
canavial e do gado. Viajou ao Norte para resgatar a irmã, de lá trouxe
manga Mariti para plantar. Lia a Bíblia e aplicava sermão invocando as
parábolas lá escritas. O pai português teve as terras que vão de Ilha
Bela a Timbó. Joca fez engenho e rua de casas que pôs o nome Guarani. No
começo, moagem da cana por obra de umas bestas na almajarra, animais
que criava lá por Baixa Verde junto a um gadinho pouco. Começava a moer
em agosto o açúcar entregue a Tiburtino Bezerra que negociava para a
Inglaterra. O transporte em lombo de animal até Igapó, ali de canoa pelo
Potengi até os armazéns da Ribeira.
16/05/2018
DIRÃ – Berilo de Castro
DIRÃ –
Nas décadas de 1960/70, o futebol do interior
do Estado teve o seu apogeu. Um futebol muito respeitado, com boas e
fortes equipes. Diga-se, a região do Seridó: Caicó, Currais Novos,
Parelhas; na região agreste: o bom time do Nova
Cruz; Santa Cruz, Baixa Verde (João Câmara), Monte Alegre.
Nessa época, o bom time de Currais Novos
tinha um excelente jogador que atuava no meio de campo. Jogador
expressivo, meia avançado, que jogaria em qualquer time da região do
Sudeste.
Seu nome: Dirã. Bonito título. O seu belo
futebol contrastava com a seu biotipo: de baixa estatura, cabeça chata,
olhos repuxados, boca larga, lábios finos, dentadura destrambelhada,
pele morena acinzentada, cabelos pretos e ralos.
O bom time de Currais Novos tinha marcado um
importante jogo contra a forte equipe do Corinthians de Caicó. Jogo que
definiria a liderança do futebol da região. Encontro muito comentado e
esperado, pelo fato de ser pela primeira
vez acompanhado e transmitido pelas rádios e por toda imprensa
esportiva da capital potiguar.
Domingo, casa cheia, — Estádio Coronel José Bezerra, tarde bonita e festiva, de sol forte, na terra da Scheelita.
Jogo iniciado, o time de Currais Novos muito
bem em campo, dominando todas as ações. Dirã tomava conta do jogo, com
dribles desconcertantes, fazendo tabelas e mais tabelas com outro grande
jogador meio-campista Neném de Núbia com
sua vasta e bonita cabeleira; passes curtos e rápidos, chamando a
atenção de toda a impressa e recebendo aplausos da grande torcida
curraisnovense.
Final de jogo, ampla, justa e larga vitória do time de Currais. Herói e artilheiro da partida: — Dirã.
Toda a imprensa presente no Estádio correu para entrevistar o craque maior do jogo, o herói da partida:
— O repórter: Dirã, que beleza de futebol!
Você recebeu o Motorádio com louvor e justiça. Impressionante o seu
futebol, joga em qualquer time grande do Brasil!
— Dirã, uma curiosidade: você tem
descendência francesa? Ou quem sabe o seu pai foi prestar uma homenagem
ao craque francês Didier Deschamps ou referenciar o ídolo argentino Di
Stefano, que fez história na equipe milionária do
Real Madri. Afinal, um nome de craque: Dirã!
— Dirã, na sua simplicidade e timidez interiorana, olhando para o chão, responde:
— Na verdade, desde criança que me chamavam
de c. de rã ( anfíbio anuro da família Ranidae); aqueles que me deram
essa alcunha afirmam que eu tenho a cara igualzinha a um c. da rã.
Estranho, não? Mas o que fazer? Quando comecei
a jogar futebol, o treinador um tanto preocupado com a estranheza do
apelido, me chamou no canto de muro e perguntou como eu gostaria de ser
chamado, uma vez que estava me destacando nos jogos e, para ele (o
treinador), eu tinha boas chances de progressão
no futebol nacional. Continuou, o treinador, do jeito que está é que
não pode ficar. Pensei, pensei e disse: vamos tirar o c. e deixar só —
de rã — o treinador respondeu afirmativo, fica bem melhor sem o c. e
podemos unir o D com o i, formando Dirã. Uma boa
ideia, professor! Fica à altura do seu bom futebol. Um Dirã
afrancessado, lembrando e referenciando os grandes craques
internacionais.
Dirã saiu sorrindo e feliz!
Berilo de Castro – Médico e Escritor
As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
15/05/2018
A OUSADIA DE CRIAR
Valério Mesquita*
Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba, em 02 de
outubro de 1872 e faleceu em Angra dos Reis (RJ) no dia 1º de fevereiro de
1944. Um meteoro de luz incandescente, que já aos 20 anos de idade colava grau
na Faculdade de Direito do Recife. Ocupou inúmeros cargos: promotor público,
secretário de governo, deputado federal por dois mandatos e governador do Rio
Grande do Norte, por duas vezes. Intelectual, publicou livros e colaborou com diversas
revistas literárias. Fundador do Instituto Histórico e Geográfico do RN, em 29
de março de 1902. Era filho de dona Feliciana e Amaro Barreto de Albuquerque
Maranhão. Teve irmãos que também se notabilizaram como ele na história.
De compleição altiva, olhar sobranceiro, Alberto conduzia na palavra e
nos gestos toda a obstinação de uma inteligência que escolheu a cultura como
altar de sua crença. Naquele limiar do novo século era o homem esculpido, de
ritmo inimitável de ascensão para a luz que surpreendeu até o irmão primogênito
e líder Pedro Velho. E como primeiro impulso em favor das artes e da literatura,
através da Lei 145 de 06 de agosto de 1900, proposta por Henrique Castriciano,
estabeleceu a premiação de livros produzidos por autores domiciliados no Rio
Grande do Norte. E, logo em seguida, inaugurou o teatro Carlos Gomes, hoje
Alberto Maranhão, cuja renda do seu espetáculo inaugural foi revertida em favor
dos flagelados da seca que se concentravam em Natal. O seu humanismo e nobreza de
caráter alçaram-no à estatura de um Péricles de Atenas, tão expressiva foi a
sua afirmação cultural com a obra administrativa que realizou.
No segundo mandato, fundou o Conservatório de Música, o Hospital Juvino
Barreto, a Casa de Detenção, além da implantação da luz elétrica e dos bondes
em Natal. Sem esquecer, ainda, a criação da Escola Normal e a reforma da
educação, bem como, a edificação do Palácio do Governo na Praça 07 de Setembro.
Uma visão global da obra de Alberto Maranhão me leva a dizer que ele foi um
intelectual arrojado com uma intuição administrativa admirável, ao mesmo tempo
que um dirigente operoso com uma visão cultural futurista para o inicio do
século vinte. Conseguiu, até os nossos dias, irradiar uma luz tão forte sobre a
sua personalidade política, ao ponto de merecer o respeito unânime de várias
gerações, eternizado no tempo e no espaço.
Por tudo isso, no dia 04 de outubro de 2005, os restos mortais dele e de
sua Inês, por iniciativa da Casa da Memória do Rio Grande do Norte, apoiada
pelo Governo do Estado e pelo Conselho Estadual de Cultura foram trasladados
para Natal. O homem não passa de uma extensão do espírito do lugar. Tudo se
desfaz, menos os elos nativos que o prendem à terra. O homem será sempre
prisioneiro de sua origem. Alberto Maranhão foi capaz de compreender o legado
dos seus ancestrais e apaixonou-se pela causa pública no firme desiderato de
dar glória ao seu Rio Grande do Norte. Nele se resume a dimensão da política no
seu sentido aristotélico. Cito Pablo Neruda: “Ele sabia compartilhar conosco o pão e o sonho”. E a ousadia de
criar.
(*) Escritor.
08/05/2018
|
07/05/2018
Voluntário da pátria
Por Gustavo Sobral
Foi com o cavalo que tinha, a muda de roupa que tinha e um farnel.
Childerico usava bigode de ponta, terno com colete e relógio na
algibeira. Calçava botas, era cidadão e podia votar. Se despediu de quem
queria, pediu a benção a quem devia, e foi-se embora para o Norte
ganhar a vida, trabalhar com borracha e fazer fortuna. Contavam que
sabia segredos dos Incas, padeceu de epidemias e parece que foi até
vítima para mais de uma maldição. Virou guerreiro do Yaco e mandava
cartas contando cada coisa por aqui recriadas e aumentadas por um e
outro que as ouvia de quem lia, também fantasiadas no falatório de quem
as repassava. Miudezas, coisa de boca a boca, pé de ouvido e até fofoca.
Índio muito, fortuna grande, lenda aprumada, aventura arrepiante, tudo
navegado nos rios e afluentes sediado ele no Purus. Voltou velho, já no
fim, quando já era lenda e rei do Seringal Oriente com o título de
coronel da guarda nacional que o governo lhe deu, voluntário da pátria
na questão do Acre. A fortuna já mais não tinha. Quem viu disse que ele
voltou assim, mesminho como foi, a trouxa de roupa, o chapéu de massa, o
terno, e teve gente que desconfiou que até o cavalo era o mesmo.
02/05/2018
|
Assinar:
Postagens (Atom)