NOS PORÕES DA MEMÓRIA
Valério Mesquita*
01) Corria a era da
graça de 1960 e lá se vão cinquenta e oito anos. Década das profundas
transformações políticas e sociais no Estado e no país. Mas quero mesmo me
referir à minha aldeia Macaíba que era administrada por Alfredo Mesquita Filho
pela terceira vez. Estava filiado ao velho PSD e ligado politicamente ao major Theodorico
Bezerra. Vencera a eleição de prefeito em 1958, renunciando ao mandato de
deputado estadual numa luta extremada com o genro e sobrinho Leonel Mesquita,
da UDN, prestigiado pelo governador Dinarte Mariz. Dois candidatos ao governo
do Rio Grande do Norte pontificavam naquele ano: Djalma Marinho e Aluízio
Alves, ambos udenistas. Alfredo Mesquita estava propenso a ficar com o segundo,
não fosse a reconciliação do casal, obrigando-o, ante a divisão do seu PSD, a
ficar com o candidato situacionista a fim de pacificar a família e não se
repetir o sofrimento pessoal da campanha anterior. Politicamente entrou na contramão
da história, mas manteve intacta a união da família pelo resto da vida, com o
sacrifício da derrota eleitoral por noventa votos.
02) Em 1965, feriu-se
nova batalha. Dessa vez, o próprio Dinarte Mariz pela Oposição, enfrentaria o monsenhor
Walfredo Gurgel para governador. O velho contra o padre. Dessa disputa,
lembro-me de uma missão do economista Roosevelt Garcia junto a Alfredo
Mesquita, chancelada pelo então governador Aluízio Alves. O meu pai, ao deixar
a prefeitura de Macaíba em 1963, se desfizera de sua propriedade rural
“Uberaba”, no município de Macaíba, acossado pelas dívidas políticas. Eu
cursava a Faculdade de Direito da UFRN aos 23 anos de idade e nunca assumira um
emprego. Nem na famosa “vaga existente”. A visita significava que o “Trem
Bacurau” apitava à minha porta. O maquinista era precavido e competente e sabia
lidar com o temperamento do seu tio Alfredo Mesquita. Inicialmente, Roosevelt
me antecipou o assunto: um cargo de fiscal de rendas em troca do alheamento de
Alfredo Mesquita no pleito de outubro. De minha parte, solteiro, universitário
e desempregado, a proposta era de um arcanjo e não de um parente. A conversa
entre os dois, pontilhada de cautela e prudência, pude observar a curta
distância, o que me permitiu ensaiar discreta torcida. Sabia que o sobrinho
predileto do meu pai, era o melhor interlocutor naquele instante. Mas, a
resposta do velho Mesquita foi não. Às vezes me pergunto: caso a resposta
tivesse sido afirmativa, teria mudado o curso da minha vida? Só o astrólogo do
universo sabe. A eleição foi perdida por quatrocentos votos, mas Alfredo
Mesquita manteve-se firme na Oposição até falecer, no dia 12 de abril de 1969.
A palavra dada e a fidelidade mantida eram sua marca registrada.
03) O tempo passou e
quase tudo mudou. Em 1974, já prefeito de Macaíba, o meu primeiro encontro
político com o senador Dinarte Mariz ocorreu na candidatura do seu filho
Wanderley para deputado federal. Eu já havia me definido por Grimaldi Ribeiro,
em quem votava desde 1970. O velho senador solicitou-me que dividisse os votos
para deputado federal. Não concordei, alegando o meu compromisso e a
dificuldade da reeleição do seu correligionário. Conversa difícil que deixou
profundo mal-estar. Dinarte conseguiu outros apoios. Mas houve no curso da
campanha um choque de passeatas, que resultou num discurso patético do senador
contra o prefeito. “Esse rapaz”, falou, “está desenvolvendo em Macaíba uma
tática comunista. Amanhã mesmo, vou comunicar ao presidente Geisel o que está
se passando aqui”. O fato é que essa ameaça nunca se concretizou. Mas, me valeu
o veto radical de Dinarte ao meu nome para prefeito indireto de Natal. O
governador nomeado, Tarcísio Maia, que me preferia, por sugestão de Djalma
Marinho, sucumbiu à imposição do velho senador que apontou Vauban Bezerra de
Faria. Mais uma vez, ficou provado que a fidelidade também tem o seu preço.