12/03/2018

O IHGRN FOI MUITO BEM REPRESENTADO. (A viagem do elefante)


A viagem do elefante

12/03/2018




A rua da Conceição compete com a Rua Grande, nos documentos, a ser a primeira da cidade. Estamos em Natal, Rio Grande do Norte, capital, sede do IHGRN. Cidade que nasce e cresce as margens do Potengi, o rio dos comedores de camarão. E como o índio guerreiro e capitão-mor dos índios, Felipe Camarão, somos todos guerreiros, e todos poti, potiguares.

O Rio Grande foi obra portuguesa decidida: ou se povoa ou se perde a capitania. Uma capitania não conquistada por João de Barros e Aires da Cunha, seus donatários, por uma série de infortúnios.

Chega 1599, nasce Natal na Cidade Alta, um platô, protegida, e como escreveu Cascudo: já nasceu cidade. E ali no núcleo primeiro de povoamento, vizinho a antiga matriz, fez-se para sempre um edifício séculos e séculos depois.

Construção do seu tempo, três grandes salões para as proporções da época, elevado da rua, com uma charmosa sacada lateral. Em 1906 é concluído, e seria sede da instituição que, embora jovem, era a mais importante do seu tempo. E continua. O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, fundado em 1902. Mas acontece que o tribunal de justiça andava sem sede...

O instituto vinha de sedes provisórios, até casinhas alugadas, e passaria por outras, e uma delas, aquele espaço que dividiu com o tribunal. Contam que hoje, onde figura salão nobre, os desembargadores descansam das sessões em cadeiras de balanço aproveitando o terral nas tardes quentes de verão na Cidade do Sol. Aliás, é de Cascudo a observação válida: em Natal há apenas duas estações. O verão e a do trem.

Então o instituto ficou para lá e para cá só tomando aquele espaço como sede definitiva em 1938. Obra do presidente Aldo Fernandes, filho do presidente Hemetério Fernandes, neto do fundador Manoel Hemetério Raposo de Melo, pernambucano, que era meu tetravô, de maneira que gerações e gerações da família zelam por aquela casa.

Assim, o instituto seguiu a sua história na guarda da documentação do período colonial, imperial e republicano, montando uma biblioteca notável, conservando um museu de relíquias, como a estola do revolucionário de 1817, Miguelinho; a primeira urna eleitoral, o cofre da intendência e tudo mais, e toda uma história que se escreve nas atas e nas edições de sua revista. Abro aspas: “O IHGRN possui documentos originais com uma quantidade de grandeza fora do comum”, professor José Luiz da Mota Menezes. Fecho aspas.

Mas acontece que, a casa da memória do Rio Grande do Norte, este grande elefante que está nos mapas, o tempo foi maltratando. O descaso, o desinteresse do poder público, a falta de verba, de funcionários especializados e a deterioração do edifício exigiam uma tomada de providência. Uma salvação. Então foi preciso uma obra, refazer a fiação, recuperar o piso. Mas eis que a obra é embargada e o instituto fica a ver navios.

Todo o acervo teve que ser retirado às pressas. O mobiliário, os documentos, os livros, e na urgência e sem a condição adequada de mudança. Estava fadado a perecer no sótão do edifício anexo. Espalhado pelas salas, pelos cantos, até que a lentidão e morosidade do judiciário fizesse a justiça. Tardava, tardava, o acervo se perdia. O prejuízo material irrecuperável, as pesquisas interrompidas, o elefante pairava órfão de sua casa da memória.

Até que tudo se tornou passado. Um acordo judicial colocou a engrenagem dos reparos necessários em andamento, voltamos a publicar a nossa revista, tratamos da digitalização do nosso acervo, rearrumamos o museu, reabrimos para visitação e preparamos a longa viagem da biblioteca do elefante e do arquivo a ser instalado nas modernas estantes deslizantes. Começamos uma nova história. Precisávamos começar um novo instituto, 115 anos depois.

Fiando-se no ideário dos fundadores, procedemos com novos estatutos, criamos cadeiras, firmamos um calendário cultural para palestras e exposições, chegamos às redes sociais e fundamos um site. Caminhamos.

E estamos dispostos a fazer mais. Num Estado pequeno, pobre, o instituto assume o papel não só de guardião da história e da memória do elefante, mas é responsável pelo fomento da sua cultura. Assim, há também a busca pela interiorização, pela presença dos municípios no instituto. Agosto passado (2017), trouxemos para à tarde no nosso largo, a cultura popular, o folclore do município de Ceará-Mirim, evento que ficou registrado como #Ocupação.

Buscamos estar no dia-a-dia do Rio Grande do Norte, pregando as tradições, guardando as suas relíquias, preservando a sua memória, mas também buscamos estar atentos ao presente, as novas concepções museológicas, ao papel da revista como um canal de conhecimento também para o leigo, a firmar-se como um ator social, ampliando o nosso papel. Os jornais da capital, a par da apatia cultural em que o Estado se encontra, tem reportado o nosso sopro de ação e esperança.

Quanto a 1817, Registramos a ausência de profundidade de estudos da história da revolução no interior do RN. Agostinho Pinto de Queiroz, por exemplo, meu ancestral, avô da avó da minha avó, revolucionário de 1817, foi preso e enviado para a Bahia até ser anistiado por Pedro I em 1821. A sua história e de outros jaz esquecida ainda 200 anos depois... Quanto a Tavares de Lira, citado na conferência do professor Chacon, acrescento que é a primeira do RN (1921); e a de Cascudo, também referendada, é de 1955, e é ele quem escreve alguma coisa já mais para além dos acontecimentos na capital.

Registro ainda que a norte-rio-grandense Izabel Gondim conta tin tin por tin tin o movimento em Natal, porque conheceu testemunhas. Aliás, professora e historiadora era sócia correspondente do IAHGP, admitida em 1883; e a primeira mulher sócia do IHGRN em 1929.

Portanto, participamos e celebramos a Revolução de 1817, sim; reeditamos uma edição especial da nossa revista, aquela comemorativa dos cem anos da revolução (1917), promovemos uma sessão solene em celebração. Foi o que alcançamos em meio a todo este processo narrado de reconstrução que vivemos. Saímos do nada, 115 anos depois, para propor um novo instituto para os próximos 115 anos.

E viemos aqui ouvir, porque combalidos com cada moinho de vento do dia-a-dia, não nos sobrou ainda tempo para pensar 2021, 2022 e 2024. Por isso viemos ouvir, ouvir para aprender, ouvir para levar as ideias e os pensamentos de cada um dos institutos. E procurando conhecer a cada um, começamos antecipadamente a enviar um pequeno questionário para mapeamento de nossas instituições estaduais. Creio que todos já devam ter recebido e já estamos obtendo respostas e aguardando respostas.

Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Paraná: muito obrigado!  Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba e Pernambuco, já fizemos o primeiro contato e estamos aguardando! Piauí e Sergipe, por favor, precisamos dos seus contatos! E precisamos dos contatos, quem os tiver, nos passe, dos institutos de Amazonas, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rondônia.

É ao pensar juntos onde estamos, para onde vamos, e o nosso papel institucional num país de inúmeras carências que, face a todos os descasos, problemas, dificuldades, podemos nos erguer pela criatividade, pelo empenho, e mais que isso, pela esperança e perseverança.

Resgatando o exemplo dos grandes nomes, cito dois dos meus maiores conterrâneos, sem prejuízo para os demais, Rodolfo Garcia, meu patrono no instituto, sobre o qual atualmente escrevo um trabalho; e Luís da Câmara Cascudo, que certa vez disse:

“Qual o segredo de trabalhar sempre e não desanimar? É simples. Consiste em não esperar estímulo, em não aguardar recompensa, em não pensar que está sendo admirado e compreendido. Trabalhar pela própria alegria do trabalho, sem interesse, sem orgulho, sem imediatismo. Confiar na justiça infalível que o Futuro trará aos que perseveram numa estrada limpa de egoísmos e livre de vaidade esterilizadora”.

Assim, conclamo a todos a responder ao questionário, a colaborar com a nossa pesquisa, que será divulgada, e convidamos a todos, de braços abertos, acolhida potiguar, a visitar o pequeno grande elefante, o nosso Rio Grande do Norte, a conhecer a casa da memória. E, assim, encerro essa longa viagem do elefante a procura de um futuro que hoje aqui encontro.

Recife/PE, 06 de março de 2018
Gustavo Sobral

Diretor de Biblioteca, Arquivo e Museu do IHGRN, representante do IHGRN no VI Congresso Nordestino de Institutos Históricos

11/03/2018


O presidente do Instituto Histórico do Maranhão publicou um artigo interessante sobre Jerônimo de Albuquerque no blog do instituto deles. Acredito que seria interessante não só enquanto conteúdo aos nossos leitores, como também para intercambiar conhecimento entre os institutos, reproduzi-lo no nosso blog.

Segue o link: 

Um abraço,
Gustavo Sobral
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08/03/2018

DIA INTERNACIONAL DA MULHER (HOJE)


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>


Caro sócio,

Na próxima quinta-feira - dia 08 (oito) de março - dia dedicado à mulher, haverá uma palestra ministrada pela escritora e poeta DIVA CUNHA, que ocorrerá no Salão Nobre do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, às 18 (dezoito) horas. 

Por oportuno informamos que o local, atualmente, está protegido por duplas de policiais, que guarnecem a segurança da Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e Palácio da Cultura.


Aguardamos a sua presença

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO

07/03/2018

A HISTÓRIA DA FACULDADE DE DIREITO DA RIBEIRA (H O J E)



OAB/RN <assessoriadeimprensa@oabrn.org.br>


CONVITE

Data: 7 de Março de 2018 (quarta feira).
Local: Temis Clube Balcão (Sede do América Futebol Clube) 
Av. Rodrigues Alves , nº 950.
Horário: A partir das 18h.
Autor: Gileno Guanabara de Sousa

A NOSSA ETERNA RAINHA DO CHORINHO



ADEMILDE FONSCECA (1921 – 2012) – Berilo de Castro

ADEMILDE FONSCECA (1921 – 2012) –
No do dia 4 de março de 1921, nascia, no povoado de Pirituba, município de Macaíba/RN, a menina Ademilde Ferreira  Fonseca, filha de Raimundo Ferreira da Fonseca e Maria Amélia da Fonseca.                                             
Desde criança já ensaiava e cantarolava canções que chamavam a atenção dos seus pais. Aos 4 anos a família mudou-se para Natal, com a transferência do seu pai que trabalhava na Rede Ferroviária do Estado. Fez seus estudos primários no Grupo Escolar Antônio de Souza, em Natal.
Aos sete anos aprendeu a letra da música Tico-tico no Fubá, de Zequinha de Abreu (1917), letrada por Eurico Barreiros (1931).
Na adolescência já fazia parte de grupos de seresteiros e dava uma “palhinha” no serviço de alto-falante de Luiz Romão. Nesse ambiente seresteiro, conheceu o violonista Laudemar Gedeão Delfim, com quem casou com apenas 19 anos de idade, passando a se chamar de Ademilde Fonseca Ferreira Delfim. Tiveram uma única filha: Eymar Fonseca. Com a separação,  assumiu definitivamente o seu nome artístico: Ademilde Fonseca.
No ano de 1941, foi morar na cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de dar prosseguimento à carreira de cantora de rádio. Seu grande sonho.
Foi selecionada para se exibir sem receber cachê no programa Papel Carbono de Renato Murce, na Rádio Clube do Brasil. Cantou o samba Batucada em Mangueira, do repertório de Odete Amaral, acompanhada pelo grande instrumentista  Benedito Lacerda. Desse encontro, surgiram novas e frutíferas oportunidades para Ademilde, que passou a ser chamada para cantar em clubes e festas da alta sociedade carioca. Em uma delas, Ademilde pediu para cantar Tico-tico no fubá, até então só ouvida instrumentalmente. Foi um sucesso, uma apoteose. A interpretação lhe rendeu a apresentação ao famoso compositor João de Barro, o Braguinha, diretor artístico da gravadora Colúmbia.
No mesmo ano, 1942, aconteceu a sua estreia em disco pela Colúmbia, com um 78 rpm que trazia o choro “Tico-Tico no Fubá” e o samba “Voltei pra o morro”, de Benedito Lacerda e Darci de Oliveira.
A carreira de Ademilde decola. É contratada pela Rádio Clube do Brasil, onde permanece até 1944. Transfere-se para Rádio Tupi do Rio de Janeiro, onde grava novos discos, firmando-se como intérprete de imortais chorinhos, como: “ Apanhei-te cavaquinho”, de Ernesto Nazareth e Darci de Oliveira, “Urubu Malandro”, de Lourival Carvalho e João de Barro, “Brasileirinho”(1950), de Waldir Azevedo e Pereira da Costa.
Na Radio Tupi, se apresenta em horário nobre ao lado de consagrados compositores e famosos regionais, como: Rogério Guimarães e Claudionor Cruz, e grandes instrumentistas como Waldir  Azevedo, Severino Araújo, Canhoto, Jacob do Bandolin, Pixinguinha, Radamés Gnattali e  K-Ximbinho. Permaneceu por mais de dez anos na Rádio Tupi. Os seus discos renderam mais de meio milhão de cópias. Recebeu do parceiro instrumentista Benedito Lacerda o título de “Rainha do Chorinho”.
Em 1951, pela primeira vez grava baião: “Delicado”, de Waldir Azevedo e Miguel Lima, considerada uma de  suas mais marcantes interpretações.
No ano de 1952, viajou para a França  com Jamelão, Elizeth Cardoso, Orquestra Tabajara  Severino Araújo, a convite do jornalista, famoso homem da comunicação e dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, e o costureiro francês Jacques Faath, onde realizaram grandes shows na Cidade Luz.
Em 1964, excursionou para a Espanha e Portugal novamente com Jamelão, fazendo grande sucesso em shows que duraram  mais de seis meses na capital, Lisboa.
No ano de 1967, participou do II Festival Internacional da Canção (FIC), patrocinado pela Rede Globo de Televisão, no Rio de Janeiro, interpretando “Fala baixinho”, de Pixinguinha, com letra do poeta-compositor Hermínio Belo de Carvalho. Em 1984, abriu o carnaval brasileiro em Nova York.
Em 1970, apresentou-se em shows no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, e lançou, em 1975, um LP pela gravadora Top Tape, onde se destaca  a faixa “Títulos de Nobreza” (Ademilde no choro), uma homenagem da dupla João Bosco e Aldir Blanc à  Rainha do Choro.
Em 1977, fez parte do conjunto As Eternas Cantoras do Rádio, com Carmélia Alves, Violeta Cavalcante e Ellen de Lima. Participou também, no ano de 2001, do CD “Café Brasil”, produzido por Hildo Hora, ao lado de Marisa Monte, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Henrique Cazes, Leila Pinheiro e o conjunto Época de Ouro.
Em 1975, Ademilde fez parte da caravana de músicos potiguares radicados no Rio de Janeiro: K-Ximbinho, Raymundo Olavo, Paulo Tito e Fernando Luiz, convidados pelo então governador  Cortez Pereira, para percorrer o interior do Estado, fazendo apresentações e entregando o troféu Catavento por ocasião das inaugurações de obras  realizadas no seu governo.
No cinema, Ademilde Fonseca participou de filmes: “O batedor de carteiras”, “ O viúvo alegre”, no qual  a cantora potiguar interpreta a música “Minha marcação”, de Uzias da Silva (Dicionário da Música do Rio Grande do Norte – Leide Câmara, Natal/RN, 2001; pagina 19).
No Teatro Alberto Maranhão (Natal), no ano de 1996, no Programa Seis e Meia, patrocinado pela Fundação José Augusto, tive a felicidade e a alegria de ouvi-la e apreciá-la. Foi a sua última apresentação em Natal. Ademilde já não conseguia mais acompanhar os trejeitos vocais que o choro exigia, e logo ela, que dera ao choro a sua mais pura e verdadeira identidade. A sua afinadíssima voz estava sendo vencida pela idade. Subia o palco sempre acompanhada e ajudada pela filha Eymar, que lhe prestava ajuda em dueto.
Nós potiguares nos sentimos muito enriquecidos e vaidosos com tudo que Ademilde Fonseca deixou de legado para a história da música brasileira. Ciente, sim, do orgulho de termos presenteado ao país a sua maior e melhor intérprete nesse gênero gracioso, brejeiro e bastante difícil de ser cantado – o choro.
Ademilde, faleceu no ano de 2012, aos 91 anos, na cidade do Rio de Janeiro, em sua residência, no bairro da Lagoa, vítima de um enfarte do miocárdio fulminante. Encontra-se sepultada no Cemitério de São João Batista.


Berilo de Castro – Escritor
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores 
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Ademilde recebeu o título de sócia honorária da Academia Macaibense de Letras.

05/03/2018


   
Marcelo Alves

 


Coisa de cinema (II)

Antes mesmo de partir para a Índia, já curioso do nosso roteiro por lá, li no meu querido “Guia Visual Folha de São Paulo – Índia” (PubliFolha, 2015) elogios e mais elogios à “cidade rosada” de Jaipur, cujo centro histórico seria, entre outras coisas, um “labirinto fascinante de bazares, palácios suntuosos e locais históricos”, onde “a tradição coexiste com a modernidade”. 

Fui lá e conferi. É mais do que isso. Parece coisa de cinema. 

E eu não falo aqui do City Palace Museum, do Jantar Mantar e do Hawa Mahal, monumentos históricos dessa cidade de marajás, sobre os quais eu escrevi na semana passada. Falo das esquinas e das ruas de Jaipur, do dia a dia da cidade, da vida que ali se vive, que nós, embora de passagem, experimentamos um pouco (na medida em que isso é possível a um turista de primeira viagem). 

De fato, esse centro antigo de Jaipur – que gira ao derredor da “Badi Chaupar” (ou Praça Grande) e do Tripolia Bazaar – é simplesmente fantástico. Urbanisticamente, como informa o meu instrutor/guia de todas as horas: “Pouco se mexeu na planta original das ruas e praças do século XVIII. Das ruas principais, ramificam-se vielas de pedestres onde artesãos modelam marionetes, joias de prata e outras peças em oficinas minúsculas. Atrás, estão as havelis de cidadãos importantes, algumas usadas como escola, loja e escritório. A área é um centro de atividades, rico em aromas penetrantes e cores vibrantes, com o toque de sinos para aumentar a cacofonia dos sons das ruas”. É isso mesmo. Um cenário de filme de Indiana Jones. 

Caminhões, carros, motos e tuc-tucs, todos muito velhos, acotovelam-se nas ruas. Quase não há semáforos e sinais orientativos. O som das buzinas preenche o seu dia. O trânsito parece – acho que é mesmo – caótico. Mas não me lembro de uma batida. Eles se entendem. 

Nas ruas, ruelas e lojas que formam aqueles bazares, topa-se com uma multidão. Gente, sobretudo. Mas, aqui e acolá, macacos, cães e até mesmo vacas sagradas. A imensa maioria é de indianos, de todas as tribos e credos, que se misturam aos “estrangeiros”, bem-vindos ali, incluindo os brasileiros. Os estrangeiros também compram. E mais caro, invariavelmente. 

Vende-se de tudo. Tudo mesmo. Comida de rua, por exemplo, tem aos montes, embora eu, já ressabiado com a triste aventura na pimenta do primeiro dia na Índia, tenha declinado de experimentar qualquer coisa. Vende-se também muita seda, vestidos variados, cashemir e pashmina (cuja diferença, entre uma e outra, parece estar no uso de lã de cabra ou de carneiro), cerâmicas, os mais diversos utensílios domésticos, uma variedade sem fim de especiarias, flores de todos tipos, bolsinhas estampadas, pulseiras, canetas decoradas, chaveiros de elefantinhos e quase tudo mais que você imaginar. Tive trabalho para conter despesas, digamos, não programadas. 

Para mim, tinha até um mercado de livros (vide o artigo “Os livros da Índia”). Um lado quase inteiro da Chaura Rasta Road, dedicado ao comércio de livros novos e usados, onde achei o meu “fornecedor”, um tal “Shiv Book Depot”, no nº 167. Voltei com a sacola cheia de livros de editoras e autores indianos. Tudo baratíssimo. E essas despesas já estavam programadas. 

Por derradeiro, para quem não sabe, Jaipur também é uma espécie de capital das joias na Índia. Como registra o meu “Guia”, “sejam os fabulosos rubis e esmeraldas dos antigos marajás e suas esposas, sejam os requintados ornamentos exibidos por pessoas comuns, as joias fazem parte da cultura rajastani. Até camelos, cavalos e elefantes têm pulseiras de tornozelo e colares com design especial. Jaipur é um dos maiores centros de fabricação de adereços da Índia, e o meenakari (trabalho com esmalte) e o kundankari (trabalho de incrustação de pedras preciosas) são duas técnicas tradicionais pelas quais a cidade ganhou fama”. Parece que essa coisa na região começou desde o século XVI, quando o marajá Man Singh I, enciumado da moda na corte Mugal, importou para a sua corte artesãos da região de Lahore (hoje pertencente ao Paquistão). De lá para cá, “gerações de joalheiros altamente capacitados viveram e trabalharam ali. Jaipur atende a todos os gostos, oferecendo desde enfeites de prata bem simples até desenhos mais sofisticados e complicados de ouro com pedras preciosas”. 

Foi nesse “templo da perdição” que nos aconteceu o fato mais inusitado da viagem. Tomados de curiosidade pelo ouro e pelos diamantes indianos, saímos à caça de um comércio de joias que nos foi indicado por uma das companheiras de viagem. Enquanto eu procurava no mapa, minha mulher segurava o celular com uma foto do cartão da dita loja. De repente, fomos abordados por um indiano, nos chamando assertivamente e nos colocando ao telefone com uma pessoa que falava português, supostamente nossa companheira de viagem, conhecedora de ouro e pedras. E foi nos “sequestrando” para a loja de joias que, segundo ele, nós procurávamos. Seria a loja dele. Ficamos todos – éramos eu e mais três mulheres – assustadíssimos. Um país estranho. Uma língua estranha, mesmo que parecida com o inglês. E sermos assim identificados na multidão. Parecia algo mal-assombrado mesmo. 

De toda sorte, fã dos filmes de Steven Spielberg, decidi enfrentar a parada, nem que essa fosse a minha “última cruzada” em “busca da arca perdida”. Entrei sozinho no comércio, não sem antes advertir a minha mulher e as nossas amigas que, se eu não voltasse em dois minutos, saíssem correndo em busca de um policial ou de um Harrison Ford de verdade que nos salvasse. Mas estava tudo bem. Nossa amiga estava lá na loja e tinha sido ela mesmo ao telefone uns minutos antes. 

Na verdade, apesar do susto, a explicação era até simples. Simples para os padrões indianos, claro. Um outro comerciante viu no celular da minha mulher, exposto enquanto caminhávamos, o cartão da loja de joias. Ele avisou ao dono desta, que, por isso, correu e nos “sequestrou”. Mesmo naquele caos do mercado, em meio à multidão de gente, tuc-tucs e buzinaços, aqueles comerciantes monitoram os potenciais compradores. Sobretudo os estrangeiros. Por incrível que pareça, somos todos observados e estudados. Até mesmo um Indiana Jones de araque como eu. 


Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

02/03/2018

RELÓGIO DE PAREDE


Para marcar, relógio de parede




Mobiliário & objetos
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra


Quando apitava a hora marcada a porta abria e lá saia ele doidinho na sua missão de Cuco. Essencial relógio para parede a marcar as horas na casa. Os mais antigos de corda, uma pequena chave para tração, ajudando-o a funcionar. Geralmente na sala de refeições para ninguém perder a hora do almoço ou jantar. Graças a eles os relojoeiros tiveram muito trabalho no mundo fazendo-os funcionar, deixando-os nos trinques. Calados, mudos e discretos em sua maioria ficam lá na parede registrando o silêncio das horas.O seu pendulo lá e aqui, lá e aqui, sustentando as horas.  Sua importância ímpar levou-o aos testamentos para herança de família. Os romanos emprestaram-lhe os algarismos e o mundo tomou de si o sentido para ser horário e anti-horário. Sem os ponteiros não seriam nada, operários com funções devidamente marcadas, cada um exerce seu oficio próprio e intransferível de registrar uma fração do dia, você os minutos, e você, outro, as horas; e assim marcam aquilo que ninguém é capaz de controlar, capacitados para medir o tempo.