05/03/2018


   
Marcelo Alves

 


Coisa de cinema (II)

Antes mesmo de partir para a Índia, já curioso do nosso roteiro por lá, li no meu querido “Guia Visual Folha de São Paulo – Índia” (PubliFolha, 2015) elogios e mais elogios à “cidade rosada” de Jaipur, cujo centro histórico seria, entre outras coisas, um “labirinto fascinante de bazares, palácios suntuosos e locais históricos”, onde “a tradição coexiste com a modernidade”. 

Fui lá e conferi. É mais do que isso. Parece coisa de cinema. 

E eu não falo aqui do City Palace Museum, do Jantar Mantar e do Hawa Mahal, monumentos históricos dessa cidade de marajás, sobre os quais eu escrevi na semana passada. Falo das esquinas e das ruas de Jaipur, do dia a dia da cidade, da vida que ali se vive, que nós, embora de passagem, experimentamos um pouco (na medida em que isso é possível a um turista de primeira viagem). 

De fato, esse centro antigo de Jaipur – que gira ao derredor da “Badi Chaupar” (ou Praça Grande) e do Tripolia Bazaar – é simplesmente fantástico. Urbanisticamente, como informa o meu instrutor/guia de todas as horas: “Pouco se mexeu na planta original das ruas e praças do século XVIII. Das ruas principais, ramificam-se vielas de pedestres onde artesãos modelam marionetes, joias de prata e outras peças em oficinas minúsculas. Atrás, estão as havelis de cidadãos importantes, algumas usadas como escola, loja e escritório. A área é um centro de atividades, rico em aromas penetrantes e cores vibrantes, com o toque de sinos para aumentar a cacofonia dos sons das ruas”. É isso mesmo. Um cenário de filme de Indiana Jones. 

Caminhões, carros, motos e tuc-tucs, todos muito velhos, acotovelam-se nas ruas. Quase não há semáforos e sinais orientativos. O som das buzinas preenche o seu dia. O trânsito parece – acho que é mesmo – caótico. Mas não me lembro de uma batida. Eles se entendem. 

Nas ruas, ruelas e lojas que formam aqueles bazares, topa-se com uma multidão. Gente, sobretudo. Mas, aqui e acolá, macacos, cães e até mesmo vacas sagradas. A imensa maioria é de indianos, de todas as tribos e credos, que se misturam aos “estrangeiros”, bem-vindos ali, incluindo os brasileiros. Os estrangeiros também compram. E mais caro, invariavelmente. 

Vende-se de tudo. Tudo mesmo. Comida de rua, por exemplo, tem aos montes, embora eu, já ressabiado com a triste aventura na pimenta do primeiro dia na Índia, tenha declinado de experimentar qualquer coisa. Vende-se também muita seda, vestidos variados, cashemir e pashmina (cuja diferença, entre uma e outra, parece estar no uso de lã de cabra ou de carneiro), cerâmicas, os mais diversos utensílios domésticos, uma variedade sem fim de especiarias, flores de todos tipos, bolsinhas estampadas, pulseiras, canetas decoradas, chaveiros de elefantinhos e quase tudo mais que você imaginar. Tive trabalho para conter despesas, digamos, não programadas. 

Para mim, tinha até um mercado de livros (vide o artigo “Os livros da Índia”). Um lado quase inteiro da Chaura Rasta Road, dedicado ao comércio de livros novos e usados, onde achei o meu “fornecedor”, um tal “Shiv Book Depot”, no nº 167. Voltei com a sacola cheia de livros de editoras e autores indianos. Tudo baratíssimo. E essas despesas já estavam programadas. 

Por derradeiro, para quem não sabe, Jaipur também é uma espécie de capital das joias na Índia. Como registra o meu “Guia”, “sejam os fabulosos rubis e esmeraldas dos antigos marajás e suas esposas, sejam os requintados ornamentos exibidos por pessoas comuns, as joias fazem parte da cultura rajastani. Até camelos, cavalos e elefantes têm pulseiras de tornozelo e colares com design especial. Jaipur é um dos maiores centros de fabricação de adereços da Índia, e o meenakari (trabalho com esmalte) e o kundankari (trabalho de incrustação de pedras preciosas) são duas técnicas tradicionais pelas quais a cidade ganhou fama”. Parece que essa coisa na região começou desde o século XVI, quando o marajá Man Singh I, enciumado da moda na corte Mugal, importou para a sua corte artesãos da região de Lahore (hoje pertencente ao Paquistão). De lá para cá, “gerações de joalheiros altamente capacitados viveram e trabalharam ali. Jaipur atende a todos os gostos, oferecendo desde enfeites de prata bem simples até desenhos mais sofisticados e complicados de ouro com pedras preciosas”. 

Foi nesse “templo da perdição” que nos aconteceu o fato mais inusitado da viagem. Tomados de curiosidade pelo ouro e pelos diamantes indianos, saímos à caça de um comércio de joias que nos foi indicado por uma das companheiras de viagem. Enquanto eu procurava no mapa, minha mulher segurava o celular com uma foto do cartão da dita loja. De repente, fomos abordados por um indiano, nos chamando assertivamente e nos colocando ao telefone com uma pessoa que falava português, supostamente nossa companheira de viagem, conhecedora de ouro e pedras. E foi nos “sequestrando” para a loja de joias que, segundo ele, nós procurávamos. Seria a loja dele. Ficamos todos – éramos eu e mais três mulheres – assustadíssimos. Um país estranho. Uma língua estranha, mesmo que parecida com o inglês. E sermos assim identificados na multidão. Parecia algo mal-assombrado mesmo. 

De toda sorte, fã dos filmes de Steven Spielberg, decidi enfrentar a parada, nem que essa fosse a minha “última cruzada” em “busca da arca perdida”. Entrei sozinho no comércio, não sem antes advertir a minha mulher e as nossas amigas que, se eu não voltasse em dois minutos, saíssem correndo em busca de um policial ou de um Harrison Ford de verdade que nos salvasse. Mas estava tudo bem. Nossa amiga estava lá na loja e tinha sido ela mesmo ao telefone uns minutos antes. 

Na verdade, apesar do susto, a explicação era até simples. Simples para os padrões indianos, claro. Um outro comerciante viu no celular da minha mulher, exposto enquanto caminhávamos, o cartão da loja de joias. Ele avisou ao dono desta, que, por isso, correu e nos “sequestrou”. Mesmo naquele caos do mercado, em meio à multidão de gente, tuc-tucs e buzinaços, aqueles comerciantes monitoram os potenciais compradores. Sobretudo os estrangeiros. Por incrível que pareça, somos todos observados e estudados. Até mesmo um Indiana Jones de araque como eu. 


Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

02/03/2018

RELÓGIO DE PAREDE


Para marcar, relógio de parede




Mobiliário & objetos
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra


Quando apitava a hora marcada a porta abria e lá saia ele doidinho na sua missão de Cuco. Essencial relógio para parede a marcar as horas na casa. Os mais antigos de corda, uma pequena chave para tração, ajudando-o a funcionar. Geralmente na sala de refeições para ninguém perder a hora do almoço ou jantar. Graças a eles os relojoeiros tiveram muito trabalho no mundo fazendo-os funcionar, deixando-os nos trinques. Calados, mudos e discretos em sua maioria ficam lá na parede registrando o silêncio das horas.O seu pendulo lá e aqui, lá e aqui, sustentando as horas.  Sua importância ímpar levou-o aos testamentos para herança de família. Os romanos emprestaram-lhe os algarismos e o mundo tomou de si o sentido para ser horário e anti-horário. Sem os ponteiros não seriam nada, operários com funções devidamente marcadas, cada um exerce seu oficio próprio e intransferível de registrar uma fração do dia, você os minutos, e você, outro, as horas; e assim marcam aquilo que ninguém é capaz de controlar, capacitados para medir o tempo.

01/03/2018



A PASSAGEM DA NOITE
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com


O homem social hoje virou ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social com solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificadas pelo tom da luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim imaginam muitos empresários, políticos, socialites, médicos, usineiros, juristas e outros nomes, renomes e pronomes suspeitos.
Às vezes, diante do infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro.
Lembro a minha mãe, quando algumas vezes para rebatar a solidão centenária com uma frase humilde, sábia e confortadora: “Meu filho, se eu fosse uma pessoa rica a minha casa estaria repleta de visitas”.
A humildade e a caridade cristã teriam sido substituídas pelo messianismo dos “pobres de espírito”? Seria ataraxia, morbidez ou equívoco trágico imaginar que ninguém seu morrerá nunca? Mas a vida é um labirinto movida por difusa fluidez temporal, constituída de fases e de fezes (no sentido consumista, digestivo da palavra).
E eu pensava nesse turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo, mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as instituições públicas e privadas (culturais, políticas, empresariais etc.). Daí deduzir que toda celebridade em Natal quando não é célere e celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns governantes que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que me parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade.
Aí instaura-se um jogo de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível, reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza a amizade como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite gelada do tempo sem jamais achar abrigo.
O leito caudaloso da memória me conduz às vozes que vêm de longe. Na dor acumulada e na fadiga rotineira, ensaio os meus passos no caminho das minhas perdas. Revejo os meus personagens. Escuto o vento nas folhas e o piano da chuva no telhado como se não tivesse ainda baixado a cortina da minha infância. Diante do que possa sugerir esquisitice essa ressurreição de ambiente, impetro uma medida cautelar possessória, uma manutenção de posse do tempo que se extravia tal qual um desesperado náufrago na complexa realidade de hoje.
Nada disso significa nostalgia piegas. Apenas, me interessa o imponderável e o mistério dos desencontros humanos. Enquanto houver silêncio, solidão, tragédia, medos secretos, jamais deixarei de perseguir os significados. Além da visão, da memória, dos sonhos, tenho os meus pressentimentos.

(*) Escritor 

28/02/2018


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>

Caro sócio,

Na data de hoje, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018, o jornal Tribuna do Norte publica reportagem de Ramom Ribeiro sobre as atividades da nossa Casa da Memória. Desejamos a todos uma boa leitura e reiteramos a nossa máxima: curtam, compartilhem, comentem, divulguem o nosso instituto. A casa de cultura mais atuante do RN.


Assessoria de Comunicação

27/02/2018


 
   
Marcelo Alves

 


Coisa de cinema (I)

Das cidades da Índia onde estivemos, Jaipur (e incluo aqui os seus arredores) foi, disparado, a que mais nos encantou. 

Para quem não sabe, Jaipur, também conhecida como a “Cidade Rosada” (em razão da cor predominante em seus prédios), é a capital do Rajastão, talvez o mais belo estado da Índia. Cortado pelo rio Chambal, o Rajastão é uma terra de contrastes naturais. Tem-se um deserto a oeste, um semiárido ao norte, montanhas e florestas ao sul e até um parque nacional (com seus tigres) mais para o centro. Por falar em semiárido, nas nossas andanças por aquelas bandas, de uma cidade a outra, sempre de ônibus, achei a paisagem da região muito parecida com as paisagens da Angicos e da Umarizal dos meus avós. A diferença é que o populoso Rajastão é um dos estados indianos mais ricos em templos, palácios, fortes e assemelhados, com várias cidades belíssimas, como uma tal Udaipur, que, infelizmente, não tivemos oportunidade de conhecer. Fica para a próxima. 

Curiosamente, Jaipur é uma cidade de história recente (para os padrões indianos, claro). Antes dela, pelo que li e compreendi, a capital daquela região/reino era a vizinha Amber. Para o turista, e recomendo desde já, o mais interessante em Amber é a visita ao seu forte/palácio, que se acha no alto de uma elevação acima da cidade velha e não muito distante de um tal lago Maota. Pelo que nos foi dito, o Amber Fort (é assim que ele é chamado) foi originalmente erguido em 1592, sobre as ruínas de um forte ainda mais antigo. Foi consideravelmente ampliado no reinado do rajá Jai Singh I (1611-1667). Estivemos lá, naturalmente. Subimos do sopé do forte até o seu topo em elefantes. Todas fêmeas, em razão da menor agressividade destas, foi o que nos disseram (coisa esquisita, a natureza, tão diversa). Foi bem legal na hora. Tiramos muitas fotos. Mas depois fiquei com a sensação de que se impunha um esforço demasiado àquelas dóceis elefantas. Voltamos do passeio em velhos (e ponha velhos nisso) jipes. Achei melhor. 

A construção de Jaipur se deve ao rajá/marajá Sawai Jai Singh II (1688-1743), grande estadista e militar, matemático e astrônomo, historiador e urbanista e patrono de todas as demais artes e ciências. Segundo reza a lenda, que ouvimos ali várias vezes, quando tinha pouco mais de 10 anos, Jai Singh II recebeu do imperador mogal Aurangzeb (1618-1707) o título de “Sawai” ou “um e um quarto”, uma metáfora para alguém realmente extraordinário. E como consta do “Guia Visual Folha de São Paulo – Índia” (PubliFolha, 2015): “Com a ajuda de Vidyadhar Chakravarty, engenheiro talentoso de Bengala, Jai Singh ergueu uma nova capital ao sul de Amber e a chamou Jaipur (Cidade da Vitória). As obras começaram em 1727 e terminaram seis anos depois. Cercada por um muro com ameias, transposto por sete portões, Jaipur dispõe de um traçado geométrico de ruas e praças, em um dos melhores exemplos de cidade planejada da Índia”. 

O centro de Jaipur é cheio de atrações para o turista. 

Imperdível é a visita, que fizemos ainda em grupo, ao City Palace Museum, hoje um misto de palácio e museu. Como explica o meu sempre querido “Guia Visual Folha”: “No coração da cidade de Jai Singh II, o City Palace abrigou os governantes de Jaipur desde a primeira metade do século XVIII. O complexo amplo é uma sofisticada mistura das arquiteturas rajput e mogul. Seus prédios públicos abertos e arejados, no estilo mogul, conduziam aos aposentos privativos. Atualmente, parte do complexo é aberta à visitação, como o Maharaja Sawai Man Singh II Museum, mais conhecido como City Palace Museum. O acervo, que inclui pinturas em miniatura, manuscritos, tapetes moguls, instrumentos musicais, trajes reais e armamentos, oferece uma bela introdução ao passado de Jaipur como principado e a seu artesanato fascinante”. Passeio nota 10. 

Outro complexo muito interessante é o Jantar Mantar, que é o maior e o mais bem conservado dos cinco grandes observatórios astronômicos construídos pelo rajá Sawai Jai Singh II, que, espécie de polímata, era também versado em astronomia. Os outros, como registra Jawaharlal Nehru em “The Discovery of India” (Peguin Books, 2004), foram edificados em Déli, Ujjain, Varanasi/Benares e Mathura. A sua edificação data de 1728 a 1734. Basicamente, são mais de uma dezena de enormes instrumentos de pedra e alvenaria, que serviriam, entre outras coisas, para a marcação das horas, do nascer e do pôr do sol e até mesmo para a prever a chegada, a duração e a intensidade das famosas monções. Nos explicaram a ciência por detrás deles. Sem ser polímata ou entender de astronomia, não posso assegurar se funcionam. 

Deixando a mulher e mais duas amigas no comércio da vizinhança, fui sozinho ao belíssimo Hawa Mahal (ou “Palácio dos Ventos”), que, como parte do complexo do City Palace, mas projetando-se sobre a principal via da cidade, servia de esconderijo para as mulheres do harém observarem as festividades e mesmo o dia a dia de então. Lá hoje funciona um museu. Tirei fotos. Xeretei bastante. Não achei nenhuma concubina. Mas ainda assim valeu a pena. 

Entretanto – e aqui vai o mais importante –, ao contrário de Agra (pobre e desorganizada) e Nova Déli (grande demais e superpopulosa), Jaipur é, para o turista médio, uma cidade viável e vibrante. Nas suas ruas coloridas, já se disse, “motos lutam por espaço com camelos, e idosos de turbante se acotovelam com os jovens de jeans”. Mas é possível se hospedar bem e a locomoção não é nenhum problema. Ali, a modernidade (dos shopping centers e hotéis no estilo ocidental) convive com a tradição de seus monumentos históricos e de bazares labirínticos que vendem de quase tudo, acho que até felicidade. Parece coisa de cinema, mas não é. 

E é sobre essa cinematográfica vivacidade de Jaipur que conversaremos na semana que vem. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

GEORGE VERAS LANÇA NOVO LIVRO


POSSE DE CLAUDER ARCANJO