04/04/2018


Instituto Histórico e Geográfico do RN <ihgrn.diretoria@uol.com.br>


Caro(a) confrade(confreira)
 
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte tem o prazer de convidá-lo para a primeira exposição de minérios do Rio Grande do Norte, denominada “Um Gabinete de Curiosidades”, a primeira do gênero, nos 116 anos de existência do nosso IHGRN.
 
Sob a curadoria do técnico em geologia Pedro Simões Neto Segundo, será iniciada às 16 horas, na sede histórica do IHGRN.
 
Em seguida, às 18 horas, haverá a palestra do professor Raimundo Arrais, que falará sobre “Tavares de Lira.”
 
Aguardamos o seu comparecimento.
 
A DIRETORIA


PADRE JOÃO, MEU IRMÃO

Valério Mesquita*
                                                                                                                    
                   
O padre João Medeiros é um simples, não gosta de reuniões onde desfilam egos inflados. Suas crenças básicas estão fincadas na desafetação da vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, imagem e semelhança do Cristo, seu irmão. Nunca exercitou artificial adesão ao modismo litúrgico, plástico, aeróbico, difuso e mítico. No altar do Senhor ele é o donatário da capitania de Jesus ou capataz dos mistérios circundantes da fé. A sua homilia contêm a alma e o sumo das descobertas, interpretando em Mateus, Lucas, Marcos, João e Paulo, tudo que o Espírito Santo falou. O padre apenas persegue pontualmente os significados, a humana palavra necessária que todos queremos ouvir. No altar, nos repassa a unção e a certeza de que Deus existe.
A sua vasta experiência em vida acadêmica, direção e assessoramento superior em inúmeras instituições de ensino público e privado, oferecem-nos uma exata dimensão de sua experiência administrativa e cultural em cargos que ocupou no Ministério da Educação no Rio de Janeiro como assessor de departamento; assessor especial da presidência do Conselho Federal de Cultura e secretário executivo; coordenador de planejamento do Ministério da Educação Delegacia do Rio de Janeiro; assessor do gabinete do ministro da Educação; delegado do MEC; procurador para assuntos culturais da Fundação José Augusto junto aos órgãos de cultura, sediados no Rio de Janeiro e Brasília.
De 1980 a 1985, com ele convivi, quando exerci a presidência da Fundação José Augusto. No Rio de Janeiro o padre Medeiros abriu-nos portas para infindáveis convênios na Fundação Nacional de Arte, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no Instituto do Folclore, na Fundação Roberto Marinho, no Instituto do Livro, entre outras entidades públicas e privadas. Só na restauração de monumentos históricos no Rio Grande do Norte foram doze, sendo oito de parceria com a Fundação Roberto Marinho. E através dele, ainda o dono das Organizações Globo veio a Natal, precisamente a Utinga, povoado de São Gonçalo do Amarante com todo aparato de televisão e jornal.
No céu estrelado de minha amizade pessoal e litúrgica com o padre João Medeiros Filho, ela passeia pela nostalgia que provém das nossas heranças telúricas de um tempo que a memória ainda não desfez. Juntos abominamos a marginalização dos pobres deste mundo que são hoje os mártires de ontem. Unidos, ainda procuramos nas conversas a terra habitada pelo silêncio e pela distancia das coisas, porque o nosso grito é cárcere privado e já não se faz pouco ouvido, nesse mundo de contradições de todo o gênero. Vejo-o e sinto-o ainda, até hoje, moderado e modesto como sempre o conheci. Tão sem vaidades que gosta de ser anônimo, fulano de um mundo diferente, distante, coletivo. Em Emaús, onde Jesus mandou Nivaldo Monte deixá-lo, ele sonha com as madrugadas de silêncio, como se estivesse numa pracinha do interior, povoada de alegrias simples de viver. Se a saúde deixasse gostaria de viajar de ônibus, da linha do Seridó, só para ouvir a última gargalhada do outro papa, Vivaldo, lá no país de Caicó.
O que o padre João Medeiros gosta é de viver ao lado da gente simples, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleito antes da hora, e nem foge de sua mortalidade, tal como pensou e escreveu o grande Mário de Andrade. Ele ama a solidão consentida para ouvir e falar melhor com Jesus. Vez em quando, de Emaús em Parnamirim, vem a Natal para rezar missas gratuitamente, rever amigos e saber notícias de Cláudio, Serejo, Machadinho, Woden, Laércio, Manoel de Brito, de revisitar amigos além da Arquidiocese. Está consciente que completa mais um périplo em torno do tempo, sem nunca haver desamado os frutos de sua vocação. João Medeiros guarda em si a beleza aflita dos despossuídos. Um salmo invisível resplandece sempre em seus gestos e movimentos cadenciados de humildade cristã.
(*) Escritor.

03/04/2018

O GRANDE XERIFE

MAURÍLIO PINTO, A NOSSA GRATIDÃO – Berilo de Castro

MAURÍLIO PINTO, A NOSSA GRATIDÃO –
Maurílio Pinto de Medeiros nasceu em Pau dos Ferros/RN, no dia 24 de agosto do ano de 1941, filho do coronel PM Bento Manoel de Medeiros (1910-1961) e de Julieta Pinto Nascimento (1919-2014).
Iniciou sua carreira de policial civil ainda menor de idade, aos 16 anos, como motorista, nas mais variadas e perigosas incursões policiais na região de Patu/RN, acompanhando o seu pai, o disciplinado e eficiente delegado Bento.
Após prestar serviço militar obrigatório por 2 anos na Força Aérea Brasileira ( FAB ), volta à Polícia Civil e é contratado como motorista da Secretaria do Interior e Justiça, no dia 1 de julho do ano de 1964, quando passa a ocupar oficialmente a função de motorista do delegado geral da Polícia Civil, o coronel Bento de Medeiros.
A princípio a ocupação na função policial seria de curta duração, pelo que afirmara o sei pai, o coronel Bento: “ Maurílio, meu filho, olhe, só quero que você fique na Polícia até o momento que eu estiver trabalhando.
Quando me aposentar não quero mais você aqui”. O pai temia pela vida do filho. Sabia da difícil e perigosa missão que o filho teria, caso continuasse.
Maurílio formou-se em Jornalismo, profissão na qual nunca atuou. Diplomou-se em Direito ( Bacharel ) no ano de 1975, quando prestou concurso para delegado da Polícia Civil, sendo aprovado.
Conheci Maurílio no ano de 1972, quando fui contratado no Governo de Cortez Pereira, para prestar serviço médico na Secretaria de Interior e Justiça, na função de clínico geral no Complexo Penitenciário João Chaves.
Homem simples, alheio a vaidades, corajoso, estrategista e de uma dedicação e um empenho em suas missões sem precedentes: sempre executadas com muito zelo e determinação, merecedoras dos mais altos reconhecimentos e aplausos, a ponto de merecidamente receber da Câmara Municipal de Natal o título de “Xerife” e da Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Norte a Medalha do Mérito Legislativo, sua maior honraria. Tinha e sentia literalmente em suas investidas o verdadeiro “faro”, o “cheiro” e a percepção para a elucidação de crimes de difíceis soluções.
Nunca saia para uma missão sem antes estudá-la minuciosamente; sabia muito bem os riscos que correria. Não se atirava às “cegas”.
Sua brilhante trajetória profissional conta com 47 anos de efetivos e dedicados serviços prestados à Segurança Publica do nosso Estado, onde galgou merecidamente todos os degraus da sua carreira policial: de motorista à Secretario Adjunto da Secretaria de Segurança e Defesa Social, deixando um legado imensurável e inquestionável de ações exemplares, que ficarão registradas e inapagáveis nos anais da história da briosa Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte.
Quem não lhe conhece, não perdeu o direito de conhecer.
Maurílio, a nossa gratidão.

Berilo de CastroEscritor
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

ENTREVISTA



IHGRN, a biblioteca e a bibliotecária
Entrevista com Cristiane França
A diretoria de Biblioteca, Arquivo e Museu conversou com a bibliotecária Cristina França, formada em biblioteconomia pela UFRN em 2015.2, que tem participado do processo de reestruturação do acervo do IHGRN.  A entrevista foi realizada em março de 2018, no IHGRN, o entrevistador é o diretor Gustavo Sobral.

IHGRN: Em que consiste o trabalho de um bibliotecário em um acervo híbrido como o IHGRN?
Cristiane França: Assim como nos demais centros de informação; recuperar, tratar e disseminar a informação, é o principal objetivo do bibliotecário. A diversidade do acervo agrega um vasto conhecimento, não só técnico, mas também intelectual para o profissional. Se tratando do IHGRN é de suma importância conscientizar a sociedade, pois, a grande maioria ainda crer se tratar de produção local, apenas.

IHGRN: Qual a importância e o papel do bibliotecário na organização, guarda e manutenção do acervo?
Cristiane França: A profissional bibliotecário tem papel fundamental, principalmente, pela crescente massa informacional hodierna, o que ocasiona o desperdício de tempo do usuário na hora da busca. O bibliotecário tem a missão de garantir a qualidade da informação através do conhecimento e técnicas adquiridos na sua formação.

IHGRN: Quais a s principais dificuldades que um bibliotecário encontra nas suas atividades diárias?
Cristiane França: Identificar e selecionar a informação, ter a percepção sobre os usuários reais e potenciais, afim de satisfazer a necessidade informacional de cada um. A extensa demanda de informações ocasionada pelo avanço tecnológico, dificulta esse trabalho, o que exige habilidades e atualização do profissional.

IHGRN: Qual a sua opinião sobre a importância do IHGRN e do seu acervo para o Rio Grande do Norte?
Cristiane França: O IHGRN, representando a memória do estado, proporciona o conhecimento quanto ao seu desenvolvimento, histórico e geográfico, principalmente. Através do seu rico acervo contribuindo junto a sociedade para sua formação intelectual, e valorização a memória.

IHGRN: Lições, desafios, aprendizados, o que representa participar deste processo de organização do acervo do IHGRN?
Cristiane França: É de valor imensurável ser uma colaboradora de tão nobre trabalho, adquirir experiência profissional numa instituição de referência como o IHGRN é de grande privilégio, assim também, como cidadã norte-rio-grandense, conhecendo a fundo a história do estado, e, contribuindo na disseminação aos demais.

29/03/2018

SEMANA SANTA


MAIS UMA SEMANA SANTA
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
Iniciamos no domingo mais uma celebração da Semana Santa. Já no século IV, Santo Agostinho recomendava aos fiéis de Hipona a vivência do Tríduo Pascal. Talvez aflorem às nossas mentes apenas sentimentos de tristeza, dor, sofrimento, paixão e cruz. Há algo de fundamental: Cristo derrota o pecado e a morte. “Aos vencedores as palmas da vitória”! Eis o sentido dos ramos aclamando o Filho de Deus, como Rei e Senhor da História. Mas, “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), declarou Cristo. Muitos contemporâneos de Jesus (como alguns cristãos, hoje) não compreenderam os motivos de sua condenação. Cristo atingiu, pela pregação de sua doutrina e pelo testemunho de sua vida, as estruturas da sociedade do seu tempo, representando uma ameaça para os que dominavam e oprimiam o povo. Pelo seu Evangelho, Ele veio instaurar novos tempos (Ap 21, 5). 
“É preciso completar em nossa carne aquilo que faltou à cruz de Cristo” (cfr. 2Cor 4, 10), eis o pensamento do apóstolo Paulo. Deste modo, a Semana Santa não é meramente o memorial ou a comemoração da Paixão do Senhor. É também a celebração de nossas decepções, inquietudes, dificuldades e indignações. Este ano, presenciamos o desrespeito à vida e à pátria, os inócuos embates políticos e julgamentos polêmicos, desprovidos de compromisso com o bem-comum, alguns eivados de partidarismo. Isso dá-nos uma ideia daquilo que vivemos na Semana Santa, ou seja, a nossa cruz. Cristo afirmara: “O discípulo não é maior do que o Mestre” (Mt 10, 24). Deste modo, estamos sujeitos a percorrer o mesmo caminho de Jesus. É nossa paixão e morte. Somos o Corpo Místico de Cristo, por isso atualizamos em nossas vidas o que acontecera, há dois mil anos. 
Mas, não só de tragédias, fracassos, derrotas e tristezas é feita a vida humana. A Ressurreição de Cristo é a vitória sobre a maldade. “Confiança, eu venci o mundo” (Jo 16, 33) Assim, celebramos igualmente no Domingo de Páscoa nosso triunfo sobre o pecado e a morte. Cristo ressuscitou e já não morre mais! Há uma versão corrente de que as ideias de um ser humano não morrem. Cristo é imortal não só pelos seus ensinamentos, sobretudo porque é o Filho de Deus. “Ó morte, onde está o teu aguilhão?” (1Cor 15, 55). 
Nesta Semana Santa sepultemos o egoísmo, a falta de solidariedade, a indiferença, a violência, a injustiça, a insensibilidade, o radicalismo político e ideológico, enfim, nossos pecados. É necessário haver uma Sexta-Feira Santa para cada um de nós, onde crucificaremos tudo o que é negativo, para haver Domingo de Páscoa. Mas, a paixão e a ressurreição não são atos isolados. Eles foram precedidos da Quinta-feira Santa, que é a celebração da unidade e da fraternidade. Haverá Páscoa, se existir comunhão; ressurreição, se o amor se faz presente. 
Não podemos esquecer que a última mensagem de Cristo não foi o silêncio da morte, nem seu último gesto o túmulo lacrado. A Semana Santa é o convite da Igreja a acreditar que nossa cruz é também libertadora e se Ele ressuscitou, também nós haveremos de ressurgir de tudo aquilo que nos deixa prostrados e abatidos. É preciso ter sempre em mente que Deus levanta-nos ao alto de nossas cruzes para que possamos divisar melhor o que Ele nos reserva de belo e grandioso, capaz de nos assegurar paz e alegria. São Paulo já dizia que Deus confunde os fortes e poderosos com a aparente fraqueza humana. Aquilo que aos olhos do mundo parece nossa derrota, será a nossa vitória, pois é a força divina em nós! 
A Semana Santa é a resposta suprema de Cristo e dos cristãos ao desafio cotidiano e permanente do mal. É a manifestação do amor infinito de Jesus por nós. Neste ano, vamos celebrar o sofrimento de Cristo na vida de tantas vítimas da violência ou insegurança de nossas cidades, os injustiçados pela ganância, pela exclusão da terra, pelos que não têm direito a tratamento digno e adequado. Rezemos a fim de que haja Páscoa para todos, passagem da tristeza à alegria, da derrota à vitória, da morte para a vida!

   
Marcelo Alves


Os três direitos 

Desde os tempos da universidade, o estudante de direito ouve falar do direito romano, pois nele, sem dúvida, está a origem da nossa tradição jurídica, apelidada, não por mera coincidência, de romano-germânica. Mas esse falar, pelo menos nos cursos jurídicos de hoje, é quase sempre superficial. Uma pena. 

Uma das coisas que nunca se diz, por exemplo, é que esse direito (o romano), sob o ponto de vista histórico e de conteúdo, passou por fases bem distintas, sendo possível distinguir pelos menos “três direitos romanos”: o “clássico”, o “vulgar” e o “bizantino”. 

Segundo os especialistas no tema, o direito romano dito “clássico” conheceu o seu apogeu entre os séculos I a.C. e III d.C., quando o Império estendeu-se por toda Europa meridional, chegando ao que hoje é o norte da França (à época, a Gália) e ao sul da Grã-Bretanha. Para o oriente, a dominação romana passava pelos Bálcãs e pela Grécia, indo até a chamada Ásia Menor. Isso sem falar nas suas províncias no norte da África. 

Como informa António Manuel Hespanha, em “Panorama histórico da cultura jurídica europeia” (Publicações Europa-América, 1998): “Na base de poucas leis – desde a arcaica Lei das XII Tábuas (meados do século V a.C.) até às leis votadas nos comícios no último período da República (séculos I e II a.C.) – e das acções (legis actiones, acções da lei) que elas concediam para garantir certas pretensões jurídicas, o pretor, magistrado encarregado de administrar a justiça nas causas civis, desenvolvera um sistema mais completo e mais maleável de acções (actiones praetoriae), baseado na averiguação das circunstâncias específicas de cada caso típico e na imaginação como um meio judicial de lhes dar uma solução adequada”. Assim, nessa empreitada para atualizar um arcabouço jurídico arcaico (o “ius civile”), fazendo uso dos seus poderes de magistrados e das “actiones praetoriae” – fórmulas específicas para cada situação, que verificam e valorizam os fatos do caso, apontando sua solução –, os pretores criaram um direito muito sofisticado e afinado com a justiça de cada caso concreto. E isso explica, no que toca à doutrina, “o desenvolvimento de uma enorme produção literária de juristas, treinados na prática de aconselhar as partes e o próprio pretor, que averiguam e discutem a solução mais adequada para resolver casos reais e hipotéticos”. De 130 a.C. a 230 d.C., aproximadamente, foram produzidas muitas milhares de páginas de resoluções de questões, de respostas a consultas, de opiniões e de comentários. Um período fulgurante, de fato, para o direito romano. 

Mas a coisa não se dava do mesmo modo fora de Roma (a cidade imperial), sobretudo nas regiões/províncias de culturas mais específicas (como a Grécia ou o Egito) ou menos romanizadas (como boa parte da Germânia). Nessas paragens, afora o direito romano, tinham também lugar – de modo predominante, corriqueiramente – outras regras ou usos locais de realização do direito. Ademais, no século III d.C., principia-se a crise do Império Romano do Ocidente, que vem desaguar, como nós sabemos, com a sua queda no ano 476. Esse panorama naturalmente também se reflete no direito romano. Temos aí o surgimento de um “segundo” direito romano, apelidado de “vulgar”. Como registra o mesmo António Manuel Hespanha: “A crise do Império Romano, a partir do século III d.C., e a ulterior queda do Império do Ocidente (em 476) põem em crise este saber jurídico, cujo rigor exigia uma grande formação linguística, cultural e jurídica, e cujo casuísmo impedia uma produtividade massiva. (…). De um saber de uma elite cultivada numa longa tradição intelectual passou para uma técnica burocrática de aplicação, mais ou menos mecânica, de ordens do poder. Ganha em generalidade e automatismo aquilo que se perde em fineza casuística e apuramento intelectual. Dizer o direito torna-se uma actividade menos exigente e mais simplificada, acessível mesmo aos leigos. O saber jurídico perde o rigor e a profundidade de análise. O direito vulgariza-se. Essa vulgarização é mais pronunciada nas províncias, em virtude das corruptelas provocadas pela influência dos direitos locais. Aí, forma-se um direito romano vulgar (Vulgarrecht), que está para o direito romano clássico como as línguas novilatinas ou românicas estão para o latim”. 

Por fim, é nesse panorama de acentuada disfunção jurídica que surge a grande empreitada do imperador Justiniano (483-565) – imperador romano (bizantino ou do “Oriente”) de 527 a 565, sobre o qual já escrevi aqui em “O grande codificador” –, consolidando o “terceiro” direito romano, apelidado de “bizantino”. À época de Justiniano, o direito romano era um colossal emaranhado de provisões, composto de “constituições”, éditos, decisões judiciais etc., que datavam de várias eras (com diferenças de séculos entre elas). O seu “Corpus Iuris Civilis”, gerado em cinco anos, de 529 a 534, veio exatamente para pôr um fim nisso. 

Como outrora expliquei aqui, o “Corpus Iuris Civilis” era (ou é) composto de quatro partes: (i) o “Código” (de 534), que reuniu em 12 livros, subdivididos em títulos e matérias, uma imensidão de “constituições” (provisões legais romanas), que datavam desde o século I até o período de Justiniano; (ii) o magnífico “Digesto” (de 533), obra coordenada pelo grande jurista e questor Triboniano (500-547), salvando para a posteridade parte dos escritos dos maiores juristas da Roma antiga, certamente o fruto mais doce dessa grande civilização; (iii) as “Novelas”, uma coletânea suplementar de 168 “constituições” produzidas por Justiniano nos anos do seu governo posteriores à edição do “Código”; (iv) e as “Instituições”, obra que, inspirada nas “Instituições” de Gaio (130-180), destila os princípios emanados dos outros três documentos. 

Justiniano pretendeu que o seu “Corpus Iuris Civilis” se tornasse a única fonte do direito no Império. À época, entretanto, o “Corpus Iuris Civilis” teve mais sucesso no Oriente que no Ocidente. No Ocidente, dada a conhecida invasão dos bárbaros, sua influência (e do direito romano como um todo) foi menor. E assim foi por vários séculos. 

Todavia, ele, o direito romano, precisamente na forma do “Corpus Iuris Civilis” de Justiniano, voltou um dia à cena na Europa. E com todo esplendor. Foi no século XII, como fonte de referência do chamado “direito comum”, alastrando-se essa influência até os nossos dias. Mas isso, caro leitor, é tema para os nossos próximos artigos. 


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

28/03/2018

ENTREVISTA




IHGRN, a biblioteca e o bibliotecário
Entrevista com Igor Oliveira

Biblioteca, arquivo e museu. O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, assim como os seus congêneres, é uma instituição múltipla. Preparando-se e adequando-se às práticas e usos atuais dispostos pela biblioteconomia, o instituto conta com a participação do estagiário em biblioteconomia Igor Oliveira.

Igor Oliveira e graduado em história pela UFRN, graduando do curso de biblioteconomia da mesma universidade e, recentemente, ingressou no mestrado acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba.

A diretoria de Biblioteca, Arquivo e Museu conversou com Igor Oliveira, em março de 2018. A entrevista foi realizada no IHGRN, o entrevistador é o diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu, o jornalista Gustavo Sobral.


IHGRN: Em que consiste o trabalho de um bibliotecário em um acervo híbrido como o do IHGRN?
Igor Oliveira: O IHGRN guarda atualmente uma extensa e diversificada massa documental composta pelos mais diversos suportes que variam desde objetos tridimensionais até documentos em suporte de papel ou digital. As peças pertencentes ao museu devem receber um tratamento técnico adequado de tombamento e catalogação que apresente as particularidades desses objetos.
Os documentos do arquivo se apresentam como únicos, ou seja, pouco provavelmente existirão outros documentos, como os de nossa guarda, em outras instituições; e por se tratarem de documentos que já cumpriram com seu valor administrativo, são de valor histórico e por isso são de guarda permanente.
 Já o acervo bibliográfico é formando por diversas coleções que não necessariamente são compostas por um único exemplar. O IHGRN atualmente possui cerca de 10 coleções dentre obras raras, publicações de autores do Rio Grande do Norte, leis e decretos, dentre outras.
Assim, o trabalho do bibliotecário tem sua importância, pois irá contribuir para que esses acervos possam ser catalogados em meio digital, visto que, diante da tecnologia da informação, já não se utiliza mais as fichas catalográficas de antigamente. Bem como o trabalho minucioso de classificar, ou seja, expressar de forma sintética a temática de uma obra em alguns números para que elas sejam agrupas por áreas do conhecimento, facilitando a localização nas estantes. Isso tudo possibilitará que em um futuro próximo, nossos usuários acessem nosso catalogo em suas casas, otimizando o tempo da pesquisa e suprindo as necessidades informacionais.

IHGRN: Qual a importância e o papel do bibliotecário na organização, guarda e manutenção do acervo?
Igor Oliveira: a necessidade do bibliotecário, ainda que de forma não oficial, surge no momento em que o homem passa a ter a consciência de guardar os registros produzidos por ele e pela sociedade. No entanto, essa prática estava muito voltada para guarda do documento como um bem preciso, um tesouro que deveria ser protegido e mantido. Essa ideia transpassou vários anos.
O grande bibliotecário indiano Ranganathan (1892-1972) apresenta uma visão critica quanto a essa prática, ao perceber que alguns bibliotecários do seu tempo só se sentiam felizes quando todos os livros estavam guardados nas estantes das bibliotecas; para eles, tirar um livro da estante era despertar a cólera do bibliotecário.
 No entanto, uma nova realidade surge no século XX, de forma que o bibliotecário cumprirá com o seu papel não quando ele guarda, mas sim quando promove o uso, permite o fluxo e o irrestrito acesso da comunidade de usuários aos suportes informacionais.
E esse é nosso objetivo enquanto instituição, apesar de que atualmente nosso acervo não se encontra acessível para consulta, estamos realizando a importante tarefa de reorganização dos conteúdos informacionais para que em um futuro próximo, tudo nosso acervo possa estar acessível, afinal, o bibliotecário é o profissional responsável por disseminar e mediar a informação aos usuários.

IHGRN: Quais as principais dificuldades que um bibliotecário encontra nas suas atividades diárias?
Igor Oliveira: Ao longo dos anos o bibliotecário teve que se adaptar às novas realidades e aos novos desafios que foram impostos, sobretudo, com advento das tecnologias da informação. Apesar de que muitos bibliotecários terem resistência a novas tecnologias, eles devem encontrar meios para superar as adversidades e estar preparados para incorporar esses elementos as suas atividades diárias, como por exemplo, na recuperação da informação em meios digitais ou preservação digital.
Outra dificuldade que podemos enumerar acerca dos desafios enfrentados pelo bibliotecário é o de auxiliar os usuários a selecionar, dentre a grande quantidade de informações que são produzidas diariamente no século XXI, as informações necessárias para suprir as buscas do pesquisador. Para isso, o bibliotecário deve ter um vasto conhecimento de mundo e muitas devem se desprender de sua área e adentrar em outras áreas do conhecimento para poder auxiliar os usuários.

IHGRN: Qual a sua opinião sobre a importância do IHGRN e do seu acervo para o Rio Grande do Norte?
Igor Oliveira: O acervo do IHGRN tem sua importância, pois, apesar de diversificado se constitui um acerco singular por guardar documentos que possivelmente outras instituições, ainda que de memória, não guardem. E mais, para além de conservar os suportes informacionais o IHGRN, conserva os valores culturais que devem ser preservados para que possam ser transmitidas as futuras gerações.

IHGRN: Lições, desafios, aprendizados, o que representa participar deste processo de organização do acervo do IHGRN?
Igor Oliveira: Atuar no IHGRN, de forma mais especifica na biblioteca da instituição é uma experiência enriquecedora, por ser um campo de aprendizagem sobre a história e a geografia do nosso estado, já que se trata de uma biblioteca especializada em história, geografia e outras ciências sociais. Proporciona também, desenvolver e aperfeiçoar talentos que todo profissional bibliotecário deve ter.
Na academia aprendi que o historiador não deve ter paixão pelo seu objeto de estudo, ele sempre deve apresentar uma visão crítica mesmo para com seu objeto de estudo, já o bibliotecário pode criar esse laços afetivos com suas práticas laborais ter a sensação de dever cumprido ao contribuir com o desenvolvimento de trabalhos dos pesquisadores, sempre visando o bem comum.
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Responsável: Gustavo Sobral