Voluntário da pátria
Por Gustavo Sobral
Foi com o cavalo que tinha, a muda de roupa que tinha e um farnel.
Childerico usava bigode de ponta, terno com colete e relógio na
algibeira. Calçava botas, era cidadão e podia votar. Se despediu de quem
queria, pediu a benção a quem devia, e foi-se embora para o Norte
ganhar a vida, trabalhar com borracha e fazer fortuna. Contavam que
sabia segredos dos Incas, padeceu de epidemias e parece que foi até
vítima para mais de uma maldição. Virou guerreiro do Yaco e mandava
cartas contando cada coisa por aqui recriadas e aumentadas por um e
outro que as ouvia de quem lia, também fantasiadas no falatório de quem
as repassava. Miudezas, coisa de boca a boca, pé de ouvido e até fofoca.
Índio muito, fortuna grande, lenda aprumada, aventura arrepiante, tudo
navegado nos rios e afluentes sediado ele no Purus. Voltou velho, já no
fim, quando já era lenda e rei do Seringal Oriente com o título de
coronel da guarda nacional que o governo lhe deu, voluntário da pátria
na questão do Acre. A fortuna já mais não tinha. Quem viu disse que ele
voltou assim, mesminho como foi, a trouxa de roupa, o chapéu de massa, o
terno, e teve gente que desconfiou que até o cavalo era o mesmo.