Os livros da Índia
Quando surgiu a oportunidade de viajarmos à Índia, num pacote em que praticamente pagaríamos um e iríamos dois, eu fiquei ressabiado. Embora muito barato e eu jamais estivesse estado lá, a Índia é um país para nós muito distante e, para dizer o mínimo, exótico. Acabamos indo, tentados, em grande parte, pela oportunidade de viajarmos bem e barato, eu confesso.
Simplesmente adoramos. “É outra civilização”, eu diria imitando o nosso Manuel Bandeira (1886-1968), embora a Índia não seja bem a “Pasárgada” do poeta. A Índia que conhecemos, basicamente o chamado “Triângulo Dourado” (que tem como cidades de referência Nova Déli, Agra e Jaipur), nos surpreendeu, quase sempre positivamente, em muitíssimos aspectos. Ela é aquilo que lhe contaram, ou você viu em filmes, e muito mais, pode ter certeza.
Uma das coisas que me surpreendeu positivamente na Índia, talvez a mais prosaica delas, foi a “facilidade” que tive para comprar livros ali, coisa que não esperava de maneira alguma. Não que eu compreenda híndi, urdu, sânscrito ou qualquer outra das mais de vinte línguas oficiais daquele país. Mas o fato é que lá se fala também, oficial e corriqueiramente, o bom e jovem (sobretudo se comparado com o ancestral sânscrito) inglês, um legado deixado pelo “Raj” (reinado) britânico, de 1858 a 1947, quando do domínio colonial do grande Império (britânico) sobre o continente indiano A consequência disso é que lá também se publica muito em inglês. E o mais interessante: livros que são dificilmente encontrados no Reino Unido ou nos Estados Unidos da América.
Descobri isso logo que chegamos a Nova Déli, uma cidade, pelo seu tamanho e pelo seu trânsito, quase inviável para o turista apressado. O nosso hotel, certamente para que o turista não precise se aventurar pela loucura da cidade, possuía, no que parecia ser a mistura do seu térreo e subsolo, um pequeno shopping e um supermercado. Esse supermercado, surpreendentemente, numa seção até grande, vendia livros. Comprei coisas interessantíssimas. Entre elas um “Agatha Christie: Shocking Real Muders behind her Classic Mysteries”, publicado pela HarperCollins Publishers da Índia, agora em 2017. Parte da uma série (“Real Crime Casebooks”), realizado com base nos arquivos do jornal Daily Mirror, ele, entre outras coisas, revela a inspiração da Rainha do Crime em fatos reais para a elaboração dos seus adoráveis mistérios. Mesmo nos meus anos em Londres, não me lembro de ter topado com algo parecido. Outro livro que comprei foi “A Brief History of India” (publicado pela Inner Traditions em 2003, a partir do original em francês “L'Historie de l'Inde”), do renomado historiador, musicólogo e indiologista francês Alain Deniélou (1907-1994). Se eu desejava conhecer um pouco da história da Índia pela perspectiva de um ocidental, não haveria coisa melhor. E tudo foi muito barato. Coisa de 500 rúpias indianas cada livro, e ainda tinha um desconto no caixa de 25%. No final, paguei algo entre 15 e 20 reais por cada belezinha.
Algo parecido também se deu em Agra, para onde fomos em seguida a Déli. O hotel em que lá ficamos também possuía um pequeno shopping, onde o turista menos corajoso poderia se distrair – e comprar, claro –, sem ter de enfrentar o trânsito, a visível sujeira e a confusão desta cidade que, embora abrigue o Taj Mahal e o Forte de Agra, às vezes ainda lembra um vilarejo dos tempos do Império Mugal. Havia uma pequena livraria escondida entre as lojas de sedas e assemelhados. E lá comprei “The Discovery of India” (Peguin Books, 2004), livro escrito por ninguém menos que Jawaharlal Nehru (1889-1964), o Primeiro-Ministro da independência da Índia e por mais dezessete anos, até o seu falecimento, no cargo, em 1964. Um tijolão de mais de 600 folhas, por uns 25 reais, que me foi e me tem sido útil para entender, nem que seja minimamente, aquele surpreendente país. Concebido enquanto Nehru estava preso no Ahmednagar Fort, publicado pela primeira vez em 1946, é um clássico, formando, juntamente com “Autobiography” e “Glimpes of World History”, a tríade dos mais famosos livros do “pandit” (professor) indiano.
Mas foi em Jaipur – uma cidade indiana “viável” para o turista, de tamanho humanamente explorável e, sobretudo, muito bela e agradável – que fiz minha festa. Antes de mais nada, adoramos Jaipur. Os seus palácios e fortes. Os seus monumentos. Os seus tuc-tucs. O seu gigante mercado. Sobre Jaipur, especificamente, nós conversaremos aqui um dia, eu prometo.
E Jaipur, descobri quase sem querer, tem um mercado de livros. Na verdade, um lado quase inteiro de uma rua do seu grande mercado/bazar, a Chaura Rasta Road, dedicado ao comércio de livros. Um tanto caótico, como não poderia deixar de ser, o que me deixou no começo, confesso, quase doidinho. Mas achei o meu “fornecedor” em Jaipur num tal “Shiv Book Depot” (Chaura Rasta, nº 167), um dos muitos comércios de livros (misto de livraria com sebo) encarrilhados no mercado da cidade, mas afortunadamente especializado também em direito. O meu “fornecedor” está ali desde 1953, imaginem.
Eu me dei muitíssimo bem. Adquiri uma “Introduction to the Constitution of India”, do grande jurista indiano Durga Das Basu. Um clássico, cuja edição que comprei, novinha em folha, da LexisNexis, de 2015, é a sua vigésima segunda. Devo ter pago umas 300 e poucas rúpias nessa joiazinha. Coisa de 15 reais. Ou seja, baratíssimo. Também pus na sacola alguns livros de filosofia geral e filosofia do direito, de editoras e autores indianos, entre os quais destaco: “Jurisprudence (Legal Theory)”, do professor Nomita Aggarwal, publicado por uma tal Central Law Publications em 2016; e “Studies in Jurisprudence and Legal Theory”, do professor N. V. Paranjape, este publicado por uma tal Central Law Agency, também em 2016. São livros novinhos, registre-se. Cada um, coisa de 300 a 400 rúpias ou 15 reais. De graça para tijolões de quinhentas e tantas páginas. Tão diferente dos caríssimos livros de direito aqui no Brasil. É quase revoltante.
Arrependi-me apenas de não ter comprado mais. Ando consultando pela Internet os catálogos das editoras jurídicas indianas. Mas talvez isso sirva de pretexto para voltar àquela terra, sei lá.
Bom, uma coisa é quase certa, esses livros são inéditos aqui por Natal. E se vocês me virem citando filosofias diferentes por aqui, não se preocupem, eu não perdi o juízo. Tá tudo nos livros.
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Mestre em Direito pela PUC/SP
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